A jornada dos empregados que exercem atividade fora do estabelecimento do empregador na contexto da Lei n.º 12.551/2011

03/11/2015 às 13:38
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O presente artigo tem por objetivo fazer uma análise da discussão da jornada de trabalho dos empregados que laboram fora do ambiente do empregador, abordando o regime de home office e direito a horas extras no aspecto da Lei n.º 12.551/2011

Sumário. Introdução. 1. As Inovações da Lei 12.551/2011. 2. Subordinação e Parassubordinação: conceitos. 2.1. O conceito de Subordinação. 2.2 Critérios Definidores do conceito de subordinação. 2.3 A subordinação nas novas formas de contratação. Conclusão.

Introdução

 A jornada de trabalho de empregados que trabalham fora do estabelecimento do empregador sempre foi objeto de discussão pelos operadores das leis trabalhistas. Se o empregado não está, fisicamente, na empresa, como pode o empregador fiscalizar suas atividades? O empregado em regime de home office tem direito a horas extras? Chegou-se a suscitar, inclusive, se o fato de o empregado trabalhar de casa, ou de qualquer outro lugar fora das dependências da empresa seria causa impeditiva de reconhecimento do vínculo empregatício, uma vez que o requisito da subordinação não estaria presente nesta relação.

Para encerrar todas estas discussões, foi editada a Lei 12.551/2001, que alterou o artigo 6º da Consolidação das Leis do Trabalho e tratou do trabalho a distância para regulamentar a jornada de trabalho ou a subordinação jurídica aplicável a estes empregados.

A edição desta lei gerou muitas polêmicas, especialmente em virtude da modificação de determinados conceitos, como o de horas extras e sobreaviso.

Assim, serão trazidas nesse trabalho as novidades trazidas pela Lei e a questão da subordinação e parassubordinação no contexto da jornada de trabalho.

 

1. As inovações da Lei 12.551/2011

 

A Lei 12.551 introduziu redação disposta no parágrafo único do artigo 6º da Consolidação das Leis do Trabalho (“CLT”), que dispõe, in verbis:

 

Art. 6º: Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego.

 

Parágrafo único.  Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio.

 

Referida Lei regulamentou tema em crescente debate no judiciário trabalhista, quer seja, a existência do elemento subordinação como um dos requisitos que configuram o vínculo empregatício de empregados que desempenham atividades fora das dependências físicas do empregador.

Trouxe, também, à reflexão dos empregadores discussão sobre o efetivo controle da jornada de trabalho dos seus empregados e as formas de adequação da jornada aos meios eletrônicos existentes no mercado de trabalho.

Começam a surgir, então, algumas dúvidas: O fato de um empregado verificar e-mails após a jornada de trabalho pode configurar horas extras? O chamado da empresa via celular poderá configurar horas a disposição do empregador? O trabalho em domicílio pode ser equiparado ao trabalho na empresa? Como controlar a jornada de trabalho dos empregados que trabalham em ambiente virtual?

Todas estas questões, inicialmente, geraram desconforto entre patrões e empregados, na medida em que a tecnologia tornou-se parte integrante do contrato de trabalho, seja com a utilização da internet para acesso à e-mails ou com o uso descontrolado de smartphones como ferramenta de comunicação integrada entre o empregado, sua família e suas atividades laborativas.

A utilização destas ferramentas tornou-se um vício. E, mais do que isso, empregados passaram a utilizar este vício em proveito dos seus empregadores que, agora, tentam buscar alternativas para evitar outros passivos, pois muitas vezes os próprios empregados acessam o e-mail do escritório pelo celular sem que exista necessidade ou autorização do empregador para tanto.

Por óbvio, nenhum empregador irá reclamar do fato de seus empregados utilizarem-se da tecnologia em proveito da empresa. É inegável que os avanços tecnológicos melhoram a capacidade de absorção dos empregados e aliviam o fluxo de atividades das empresas, estimulando o mercado competitivo mundial.

Importante destacar, ainda, que para o trabalhador é mais fácil realizar suas atividades em qualquer lugar e enviar o resultado do trabalho ao empregador – economiza-se tempo, e ganha-se eficiência, cujo resultado pode impactar diretamente na vida social do trabalhador.

O ilustre Professor Otávio Bueno Magano assevera ser uma tendência que o exercício da atividade econômica se distancie cada vez mais do modelo de concentração em grandes fábricas e armazéns, de modo que a aglutinação de trabalhadores no mesmo local de trabalho irá converter-se em fato de frequência cada vez menor[1].

