Sexualidade biológica x sexualidade psicológia e comportamental: os conflitos de identidade dos transexuais

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O presente trabalho tem como objetivo a abordagem do transexualismo e as questões jurídicas da mudança de identidade a ele vinculadas

RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo a abordagem do transexualismo e as questões jurídicas da mudança de identidade a ele vinculadas. Explanaremos aqui as questões psicológicas e físicas, a aceitação social e pessoal, citando a cirurgia de transgenitalização. De modo geral, buscaremos avaliar os direitos garantidos com relação ao corpo e a identidade, e os seus limites. Relacionando, a partir dos conceitos introdutórios de direito a personalidade, a operação para mudança de sexo com a alteração do registro civil.

Palavras-chave: Transexualismo. Direitos garantidos. Dignidade Humana. Registro civil.

INTRODUÇÃO

            De acordo com a resolução CFM nº 1.955/2010 - Conselho Federal de Medicina - o transexual é portador de desvio psicológico permanente de identidade sexual, com rejeição do fenótipo e tendência à automutilação e/ou autoextermínio. Esse transtorno de identidade de gênero se refere à convicção que cada um tem de si quanto à masculinidade e feminilidade, quanto a sua sexualidade física e psicológica.

            O indivíduo transexual sente um desconforto e sofrimento por acreditar que houve um erro na sua formação sexual, ele se identifica psicologicamente e socialmente com o sexo oposto ao que lhe foi determinado. Esse sentimento não se deve pelo olhar da sociedade, mas sim do próprio indivíduo que não se aceita em seu corpo, não se enxerga daquela maneira.

            Diante dessas condições o transexual busca na cirurgia de mudança de sexo, transgenitalização, a correção desses “erros”. Porém, esse não é um procedimento comum e exige uma série de condições para que seja realizado e assim que ocorre o transexual passa a buscar por seus direitos, mas especificamente, quanto à mudança do registro civil.

            Nessas condições, podemos entender a distinção entre o transexual com o homossexual e o travesti, que não trata apenas da questão psicológica, mas também do desejo de ser reconhecido como individuo do outro sexo, tendo seu nome e identidade de acordo com o entendimento que tem de si. E o que buscamos discutir é sobre a flexibilidade que o direito deve ter quanto ao registro de identidade, já que essa não se refere apenas ao sexo biológico, mas também ao psicológico e mais uma série de fatores.

2  O TRANSEXUALISMO

            Antes de falar especificamente sobre o transexualismo, faz-se uma ressalva a análise psicológica sobre o conceito e a formação da personalidade. O comum entendimento de personalidade se dá de maneira informal, muitas vezes utilizamos esse termo para designar um atributo ou característica de uma pessoa, porém, essa é apenas uma derivação do seu real significado. 

“Per.so.na.li.da.de 1 conjunto de traços morais distintos de uma pessoa; caráter 2 qualidade essencial de uma pessoa; caráter originalidade 3 aspecto que alguém assume e projeta em público; imagem 4 pessoa célebre”. (Minidicionário Houaiss da língua portuguesa. 2004, pg.566)

                  Percebe-se que o sentido original relacionasse com o sentido comum, mas o que nos interessa aqui é a significação dada pelos psicólogos sobre personalidade. Em psicologia entende-se que a personalidade de uma pessoa é o conjunto de suas características que integradas estabelecem a forma pela qual ela reage costumeiramente ao meio. Esse é um conceito amplo e que abrange diversos tópicos como a condição física, as emoções, as influências sociais, as motivações etc.

            Assim, pode-se dizer que a formação da personalidade se dá através de fatores genéticos e ambientais. Os fatores genéticos se referem à formação do individuo ainda no útero, a questão da hereditariedade, lembrando que nem tudo aquilo com que nascemos é produto hereditário. E os fatores ambientais se referem ao meio físico e social, que são as influencias e vivencias que a sociedade passa para o indivíduo desde o momento em que nasce.

            Dessa forma, chegamos a analise e compreensão do desenvolvimento psicossexual dos indivíduos, que muito tem a ver com a formação da personalidade. Acreditam os estudiosos da psicologia, baseados nas teorias de Freud, que os indivíduos passam por diversos estágios que marcam o seu desenvolvimento sexual. Isso se deve ao ato do prazer, que motiva os comportamentos humanos e isso se dá desde a infância. A relação sexual na fase adulta, a alimentação e sugação na infância e até o próprio amor entre pais e filhos influenciam o desenvolvimento sexual dos indivíduos.

