A competência supletiva do IBAMA nos licenciamentos ambientais

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20/11/2015 às 10:07
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5. A COMPETÊNCIA MUNICIPAL NA MATÉRIA. O PROBLEMA DO ASSENTAMENTO CONFORME

Tem o Município, além da capacidade de auto-organização, mediante a elaboração de lei orgânica própria, a capacidade de autogoverno, a capacidade normativa própria, ou capacidade de autolegislação, mediante a competência de elaboração de leis municipais sobre áreas que são reservadas a sua competência exclusiva e suplementar.

Como se permitirá dizer que um assentamento da edificação em um lote é conforme? Isso dirá a legislação municipal.

Ora, ensina José Afonso da Silva que o assentamento é conforme quando a edificação atenda às restrições referentes ao dimensionamento, recuos, ocupação, aproveitamento e gabarito, obedecidos por lote (2010, pág. 281).

Digo mais: o assentamento traduz-se em direito subjetivo do titular, quer quanto à continuação ou expansão da edificação já existente; quer quanto a implantação.

A implantação averigua-se pela aprovação do projeto e plantas de edificação e a outorga da respectiva licença para construir que não pode ser recusado ao interessado que preencha todos os requisitos para exercer a faculdade de construir (Código Civil, artigo 1.209).

Socorro-me de Hely Lopes Meirelles para quem prevalecem as leis urbanísticas sobre as convenções urbanísticas particulares. Isso porque o espectro urbanístico do loteamento urbano é da competência precípua do Município. A este cabe estabelecer as normas urbanísticas para os loteamentos locais (1977, pág. 438).

Em tal entendimento, se o empreendedor requer a licença para construir com projeto em consonância com a legislação vigente, diante de órgão administrativo com competência para tal, surge-lhe o direito de construir concreto, que é o direito subjetivo à licença solicitada. Depois de iniciada a construção, prevista na licença, esta preside a relação jurídica que envolve a construção até a sua conclusão, salvo a interrupção prolongada.

Com a execução da obra e seu termo de conclusão (habite-se) a situação transcende o simples campo do direito subjetivo para configurar um direito consumado, que se integra ao patrimônio do titular, com outro regime, porque se transforma do direito de construir em direito de propriedade do construído. Essa seria a licença típica que se distingue da licença ambiental, que é temporária.

Assim se a obra já estiver concluída, sobrevindo lei nova que mude a situação, há entendimento de que ocorre o direito adquirido ao termo de conclusão ou habite-se, desde que a construção tenha atendido a todas as regras da lei revogada. O caminho para a Administração municipal mudar o quadro poderá adentrar na senda da desapropriação por necessidade pública ou ainda no exercício do poder de polícia caso a edificação traga visível e claro perigo à coletividade, providência, sim, que tem claro cunho de autoexecutoriedade, se identificada, inclusive, uma atividade poluente.

Isso porque a licença ambiental não constitui um direito adquirido do empreendedor para exercer uma atividade ad aeternum. Ela será considerada um verdadeiro direito de explorar a atividade durante o seu prazo de validade e de renová-la sucessivamente caso atenda aos requisitos exigidos ao tempo do requerimento da renovação, nos exatos limites da proporcionalidade e ainda da razoabilidade.

A concessão de licença ambiental gera um direito cuja eficácia fica sujeita a evento futuro e incerto, não se suspendendo a aquisição ou o exercício de direito. Penso que não estamos diante de uma mera expectativa de direito, mas de um direito cujo exercício pode ser encerrado diante de implemento de uma condição, qual seja: a proteção do meio ambiente, dentro dos limites da proporcionalidade.


6. CONCLUSÕES

Presente está nesta análise que se o empreendimento foi licenciado por órgão ambiental competente, obedecidas, inclusive, as normas municipais urbanísticas, não pode o IBAMA, a pretexto de uma intervenção unilateral, que não será supletiva, embargá-lo. Isso porque a chamada competência supletiva, objeto de regulamentação em norma complementar para tanto editada, somente será exercida se não houver órgão ambiental estadual, municipal ou no distrito federal, para tanto, o que determinará a atuação do ente federal, dentro dos espaços próprios de competência existentes no modelo federativo brasileiro.


Referências bibliográficas

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MILARÉ, Édis. Direito Ambiental: doutrina, jurisprudência, glossário, 3ª edição, São Paulo, Revista dos Tribunais, pág. 487, 2004.

NOVELLI, Flávio Bauer. A eficácia do ato administrativo, in Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, vol. 60, pág. 36, abril/junho, 1960.

PESTANA DE AGUIAR, João Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil, São Paulo, Série RT, volume IV, n.6, páginas 13 e 14, 1974.

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Abstract: There are numerous situations in everyday life, in which the enterprising is with the actions of federal environmental agency, after having obtained license to build by another institution, under state or municipal. And the largest result is standstill and incalculable damage. This study addresses the question of jurisdiction on environmental, legal security that will be generated due to the licenses granted under purely legal, the role of complementary law that builds the concept that power which is attributed to supplementary IBAMA, and finally, the municipal’s rule which has in the licensing as the occupation of urban land.

Key words: Environmental law. Supplementary Competence. Principle of Legal Certainty

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

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