A responsabilidade penal do empresário nos crimes econômicos

Leia nesta página:

Discute-se no presente artigo a responsabilidade objetiva ou subjetiva do empresário, na ocorrência de infrações penais.

I. PARÂMETROS DA IMPUTABILIDADE PENAL

A problemática da imputação nos delitos empresariais nunca foi bem compreendida pela doutrina brasileira. Há muitas dúvidas acerca da autoria e participação nesses delitos e quando se deve imputar a responsabilidade ao agente financeiro que tem conhecimento, mas nada faz para impedir o resultado.

A visão clássica do Direito, consagrada por SAVIGNY, estabelece que a figura da pessoa jurídica é uma ficção jurídica, abstrata. Sua existência decorre da vontade de uma ou mais pessoas naturais, que decidem por criá-la, sendo que por decorrência lógica, um crime nunca poderá ser efetivamente cometido por uma figura abstrata, mas sim por pessoas naturais, que agem dolosa ou culposamente para a ocorrência de um fato típico.

Em nosso ordenamento, a responsabilidade penal pessoal possui embasamento constitucional no artigo 5º, inciso XLV da CF. Já o Código Penal prevê a construção jurídica do crime, desde a pessoa autora do crime, a ação por ela realizada, o resultado desta decorrente, e seu enquadramento enquanto ato ilícito. O artigo 13 do CP apresenta o resultado enquanto ato omissivo ou comissivo de alguém, que sem este, o resultado, no caso o crime, não teria ocorrido, assim como o artigo 29 do mesmo diploma legal prevê a participação de determinado indivíduo para a ocorrência de um crime.


II. A PESSOA FÍSICA EM DETRIMENTO DA PESSOA JURÍDICA – ANÁLISE DA CONDUTA LESIVA

A questão principal não é a de imputar o delito àquele que o executa diretamente, mas ao sujeito que colabora de alguma forma para a sua realização. O fato ficou latente nas imputações destinadas aos agentes financeiros que responderam as acusações formuladas na Ação Penal 470, principalmente nos casos em que não havia uma execução direta, isto é, o agente financeiro não realizava a ação descrita no tipo penal.

Interpretando-se ambos os artigos, nota-se que seja omissivamente, comissivamente, ou apenas participando, essencial que o agente causador do ilícito tenha consciência, ou devesse ter, do que está fazendo. Culposamente, porém, apenas poderá ser imputada conduta quando houver expressa determinação legal.

Isso quer dizer que quando se tratar de responsabilidade pena de pessoas físicas que representam ou dirigem empresas, essas devem ter consciência e vontade de produzir o resultado, trata-se da responsabilidade penal subjetiva. Não se pode imputar a alguém determinado crime, unicamente por este ocupar determinado cargo. Assevera Everardo da Cunha Luna que: “O homem responde pelo que faz e não pelo que é. Princípio do ato e não do ser. Para o Direito, ser é agir: ser criminoso é praticar um crime.”[1]

Sob o mesmo raciocínio, Paulo José da Costa Jr: "Não há crime sem conduta. Os delitos chamados de mera suspeita ou de simples posição não encontram guarida em nossa disciplina. A conduta poderá ser positiva, negativa ou mista. Mas existirá sempre. Crimes que não consistam num fato, nem positivo nem negativo, e sim numa situação individual estática, não se concebem."[2]

Dessa maneira, nosso ordenamento jurídico não autoriza a imputação objetiva de crime a um empresário de uma empresa meramente pelo seu cargo, partindo do pressuposto de que ele tem o dever e a obrigação de saber o que se passa em uma empresa. Tal previsão encontra guarida no âmbito civil, por tratar-se muitas vezes de mero direito obrigacional, e ainda, quando se é possível identificar a pessoa causadora de determinado dano ou prejuízo, contra esta é cabível ação de regresso, porém, no âmbito civil reparatório.

