A livre iniciativa, a propriedade e a função social: o trinômio econômico do Estado

27/10/2015 às 15:15
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A livre iniciativa, declara o exercício de atividades econômicas sedimentado no direito à propriedade, também cria desdobramentos para manter o equilíbrio comercial do país em busca da equanimidade social. É a ignição do motor econômico de um Estado.

RESUMO

O princípio da livre iniciativa está enraizado em toda a malha constitucional, expressa e implicitamente, interligando-se a diversos outros princípios e direitos explicitados em toda Carta Magna. Não é uma liberdade individual. É a ignição do motor econômico de um país. Vinculando-se ao direito de propriedade, ao princípio basilar da dignidade da pessoa humana, aos valores do bem estar e justiça social, à proteção ao meio ambiente e à livre concorrência. O próprio Estado poderá exercer o direito de tal liberdade, monopolizando e dividindo-a com pessoas de direito privado quando necessário. A livre iniciativa, além do direito de exercício de atividades econômicas sedimentado no direito à propriedade, também cria desdobramentos para manter o equilíbrio comercial do país em busca da equanimidade social.

SUMÁRIO

1 - INTRÓITO

2- DESDOBRAMENTO DO PRINCÍPIO DA LIVRE INICIATIVA NA CONSTITUIÇÃO

3- DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, BEM ESTAR E JUSTIÇA SOCIAL

4- LIVRE CONCORRÊNCIA, CONSUMIDOR E MEIO AMBIENTE

5- O VALOR E A INTERFERÊNCIA ESTATAL

6 - CONCLUSÃO

REFERÊNCIAS

1 - INTRÓITO
 

A livre iniciativa, a propriedade e a função social se tratam de princípios e direitos basilares para a liberdade do exercício de quaisquer atividades econômicas, lícitas, desenvolvidas no país, bem como a troca de energia humana para o conforto e justiça social.

A livre iniciativa, é prevista na atual Carta Magna logo de plano, no Título dos Princípios Fundamentais, em seu artigo 1º, inciso IV, que em seu caput estabelece a forma de nosso Estado, bem como a de seu governo e, logo em seguida, em seus incisos, enumera os valores que orientam, fundamentam e alicerçam o Estado brasileiro, dentre eles, um dos nossos principais objetos de estudo aqui tratado: vejamos: “Art. 1º (...) IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; (...)”

Assim, dispondo a Constituição sobre um fundamento que expressa conjuntamente em um só inciso, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, dessume-se que o Brasil se configura como um país obrigatoriamente neoliberal e capitalista.

No que tange à propriedade, citada vinte e cinco vezes na Constituição, é direito garantido pela própria Carta Magna (art. 5º, XXII), sendo tutelada tanto na acepção corpórea quanto incorpórea (art. 5º, XXVII, XXVIII e XXIX), desde que atendam sua respectiva função social (art. 5º, XXIII).

Com efeito, trabalharemos com uma interpretação sistemática-constitucional recaindo diretamente no Direito Privado.

2- DESDOBRAMENTO DO PRINCÍPIO DA LIVRE INICIATIVA NA CONSTITUIÇÃO

Prefacialmente, observemos que o princípio da livre iniciativa estatuído no início da nossa Carta Política, é repetido no art. 170: “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”. A concepção do princípio da livre iniciativa pelo constituinte, sempre, em conjunto com o trabalho humano foi arguta, para que aí se clarifique a ideia de harmonia a ser empregada entre o livre exercício comercial, o empreendedorismo e os meios de produção, concretizada através da justiça social e, interligada ao trabalho humano, o qual deverá ser valorizado, garantindo assim, a dignidade da pessoa humana, tanto para os trabalhadores quanto para os empresários.

