O contrato de seguro de vida e o suicídio

28/10/2015 às 11:31
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Nos contratos de seguro de vida, será aplicado o previsto no artigo 798 do Código Civil. Se ocorrer suicídio do segurado depois dos dois primeiros anos do contrato, o beneficiário tem direito a indenização, ainda que exista cláusula expressa em contrário.

O relatório divulgado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), em 2014, aponta que 804 mil pessoas cometem suicídio todos os anos – taxa de 11,4 mortes para cada grupo de 100 mil habitantes. A cada 40 segundos uma pessoa comete suicídio no mundo. O Brasil é o oitavo país em número de suicídios. Em 2012, foram registradas 11.821 mortes, sendo 9.198 homens e 2.623 mulheres (taxa de 6,0 para cada grupo de 100 mil habitantes). Atualmente, o suicídio é considerado um grande problema de saúde pública.

Simultaneamente ao aumento do índice de mortalidade por suicídio, o setor de seguros no Brasil, vem apresentando um crescimento consistente e significativo nos contratos de seguro de vida. Quando alguém contrata um seguro de vida está prevendo que com a sua morte algum ente querido seu poderá ficar desamparado. Esse ente pode ser indicado como beneficiário e com a morte do segurado, que é certa porém em data não previsível, receberá determinado valor previsto na apólice. A morte pode ser natural ou acidental e a compensação financeira está prevista na apólice. Mas, quando o segurado põe fim à própria vida, o beneficiário tem direito ao capital estipulado? Se a ocorrência de suicídios é mais comum que se pensa, como ficam perante a lei, o segurador, o segurado e o beneficiário? Quais são as particularidades do contrato de seguro de vida?

A assinatura de um contrato de seguro de vida, via de regra, é motivada pela preocupação em garantir a tranquilidade do outro. O seguro de vida não substitui ninguém. É uma proteção financeira que visa atender as individualidades de cada segurado e é contratada de acordo com as necessidades de cada um. O seguro de vida não deve ser atrelado a morte, mas sim, a uma forma de manter o padrão de vida do beneficiário do segurado, para que não fique desamparado financeiramente.

 De acordo com Gomes (2008), somente empresas organizadas sob a forma de sociedade anônima ou cooperativas podem celebrar o contrato de seguro na qualidade de segurador. As partes no contrato de seguro denominam-se segurado e segurador. Ao segurador compete pagar a quantia estipulada para a hipótese de ocorrer o risco previsto no contrato e, ao segurado, receber essa quantia, se cumprida a sua obrigação de pagar a contribuição acertada que se designa prêmio. “A noção de seguro pressupõe a de risco, isto é, o fato de estar o indivíduo exposto à eventualidade de um dano à sua pessoa, ou ao seu patrimônio, motivado pelo acaso.” (GOMES, 2008, p.505). Os seguros agrupam-se em duas classes: seguros de danos e seguros de pessoas. Os seguros que garantem os riscos relacionados à existência, integridade e saúde física do segurado fazem parte do grupo dos seguros de pessoa. 

Ainda para Gomes (2008), o contrato de seguro de vida tem singular processo de formação. A proposta é acompanhada de um questionário, que deve ser respondido com declarações verdadeiras e exatas. O exame médico do candidato, apesar de ser uma exigência do seguro de vida, é dispensável pelo segurador. A proposta não gera vínculo obrigacional, pois, embora, deva conter os elementos do contrato, é negócio jurídico pré-contratual. O contrato apenas se forma com a aceitação do segurador.  A apólice é o instrumento do contrato de seguro de vida e contém as cláusulas necessárias e as facultativas. As cláusulas necessárias definem os elementos básicos do contrato como a individualização das partes, o objeto da relação jurídica, sua duração, o valor do seguro e o prêmio. As cláusulas facultativas tratam dos direitos e obrigações das partes. Concomitantemente ou depois da celebração do contrato deve ser feita a designação do beneficiário. Quando falte a designação do beneficiário, a lei supre a vontade do segurado, determinando o pagamento a pessoa da família (cônjuge e herdeiros) e, na falta desses beneficiários, a quem reclamar e provar que a morte do segurado o privou de meios para sua subsistência.

