Homicídio é matar alguém, á luz do que dita o artigo 121 do Código Penal.
O homicídio privilegiado cometido por motivo de relevante valor social ou moral, se distingue daquele que é causado por ímpeto de ira ou justa dor e é historicamente considerado no caso de provocação da vítima, flagrante adultério e morte dada ao ladrão, pois que causada com evidente excesso. Para tanto, será necessário: provocação injusta da vítima; reação desde logo em seguida.
A provocação pode consistir em qualquer ato voluntário(ação ou omissão) que expresse um desafio ou uma ofensa à sensibilidade moral do agente, não sendo indispensável a intenção de provocar. Tal é o caso de perseguições, expressões de desprezo, ofensas à honra, ameaças, vias de fato, etc., sempre levando em conta os padrões sociais.
A provocação pode visar pessoa diversa daquela que comete o crime.
Mas, há de ser injusta a provocação, a provocar violenta emoção, exigindo uma séria perturbação da afetividade, de modo a destruir a capacidade de reflexão e os freios inibitórios. Por certo, o homicídio praticado friamente não será privilegiado.
A paixão não dá azo ao homicídio privilegiado, pois representa um processo afetivo duradouro, um estado emotivo que se protrai. Considera-se apenas para o crime de homicídio privilegiado a emoção-choque.
Ainda o crime deve ser praticado sem intervalo, logo em seguida a injusta provocação da vítima, enquanto durar o estado emocional por ela provocado.
Implementados esses requisitos a pena do homicídio será reduzida de um sexto a um terço. Mas essa redução, data vênia, é facultativa. Assim penso, na linha de: Heleno Cláudio Fragoso[1], Damásio Evangelista de Jesus[2], Paulo Heber de Morais.[3]
Percebe-se que estamos em situação diametralmente oposta ao homicídio qualificado, previsto no artigo 121, § 2º, onde o agente revela um verdadeiro desprezo a seu semelhante seja praticando o crime: mediante paga, mando, promessa de recompensa; por preconceito de raça, cor, etnia, orientação sexual e identidade de gênero, deficiência, condição de vulnerabilidade social, religião, procedência regional ou nacional, ou por outro motivo torpe; ou em contexto de violência domestica ou familiar; por motivo fútil; com emprego de veneno; fogo, explosivo, asfixia, tortura ou meio igualmente insidioso,cruel ou de que possa resultar perigo comum; à traição, de emboscada, mediante dissimulação ou outra conduta análoga para dificultar ou tornar impossível a defesa do ofendido; para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime ou por dois ou mais agentes em atividade típica de grupo de extermínio. A isso se acrescenta agravante genérica como é o caso do parricídio, um crime infame que é matar um pai.
Duas são as hipóteses de homicídio privilegiado do que se vê do artigo 121, 1º, do Código Penal. São elas:
a) Ter sido crime cometido por motivo de relevante valor social ou moral; ou
b) Sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima.
Observe-se que o motivo de valor social é aquele que atende aos interesses ou fins da vida coletiva. O valor moral do motivo se afere segundo os princípios éticos dominantes que são aprovados pela moralidade média, que se extraem dos princípios éticos próprios da sociedade presente.
Fala-se ainda que a circunstância de ter agido por motivo de especial valor social ou moral teria um caráter subjetivo não se comunicando ao coautor, que não tenha agido impelido pelas mesmas razões.
Outra hipótese envolve o que se conhece como ímpeto de ira ou justa dor da vítima e é considerada nos casos de provocação da vítima, flagrante adultério e morte a ladrão.
Assim são três as condições para se conferir privilégio ao homicídio:
a) Provocação injusta da vítima;
b) Emoção violenta do agente;
c) Reação deste logo em seguida.
A provocação pode consistir em qualquer fato voluntário, seja ação ou omissão, que venha expressar uma ofensa à sensibilidade moral do agente. São as vías de fato, as ofensas à honra, zombarias, insinuações, perseguições, agressões.
A provocação deve ser injusta, por certo, vinda sem motivo razoável.
Essa provocação injusta deverá vir de sujeito consciente, não se levando em conta os loucos, as crianças.
Essa provocação deve levar à violenta emoção.
Essa emoção deverá ser violenta, numa séria perturbação da afetividade de modo a dificultar a capacidade de reflexão.
