A remição da pena pela leitura e a ressocialização do apenado

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Pretende-se, neste artigo, demonstrar a importância da leitura e educação no sistema penitenciário brasileiro, tendo a remição da pena pela leitura um foco especial diante deste novo investimento na ressocialização do preso.

RESUMO

 

Pretende-se, neste artigo, demonstrar a importância da leitura e educação no sistema penitenciário brasileiro, tendo a remição da pena pela leitura um foco especial diante deste novo investimento na ressocialização do preso. Neste contexto analisa-se, brevemente, a realidade da estrutura carcerária, que se encontra em calamidade frente à superpopulação e demais inércias da política pública. Deste modo, coube salientar a necessidade da humanização da execução da pena para que se cumpra um dos seus maiores objetivos, qual seja, a reinserção do apenado à sociedade. Em síntese, este artigo apresenta a evolução da remição pela leitura, com a existência de diversos projetos em andamento de norte a sul do país. A metodologia do trabalho é realizada pela pesquisa bibliográfica na internet e em alguns livros sobre o tema, constatando-se que a implantação da leitura nas prisões auxiliará o apenado no aprimoramento intelectual, cultural, moral e profissional, com reflexos positivos no seu retorno ao convívio social. O referencial teórico baseia-se na Lei de Execução Penal e suas atualizações, bem como no entendimento atual do STJ frente à Recomendação nº 44/2013 do CNJ quanto a Portaria Conjunta nº 276/2012 CNJ/Depen, tendo como exemplo a Lei Estadual nº 17.329 do Paraná.

Palavras chave: Sistema carcerário. Ressocialização. Remição pela leitura. Investimento.

Introdução

É cediço que a educação durante o período de encarceramento dos sentenciados auxilia no desenvolvimento intelectual e sócio cultural dos custodiados, contribuindo, consequentemente, para ressocialização destes.

O instituto da remição na Lei de Execução Penal (LEP), de acordo com Dotti (2005, p. 607), refere-se ao abatimento no tempo da pena privativa de liberdade nos regimes fechado ou semiaberto, pelo trabalho ou estudo realizado pelo preso, visando ainda a readaptação do indivíduo ao meio social.

A Corregedoria Geral da Justiça Federal e o Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça, assinaram em 20 de junho de 2012, a Portaria Conjunta nº 276, que trata da remição de pena através da leitura.

Entre os objetivos específicos da remissão pela leitura destacam-se a conscientização quanto à importância desta, a troca dos momentos ociosos na prisão pela leitura e estudo, a formação do cidadão e a nova oportunidade de integração quando do retorno à sociedade.

Destarte, conforme leciona Marcão (2009, p. 2), a Lei nº 7.210/84 (Lei de Execução Penal - LEP) não busca apenas a prevenção, mas também a humanização, e quando esta prevenção especial se foca na pessoa do condenado, estimula-se este a comportar-se de acordo com os valores eleitos pelo sistema, respeitando os bens jurídicos tutelados pela norma, inclusive o suporte para o seu retorno à sociedade, evitando que o mesmo volte a delinquir (MASSUD, 2009, p. 122).

O artigo tem por metodologia a revisão bibliográfica, sendo utilizado buscas na internet, consultas de livros-textos e periódicos disponíveis nas bibliotecas virtuais, bem como artigos científicos e livros de doutrinadores conceituados da área criminal.

O referencial teórico do artigo é norteado pelo entendimento de clássicos doutrinadores da Execução Criminal, sobre aspectos do tema, tais como: Júlio Fabbrini Mirabete e Renato Marcão, dentre outros referidos ao final deste artigo, bem como baseia-se na Lei de Execução Penal e suas atualizações, e o atual entendimento do STJ frente à Recomendação nº 44/2013 do CNJ quanto a Portaria Conjunta nº 276/2012 CNJ/Depen, tendo como exemplo da questão em voga a Lei Estadual nº 17.329 do Paraná.

  

Desenvolvimento

A realidade das prisões no Brasil pode ser considerada como o próprio inferno, ou seja, o pior lugar em que um ser humano pode estar. A superpopulação carcerária, sem condições mínimas de higiene, saúde, alimentação e muito menos ainda de aprendizado para o custodiado, ou seja, sem condições dignas de vida, geram ainda mais a sensação de completo desprezo e revolta aos encarcerados. Isto sem se falar nos abusos de autoridade, torturas físicas e psicológicas sofridas dentro das celas, quase nunca delatadas por medo das ameaças de morte.