Também Gomes (2008), coloca que o Código Civil de 2002, no art. 798, traz importante regra acerca do direito ao recebimento do seguro na hipótese de suicídio do segurado. Há duas interpretações possíveis da regra prevista no artigo. Uma se refere a certa espécie de prazo de carência (dois anos) nos casos de suicídios. Outra interpretação possível é a presunção relativa, no sentido que o suicídio dentro do prazo de dois anos é premeditado, não dando direito à garantia. Caberia ao beneficiário demonstrar que o suicídio não foi premeditado, fazendo jus ao recebimento do capital segurado.

Para Franco (2013), o seguro de pessoas não tem a finalidade de reparar um dano ou prejuízo patrimonial mas, “[...]  resguardar o segurado contra eventos que possam criar um ônus a si ou a um terceiro, eventualmente prejudicado com sua morte.”(FRANCO, 2013, p.371). Ele não tem função indenizatória. Sua finalidade é a de compensação. No seguro de vida o risco garantido é a morte ou sobrevida. Para o caso de morte, a incerteza é relativa, pois sabe-se que um dia se vai morrer, mas não se sabe quando. Os riscos cobertos, dada a variedade da morte, são somente os especificados no contrato. Em regra, os riscos cobertos são os normais. O Código Civil de 2002, alterando a orientação anterior, do suicídio, prevê o direito a indenização após um prazo de carência de dois anos (art. 798 do CC/2002).

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Pela jurisprudência durante a vigência do Código Civil de 1916, nos termos da Súmula n. 105 do Supremo Tribunal Federal (STF), de 1963, caso não tivesse ocorrido premeditação do suicídio, a quantia prevista na apólice deveria ser paga independentemente do período de carência. Para o Superior Tribunal de Justiça (STJ), somente a comprovação da premeditação pelas companhias seguradoras poderia eximi-las do pagamento do capital segurado. (Recurso Especial n° 242.329-PR / Recurso Especial n° 164.254-SP). A Súmula n. 61 do Supremo Tribunal de Justiça, de 1992, registrava a interpretação majoritária quanto ao dever das seguradoras de efetuar o pagamento nos casos de suicídio não premeditado.

Com a chegada do Código Civil de 2002, renasce a discussão baseada na redação do artigo 798, que taxou um prazo pelo qual a indenização não seria devida em caso de suicídio do segurado. A redação é clara e direta: se o suicídio ocorrer dentro dos dois primeiros anos do contrato, a seguradora não está obrigada a indenizar o beneficiário. Ou seja, durante os dois primeiros anos de vigência do contrato de seguro de vida, o suicídio é risco não coberto por força de lei. Foi estabelecido um critério objetivo temporal para regular a matéria, sendo, portanto, irrelevante a discussão a respeito do critério subjetivo da premeditação da morte.

Na jurisprudência, a 2ª seção do STJ decidiu, por sete votos a um, que a seguradora não tem obrigação de indenizar suicídio cometido dentro do prazo de carência de dois anos da assinatura do contrato de seguro de vida. A maioria dos ministros entendeu que o dispositivo do Código Civil, que trata do tema, traz critério temporal objetivo, que não dá margem a interpretações subjetivas quanto à premeditação ou à boa-fé do segurado. (Resp 1.334.005). Esse posicionamento pode ser um marco de uma nova tendência do STJ, no sentido de aplicar o prazo legal previsto no artigo 798 do Código Civil, ou seja, afirmar a carência legal e a ausência de cobertura durante este período.

Portanto fica evidenciado que, se o suicídio ocorrer depois dos dois primeiros anos do contrato, será devida a indenização ainda que exista cláusula expressa em contrário.

  Referências

BRASIL. Código Civil, 2002. Código civil. 53. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

G1 - O PORTAL DE NOTÍCIAS DA GLOBO. Disponível em: <http://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2014/09/brasil-e-o-8-pais-com-mais-suicidios-no-mundo-aponta-relatorio-da-oms.html >. Acesso em: 16/10/2015.

FRANCO,Vera Helena de Mello. Contratos: direito civil e empresarial.4. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013.

GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2008.

MIGALHAS. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI117262,21048-Do+suicidio+necessidade+de+revogacao+das+Sumulas+105+do+STF+e+61+do>. Acesso em: 19/10/2015.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Disponível em: <http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/204244803/agravo-em-recurso-especial-aresp-724540-sc-2015-0136751-5>. Acesso em: 17/10/2015.

Sobre a autora
Fernanda Spacki da Silva

Estudante de Direito

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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