Retira-se, pois, do homicídio privilegiado a paixão. É a emoção-sentimento que se distancia da emoção-choque.
O homicídio privilegiado não irá desaparecer nos casos de erro na execução.
Há entendimento de que as causas de privilégio são incompatíveis com as que qualificam. Há os que entendem que devem prevalecer as chamadas circunstâncias preponderantes.
Hoje prepondera o entendimento de que há homicídio privilegiado em casos de infidelidade conjugal(RF 110/400, dentre outros). Será o caso ainda quando há reação imediata a uma bofetada ou agressão com instrumento aviltante(RT 155/78).
Está superada a doutrina que albergava a chamada legítima defesa da honra.
Para isso fala-se em honra coinjugal, o adultério.
Este consiste não apenas em ofensa à honra do cônjuge como também em violação à ordem jurídica e social, que é instituição de direito público. A violação à ordem matrimonial lesa o interesse social e estatal, uma vez que desestabiliza toda a estrutura familiar, podendo dar causa à dissolução da vida em comum. Ademais, ofende a honra do consorte e, por estas razões é que o adultério é punido desde as mais antigas legislações.
O código penal vigente, em seu artigo 240, pune o crime de adultério com pena de detenção de 15 (quinze) dias a 6 (seis) meses, punindo inclusive o co-réu.
No entanto, o adultério não é a única ofensa à honra conjugal. Pode-se também ingressar neste rol a rejeição, a repulsa e o abandono.
Tais atos causam dor insuportável à algumas pessoas. Como já dito, a honra é atributo subjetivo e, para isso, deve ser avaliado, caso a caso, se ocorreu ou não a ofensa.
Esses atos, quando praticados por um dos cônjuges, ferem a honra do outro, é ofensa moral para si e para a sociedade.
Essa tese, própria da defesa no Tribunal do Júri, no julgamento dos crimes dolosos contra a vida foi utilizada no chamado caso Doca Street, sem sucesso quando se falou em crime passional.
Raul Fernando do Amaral Street, o Doca, matou sua namorada Ângela Diniz após uma violenta discussão entre o casal. Ela, que estava com Doca havia apenas alguns meses, era conhecida como “A Pantera de Minas”, personalidade ativa nas colunas sociais do Rio de Janeiro.
O assassino teve como advogado de defesa o conceituado criminalista brasileiro Evandro Lins e Silva, que publicou o livro “A Defesa tem a Palavra”, contando como defendeu o réu confesso em seu primeiro julgamento. Doca se beneficiou com a tese do excesso culposo no estado de legítima defesa e o juiz fixou a pena de dois anos de detenção ao réu, concedendo-lhe o direito ao sursis.
Há o que se chama de crime passional, que é um crime cometido por paixão, na medida em que uma pessoa se sente dona de outra e quer que o seu sentimento seja reconhecido como único.
Foge essa tese dos verdadeiros fundamentos da legítima defesa:
1. agressão injusta, atual ou iminente;
2. direitos do agredido ou de terceiro;
3. repulsa com os meios necessários;
4. uso moderado de tais meios;
5. conhecimento da agressão e da necessidade de defesa
Tudo isso seria fruto de uma sociedade onde o homem teria o direito de posse sobre a mulher, uma sociedade machista, que, à luz do texto constitucional, que prega a igualdade entre os cônjuges não tem razão de ser.
Em verdade a tese da legítima defesa da honra é inviável juridicamente. A uma, devido à ausência dos requisitos constitutivos da excludente de ilicitude prevista no art. 25 do CP. A duas, no que tange à agressão atual ou iminente e ao uso moderado dos meios, raros são os fatos que realmente a expressam.
Somando-se a essa proposição, trata-se de um parecer contrário à Declaração dos Direitos do Homem, a qual prevê em seu artigo 5º “que ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante”, quanto mais à morte.
Afinal, quem ama não mata.
Notas
[1] FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal, parte especial, 3ª edição, volume I, pág. 53 e 54.
[2] JESUS, Damásio E. de. Direito penal, 4ª edição, São Paulo, Saraiva, 1982, volume II, pág. 69 a 70.
[3] MORAIS, Paulo Heber de. Homicídio, Curitiba, Juruá, pág. 22.