Contudo, no Brasil, não existiam leis que pudessem equiparar o trabalho realizado nas dependências do empregado àquele realizado fora, em ambiente puramente virtual. Claro que doutrina e jurisprudência já tratavam destas questões, mas a intenção do legislador foi trazer a legislação trabalhista – que, diga-se, foi elaborada em 1943 – à luz das novas realidades de trabalho. 

Por estas razões, é importante relembrar determinados conceitos celetistas que deverão ser analisados em conjunto com o novo regramento do artigo 6º da CLT, incluindo o conceito de subordinação.

2. Subordinação e Parassubordinação: conceitos

 Com base na nova redação do artigo 6º da CLT, importante analisar o conceito de subordinação sob a ótica dos conceitos de empregado e empregador.

2.1.     O conceito de subordinação

O direito do trabalho brasileiro adota como principal critério para a distinção entre as várias modalidades de relações de trabalho e a aplicação da respectiva tutela jurídica a existência de subordinação.

Segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, a palavra subordinação significa “a ordem estabelecida entre as pessoas e segundo o qual umas dependem das outras, dos quais recebem ordens ou incumbências; dependência de uma(s) pessoa(s) em relação a outra(s)”. A palavra tem origem no latim, subordinatio, com o significado de sujeição, submissão.

O contrato de trabalho, consoante descrito na legislação pátria, apto a ser tutelado pelo Direito do Trabalho, é aquele que envolve um trabalhador em condição de subordinação em relação ao seu empregador.

A CLT deixa claro, nos seus artigos 2º e 3º, ser a subordinação elemento imprescindível para a existência de um contrato de trabalho. Isto porque, cria a figura do empregador como aquele que “dirige” a prestação de serviços, e do empregado como aquele que trabalha sob a “dependência” do empregador. Vejamos:

Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.

Art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.

 

Verifica-se, portanto, que a subordinação está presente não apenas no conceito de empregado e empregador, mas pode ser considerada como o elemento mais importante do vínculo empregatício.

Conforme ensina o Professor Estevão Mallet[2], é em torno do conceito de subordinação que se constrói, no fundo, o próprio direito do trabalho e é ele quem delimita as principais fronteiras de aplicação da legislação trabalhista.

 

2.2.     Critérios definidores do conceito de subordinação

 

O conceito de subordinação é o mais complexo dos elementos a ser identificado em uma relação de emprego. A dificuldade doutrinária reside justamente na qualificação do estado de dependência, conforme debatem Orlando Gomes e Elson Gottschalk[3]. Referidos doutrinadores estabelecem que são quatro os critérios distintos que definem a subordinação:

a) dependência técnica;

b) dependência econômica;

c) dependência social; e

d) subordinação jurídica.

A dependência técnica está ligada à posição do empregador em comandar, tecnicamente, o trabalho daqueles que estão sob suas ordens. Existem doutrinadores que defendem ser a subordinação técnica um dos aspectos da subordinação jurídica. Segundo os autores, o trabalhador não tem plena liberdade para a realização dos seus serviços, posto estar subordinado aos critérios estabelecidos pela direção da empresa.

A dependência econômica se relacionada com a essência da economia predominantemente capitalista, posto o empregado necessitar do trabalho e do salário correspondente para sobreviver, diante da sua condição de hipossuficiente. A adoção deste critério para definição de subordinação, isoladamente, é falho, porquanto o empregado pode possuir capacidade econômico-financeira e não necessitar do contrato de trabalho para sobreviver.

A dependência social se caracteriza pela união dos critérios da subordinação jurídica e da dependência econômica: cria-se um estado de subordinação para o empregado, ao mesmo tempo, econômica e jurídica. Significa que o empregado, para viver, depende do trabalho que lhe dá o empregador, sem assumir os riscos da atividade econômica, mas obedecendo às ordens do patrão. Segundo Alice Monteiro de Barros[4], este critério se mostra inadequado na medida em que mostra o trabalhador como sujeito de um contrato de trabalho; entretanto, focaliza apenas o aspecto social da questão, sem passar à análise do título jurídico que autoriza o empregador a dar ordens ao empregado.