Observemos que o mínimo de dignidade deverá ser garantido, tanto pelo poder estatal, ao fixar o salário mínimo, quanto pelo setor privado que deverá garantir o valor mínimo ao trabalhador para que este subsista com sua família. Isso que é que preconiza a Constituição Federal nos Direitos dos trabalhadores, "art. 7º, IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;"

Ainda, interpretando sistematicamente, deve-se observar que a engrenagem empresarial, bem como a dos fatores de produção, não gira de forma independente. Dois direitos declarados através dos incisos do art. 5º são fundamentais para o funcionamento geral de todo o sistema econômico privado do país, vejamos:

O primeiro trata-se da liberdade de profissão: “XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”. Tal dispositivo, como norma de eficácia contida que é, declara a liberdade da atividade laboral, no entanto, a lei poderá restringir o direito desse exercício. Tome-se como exemplo a atividade advocatícia, a qual será necessária a aprovação em exame da Ordem dos Advogados.

O segundo é o direito de propriedade: “XXII - é garantido o direito de propriedade”; “XXIII - a propriedade atenderá a sua função social”. O direito de propriedade é essencial ao exercício da liberdade de iniciativa, pois, assim, o empresário poderá apropriar-se dos meios de produção, garantindo o seu sustento de acordo com seu padrão de vida, bem como o daqueles que ali participam da atividade empresarial. A propriedade privada é um direito estatuído na maioria dos sistemas capitalistas, entretanto, não significa que tal sistema será voraz e ilimitado, pois o exercício do direito de propriedade deverá atender sua função social, cumprindo obrigatoriamente, no mínimo, as exigências fundamentais de ordenação das cidades estabelecidas no plano diretor, é o que se verifica no art. 182, §2º.

2.1. A PROPRIEDADE

A propriedade está intrínseca a própria existência humana, desde as neófitas sociedades, quando poderiam não haver delimitações de terra, entretanto, cada um era proprietário de suas roupas, armas e tudo aquilo que o garantisse na condição de ser humano.

A história da propriedade é a história da liberdade. A antropologia não tem conhecimento de sociedades que ignoram o direito de propriedade. Não se trata, pois, de uma instituição legal ou convencional, mas natural. É inerente a qualquer ser humano o anseio pela segurança propiciada pela aquisição de bem. Bem observa Beatriz A. Areán que nada é melhor que a iniciativa dos particulares para o fomento e estímulo dos valores espirituais. (CHAVES, Cristiano, 2011, Direitos Reais, p. 194, apud AREÁN, Beatriz, Derechos Reales, p. 235).

Questionada por marxistas e socialistas, a propriedade, hodiernamente, tornou-se a principal engrenagem para o desenvolvimento humano e econômico.

Abrange a propriedade uma série de faculdades àquele que a exerce, como usar, gozar, dispor e reaver (art. 1.228 do CC), tonando-a em um direito complexo e suscetível a inúmeras discussões.

Com a evolução social, deixou a propriedade de ser apenas o poder sobre a delimitação física da coisa e passou a exercer o papel econômico sobre a coisa, garantindo a segurança e a estabilidade do indivíduo em meio social, tornou a engrenagem que move o sistema político-social de um país.

Tendo em vista que a propriedade trata-se da relação do bem, corpóreo ou incorpóreo, entre o proprietário em oposição à coletividade, define-se como a relação jurídica intersubjetiva entre o bem e seu titular tutelada em desfavor a outrem, agregada, atualmente, a um valor monetário ou pessoal. Sem olvidar a consequente função social estabelecida pelos Estados ao cedermos um pouco de nossa liberdade para o controle estatal em favor do interesse público.

2.2. FUNÇÃO SOCIAL

É a finalidade, o sentido, a estrutura usual, o bem em seu viés demandado pelo interesse público, todos vinculados ao modelo jurídico do Estado.

A Constituição Federal estabelece que a propriedade deverá exercer sua função social (art. 5º, XXIII), indica quando um imóvel urbano atenderá sua função social (art. 182, §2º), bem como estabelece os requisitos para o cumprimento da função social da propriedade rural (art. 186).

O Código Civil, a Constituição do Direito Privado, também traz inserto em seu texto a função social como limite da liberdade de contratar, atenuando-se pelo princípio da relatividade, no qual balizará os interesses dos indivíduos contratantes perante o interesse de terceiros.

