Direito Penal Retraído

19/10/2015 às 14:47
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O Direito Penal é uma ciência jurídica dotada de múltiplas destinações. Uma das principais funções do Direito Penal, sendo, portanto, consenso na doutrina, é a de proteção dos bens mais importantes e essenciais da sociedade.

Direito Penal Retraído

Moralidade Administrativa: "conjunto de regras de conduta tiradas da disciplina interior da administração". (Maurice Hauriou)

O Direito Penal é uma ciência jurídica dotada de múltiplas destinações. Uma das principais funções do Direito Penal, sendo, portanto, consenso na doutrina, é a de proteção dos bens mais importantes e essenciais da sociedade.

Assim, para proteção da vida, é intuitivo perceber que todo e qualquer ramo do direito exerce funções assessórias e periféricas no que tange à tutela do direito à vida.

Mas em caso de supressão desse bem tão valioso, cabe ao Direito Penal, em última análise, fazer a imediata intervenção visando a eficaz punição do transgressor.

Nessa mesma linha de pensamento, essa Ciência tão imprescindível para a sociedade também se presta a direcionar a linha de ação do legislador no tocante a criação e extinção de figuras criminosas de acordo com o momento histórico-social.

Uma terceira função do Direito Penal, segundo parte da doutrina, é punir com rigor o transgressor da norma, visando a reprovação do seu ato e a prevenção de novos crimes, adotando-se, assim, a teoria unificadora ou eclética da pena. 

Sendo um ramo tão importante para a concretização da justiça, coube ao próprio Estado a sua realização, por meio de agentes públicos.

Desta feita, agindo em nome do Estado, e representando a sua vontade, conforme Teoria do Órgão defendida pelo jurista alemão Otto Gierke, o agente faz realizar o interesse da sociedade.

Sobre o assunto, o Professor José dos Santos Carvalho Filho, em seu “Manual de Direito Administrativo”, informa que referida teoria consiste no princípio da imputação volitiva, isto é, a vontade do órgão é imputada à pessoa jurídica a cuja estrutura pertence,

Há, pois, uma relação jurídica externa, entre a pessoa jurídica e outras pessoas, e uma relação interna, que vincula o órgão à pessoa jurídica a que pertence.

Assim, todo agente público deve pautar sua conduta administrativa, de acordo com os preceitos da legalidade, moralidade, eficiência, impessoalidade, publicidade, honestidade, imparcialidade, lealdade, além de outros.

Esses preceitos da Administração pública se encontram previstos no artigo 37, caput, da Constituição da República e também no artigo 11 da Lei nº 8.429/92.

"Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:"  

"Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:"

Passaremos a discorrer sobre os 08(oito) princípios aqui elencados, sendo cinco da Constituição da República e 03(três) da Lei de Improbidade Administrativa, em apertadíssima síntese:

Pelo princípio da legalidade, estampado no artigo 5º, inciso II, da Constituição da República, de 1988, ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude da lei.

Em se tratando de atividade particular tudo o que não está proibido é permitido, em contrapartida, na Administração Pública tudo o que não está permitido é proibido. O administrador está rigidamente preso à lei e sua atuação deve ser confrontada com a lei.

O princípio da impessoalidade, informa que o administrador deve se orientar por critérios objetivos, não fazer distinções com base em critérios pessoais.

Toda atividade da Administração Pública deve ser praticada tendo-se em vista a finalidade pública.

Outro princípio importante da Administração Pública é o da publicidade. Os atos da  Administração Pública, além de obedecer a outros princípios, devem ser publicados em Diário Oficial, para fins de efetivo controle.

Essa publicidade, entretanto, não é absoluta. Em algumas circunstâncias, os atos devem ser sigilosos, por exemplo, na votação dos quesitos referentes ao julgamento do Tribunal do Júri, artigo 5º, inciso XXXVIII, alínea b), CF/88, e também na apresentação das propostas previstas na Lei nº 8.666/93, que diz respeito à Lei de Licitação.

Importante salientar que o referido estatuto normativo, eleva à categoria de crime o fato de devassar o sigilo de proposta apresentada em procedimento licitatório, conforme artigo 94 da Lei em comento, in verbis:

Art. 94.  Devassar o sigilo de proposta apresentada em procedimento licitatório, ou proporcionar a terceiro o ensejo de devassá-lo:

Pena - detenção, de 2 (dois) a 3 (três) anos, e multa.

O princípio da Imparcialidade Administrativa exige que a conduta do administrador seja imparcial e neutra. Para ser válida, e, portanto, legítima, deve obedecer, rigorosamente, a parâmetros racionais de comportamento,

Já pelo princípio da honestidade administrativa, pode-se entender como sendo aquilo que traz em si a carga da qualidade do que é honesto.