            É na fase da infância, dos três aos cinco anos, que a criança descobre seu sexo, experimentando o prazer ao manusear seus órgãos genitais, ao conhecer o seu corpo. Essa fase acreditam os psicólogos, pode ser a etapa original do homossexualismo. A criança ao se conhecer enfrenta diversos conflitos, dúvidas e anseios, ela ama o sexo oposto, ao mesmo tempo em que sente ciúmes do seu e assim passa a se identificar, agir e assumir sua sexualidade. A não resolução desses conflitos é considerada como a causa de grande parte dos conflitos psicológicos.

            Nesse contexto citamos o transexual que desde cedo sofre com esse conflito entre sua sexualidade biológica com a psicológica e comportamental. O individuo transexual desde cedo não compreende o seu corpo e não se aceita daquela maneira. Acredita que o seu sexo real é o oposto ao que lhe pertence. Por esses motivos, muitos são os sofrimentos vividos por esses indivíduos, que se sentem deslocados, incompreendidos e tem o constante desejo de mudar sua realidade.

            O transexual é classificado como primário e secundário, o primário é aquele que desde pequeno, criança até, já se identifica como do sexo oposto, apresenta comportamento, pensamento e o sentimento de rejeição ao seu gênero. Já o secundário é o transexual que se manifesta tardiamente, são adultos que têm dificuldades de se assumir e passam a vida aparentando ser o que não são, vivem sem expor o seu desejo de mudança de sexo, o que aumenta o sofrimento e os conflitos vividos por esses indivíduos, que às vezes, após já estarem casados, terem filhos e uma vida “comum”, resolvem se assumir.

            Para mudar sua realidade o transexual opta pela transgenitalização, cirurgia da mudança de sexo, que dá aos indivíduos transexuais a sua real identidade. Porém, para ser indicada, o individuo deve passar por todo um procedimento médico, através de consultas com psicólogos que identificam se este sofre ou não do transtorno de identidade de gênero.

            De maneira geral, entende-se que o transexual tem as características físicas de um sexo, mas tem sua alma pertence ao sexo oposto. Ele ou ela se comportam perante a sociedade de uma maneira contraria a que gostariam e por esses motivos buscam mudar sua identidade, buscam se libertar do corpo acreditam não os pertencer.

“Transexual, é o indivíduo que possui a convicção inalterável de pertencer ao sexo oposto ao constante em seu Registro de Nascimento, reprovando veementemente seus órgãos sexuais externos, dos quais deseja se livrar por meio de cirurgia. Segundo uma concepção moderna, o transexual masculino é uma mulher com corpo de homem. Um transexual feminino é, evidentemente, o contrário. São, portanto, portadores de neurodiscordância de gênero. Suas reações são, em geral, aquelas próprias do sexo com o qual se identifica psíquica e socialmente. Culpar este indivíduo é o mesmo que culpar a bússola por apontar para o norte.

O componente psicológico do transexual caracterizado pela convicção íntima do indivíduo de pertencer a um determinado sexo se encontra em completa discordância com os demais componentes, de ordem física, que designaram seu sexo no momento do nascimento. Sua convicção de pertencer ao sexo oposto àquele que lhe fora oficialmente dado é inabalável e se caracteriza pelas primeiras manifestações da perseverança desta convicção, segundo uma progressão constante e irreversível, escapando a seu livre arbítrio.” (VIEIRA, Tereza Rodrigues. 2000, p. 64).

2.1 Homossexualismo e suas distinções

            É comum ouvir comparações entre o homossexualismo e o transexualismo, porém, há uma clara distinção entre esses indivíduos. O transexual tem duvidas e sofrimentos quanto a sua identidade de gênero e não se aceita em seu corpo, acredita ser do sexo oposto. Já o homossexual e o travesti tem uma apelação maior a questão do estimulo sexual. O homossexual aceita a determinação do seu sexo biológico, apenas sente atração por pessoas do mesmo sexo. E o travesti se veste de acordo com o sexo oposto por prazer, utiliza as roupas como excitante sexual.

