A existência de grandes contingentes populacionais em situação de privação econômica e social invariavelmente revela um sistema político ineficiente no sentido de incorporar o conjunto da população à cidadania e, de outro lado, limita a possibilidade de accountability vertical, o que é elemento essencial para a garantia da qualidade dos procedimentos e da substância da democracia.
Ou seja, a pobreza é um problema político e não produtivo, pelo menos até esse momento, a produção de alimentos e bens não é insuficiente, contudo são distribuídos de forma desigual. Invariavelmente os países com maiores índices de pobreza também são aqueles onde os níveis de concentração de riqueza e renda são recordes.
Para enfrentar esse problema, atualmente 18 países latino-americanos e caribenhos desenvolvem políticas públicas específicas para a redução e / ou eliminação da pobreza. Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, El Salvador, Guatemala, Honduras, Jamaica, México, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, Trinidad e Tobago e Uruguai desenvolveram programas de transferência de renda (CECCHINI; MADARIAGA apud ROMÃO, 2013, p.3).
Esta pesquisa tem o objetivo de descrever e comparar as políticas públicas que enfrentam o problema social da pobreza em seis países da América Latina: México, Brasil, Uruguai, Paraguai, Bolívia e Argentina. Nestes países a primeira similaridade comparativa é a transferência de renda, ou seja, são programas marcados pelo pagamento de um valor em dinheiro aos beneficiários que adquirem o produto ou serviço que julgam adequado.
De maneira geral, esses programas enfrentam a questão da pobreza contribuindo com a sobrevivência material dos beneficiários, possibilitando o acesso a bens primários ligados à alimentação e a higiene, por exemplo. A importância do aspecto da sobrevivência básica é destacado por SEN (2001), para quem os “bens primários são coisas que toda pessoa racional presumivelmente quer e incluem renda e riqueza, portanto meios para qualquer propósito para a busca de diferentes concepções do bem que os indivíduos podem ter” (p.136).
O problema que nos instiga é qual a motivação para esses países empreenderem políticas públicas redistributivas de transferência de renda em benefício dos pobres. Embora aparentemente banal, a questão é relevante se considerado que estes países passaram por processos ditatoriais duros e duradouros que notadamente contribuíram para consolidar elites econômicas nacionais e interacionais. A hipótese que apresentamos é que tais políticas públicas são consequência da redemocratização, da assunção de elites políticas reformistas e de partidos ou coalizões políticas com programas marcados pela concepção do Welfare State. A metodologia de política comparada que maximiza as diferenças para identificar as semelhanças parece a mais adequada para realizar nosso intento. Neste sentido compararemos os seguintes programas: Programa Bolsa Família (PBF) do Brasil, Cercanias, do Uruguai, Tekoporã, do Paraguai, Bono Juancito Pinto, da Bolívia e Asignación Universal por Hijo para Protección Social, da Argentina. A comparação implica na descrição dos países quanto a sua população, pobreza, beneficiários, produto interno bruto (PIB), produto interno bruto para cada cidadão (PIB per Capita), percentual do PIB ou do orçamento público investido no programa. Além disso, destaca-se o processo de redemocratização, o histórico dos programas e a característica dos líderes e partidos ou coalizões políticas que os implantaram. Os programas de transferência de renda possuem diferenças importantes, pois foram desenvolvidos em países e períodos distintos, com diferentes situações econômicas, sistemas políticos, estruturas institucionais e composições populacionais. Contudo, existem algumas semelhanças importantes que, a nosso ver, determinam a constituição dos programas, a relevância da pobreza, a redemocratização e o acesso de lideranças reformistas aos cargos de presidente. As políticas públicas de transferência de renda na América Latina, particularmente no México, Brasil, Uruguai, Paraguai, Bolívia e Argentina enfrentam de forma bastante importante o problema social da fome e da pobreza nesses cinco países, cujo diagnóstico original era de parcela importante da população em situação de desnutrição.
O estudo comprova a hipótese de que as políticas públicas de transferência de renda são consequência da redemocratização, da assunção de elites políticas reformistas e de partidos ou coalizões políticas com programas marcados pela concepção do Welfare State.
Contudo, esta pesquisa não esgota o tema e sim evidencia a permanência de uma vasta agenda de estudos sobre as políticas públicas de transferência de renda na região que, inclusive, estão relacionados à nossa incapacidade metodológica. Por exemplo, qual o resultado desses programas: serão instrumentais no sentido de incorporar os beneficiários definitivamente ao mercado consumidor? Serão substantivos ao ponto de contribuir com a condição de cidadania dos beneficiários? A correlação de forças políticas nacionais manterá o consenso em torno da necessidade da sociedade redistribuir recursos públicos para os pobres, através do Estado?
4. CONCLUSÕES
Todos os programas de transferência de renda na América Latina são criados após o período de redemocratização das décadas de 1990 e 2000, que instaura na região a possibilidade de construção de políticas públicas, enquanto materialização da correlação de forças políticas presentes na sociedade nacional. A partir daí, a definição da agenda setting do ciclo de política terá vários momentos e mecanismos de checks and balances da oposição e dos vários grupos de pressão e interesse, bem como dos outros poderes democráticos.
O acesso de elites políticas reformistas coincide com o arrefecimento do entusiasmo com o neoliberalismo como panaceia para resolver a crise fiscal, financeira e a hiperinflação da década de 1980 e com a retomada de perspectivas programáticas de Welfare State e desenvolvimentistas, marcas programáticas dos partidos do espectro político do centro até a esquerda na região.
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