Portanto, a palavra honestidade faz referência àquilo que é decente, íntegro, recatado, equânime, probo, honrado e digno, funcionando como parâmetro da vida pessoal e profissional.

O desonesto é aquele agente público que vende a alma da mãe para conseguir os seus interesses pessoais, atropela todas as convenções sociais, destrói regras, desprezando todos os valores morais e éticos. 

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A eficiência, princípio originário do Direito Italiano, não constitui mero mandamento simbólico. Todo servidor público, além de obedecer a aspectos legais, também deve prestar serviços com eficiência, rendimento e concreta satisfação a todo cidadão.

O festejado constitucionalista ALEXANDRE MORAES conceitua o princípio da eficiência como sendo:

"Assim, princípio da eficiência é o que impõe à administração pública direta e indireta e a seus agentes a persecução do bem comum, por meio do exercício de suas competências de forma imparcial, neutra, transparente, participativa, eficaz, sem burocracia e sempre em busca da qualidade, rimando pela adoção dos critérios legais e morais necessários para melhor utilização possível dos recursos públicos, de maneira a evitarem-se desperdícios e garantir-se maior rentabilidade social."

O princípio da moralidade, de conteúdo obrigatório para a vida, constitui pressuposto de validade de todo o ato da Administração Pública, não se dirigindo somente a distinguir o bem do mal ou o honesto do desonesto, mas, fundamentalmente, garantir o bem comum. Trata-se de uma moral jurídica.

 O precursor da necessidade da moralidade administrativa foi Maurice Hauriou, que observou ultrapassada a perspectiva da legalidade quando se emprega o recurso do desvio de poder.

A necessidade de se apreciar a moralidade como requisito do controle incidente sobre os atos administrativos foi historicamente, imposta pelo reconhecimento do desvio de poder, tão proclamado e enquanto categoria jurídica de conteúdo científico e normativo.

De acordo com o que preleciona Hauriou, o conceito de moralidade administrativa, surgiu a 10º edição da obra "Précis de droit administratif", sendo apresentado como um "conjunto de regras de conduta tiradas da disciplina interior da administração".

O Direito Penal Retraído ou obstado nasce no momento em que ocorre a quebra desses preceitos, em especial ao vinculado à moralidade, fazendo com que o agente público incumbido de dar efetividade às normas de Direito Penal, se coloca como barreira intransponível na sua aplicação, ora forjando provas para a destruição da verdade verossímil, ora impedindo que ações policiais sejam perpetradas, servindo assim, como agente refratário da realização da justiça.

Imaginamos, por exemplo, a operacionalidade no combate a conduta contravencional do jogo do bicho descrita na Lei das Contravenções Penais, consistente em explorar ou realizar a loteria denominada jogo do bicho, ou praticar qualquer ato relativo à sua realização ou exploração.

Sendo contravenção penal prevista no artigo 58 do Decreto-Lei nº 3.688/41, portanto, ainda não revogada por lei posterior, na melhor forma da Lei Complementar nº 95/98, não afastando a sua tipicidade em face de isolados pensamentos jurídicos vinculados aos princípios da adequação social e lesividade, além do direito consuetudinário, cabe ao Estado a sua real e firme repressão.

Acontece que alguns arremedos de agentes públicos, desonestos e recalcitrantes aos valores da probidade administrativa, vingadores e justiceiros, ainda se imiscuem em práticas odiosas, proibindo que agentes públicos honestos façam intervenção combativa, ou sofram toda sorte de assédios morais, inclusive remoções arbitrárias e boçais exonerações de exercentes de cargos comissionados.

Essas penalidades são levadas a efeito por parte de chefias dotadas de poder de mando, geralmente em troca de recebimento de propinas de contraventores ou se prestando a favores políticos, fomentando, destarte, a existência de um Direito Penal Retraído, corrompido e ultrajado, em detrimento de uma justiça efetiva.

Por fim, o Direito Penal corroído por força de falsos agentes públicos que deveriam agir em prol de sua correta aplicação, acaba por perder a sua capacidade resolutiva por força de influências externas. Em consequência, transforma-se, assim, num instrumento penal retraído e viciado na sua essência por gestores do mal, verdadeiros e insofismáveis atrozes da Administração Pública, responsáveis pela introdução no ordenamento jurídico daquilo que chamamos, doravante, de Direito Penal Retraído.     

Referências bibliográficas:

http://br.monografias.com/trabalhos3/a-boa-administracao-publica/a-boa-administracao-publica2.shtml. Acesso em 11 de março de 2015, às 13h22min.