            O termo homossexual significa “mesmo sexo”, ou seja, é a designação das pessoas que sentem atração sexual por indivíduos do mesmo gênero. Essa é uma condição e um desejo que surge desde cedo nos indivíduos, que se interessam pelo mesmo sexo, e isso é um fator historicamente conhecido, porém, ainda hoje é muito discutido e não aceito por grande parte da sociedade. Os homossexuais não tem nenhuma dúvida com relação ao seu gênero sexual, aceitam seu corpo e se veem de acordo com seu sexo, apenas têm como objeto sexual um indivíduo semelhante a eles.

            Ao se falar do travestismo estamos falando de homens que eventualmente preferem se vestir como mulheres e vice versa, porém não há por parte desses o desejo de mudar de sexo, como é o caso dos transexuais. Os travestis assumem essa postura por estimulação sexual, mas não é só isso que os motiva, a ansiedade, a curiosidade de se sentir feminino ou ao contrário, de adquirir outra personalidade, etc.

            De maneira geral, percebemos que a principal distinção entre estes indivíduos é a questão psicológica de aceitação de gênero. O transexual ao contrário do homossexual e do travesti, tem um conflito permanente, não entende porque nasceu com determinado sexo se sua concepção é outra, se enxerga-se de outra maneira, se age de outra maneira, se pensa e vive como o sexo oposto. E somente quanto consegue fazer a mudança de sexo, ele se sente pleno e realizado, se sente finalmente um cidadão, um ser humano comum.

  2.2 A condição física e psicológica

            Muito já se explanou sobre o que vem a ser o transexual e fica claro para nós que sua determinação se dá devido aos conflitos do físico com o psicológico. O transexual afirma que a sua realidade não é aquela que percebemos, isso pode ser até entendido como um quadro de psicose, porém vai além. Não é apenas a questão do psicológico que influencia.

            Como já foi citada, a formação da personalidade se dá por diversas etapas e várias são as influencias que recebemos da sociedade. E é desde o momento em que nascemos que passamos a construir a nossa postura perante a sociedade e a nós mesmos. Os estímulos que apresentamos desde cedo nos guiam a formação e aceitação da nossa sexualidade. É diante desses pontos que o transexual não se encaixa.

            Você nasce como homem, por exemplo, e desde cedo é tratado como tal, vestido como tal e ensinado a se comportar como tal, porém, o que se passa na sua mente é o oposto. Você se enxerga como uma mulher, deseja agir como mulher, pensa como ela, porém não possui sua mesma anatomia. Assim, desde pequeno ou já grande, os conflitos se iniciam. Como compreender quem você é se a forma como te tratam não condiz com a forma com que você entende ser? É basicamente esse o transtorno que passa um transexual e isso não é meramente uma questão de opção sexual, mas sim de identidade sexual.

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            Recentemente se tornou conhecido o caso de uma criança transexual, nos Estados Unidos. Ela nasceu como menino, tem um irmão gêmeo, mas desde cedo diz ser menina. O caso passou em uma reportagem do Fantástico – programa jornalístico- no dia 7 de Abril deste ano, e nos foi relatada a história da Coy (seis anos de idade). Ela apresenta registro civil com sexo e nome feminino, mas por questões judiciais só poderá optar pela cirurgia de mudança de sexo ao completar 18 anos. Os pais da criança transexual relatam que desde o primeiro ano de vida ela se interessava por coisas femininas e que aos três anos passou a se assumir como menina. Ao ser contrariada pelos pais, que a afirmavam ser menino, a criança entrou em forte depressão e foi levada a um psicólogo que a diagnosticou com transtorno de identidade de gênero.

            Esse exemplo acima citado nos dá uma ideia do real conflito existente entre a condição física e psicológica. Um transexual não tem apenas a dificuldade com a aceitação do seu corpo, mas também como sofre com a não aceitação da sociedade quanto a sua postura sexual. Além disso, o desejo de mudar o sexo não é conquistado apenas através da cirurgia, só se torna pleno com a mudança do registro civil.

2.3 A Transgenitalização

            A cirurgia para mudança de sexo hoje é uma realidade para os transexuais, pois é regulamentada pelo CFM, de acordo com a resolução nº 1.955/2010, que dispensa a autorização judicial para a realização da transgenitalização. Esse procedimento é tido como um tratamento para o transexualismo, buscando a adequação entre o corpo e a mente desses indivíduos.

Art. 1º Autorizar a cirurgia de transgenitalização do tipo neocolpovulvoplastia e/ou procedimentos complementares sobre gônadas e caracteres sexuais secundários como tratamento dos casos de transexualismo. (...)

