Resumo: O presente trabalho, cujo tema é “O papel dos Tribunais de Contas estaduais no controle externo da Administração Pública municipal: o caso do parecer prévio sobre as contas de governo municipais”, insere-se no conteúdo da matéria de Direito Administrativo, especificamente em relação ao controle da Administração Pública, e foi realizado como um trabalho do tipo puro, quanto à finalidade, pois se objetivou apenas conhecer o assunto e o que o envolve, sem o interesse de aplicar na sociedade os resultados da pesquisa, pelo menos diretamente, por falta de legitimidade para tanto. Quanto à fonte, usou-se, preponderantemente, material bibliográfico, a partir do que se tem escrito na doutrina e em artigos de revistas científicas impressas e eletrônicas sobre o referido tema. Foi exploratório, quanto ao nível, pois tal é o aconselhável quando a situação é pouco conhecida e quando a intenção do pesquisador é fornecer uma visão geral do tema, cumprindo objetivos como: contribuir para o conhecimento do assunto; estabelecer possibilidades para novas pesquisas; e, ainda, abrir espaço para a criação de hipóteses que direcionem outros estudos. Tudo com o objetivo de verificar o modelo de atuação dos Tribunais de Contas Estaduais, em especial acerca da prestação de contas dos chefes do Poder Executivo municipal. Especificamente, visando a analisar a forma de manifestação dos Tribunais de Contas estaduais sobre as prestações de contas do Poder Executivo municipal; analisar a natureza jurídica de tais manifestações; e analisar o grau de vinculação e imperatividade/exigibilidade que tais manifestações carregam consigo. Disso se constatou que, não obstante o controle exercido pelo Tribunal de Contas sobre a Administração Pública ter mais força nas contas de governo municipais que sobre as estaduais, a Câmara Municipal, mediante voto de 2/3 de seus membros pode desvincular-se do parecer prévio emitido pela Corte de Contas.
Palavras-chave: Tribunais de Contas, parecer, controle, contas, vinculação.
INTRODUÇÃO
A fim de desenvolver o presente artigo científico, cuja temática é “O papel dos Tribunais de Contas estaduais no controle externo da Administração Pública municipal: o caso do parecer prévio sobre as contas de governo municipais”, cujo cerne é relativo à discussão acerca da natureza jurídica dos pareceres emitidos pelos Tribunais de Contas estaduais sobre as contas de governo das administrações municipais, indagou-se se seriam eles de natureza meramente opinativa ou se seriam verdadeiros julgamentos.
A realização da presente pesquisa fez-se relevante na medida em que se pode demonstrar a importância dos Tribunais de Contas estaduais como órgãos técnicos na busca pela preservação da moralidade pública e do patrimônio público, discriminando suas formas de atuação no controle da Administração Pública e, principalmente, o respaldo do parecer prévio por eles emitido acerca das contas dos chefes do Poder Executivo municipal.
O CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Conforme leciona o professor Alexandre Mazza1, apud José dos Santos Carvalho Filho, “o controle administrativo é fundamentado no poder de autotutela que a Administração exerce sobre seus próprios atos. Tem como objetivos a confirmação, correção ou alteração de comportamentos administrativos”.
É cediço na doutrina pátria que o controle externo da administração pública é parte imprescindível do pleno exercício do pacto federativo, na medida em que possibilita um controle mútuo entre as parcelas do poder, que é uno. Acerca disso, inclusive, muito se utiliza o termo “sistema de freios e contrapesos”2 com o fito de se evidenciar a natureza múltipla de tal exercício.
O controle da administração pública tem por fim máximo, por meio das suas diversas facetas, salvaguardar e proteger os direitos subjetivos do cidadão garantidos constitucional ou legalmente a ele.
O CONTROLE EXTERNO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – CONTROLE LEGISLATVO
Não se tem notícia no país da realização de prestação de contas, quiçá de uma fiscalização das contas da Coroa no Brasil império, mas de lá até a contemporaneidade muito se modificou e a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 – CRFB/883, além de prever um mecanismo de controle para as contas públicas, ainda o disciplinou de forma ampla dos artigos 70 a 74 da CRFB/88.