Sobre o autor
Jeferson Botelho Pereira

Jeferson Botelho Pereira. Ex-Secretário Adjunto de Justiça e Segurança Pública de MG, de 03/02/2021 a 23/11/2022. É Delegado Geral de Polícia Civil em Minas Gerais, aposentado. Ex-Superintendente de Investigações e Polícia Judiciária de Minas Gerais, no período de 19 de setembro de 2011 a 10 de fevereiro de 2015. Ex-Chefe do 2º Departamento de Polícia Civil de Minas Gerais, Ex-Delegado Regional de Governador Valadares, Ex-Delegado da Divisão de Tóxicos e Entorpecentes e Repressão a Homicídios em Teófilo Otoni/MG, Graduado em Direito pela Fundação Educacional Nordeste Mineiro - FENORD - Teófilo Otoni/MG, em 1991995. Professor de Direito Penal, Processo Penal, Teoria Geral do Processo, Instituições de Direito Público e Privado, Legislação Especial, Direito Penal Avançado, Professor da Academia de Polícia Civil de Minas Gerais, Professor do Curso de Pós-Graduação de Direito Penal e Processo Penal da Faculdade Estácio de Sá, Pós-Graduado em Direito Penal e Processo Penal pela FADIVALE em Governador Valadares/MG, Prof. do Curso de Pós-Graduação em Ciências Criminais e Segurança Pública, Faculdades Unificadas Doctum, Campus Teófilo Otoni, Professor do curso de Pós-Graduação da FADIVALE/MG, Professor da Universidade Presidente Antônio Carlos - UNIPAC-Teófilo Otoni. Especialização em Combate à corrupção, crime organizado e Antiterrorismo pela Vniversidad DSalamanca, Espanha, 40ª curso de Especialização em Direito. Mestrando em Ciências das Religiões pela Faculdade Unida de Vitória/ES. Participação no 1º Estado Social, neoliberalismo e desenvolvimento social e econômico, Vniversidad DSalamanca, 19/01/2017, Espanha, 2017. Participação no 2º Taller Desenvolvimento social numa sociedade de Risco e as novas Ameaças aos Direitos Fundamentais, 24/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Participação no 3º Taller A solução de conflitos no âmbito do Direito Privado, 26/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Jornada Internacional Comjib-VSAL EL espaço jurídico ibero-americano: Oportunidades e Desafios Compartidos. Participação no Seminário A relação entre União Europeia e América Latina, em 23 de janeiro de 2017. Apresentação em Taller Avanco Social numa Sociedade de Risco e a proteção dos direitos fundamentais, celebrado em 24 de janeiro de 2017. Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino, Buenos Aires – Argentina, autor do Livro Tráfico e Uso Ilícitos de Drogas: Atividade sindical complexa e ameaça transnacional, Editora JHMIZUNO, Participação no Livro: Lei nº 12.403/2011 na Prática - Alterações da Novel legislação e os Delegados de Polícia, Participação no Livro Comentários ao Projeto do Novo Código Penal PLS nº 236/2012, Editora Impetus, Participação no Livro Atividade Policial, 6ª Edição, Autor Rogério Greco, Coautor do Livro Manual de Processo Penal, 2015, 1ª Edição Editora D´Plácido, Autor do Livro Elementos do Direito Penal, 1ª edição, Editora D´Plácido, Belo Horizonte, 2016. Coautor do Livro RELEITURA DE CASOS CÉLEBRES. Julgamento complexo no Brasil. Editora Conhecimento - Belo Horizonte. Ano 2020. Autor do Livro VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. 2022. Editora Mizuno, São Paulo. articulista em Revistas Jurídicas, Professor em Cursos preparatórios para Concurso Público, palestrante em Seminários e Congressos. É advogado criminalista em Minas Gerais. OAB/MG. Condecorações: Medalha da Inconfidência Mineira em Ouro Preto em 2013, Conferida pelo Governo do Estado, Medalha de Mérito Legislativo da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, 2013, Medalha Santos Drumont, Conferida pelo Governo do Estado de Minas Gerais, em 2013, Medalha Circuito das Águas, em 2014, Conferida Conselho da Medalha de São Lourenço/MG. Medalha Garimpeiro do ano de 2013, em Teófilo Otoni, Medalha Sesquicentenária em Teófilo Otoni. Medalha Imperador Dom Pedro II, do Corpo de Bombeiros, 29/08/2014, Medalha Gilberto Porto, Grau Ouro, pela Academia de Polícia Civil em Belo Horizonte - 2015, Medalha do Mérito Estudantil da UETO - União Estudantil de Teófilo Otoni, junho/2016, Título de Cidadão Honorário de Governador Valadares/MG, em 2012, Contagem/MG em 2013 e Belo Horizonte/MG, em 2013.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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