Art. 3º Que a definição de transexualismo obedecerá, no mínimo, aos critérios abaixo enumerados:

1) Desconforto com o sexo anatômico natural;

2) Desejo expresso de eliminar os genitais, perder as características primárias e secundárias do próprio sexo e ganhar as do sexo oposto;

3) Permanência desses distúrbios de forma contínua e consistente por, no mínimo, dois anos;

4) Ausência de outros transtornos mentais.

Art. 4º Que a seleção dos pacientes para cirurgia de transgenitalismo obedecerá a avaliação de equipe multidisciplinar constituída por médico psiquiatra, cirurgião, endocrinologista, psicólogo e assistente social, obedecendo aos critérios a seguir definidos, após, no mínimo, dois anos de acompanhamento conjunto:

1) Diagnóstico médico de transgenitalismo;

2) Maior de 21 (vinte e um) anos;

3) Ausência de características físicas inapropriadas para a cirurgia.”

(Conselho Federal de Medicina- Resolução CFM nº 1.955/2010)

            Como já observado nos artigos da CFM, para que ocorra a transgenitalização uma série de observâncias devem ser cumpridas. Em primeiro lugar, deve-se ter o diagnóstico que se dá através de uma avaliação de no mínimo dois anos, com psicólogos e tantos outros médicos, que definiram se determinado indivíduo sofre de transtorno de identidade de gênero. Confirmando-se o diagnóstico, se inicia o processo da cirurgia.

            Tempos atrás, tinha-se como tratamento para o transexualismo a psicanalise, que buscava a reversibilidade, era uma tentativa frustrada de fazer o transexual conviver com seu sexo biológico. Vendo que o método utilizado era ineficaz, a transgenitalização tornou-se a solução.

            Esse é um procedimento longo e doloroso, trata-se de uma série de cirurgias de retirada e reconstrução dos órgãos sexuais. No homem ocorre a retirada do pênis e a construção do canal vaginal, além do implante nos seios e algumas cirurgias plásticas a parte para se adquirir traços mais femininos. Na mulher o procedimento é mais complicado e se concretiza ao final de aproximadamente cinco cirurgias. Há a retirada da mama, do útero, das trompas, ovários e todo canal vaginal, para que assim ocorra a construção e o implante de próteses penianas e escrotais.

            Atualmente, a cirurgia para mudança de sexo é o requisito principal para facilitar o pedido de alteração do nome e gênero no registro civil. Basta a apresentação de laudos médicos que comprovem a alteração do sexo. Porém, a mudança do registro civil para os transexuais que ainda não passaram pela cirurgia é mais complicado, pois não é permitida a mudança de sexo.

            Esse é um procedimento eficaz que dá aos transexuais a oportunidade de viverem bem com sua sexualidade. É também um meio deles adquirirem e assumirem sua real identidade e personalidade diante da sociedade, para si mesmos e para o Direito. E vale ainda ressaltar que no dia 21 de abril deste ano foi anunciada pelo Ministério da Saúde que será publicada uma portaria reduzindo de 21 para 18 anos de idade mínima para a operação de transgenitalização, e o Sistema Único de Saúde (SUS) também passará a pagar a operação de transformação de mulheres em homens. Sendo essa decisão mais uma forma de facilitar e ajudar os transexuais que desde cedo lutam por tal mudança.

3 DIREITO AO CORPO

O código civil brasileiro de 2002 atribui a todos os indivíduos presentes na sociedade certos direitos, transformando-os em portadores de direitos e não somente portadores de responsabilidades e obrigações, tais direitos são garantidos a partir do momento do nascimento com vida do nascituro.

As relações existentes na sociedade entre particulares constitui o direito civil, se dividindo entre direito subjetivo e direito objetivo. Destacaremos o direito subjetivo por englobar o direito da personalidade.