A função social é um princípio que opera um corte vertical em todo o sistema de direito privado. Ela se insere na própria estrutura de qualquer direito subjetivo para justificar a razão pela qual ela serve e qual papel desempenha. Atualmente, cogita-se de uma função social das obrigações, da família e de outros modelos do Direito privado. (DE FARIAS, Cristiano Chaves, ROSENVALD Nelson, 2011, Direitos Reais, pag. 236)

3- DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, BEM ESTAR E JUSTIÇA SOCIAL

É mister observar que o constituinte e o civilista estão sempre preocupados com a dignidade e com a justiça social, buscando uma idéia harmônica entre a atividade empresarial, a propriedade, o trabalhador e a sociedade, garantindo dignidade a todos, nunca se contrapondo. É o que se observa preconizado no artigo 7º, inciso IV ao estabelecer aos trabalhadores “participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração, e, excepcionalmente, participação na gestão da empresa, conforme definido em lei”.

Nesse sentido, de justiça social e bem-estar social, balizados pelo texto constitucional, é que alguns doutrinadores salientam que a exploração da atividade econômica com fins puramente de lucro e satisfação pessoal do empresário, do ponto de vista jurídico, seria ilegítima. Pois, tome-se como exemplo um empreendedor que se utiliza como fator de produção o trabalho escravo, ou mão de obra mal remunerada, abaixo do salário mínimo, não estaria o empresário atendendo a dignidade da pessoa humana nem aos fins sociais, além de estar exercendo a atividade por meios ilegais de produção. Mesmo exercendo a atividade econômica legalmente, no entanto, tendo como pilares meios amorais, sem atender os fins sociais, tal exploração econômica, ainda assim, estaria ilegítima.

Cabe salientar que com os lucros gerados pela atividade empresarial, o empresário visa atender a suas necessidades pessoais e as de sua família, buscando um padrão de vida melhor. Trata-se também de sua satisfação pessoal, o orgulho daquilo que criou, organizou e desenvolveu. Se, desta forma, houver harmonia entre a busca do sentimento pessoal e a dignidade e valorização dos empregados, para que estes cresçam junto com a empresa, haverá total legitimidade na atividade econômica empresarial, a qual se desdobra da liberdade de iniciativa obviamente.

Podemos observar que o favorecimento do empresário deverá sempre ter relação direta com a dos trabalhadores, pois, mesmo a Constituição, ao se referir à propriedade rural, quando estatui que "A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: [...] IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.", podemos interpretar extensivamente em favor também dos proprietários e trabalhadores urbanos, ainda que estes últimos já estejam protegidos de forma clara pelo artigo 7º da CF.

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4 - LIVRE CONCORRÊNCIA, CONSUMIDOR E MEIO AMBIENTE

Faz-se necessário frisar que a livre iniciativa não é um princípio absoluto, ávido e feroz, pois, além de respeitar os ditames constitucionais e infraconstitucionais, deverá prezar a observância de três raias, o respeito à livre concorrência, ao consumidor e ao meio ambiente que, além de constitucionalmente estabelecidos, são essenciais para o exercício da atividade empresarial.

Assim, quanto à livre concorrência, deve-se notar que é um mecanismo de proteção da própria liberdade de iniciativa, ou melhor, da livre iniciativa de todos, dos outros empresários, mantendo estabilidade e respeito comercial entres aqueles que decidiram buscar o seu sustento através das atividades comerciais. E, quanto à proteção do consumidor, remete-se à proteção daqueles a quem a atividade empresarial é destinada, tido como a parte fraca da relação de consumo, totalmente passível de abusos daquele que teoricamente detém maior poder econômico.