A consequência deste cenário de horror é o aumento da criminalidade frente à reincidência dos crimes pelos presos quando colocados em liberdade, em razão da completa falta de estímulo para a vida, impossibilitando uma recuperação quando colocados de volta à sociedade.

A Lei nº 7.210/84, Lei de Execução Penal, em seu artigo 10º cita que “a assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade. Parágrafo único: A assistência estende-se ao egresso.”

A maioria dos apenados quando colocados em liberdade se deparam com a triste realidade do preconceito, da falta de moradia e do próprio apoio da família, aliados à ausência de oportunidade para desempenhar uma atividade lícita, no intuito de obter um sustento mínimo que seja, ocasionando a reincidência criminal.

Se o nosso governo atual, diante da crise econômica, já não consegue oferecer emprego à população brasileira, vivenciando um dos maiores índices de desemprego na história, quiçá conseguirá o serviço público ofertar assistência ao egresso na forma de oferecimento de emprego, moradia temporária, etc., deixando-os na realidade desamparados, à mercê da própria sorte.

Afirma Zacarias (2006, p. 35) que: “A execução da pena implica uma política destinada à recuperação do preso, que é alçada de quem tem jurisdição sobre o estabelecimento onde ele está recluso.”

Continua o renomado autor:

Apesar de moderna, procurando racionalizar, desburocratizar e flexibilizar o funcionamento do sistema prisional, a Lei de Execuções Penais não tem produzido os resultados concretos almejados por seus autores e esperados pela sociedade. Tal ineficácia está na omissão do Poder Executivo que, procurando de todas as formas dirimir e eximir-se de suas obrigações básicas no plano social, até a presente data não houve investimentos necessários em escolas, em fábricas e fazendas-modelo, ou mesmo comércio; em pessoal especializado e em organizações encarregadas de encontrar postos de trabalho para os presos em regime semi-aberto e aberto, principalmente para os egressos dos estabelecimentos penais.

Diante deste quadro crítico, vê-se a imensa necessidade de se desenvolver ações de políticas de penitenciária, para que, com urgência, sejam criadas medidas que ajudem na recuperação do apenado, por se tratar de uma garantia constitucional.

A pena privativa de liberdade visa tanto proteger a sociedade com o encarceramento do criminoso, quanto prepará-lo para a sua reinserção. Deste modo, pode se dizer que a ressocialização do preso é o primordial objetivo da pena, posto que a prisão não cumpre tão somente punir o agressor, mas sim educá-lo para que, recuperado, seja reintegrado não só à sua família, mas também à sociedade.

O grande doutrinador Mirabete (2002, p.24), afirma que:

A ressocialização não pode ser conseguida numa instituição como a prisão. Os centros de execução penal, as penitenciárias, tendem a converter-se num microcosmo no qual se reproduzem e se agravam as grandes contradições que existem no sistema social exterior (...). A pena privativa de liberdade não ressocializa, ao contrário, estigmatiza o recluso, impedindo sua plena reincorporação ao meio social. A prisão não cumpre a sua função ressocializadora. Serve como instrumento para a manutenção da estrutura social de dominação.

O trabalho prisional e o estudo são as grandes medidas ressocializadoras, acarretando os benefícios da remição. O trabalho ocupa lugar de grande importância no alcance da recuperação do condenado, mas somente o trabalho não é suficiente para recuperar o preso. A educação é uma mola propulsora neste aspecto, pois já afirmava Jean Piaget: “O principal objetivo da educação é criar pessoas capazes de fazer coisas novas e não simplesmente repetir o que as outras gerações fizeram.”

A ressocialização almeja efetivar oportunidades aos detentos que lhes ofereçam condições profissionais e psicológicas para um amadurecimento pessoal e consequente resgate de valores e auto-estima.

A maioria dos detentos não possuem nem o ensino fundamental completo, vindo o incentivo à educação nos presídios, através da remissão por estudo prevista no art. 126, parágrafo 1º, inciso I da Lei de Execução Penal (LEP), qualificar o recuperando para busca de novas oportunidades ao sair da prisão, sendo também uma forma de diminuir os dias da pena, a exemplo do que ocorre com o trabalho.