Por fim, o critério mais aceito pela doutrina é o da subordinação jurídica. Conforme ensina Otavio Pinto e Silva[5], referido critério considera o poder de comando e de direção do empregador: a subordinação seria o aspecto passivo desse poder. A atividade do empregado consistiria em se deixar dirigir segundo os fins desejados pelo empregador. O poder de comando seria o aspecto ativo, e o dever de obediência o passivo da subordinação jurídica.

Como decorrência dessa relação, o empregador ainda poderia se valer do poder de controle para fiscalizar a atividade do empregado e do poder disciplinar para puni-lo (nos casos de inobservância de um dever de obediência, de diligência ou de fidelidade).

Esse poder de comando do empregador não precisa ser exercido de forma constante, tampouco torna-se necessária a vigilância técnica contínua dos trabalhos efetuados; o importante é que exista a possibilidade do empregador em comandar, dirigir, dar ordens, fiscalizar a atividade do empregado.

Alice Monteiro de Barros[6], apud Luisa Riva Sanseverino, esclarece que a subordinação varia de intensidade, passando de um máximo para um mínimo, segundo a natureza da prestação de trabalho à medida em que se passa do trabalho manual, material, para o puramente intelectual.

Importante destaacar a definição de Amauri Mascaro do Nascimento sobre o conceito de subordinação: situação em que se encontra o trabalhador, decorrente da limitação contratual da autonomia da sua vontade, para o fim de transferir ao empregador o poder de direção sobre a atividade que desempenhará[7]. Sob a análise do ângulo do empregador, a subordinação é o próprio objeto do contrato de emprego.

Em outras palavras, a subordinação coexiste com o trabalho, em igualdade de condições, nas expectativas do empregador em relação ao contrato, na concepção que ele tem do respectivo objeto[8].

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Este conceito, considerado como a análise subjetivista da subordinação jurídica, é criticado por alguns doutrinadores porquanto analisa a subordinação apenas pelo prisma da direção e fiscalização, do poder de mando e do poder de obediência – ou seja, considera apenas a visão do empregador quanto à subordinação.

Referidos autores, dentre os quais destacamos Arion Sayão Romita, entendem insuficiente o critério subjetivista. Sustenta referido autor que “a subordinação deve gravitar em torno da atividade e exercitar-se pela integração do empregado na organização empresarial. Neste contexto, a relação de trabalho, caracterizada pela subordinação, é uma relação intersubjetiva (por isso, não isenta de conotações pessoais), mas o vínculo de subordinação é de ordem objetiva”[9].

Pode-se afirmar, portanto, que a análise objetivista do conceito de subordinação consiste na “integração da atividade do trabalhador na organização da empresa mediante um vínculo contratualmente estabelecido, em virtude do qual o empregado aceita a determinação, pelo empregador, das modalidades da prestação de trabalho”[10].

A visão objetivista da subordinação não vem sendo admitida pela doutrina como critério isolado para definir a existência de uma relação empregatícia a ser tutelada pelo direito do trabalho.

O ilustre doutrinador uruguaio, Prof. Oscar Ermida Uriarte, considera a subordinação objetiva escassa para reconhecer o vínculo de emprego, posto “a inserção do trabalhador na organização empresarial não é exclusiva da relação de emprego, já que o empregador incorpora ao desenvolvimento da atividade empresarial, além do trabalho de seus próprios empregados, a atividade contínua, porém autônoma de seus colaboradores”[11].

Por fim, Alice Monteiro de Barros[12] conceitua a natureza jurídica da subordinação como uma obrigação patrimonial de prestação pessoal. Referida autora cita corrente doutrinária que trata a subordinação como uma situação jurídica, a qual traduz a posição particular do sujeito em determinado momento.

 

2.3.     A subordinação nas novas formas de contratação

A introdução de novas tecnologias afetou de tal forma a concepção clássica de subordinação, que o antigo operário tradicional, contratado para prestar um único serviço ordenado pelo empregador, é substituído por um trabalhador mais multifacetado, que possui variadas funções e realiza, em conjunto e em rotatividade com outras pessoas, as mais diversas tarefas com o manuseio das mais diferentes máquinas.

Assim, conforme leciona Arion Sayão Romita[13] “A relação intersubjetiva entre empregado e empregador abandona o esquema descendente comando/obediência (isto é, subordinação), com a supressão do poder de direção autoritária, para assumir a feição de mero controle, próximo da autonomia, o que caracteriza uma relação “plena”. Dá-se, em consequência – mais do que uma inversão da direção – uma revolução lógico-organizativa”.