A partir de tal disciplina, entende, o doutrinador Valdecir Pascoal4, tratar-se, o caso brasileiro hoje disciplinado constitucionalmente, de “modelo heterônimo, cogente, a ser obrigatoriamente observado pelos ordenamentos jurídicos estadual e municipal”.
Pois bem, consoante a disciplina referida, dada pela Constituição, o controle externo brasileiro é realizado pelo Poder Legislativo, com o auxílio dos Tribunais de Contas – Tribunal de Contas da União (TCU), Tribunal de Contas dos Estados (TCE), Tribunal de Contas dos Municípios, onde houver, e Tribunal de Contas do Município.
Nesse diapasão, depreende-se do texto constitucional que o controle legislativo seria realizado pelos parlamentares e órgãos auxiliares, tendo por foco precípuo o controle político e financeiro dos dispêndios decorrentes da aplicação do dinheiro público.
Conforme já aqui se apresentou, figura que se sobressalta em relevo na atuação do controle externo no Brasil são as Cortes de Contas ou Tribunais de Contas.
O TRIBUNAL DE CONTAS
A NATUREZA JURÍDICA DOS TRIBUNAIS DE CONTAS
Muito se discute acerca de qual seria a natureza jurídica dos Tribunais de Contas. Há quem diga que se trataria de “órgão administrativo parajudicial, funcionalmente autônomo, cuja função consiste em exercer, de ofício, o controle externo, fático e jurídico, sobre a execução financeiro-orçamentária, em face dos três poderes do Estado, sem a definitividade jurisdicional”5, bem como há quem defenda que seria um órgão que exerce “o controle financeiro e orçamentário da Administração em auxílio ao Poder responsável”6, como forma de enfatizar a sua não subordinação ao Poder Legislativo.
Alexandre Mazza7, acerca do assunto, diz que:
Os Tribunais de Contas têm taxonomia (natureza jurídica) de órgãos públicos primários despersonalizados. São chamados de órgãos “primários” ou “independentes” porque seu fundamento e estrutura encontram-se na própria Constituição Federal, não se sujeitando a qualquer tipo de subordinação hierárquica ou funcional a outras autoridades estatais.
Em que pesem as diversas opiniões acerca da natureza jurídica dos Tribunais de Contas, uma coisa é pacífica: trata-se de um órgão constitucional dotado de autonomia administrativa e financeira, sem qualquer relação de subordinação com os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, haja vista que ora age numa posição de colaboração com o Poder Legislativo, ora no exercício de competências próprias.
A EFICÁCIA DAS DECISÕES DOS TRIBUNAIS DE CONTAS
Quanto à eficácia das decisões emanadas pelas Cortes de Contas, sabe-se que a CRFB/88, em seu art. 71, § 3º8, estabelece que “as decisões do tribunal de contas de que resulte imputação de débito ou multa terão eficácia de título executivo”.
Tal regramento traduz-se no sentido de que, quando da hipótese de imputação de débito ou aplicação de multa aos causadores de danos ao erário, se seguir-se o não pagamento no prazo legalmente estabelecido, não será necessário o prévio ajuizamento de ação em processo judicial de conhecimento, haja vista que, diante da qualificação de título executivo dada à decisão, a mesma poderá ser executada diretamente pela Administração.
Cabe ressaltar, outrossim, que, quanto a este aspecto, Valdecir Pascoal9 ainda enfatiza que “um dos grandes avanços do modelo delineado pelo novo ordenamento jurídico, TORNA DESNECESSÁRIA A INSCRIÇÃO DO DÉBITO NA DÍVIDA ATIVA da Administração.
CONTAS DE GOVERNO E CONTAS DE GESTÃO
Acerca da diferenciação existente entre contas de governo e contas de gestão, a Auditora Fiscal de Controle Externo do Tribunal de Contas do Estado do Piauí, Andrea de Oliveira Paiva10, estabeleceu distinções a partir do devedor, da matéria, do conteúdo, da periodicidade, da competência para julgamento, do critério de julgamento e da decisão.
Quanto ao devedor, nas contas de governo são devedores os chefes do Poder Executivo; nas contas de gestão, administradores e demais responsáveis.