A remição da pena pela leitura, embora não prevista expressamente na LEP, foi reconhecida pela 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça em julgamento de Habeas Corpus relatado pelo ministro Sebastião Reis Júnior.

A referida decisão levou em conta a Recomendação 44/13 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que propõe a instituição, nos presídios estaduais e federais, de projetos específicos de incentivo à remição pela leitura, consolidada praticamente em quase todo o país.

Afirmou o Ministro Relator Sebastião Reis Júnior em seu voto no julgamento do Habeas Corpus nº 312.486 - SP (2014/0339078-1), 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça:

(...)mesmo que se entenda que o estudo, tal como inserido no dispositivo da lei, não inclui a leitura – conquanto seja fundamental à educação, à cultura e ao desenvolvimento da capacidade crítica da pessoa –, em se tratando de remição da pena, é, sim, possível proceder à interpretação extensiva em prol do preso e da sociedade, uma vez que o aprimoramento dele contribui decisivamente para os destinos da execução.

Além do mais, seria uma contradição deste Tribunal não admitir a leitura como causa de remição após tanto o CNJ e o Conselho da Justiça Federal – CJF (que é presidido por Ministro desta Casa), em conjunto com o Ministério da Justiça/Depen, regulamentarem o assunto. Manter a decisão impugnada será o mesmo que tornar letra morta tanto a Recomendação n. 44/2013 do CNJ quanto a Portaria Conjunta n. 276/2012 do CNJ/Depen.

No Paraná, a Lei Estadual n. 17.329 instituiu a remição da pena por estudo por meio da leitura desde 2012.

A Secretaria de Segurança Pública e Administração Penitenciária, no seu site eletrônico do governo do Paraná, explica o procedimento adotado:

Este programa, implantado em todos os estabelecimentos penais, disponibiliza aos apenados alfabetizados, a cada mês, 01 (um) livro de obra literária clássica, científica ou filosófica, inclusive livros didáticos da área de saúde, dentre outros, previamente selecionadas por uma comissão de docentes.

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A participação dos apenados é voluntária. A cada 30 dias realizam a leitura de um livro e, para fins de remição, produzem um relatório de leitura e ou resenha, conforme o nível de escolarização. O trabalho escrito é avaliado e conta com um aproveitamento de 00 a 100, a média mínima é 60 para a aprovação.

Ressaltando que, após a leitura do livro, os apenados que possuem o Ensino Fundamental elaboram um relatório de Leitura e aqueles que possuem o Ensino Médio e Superior uma resenha. A escrita é feita em três momentos de forma presencial. Na primeira versão o texto é avaliado pelo professor de Língua portuguesa, num segundo momento é produzido a reescrita e novamente corrigido para elaboração da versão final.

Os Centros Estaduais de Educação Básica para Jovens e Adultos que atendem as Unidades Penais, aos quais o apenado estiver vinculado, encaminhará o Atestado de participação na Remição pela Leitura, com aproveitamento, bem como a carga horária cumprida, ao Juiz da Vara de Execuções Penais para que este possa acolher a título de remição da pena, contabilizando-se 4 (quatro) dias de remição aos que alcançarem os objetivos propostos.

Cabe destacar que produções/elaborações de textos são atividades de estudo e exigem dos indivíduos a participação efetiva enquanto sujeitos ativos desse processo, levando-os à produção e à ressignificação de sentidos e a construção do conhecimento.

Cada Estabelecimento Penal do Estado possui uma biblioteca e ou espaço de leitura, contando também com a parceria da Biblioteca Pública do Paraná, que disponibiliza caixas-estante para ampliação e diversificação do acervo bibliográfico nas Unidades Penais, permitindo o sucesso e a efetivação da Remição da Pena por Estudo, através da Leitura.

A Remição da Pena por Estudo através da Leitura constitui-se na disseminação da leitura nos espaços prisionais podendo proporcionar o resgate da autoestima, trocando momentos ociosos por leitura/estudo. Pretende-se ampliar a capacidade leitora, oportunizando ao que lê a mudança de opinião, construção de pensamentos que vislumbrem melhor convivência na sociedade, bem como formar leitores melhor preparados para concluir a escolarização básica, e ingressar no ensino superior e inserção no mercado de trabalho.