 

Considerando todos estes aspectos, a subordinação jurídica do trabalhador, como critério de aplicação das normas trabalhistas, vem sendo ultimamente posto em cheque.

Com essa perspectiva, o Professor Alan Supiot[14] coordenou uma comissão que procurou trazer respostas às perguntas da União Européia sobre as transformações nas relações de trabalho.

Referida comissão concluiu que o crescimento da qualificação, a pressão por competição e a evolução das tecnologias, a entrada em massa das mulheres casadas, as transformações demográficas e a heterogeneidade na estrutura familiar ajudaram a romper com o modelo de relações empregatícias baseado na relação de subordinação que define o contrato de emprego.

Contudo, estas mudanças não significaram o desaparecimento desse modelo, mas resultou em algumas transformações, dentre as quais destaca-se a promoção do trabalho autônomo em relação ao trabalho assalariado; exteriorização ou terceirização do trabalho para empresas economicamente dependentes da contratante; e reconstrução do critério de subordinação que caracteriza o contrato de trabalho[15].

É que, ao se utilizar o critério da subordinação jurídica, ao mesmo tempo em que se provoca a exclusão de trabalhadores dependentes economicamente – pois o verdadeiro hipossuficiente não é subordinado a nenhum empregador em sua relação de trabalho – se concede benefícios trabalhistas a trabalhadores que menos necessitam, como dirigem de empresa que são empregados. 

É verdade que a evolução do processo produtivo e das relações comerciais acaba por intervir nas atividades humanas criando, por vezes, situações híbridas entre a relação de emprego e relação de trabalho autônomo.

Também não é menos verdade que estas situações estão a exigir do direito do trabalho um posicionamento que contemple esta nova realidade. Um número cada vez maior de relações trabalhistas – sobretudo aquelas presentes nos novos setores, como as prestações de serviços nos campos da informação e da comunicação – se afastam progressivamente da noção tradicional de subordinação apresentando, aparentemente, traços de autonomia. Do mesmo modo, o poder empregatício se exerce de maneira mais sutil, indireta, por vezes quase imperceptível.

Em razão dessa aparente autonomia, tais trabalhadores não se enquadram na noção tradicional de subordinação, sendo qualificados como autônomos e não gozando, assim, da proteção da legislação trabalhista. Em consequencia, referidos trabalhadores permanecem sem liberdade, mas com as obrigações de suportar todos os riscos advindos das suas atividades.

Lourena Vasconcelos Porto analisa esta questão e conclui que a manutenção do conceito tradicional de subordinação leva a grandes distorções, comprometendo a própria razão de ser e missão do Direito do Trabalho, motivo pelo qual se faz necessária a ampliação deste conceito.

Esta situação foi brilhantemente expressada por Alice Monteiro de Barros em acórdão prolatado pela 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (RO 17.231/2000):

 

“RELAÇÃO DE EMPREGO E TRABALHO AUTÔNOMO. A contraposição trabalho subordinado e trabalho autônomo exauriu sua função histórica e os atuais fenômenos de transformação dos processos produtivos e das modalidades de atividade humana reclamam também do Direito  do Trabalho uma resposta à evolução desta nova realidade. A doutrina mais atenta já sugere uma nova tipologia (trabalho coordenado, ou trabalho parasubordinado), com tutela adequada, mas inferior àquela prevista para o trabalho subordinado e superior àquela prevista para o trabalho autônomo. Enquanto continuam as discussões sobre esse terceiro gênero, a dicotomia trabalho subordinado e trabalho autônomo ainda persiste no nosso ordenamento jurídico e, ao lado dos casos típicos, que não ensejam dúvidas, surgem figuras intermediárias que se situam nas chamadas "zonas grises", cujo enquadramento apresenta-se difícil,  denotando certa complexidade e conduzindo a jurisprudência à fixação de alguns critérios práticos para definir a relação concreta(...)" (DJMG 01.11.2000)

 

O critério de subordinação jurídica passou por um processo de revisão crítica, arguindo-se que ele reunia em seu contexto pessoas de condição social muito diferente, levando os operadores do direito do trabalho a proteger pessoas que, ainda que subordinadas, não necessitam de proteção, enquanto deixa desamparadas outras que, embora autônomas, padecem de debilidade econômico social.