Quanto à matéria, nas contas de governo tem-se a direção da Administração Direta e Indireta, execução do orçamento, execução do plano de governo, dos programas e das políticas públicas, demonstração da situação financeira e patrimonial, cumprimento das metas fiscais; nas de gestão, legalidade do processamento das despesas, regularidade dos atos e contratos administrativos, economicidade e destinação dos gastos públicos.
Quanto ao conteúdo, nas contas de governo observam-se Balanços Gerais, leis orçamentárias, relatórios (LRF e outros), demonstrativos; nas de gestão, notas de empenho, ordens de pagamento, comprovantes de despesas, processos licitatórios, contratos e atos administrativos, extratos bancários, folhas de pagamento.
Quanto à periodicidade, ambas são anuais, em regra.
Quanto à competência para julgamento, as contas de governo são julgadas pelo Poder Legislativo (após Parecer Prévio); já as contas de gestão, pelo Tribunal de Contas.
Quanto ao critério de julgamento, as contas de governo são julgadas segundo critérios políticos, de conveniência, subjetivos; já as de gestão, segundo critérios técnicos, de estrita legalidade, objetivos.
Quanto à decisão, nas contas de governo tem-se Decreto Legislativo; nas de gestão, tem-se, em regra, acórdão.
A dificuldade real se apresenta quando se tem a figura do Prefeito ordenador de despesa, haja vista que, em que pese ser chefe político do ente federativo em questão, ele também realiza atos que repercutem nas contas de gestão.
Na hipótese apresentada, ter-se-ão dois julgamentos distintos do Prefeito, um em relação ao chefe político (contas de governo), outra em relação ao ordenador de despesa, gestor público (contas de gestão).
O JULGAMENTO PELO TRIBUNAL DE CONTAS: O PARECER PRÉVIO SOBRE AS CONTAS DE GOVERNO
Na realização de seu mister constitucional, o Tribunal de Contas, como já discriminado alhures, tanto realiza julgamento das contas de gestão, como emite parecer prévio para auxiliar o Poder Legislativo respectivo no julgamento político das contas de governo.
Destarte, no toar de tais discriminações, cabe, ainda, verificar os moldes em que o referido parecer prévio é emitido e de que forma, ou até que ponto, seu conteúdo seria vinculante na análise pelo Poder responsável.
Pois bem, para melhor analisar os ditames relativos ao tópico que ora se explana, faz-se relevante transcrever dispositivos do texto constitucional.
Art. 31. A fiscalização do Município será exercida pelo Poder Legislativo municipal, mediante controle externo, e pelos sistemas de controle interno do Poder Executivo municipal, na forma da lei.
§ 1º. O controle externo da Câmara Municipal será exercido com o auxílio dos Tribunais de Contas do Estados ou do Município ou dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios, onde houver.
§ 2º. O parecer prévio, emitido pelo órgão competente, sobre as contas que o Prefeito deve anualmente prestar só deixará de prevalecer por decisão de dois terços dos membros da Câmara Municipal.
Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete:
I – apreciar as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República, mediante parecer prévio, que deverá ser elaborado em sessenta dias a contar de seu recebimento.
Pelo exposto, vislumbra-se que, a Constituição da República Federativa do Brasil dispôs de forma diversa quanto aos efeitos que o parecer prévio emitido pelas Cortes de Contas teria nas respectivas casas legislativas.
A par disso, a doutrina é unânime em afirmar que nos âmbitos federal e estadual, o parecer prévio não vincula o Congresso Nacional ou a Assembleia Legislativa do Estado, podendo, portanto, seguir ou não a recomendação do Tribunal de Contas, haja vista que seriam pareceres meramente opinativos.
Por outro lado, o parecer emitido no controle das contas de governo do Prefeito apresenta sua particularidade, posto que difere dos pareceres das contas relativas aos governadores e ao Presidente da República.
Tal fato se dá porque, de acordo com Pedro Lenza11, no âmbito do controle das contas municipais a presunção é no sentido da validade do parecer, da sua natural prevalência, já que para não produzir efeitos, terá de ser derrubado pelo quórum qualificado de 2/3 de seus membros.