Os principais questionamentos surgiram quando alguns ministros proferiram seus votos condenando os réus que atuaram no sistema financeiro sem que se tivesse uma prova firme de que estes teriam executado a conduta descrita no tipo penal que lhes fora imputado, embora em alguns casos tivessem o conhecimento do delito cometido ou que pudesse ser cometido. Noutros casos, discutiu-se a possibilidade do eventual conhecimento (dolo eventual) e a possibilidade de responsabilidade do agente que assim atuou.


III. DESDOBRAMENTOS DOUTRINÁRIOS:AINDA LONGE DE FINDAR A DISCUSSÃO

De forma breve, porque não suscita maiores discussões, a teoria do domínio do fato, muito citada na Ação Penal 470, não elimina a participação e transforma a todos em coautores do delito. Apenas possibilita abarcar de forma mais ampla condutas que não realizam diretamente o tipo penal, mas que também são vistas como sustentadoras para o êxito da empreitada delitiva. Assim, é acertado dizer que em determinados casos os agentes financeiros podem participar do delito sem que tenham realizado o verbo nuclear descrito no tipo, mas também é necessário que se prove que este sujeito de alguma forma detinha o domínio final do fato, isto é, também tinha o controle da execução sob suas mãos (domínio funcional do fato) e que sem ele o fato como um todo não se realizaria. Isso implica também conhecimento e adesão à conduta dos demais participantes. Essa é a fórmula tradicional que muito foi citada, mas preferimos a doutrina dos atos neutros para delimitar a responsabilidade penal dos agentes financeiros.

Por consequência, a chamada responsabilidade objetiva não se coaduna ao âmbito penal. Isto porque necessário se faz estabelecer o nexo causal entre o agente causador do dano, por meio de uma conduta, com o resultado. A responsabilidade nunca pode decorrer de uma ficção, ou de um dever que não está claramente previsto na norma, seja sela constitucional ou infraconstitucional.

Com a usual propriedade, assinala Alberto Silva Franco:

"O inc. XLV do art. 5º da Constituição Federal de 1988 consagrou, entre os princípios constitucionais, em matéria penal, o princípio pessoal da responsabilidade penal. O que se busca, na realidade, significar com o caráter pessoal dessa responsabilidade? Antes de tudo, a responsabilidade penal ‘significa a exigência de um autêntico injusto típico, de realização pessoal, direta ou mediata, ou de colaboração pessoal, num tipo de injusto, com sua parte tanto objetiva como subjetiva: quer dizer, trata-se da exigência de autoria ou de participação. O fundamento é novamente que as sanções penais somente podem ser necessárias, eficazes e idôneas (com todas as conotações político-constitucionais destes princípios) para a prevenção de fatos pessoais ou de descumprimento da responsabilidade pessoal em relação a fatos alheios, mas seriam absolutamente inidôneos e sem sentido para determinar aos cidadãos em relação fatos alheios ou a acontecimentos naturais em cuja realização ou evitação não influíram nem poderiam influir’ (Diego-Manuel Luzón Peña. Idem. p. 890). ‘A responsabilidade penal é sempre pessoal. Não há, no direito penal, responsabilidade coletiva, subsidiária, solidária ou sucessiva’ (Nilo Batista. Introdução crítica ao Direito Penal. Rio de Janeiro: Revan, 1990, p. 104.)"[3].

Como o trabalho não nos permite um maior aprofundamento sobre todas as teorias que limitam a participação criminal, entendemos que o tratamento correto para a responsabilidade penal dos agentes financeiros é a utilização da teoria da imputação objetiva com os seguintes requisitos: (a) se o agente criou um risco juridicamente desaprovado; (b) se o risco juridicamente desaprovado se verificou no resultado.

Desde o nosso ponto de vista, os conhecimentos do agente financeiro – imputação subjetiva – que possam ser atribuídos (dolo ou dolo eventual) serão irrelevantes sempre que anteriormente não se tenham estabelecido à imputação objetiva do resultado proibido. Isso significa que o questionamento do elemento subjetivo não deve ser o primeiro, ou seja, ainda não cabe a pergunta se o agente atuou com dolo direto ou eventual. Anterior a esta questão é necessário que se questione se o seu comportamento preencheu o tipo objetivo, por exemplo, criando um risco juridicamente proibido.