Assim, houve o reconhecimento de uma espécie de trabalho, constituída pelos elementos da continuidade, coordenação, prevalência pessoal de prestação, desenvolvida sem subordinação além da debilidade econômico-social do trabalhador, ratio da disposição legal, mas não componente da nova categoria que ela criou: a parassubordinação.

Referida relação de trabalho foi definida pela primeira vez no Direito Italiano pelo artigo 2º da Lei 741/1959, que mencionava “relações de colaboração que se concretizem com a prestação de obra continuada e coordenada”. Posteriormente, foi prevista pelo artigo 409, §3º do CPC, com a reforma efetuada pela Lei 533/73. Este dispositivo estendia ao processo do trabalho às controvérsias relativas a “relações de agência, de representação comercial e outras relações de colaboração que se concretizem em uma prestação de obra continuada e coordenada, prevalentemente pessoal, ainda que de caráter não subordinado”.

O Decreto Lei 276/2003, conhecido como “Decreto Biagi”, em seu artigo 61, ao prever a figura do trabalho parassubordinado a projeto, faz referência ao artigo 409, §3º do Código de Processo Civil italiano, mencionando expressamente “as relações de colaboração coordenada e continuada, prevalentemente pessoal e sem vínculo de subordinação”, mais conhecidas como “co.co.co”.

Contudo, referido projeto jamais foi convertido em lei pois, enquanto tramitava na Câmara italiana, operou-se a denominada “reforma Biagi do mercado de trabalho”, a qual se desempenhou importante papel na regulamentação do instituto da parassubordinação.

Isto porque, na Itália, todo trabalho passou a ser parassubordinado e, portanto, excluído das proteções previstas na legislação, causando o acúmulo de reclamações trabalhistas e questionamentos sobre a melhor forma de aplicação do instituto.

Há nos dias atuais outras formas de relação de trabalho, fruto da reestruturação produtiva, chamadas parassubordinação jurídica como, por exemplo, os representantes comerciais. O trabalho em domicílio também se enquadra neste conceito, em que a subordinação jurídica é mitigada, mas ainda existe a dependência do empresário.

Segundo entendimento majoritário, qualquer prestação laborativa pode se enquadrar no tipo da parassubordinação, desde que apresente os seus requisitos: a coordenação, a continuidade e a prevalente pessoalidade. O requisito da prevalência (e não continuidade) da atividade pessoal é compatível com a utilização de meios técnicos de colaboradores, desde que a prestação do interessado permaneça decisiva e não limitada a mera organização de bens, instrumentos e do contrato alheio.

Observa-se que a atenuação do requisito da pessoalidade já havia sido prevista pelo legislador italiano no próprio seio da relação de emprego, no que tange ao trabalhador em domicílio que não deixa de ser empregado pelo fato de contar com a colaboração acessória de membros da sua família (artigo 1º da Lei 877/73).

A continuidade é entendida como a estabilidade, não eventualidade e a reiteração no tempo da prestação. Não é necessária uma repetição ininterrupta de encargos, sendo suficiente, por exemplo, um único contrato de duração razoável, pois o que conta é a permanência no tempo de colaboração.

Segundo Lorena Vasconcellos Porto, o requisito mais difícil de ser interpretado e definido é a coordenação da atividade do prestador, a qual se constitui o cerne, a pedra de toque da parassubordinação, diferenciando-a da subordinação clássica.

Para a autora, de acordo com o entendimento jurisprudencial, a coordenação consiste na “sujeição do prestador às diretrizes do tomador com relação às modalidades da prestação sem, todavia, que ela se transforme em regime de subordinação”.

Assim, a coordenação pode se exteriorizar nas formas mais variadas, incidindo, inclusive, sobre o conteúdo, o tempo e o lugar da prestação laborativa, desde que não se transforme na heterodeterminação dessa última, mediante ordens e controles penetrantes sobre as suas modalidades de execução, pois que, nesse caso, resta configurada a subordinação. 

No Brasil, seu melhor exemplo está na Lei 4.886/65, que disciplina as relações de representação comercial autônoma.