Ainda no tocante ao parecer prévio, há de se destacar que, não obstante a defesa, por parte da doutrina, de que os pareceres, em determinadas circunstâncias (em âmbito federal e estadual), seriam meramente opinativos, Valdecir Pascoal defende que, em hipótese alguma, eles seriam dispensáveis, haja vista que “o Legislativo só poderá julgar as contas do Chefe do Executivo, mediante o parecer prévio técnico do respectivo Tribunal de Contas”12.
Assim, fica evidente a natureza híbrida ou heterogênea do controle exercido sobre as contas públicas de governo municipais, conforme já defendido por Pascoal.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante de tudo o que fora acima apresentado, pode-se concluir que, em resposta ao problema proposto, qual seja, se seriam eles (os pareceres sobre as contas de governo) de natureza meramente opinativa ou seriam verdadeiros julgamentos, que no Brasil aplica-se um modelo heterogêneo ou misto acerca do poder de vinculação dos parecer prévios emitidos pelas Cortes de Contas.
Afinal, como suficientemente demonstrado, em relação aos pareceres emitidos em âmbito estadual ou federal, eles seriam meramente opinativos, posto que servem apenas como recomendação às Casas Legislativas, mas que, por outro lado, em relação aos municipais, eles teriam verdadeira capacidade de vinculação.
Entrementes, em que pese tal disposição, ainda assim, o Poder Legislativo Municipal teria a possibilidade de afastar-se das recomendações do órgão técnico para análise das contas, qual seja, o Tribunal de Contas, posto que mediante a maioria qualificada de 2/3 do total de membros, a análise dos Tribunais poderia ser desconsiderada.
Desta forma, resta patente que, no ordenamento jurídico brasileiro, as diversas formas de realização do controle sobre os atos da Administração Pública combinam-se entre si, em que coexistem os elementos técnico e político na realização dos controles, em especial, como demonstrado, no controle das contas públicas
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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GIL, Antonio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo: Atlas, 1987.
GUALAZZI, Eduardo Lobo Botelho. Regime jurídico dos Tribunais de Contas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 142.
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 630.
MAZZA, Alexandre. Manual de direito administrativo. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
MEDAUAR, Odete. Controle da Administração Pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 142..
PAIVA, Andrea de Oliveira. Contas de governo X contas de gestão: aspectos legais e práticos. Disponível em: www.tce.pi.gov.br/site/legislacao/doc_download/826-contas-de-governo-x-contas-de-gestao-aspectos-legais-e-praticos+&cd=1&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br. Acesso em: 27-02-2014.
PASCOAL, Valdecir. Direito financeiro e controle externo: teoria, jurisprudência e 400 questões. 7. ed. Rio de janeiro: Elsevier, 2009.
Notas
1 MAZZA, Alexandre. Manual de direito administrativo. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
2 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
3 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.
4 PASCOAL, Valdecir. Direito financeiro e controle externo: teoria, jurisprudência e 400 questões. 7. ed. Rio de janeiro: Elsevier, 2009.
5 GUALAZZI, Eduardo Lobo Botelho. Regime jurídico dos Tribunais de Contas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 142.
6 MEDAUAR, Odete. Controle da Administração Pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 142.
7 MAZZA, Alexandre. Manual de direito administrativo. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
8 CRFB/88.
Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete:
[...]
§ 3º. As decisões do tribunal de contas de que resulte imputação de débito ou multa terão eficácia de título executivo.
9 PASCOAL, Valdecir. Direito financeiro e controle externo: teoria, jurisprudência e 400 questões. 7. ed. Rio de janeiro: Elsevier, 2009. p. 134.
10 PAIVA, Andrea de Oliveira. Contas de governo X contas de gestão: aspectos legais e práticos. Disponível em: www.tce.pi.gov.br/site/legislacao/doc_download/826-contas-de-governo-x-contas-de-gestao-aspectos-legais-e-praticos+&cd=1&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br. Acesso em: 27-02-2014.
11 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 630.
12 PASCOAL, Valdecir. Direito financeiro e controle externo: teoria, jurisprudência e 400 questões. 7. ed. Rio de janeiro: Elsevier, 2009. p. 149.