(http://www.depen.cidadania.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=45)

Atualmente, existem diversos projetos em andamento em grande parte dos Estados Brasileiros, atingindo os presídios de São Paulo, Tocantins, Goiás, Santa Catarina e Minas Gerais, entre outros.

Resta ainda salientar que num futuro próximo, a Educação a Distância (EaD) poderá se tornar outra modalidade de ensino disponível para os custodiados, dependendo esta das estruturas prisionais, com o apoio do Estado, bem como da política penitenciária.

A Educação a Distância (EaD) é uma modalidade de ensino cuja regulamentação é recente, e caso seja usada nas unidades prisionais de segurança máxima, terá um grande valor estratégico, tanto por possibilitar o acesso à educação em locais distantes dos grandes centros urbanos, quanto por otimizar o deslocamento dos detentos da cela até a sala de aula, o qual requer uma logística criteriosa, além de demandar tempo e dinheiro.

Assim a futura regulamentação da Educação à distância, além do valor estratégico, terá papel de destaque frente ao seu objetivo de ressocialização do preso com a sua assistência educacional, juntamente com a possibilidade de remição de parte do tempo da execução da pena.

Conclusão

O objetivo deste artigo é demonstrar que mesmo diante de uma realidade cruel quanto ao sistema prisional, podemos ainda ter esperança na ressocialização do apenado, a partir do momento em que a Educação começa a integrar o processo de reabilitação penal com o incentivo da legislação, e do entendimento doutrinário e jurisprudencial. Todavia, não é possível ressocializar o condenado sem que exista o suporte necessário provido pelo Estado, deixando tais projetos de proporcionar maiores avanços e consequentes progressos frente à falta de estrutura prisional e apoio do poder executivo.

Por fim, conclui-se que a leitura é um dos principais meios para construção do conhecimento, e o seu estímulo nos presídios, através do benefício da remição, oportuniza-se aos apenados um novo recomeço diante de uma nova mentalidade que a leitura proporciona, podendo até se falar em uma nova identidade cultural, quando no retorno ao convívio social, criando novas perspectivas de vida.

REFERÊNCIAS

ALVIM, Wesley Botelho. “A ressocialização do preso brasileiro”. Disponível em: <http:///C:/Users/Cliente/Documents/Modelos%20de%20artigos%20Prominas/A%20ressocializa%E7%E3o%20do%20preso%20brasileiro%20-%20Artigo%20jur%EDdico%20-%20DireitoNet.html.> Acesso em: 30 out. 2015.

DOTTI, René Ariel. Curso de direito penal: parte geral. 2. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2005.

GOVERNO DO PARANÁ. Secretaria de Segurança Pública e Administração Penitenciária. Lei Estadual n. 17.329. “A remição da pena por estudo por meio da leitura desde 2012”. Disponível em:<http://www.depen.cidadania.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=45.> Acesso em 30 out.2015.

JUSTIÇA FEDERAL. Conselho da Justiça Federal. Corregedoria-geral e Depen assinam portaria instituindo projeto “remição pela leitura”. Disponível em: <http://s.conjur.com.br/dl/stj-remicao-pena-leitura-livro1.>Acesso em: 30 out. 2015.

MARCÃO, Renato. Curso de Execução Penal. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009.

MASSUD, Leonardo. Da Pena e sua Fixação: Finalidades, Circunstâncias Judiciais e Apontamentos para o Fim do Mínimo Legal. São Paulo: 2009.

MIRABETE, Júlio Fabbrini. Execução Penal. 10 ed. São Paulo: Atlas, 2002.

ZACARIAS, André Eduardo de Carvalho. Execução Penal Comentada. 2 ed. São Paulo: Tend Ler, 2006.




Sobre o autor
Marcílio Carneiro de Castilho Júnior

Servidor público do TJMG, exercendo o cargo de Assessor Jurídico do Juízo da 2ª Vara da Comarca de São Francisco-MG. Bacharel em Direito na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, advogou por 10 (dez) anos em Belo Horizonte e nas cidades do interior de Minas Gerais.<br><br>

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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