Assim, nos casos em que o agente financeiro se mantém dentro do risco permitido, isto é, atende as normativas que lhe são impostas, não haverá responsabilidade penal. Dentro de cada marco profissional a legislação deverá estabelecer de forma taxativa os deveres de atuação e não cabe a ampliação da posição de garante para fundamentar a responsabilidade penal. A posição de garante deve ficar restrita aos âmbitos previamente estabelecidos ou quando o agente tem deveres institucionais em relação ao bem jurídico tutelado, mas isso não significa que ela é ilimitada.

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IV. CONCLUSÃO E CONSIDERAÇÕES FINAIS

Portanto, a teoria do domínio do fato criada por Claus Roxin não encontra guarida em nosso ordenamento. Para ele, a pessoa que tem o poder de mando, de gerência, dentro de uma estrutura organizada, no caso, uma empresa, pela posição que ostenta, deve ser penalizado. Trata-se nesse caso da “fungibilidade” do agente imediato, já que pela teoria de Roxin, o real causador do dano é o que detém o poder de controle. Tal teoria foi duramente criticada durante o julgamento do Mensalão, ao entender que José Dirceu era o mandante e organizador do esquema de propina, em que pese o fraco quadro probatório produzindo contra ele.

Por fim, também é necessário que se analise que tipo de conexão existe entre o agente financeiro e o sujeito que pratica o delito, pois a conexão da ação inicialmente neutra com a realização de um delito realizado por outro é requisito necessário, mas, não é suficiente para afirmar a tipicidade da conduta. É pressuposto da tipicidade, mas, não é elemento que decide a relevância penal da conduta. Somente a concorrência de especiais circunstâncias que permitam concluir a existência de forma clara e unívoca de uma especial relação de sentido delitivo entre a conduta inicialmente neutra e o delito pode modificar o caráter neutro da conduta e convertê-la em típica.

Assim, a utilização de um critério normativo permite uma melhor delimitação na imputação, participação e responsabilidade penal dos agentes financeiros. Nessa linha de argumentação, não é qualquer “colaboração” de uma atividade profissional que “favoreça” a atividade delitiva que pode ser justificada como típica. O dolo ou o mero conhecimento não são suficientes para determinar a relevância penal da conduta, mesmo quando os conhecimentos especiais do autor devam ser considerados para a determinação da tipicidade da concreta conduta analisada.

Nesse breve estudo, fica registrado que o conhecimento ou a relação de causalidade são elementos importantes para afirmar a participação criminal de um agente financeiro, porém, não são suficientes ainda para que se possa ter um juízo de certeza. A limitação deve ser feita por meio da imputação objetiva, ou seja, da verificação dos critérios de interpretação normativa do tipo penal.

Os casos que oferecem mais dúvidas nos delitos financeiros são as condutas de determinados sujeitos que ficam numa zona cinzenta entre a participação criminal ou a mera atividade quotidiana, isto é, a atividade neutra que é desenvolvida diariamente pelo agente, ainda que ele possa suspeitar que o fim dessa atividade possa ser aproveitado ilicitamente por outro sujeito.

Em princípio fica limitada a participação criminal do agente financeiro que “colabora” com a atividade criminal de outros sujeitos se a sua conduta se mantém dentro do risco permitido de sua atividade, isto é, se as normas e os procedimentos padrão são por ele utilizados, ainda que possa saber que os sujeitos que intervirão posteriormente irão cometer um delito.


Notas

[1]Capítulos de direito penal: parte geral: com observações à nova parte geral do Código penal. São Paulo: Saraiva, 1985. pg. 34.

[2]Comentários ao código penal. São Paulo: Saraiva, 1986, v.1 – parte geral. p. 34

[3]Código penal e sua interpretação jurisprudencial. 8ª ed. São Paulo: RT, 2007. Página 44. Nossos os realces gráficos.

Sobre os autores
Túlio Martins de Araújo

Acadêmico de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie

Nicole Chacon Amâncio

Acadêmico de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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