Assim, o trabalho parassubordinado apresenta, neste contexto, as seguintes características:

a)    Formalização em contrato;

b)    Ainda que possa ter auxílio de certas pessoas, que terão função meramente complementar ou executiva deve preponderar a pessoalidade do trabalhador contratado na prestação dos serviços;

c)    O trabalho deve atender às necessidades organizacionais do tomador dos seus serviços;

d)    Ainda que permita interrupções periódicas, a continuidade da colaboração das relações de trabalho deve prevalecer. Essa colaboração deve estar vinculada a um conjunto de metas que as partes pretendem alcançar e que justifiquem a presença de coordenação;

e)    A quase plena autonomia do trabalho prestado, uma vez que o trabalho é realizado conforme instruções delineadas conjuntamente pelo tomador de serviços e pelo trabalhador;

f)     Dependência econômica do trabalhador perante o tomador dos serviços;

g)    A prestação do trabalho não precisa ser exclusiva; e

h)   Os riscos do empreendimento são do tomador dos serviços.

Conforme se verifica, o trabalhador, no trabalho parassubordinado, se obriga a exercer determinado tipo de atividade que visam obter um conjunto de resultados consecutivos, que devem ser coordenados entre si e devem estar relacionados a interesses mais abrangentes do tomador, para se atingir os fins do empreendimento.

Cássio Mesquita Barros[16] destaca que a coordenação e a colaboração são premissas significativas do conceito de trabalho parassubordinado. A coordenação, por si só, já exclui a subordinação – presente no contrato de trabalho típico – e a autonomia – característica do trabalho autônomo – pois em ambos não há coordenação.

Feitas estas considerações, podemos concluir que o trabalho parassubordinado, ou coordenado, nasceu em virtude do novo sistema de produção e da necessidade das empresas em ter trabalhadores especializados mais independentes, que prestam serviços de colaboração, mas sem o poder diretivo característico do trabalho subordinado. Como estes trabalhadores não estão vinculados a um contrato de emprego, as empresas passariam a ter menos despesas com encargos trabalhistas.

 

conclusão

Da análise do presente artigo, é possível concluir que, em que pese a Lei n.º 12.551 tenha introduzido a redação ao parágrafo único do artigo 6º da Consolidação das Leis do Trabalho (“CLT”), deve ser realizada uma análise no tipo de trabalho desenvolvido pelo empregado, tipo de subordinação e tipo de contrato, além das características que conceituam relação de emprego, presentes na Lei.

 

Referências

[1] MAGANO, Octavio Bueno. Trabalho a distância. Trabalho & Doutrina, São Paulo, n. 24 p. 3 mar. 2000.

[2] MALLET, Estêvão. Artigo publicado na Revista do Advogado AASP n. 115 – Direito e Internet. “Trabalho, Tecnologia e Subordinação: Reflexões sobre a Lei 12.551”. p. 44, Abril/2012.

[3] GOMES, Orlando. GOTTSCHALK, Elson. Curso de Direito do Trabalho. Rio de Janeiro: Forense, 2012, passim.

[4] BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 8ª ed. São Paulo: LTr, 2012, p. 210.

[5] SILVA, Otavio Pinto e. Subordinação, autonomia e parassubordinação nas relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2004, p. 14.

[6] RIVA SANSEVERINO, Luisa. Apud BARROS, Alice Monteiro de. Idem, ibdem.

[7] NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2002, p. 164

[8] PEREIRA, Adilson Bassalho. A subordinação como objeto do contrato de emprego. São Paulo: LTr, 1991, p. 38 e ss.

[9] ROMITA, Arion Sayão. A subordinação no contrato de trabalho. Rio de Janeiro: Forense, 1979, p. 80 e ss.

[10] Idem, ibidem, p. 82

[11] ERMIDA URIARTE, Oscar e HERNANDEZ ALVAREZ, Oscar. Considerações sobre os questionamentos acerca do conceito de subordinação. Revista Synthesis n. 35/2002, p. 33. Texto resumido e traduzido por Eurides Avance de Souza.

[12] Idem, ibidem, p. 213.

[13] ROMITA, Arion Sayão. A crise do critério da subordinação jurídica: necessidade de proteção a trabalhadores autônomos e parassubordinados. Revista de Direito do Trabalho n. 117, p. 46, Janeiro-Março de 2005.

[14] SUPIOT, Alan. Beyond Employment: changes of work and the future of labor law in Europe. Oxford, Oxford University Press, 2001, 245 pp.

[15] ARTUR, Karen. Comentários sobre o Relatório Supiot. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/ts/v16n2/v16n2a17.pdf. Acessado em 17 de julho de 2012.

[16] BARROS JR., Cássio Mesquita. Colaboração, Coordenação e Continuidade. In Revista Magister de Direito do Trabalho, nº 44 – Set-Out/2011, p. 30. 


 

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