É imperioso trazer a lume a matéria prima da malha econômica de uma país, ou melhor, a gênese de toda liberdade de iniciativa exercida: o meio ambiente. Podemos afirmar que este, do ponto de vista jurídico, é direito comum da sociedade, um princípio constitucional. Entretanto, iremos além, mesmo que pareça romântico, trata-se da vida, o maior bem preservado por qualquer Constituição, por todo diploma legal existente. É do meio ambiente que se extrai toda a riqueza humana, portanto, deverá ser preservado, protegido e equilibrado. A propriedade e a livre iniciativa, sempre estarão sendo exercidas de acordo com a preservação ambiental e, sem a necessidade da citação de leis, basta verificar o que é estatuído em todo o artigo 225 da Carta Magna, onde o constituinte intencionou o equilíbrio do meio ambiente, bem como os meios para sua proteção, garantindo, desta forma, qualidade de vida em prol da sociedade.

5- O VALOR E A INTERFERÊNCIA ESTATAL

A livre iniciativa não abriga tão somente o direito de dar início à atividade empresarial, mas também cessá-la. Garantido o direito individual de pôr produtos no mercado, a livre concorrência garantirá a livre iniciativa de outros e, desta forma, estimulará também o desenvolvimento tecnológico e econômico.

Estamos diante não só de um princípio valorativo, inerente ao Estado, fazendo parte de seu alicerce, o multicitado princípio também é tratado como um direito individual, podendo ser exercido a qualquer momento por todos os brasileiros que assim desejarem.

Contudo, mesmo se tratando de direito individual, poderá o Estado intervir quando necessário, pois tal direito está ligado à ordem econômica. Fala-se, então, em intervenção direta, o próprio Estado atuando como agente econômico no país, ou melhor, o Estado é o agente produtivo em sentido estrito, desde que esteja previsto e autorizado constitucionalmente, assim, em casos específicos, poderá o Estado monopolizar tal atividade, como é o caso da extração de petróleo ou dos Correios. Poderá também participar de atividades econômicas com agentes privados, com a participação em empresas de grupos de economia mista, como o Banco do Brasil. Ainda, poderá o Estado criar empresas públicas, tal como a Caixa Econômica Federal, a qual exerce grande função social no país.

Por outro lado, pode ser identificada também a intervenção indireta, quando o Estado se apresenta como agente normativo e regulador. Desta forma, o Estado poderá, através de atos, claro que dentro dos limites estabelecidos na norma constitucional e infraconstitucional, intervir na economia, tanto para garantir o fluxo constante do mercado nacional, quanto para garantir a soberania econômica do país, tome-se como exemplo a redução do IPI para indústrias automotivas ou o aumento de impostos para importação. O Estado também poderá regular as atividades econômicas, para evitar abusos de poder econômicos, tal como cartéis, fazendo prevalecer o princípio da livre-concorrência.

6 - CONCLUSÃO

Toda a atuação estatal, no sentido de normatizar, regular, fiscalizar, planejar e incentivar a economia, visa à proteção da ordem econômica do país, bem como da própria liberdade de iniciativa, tanto dos nacionais, quanto do próprio Estado. Desta forma a soberania econômica estará garantida em face de outros países e a harmonia capital, privada ou pública, será mantida sem qualquer meio discriminatório, a contrário senso, no que se refere a buscar uma igualdade de direitos para equiparar os que se utilizam do princípio da livre iniciativa, ou melhor, nos referimos as discriminações positivas a aqueles que tem menor poder econômico.

Cônscio de que todas as considerações são de ordem constitucional, pode-se afirmar que tal proteção não é só uma defesa estatal, mas também um direito difuso corolário da livre iniciativa.

Referências

VERÇOSA, Haroldo Malheiros Cruz. Curso de Direito Comercial. Volume I. 2ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2008.

PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Constitucional Descomplicado. 3ª Ed. São Paulo: Método, 2008.

COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. 18ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 14ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

Sobre o autor
Anderson Melo da Silva Bastos

Servidor do Ministério Público do Estado da Bahia<br>Participou do Comitê de Planejamento do Gestão Estratégica 2011-2023 do Ministério Público do Estado da Bahia. <br>Foi Diretor de Comunicação do Sindicato dos Servidores do Ministério Público do Estado da Bahia.<br>Estudante de Direito da Faculdade Nobre de Feira de Santana (BA).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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