Após a entrada em vigor do Código Civil de 2002, observou-se a busca do legislador por um critério objetivo que pacificasse o entendimento sobre o pagamento de indenização em casos de suicídio do segurado.
O legislador definiu no caput do art. 798 que “O beneficiário perde o direito ao capital segurado quando se suicida nos dois primeiros anos de vigência contratual, ou de sua recondução”.
Ao analisar o artigo, nota-se que a norma não faz qualquer distinção entre o suicídio premeditado ou não, tanto em seu caput, quanto no parágrafo único.
Apesar de seu conteúdo taxativo, o STJ vem realizando uma interpretação cada vez mais extensiva do artigo, através do entendimento de que as seguradoras continuam sendo responsáveis pelo pagamento do benefício proveniente de suicídios ocorridos dentro do prazo de dois anos.
Com a falta de distinção entre o suicídio premeditado ou não, surgiram várias correntes de entendimento sobre o tema.
A primeira corrente entendeu que, nos dois primeiros anos do contrato, o sinistro estaria coberto se o beneficiário comprovasse que não houve premeditação por parte do segurado. Caberia ao beneficiário produzir uma prova negativa, ou prova diabólica, uma inversão do ônus da prova que deixa o beneficiário em desvantagem.
Outra corrente defende que, dentro dos dois primeiros anos, caberia o segurador a prova da premeditação do suicídio, assim se tornaria desobrigado ao pagamento.
Atualmente o STJ vem aplicando a tese de que a prova da premeditação deverá ser apresentada pelo segurador, e se constatado que não se trata de suicídio premeditado, o segurador deverá dar a devida cobertura, mesmo que o sinistro ocorra nos dois primeiros anos de vigência contratual.
Muito além da interpretação literal, o artigo deverá ser interpretado a partir da presunção da boa-fé das partes, portanto, presumir que o suicídio não tenha sido premeditado, fazendo com que a seguradora tenha que provar a premeditação. Não sendo comprovada a premeditação do suicídio, não estará comprovada a má-fé, portanto não retira a responsabilidade da seguradora.
Uma decisão importante sobre os seguros de vida em caso de suicídio foi a do Recurso Especial nº 1.188.091, julgado em 2011, que deu provimento ao recurso em face de uma seguradora condenando-a ao pagamento de indenização oriunda de suicídio:
DIRIETO CIVIL. SEGURO DE VIDA. SUICÍDIO. ART. 798 DO CC/02.INTERPRETAÇÃO LITERAL. IMPOSSIBILIDADE. PRESUNÇÃO DE BOA FÉ DOSEGURADO. PROVA DA PREMEDITAÇÃO. NECESSIDADE. 1. As regras relativas aos contratos de seguro devem ser interpretadas sempre com base nos princípios da boa-fé e da lealdade contratual. Essa premissa é extremamente importante para a hipótese de indenização securitária decorrente de suicídio, pois dela extrai-se que a presunção de boa fé deverá também prevalecer sobre a exegese literal do art. 798 do CC/02. 2. O biênio previsto no art. 798 do CC/02 tem como objetivo evitar infindáveis discussões judiciais a respeito da premeditação do suicídio do segurado, geralmente ocorrido anos após a celebração do contrato de seguro. À luz desse novo dispositivo legal, ultrapassado o prazo de 02 anos, presumir-se-á que o suicídio não foi premeditado, mas o contrário não ocorre: se o ato foi cometido antes desse período, haverá a necessidade de prova, pela seguradora, da premeditação. 3. É desrazoável admitir que, na edição do art. 798 do CC/02, o legislador, em detrimento do beneficiário de boa-fé, tenha deliberadamente suprimido o critério subjetivo para aferição da premeditação do suicídio. O período de 02 anos contido na norma não deve ser examinado isoladamente, mas em conformidade com as demais circunstâncias que envolveram sua elaboração, pois seu objetivo certamente não foi substituir a prova da premeditação do suicídio pelo mero transcurso de um lapso temporal. 4. O planejamento do ato suicida, para fins de fraude contra o seguro, nunca poderá ser presumido. Aplica-se à espécie o princípio segundo o qual a boa-fé é sempre pressuposta, enquanto a má-fé deve ser comprovada. 5. Há de se distinguir a premeditação que diz respeito ao ato do suicídio daquela que se refere ao ato de contratar o seguro com a finalidade única de favorecer o beneficiário que receberá o capital segurado. Somente a última hipótese permite a exclusão da cobertura contratada, pois configura a má-fé contratual. 6. Recurso especial provido. (STJ , Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 26/04/2011, T3 – TERCEIRA TURMA)
Após esta análise, podemos constatar que, mesmo o Código Civil sendo objetivo para acabar com as discussões sobre a cobertura securitária em casos de suicídio, há uma grande divergência a respeito da necessidade de comprovação da premeditação. O maior desafio seria a decisão sobre o ônus da prova neste caso de suicídio, que é algo totalmente subjetivo e de difícil comprovação em caso de premeditação.