São direitos da personalidade os direitos que são considerados como inerentes ao ser humano, inalienável e intransmissível. Francisco de Amaral (2002, pg. 243) o caracteriza como sendo:

“Direitos da personalidade são direitos subjetivos que têm por objeto os bens e valores essenciais da pessoa, no seu aspecto físico, moral e intelectual. Como direitos subjetivos, conferem ao seu titular o poder de agir na defesa dos bens ou valores essenciais da personalidade, que compreendem no seu aspecto físico o direito à vida e ao próprio corpo, no aspecto intelectual o direito à liberdade de pensamento, direito de autor e de inventor, e no aspecto moral o direito à liberdade, à honra, ao recato, ao segredo, à imagem, à identidade e ainda o direito de exigir de terceiros o respeito a esses direitos. A tutela jurídica dos direitos da personalidade, como adiante se explicitará, é de natureza constitucional, civil e penal, tendo como suporte básico o princípio fundamental expresso no art. 1°, III, da constituição brasileira, o da dignidade da pessoa humana.”

                     Entende-se desse modo que o direito a personalidade protege os aspectos fundamentais da personalidade do indivíduo, sendo eles: o físico, o intelectual, e o moral. Através desses direitos, que possuem como base o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, estabelece ao Estado a responsabilidade de garantir a todos da sociedade, incluindo ao transexual, o cumprimento desses requisitos, o qual deve garantir a saúde, tanto física quanto intelectual, a honra, a imagem, a dignidade e a igualdade na sociedade.

            O art. 13 do Código Civil veda, salvo exigência médica, a disposição do próprio corpo quando os respectivos atos importarem diminuição permanente da integridade física ou contrariarem os bons costumes. O transexual por ser um indivíduo com inversão psicossexual, se vê como possuidor de um corpo contrário do seu sexo anatômico, sendo a sua verdadeira ânsia a substituição dos seus órgãos genéticos externos pelo do sexo oposto.

3.1 LIMITES DO DIREITO AO CORPO

O direito de disposição ao próprio corpo é contrário à extirpação de membros, caso que ocorre com a cirurgia da transgenitalização, que pode ser considerada por alguns juristas como ilegal. A jurisprudência com maior influência na sociedade é a que considera a cirurgia de mudança de sexo, ou seja, cirurgia que possui mutilação de órgãos, como um fato punível por lei, tanto pelo paciente quanto pelo médico. Entretanto já se encontram certos casos em que há a absolvição do paciente e do médico, por se tratar de um transexual que se veste, aparenta, pensa e age como pessoa do sexo oposto, garantindo ao paciente a sua integridade física e intelectual no momento em que o seu sexo psicológico deixa de estar em conflito com o seu sexo biológico.

Todo ser humano possui direito ao nome, estando esse direito inserido no direito a personalidade, no art. 16 do Código Civil – “Toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome”. O registro civil possui status de imutabilidade, ou seja, a impossibilidade de mudança do prenome e do sexo que é tanto almejado pelos transexuais para evitar ridicularização e constrangimento após a cirurgia de transgenitalização, salve em casos previstos na lei de Registros Públicos, o prenome será mutável quando:

Art. 58. O prenome será definitivo, admitindo-se, todavia, a sua substituição por apelidos públicos notórios. (Redação dada pela Lei nº 9.708 , de 1998)

Parágrafo único. Não se admite a adoção de apelidos proibidos em Lei. (Redação dada pela Lei nº 9.708 , de 1998)

Parágrafo único. A substituição do prenome será ainda admitida em razão de fundada coação ou ameaça decorrente da colaboração com a apuração de crime, por determinação, em sentença, de juiz competente, ouvido o Ministério Público.(Redação dada pela Lei nº 9.807 , de 1999)

Essa dificuldade de alteração de nome e do sexo, para estarem de acordo com a nova personalidade do sujeito causa constrangimento e fere a dignidade desse indivíduo. A Constituição Federal de 1988 constitui-se como um Estado Democrático de Direito, e destaca em seu art.1°, inciso III, a dignidade da pessoa humana. Por sua vez, o art. 3°, inciso IV, dispõe ser objetivo fundamental do Estado a promoção do bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de descriminação. O art. 5°, inciso X, estabelece como invioláveis o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança, à intimidade, à honra e à imagem das pessoas.

Diante disso é necessário que o Estado ampare as necessidades dos transexuais, sendo previstas pela Constituição Federal a garantia da promoção do bem de todos, direito à liberdade, à igualdade, à honra e à imagem, tornando impossível a efetivação desses direitos quando se possui leis que proíbem ao transexual a realização de sua cirurgia, art. 13 do Código Civil que proíbe a disposição do corpo salvo exigência médica, e o art. 129 do Código Penal - ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem - que responsabiliza o médico que realiza a cirurgia de transgenitalização sem mandato judicial como crime, e a dificuldade imposta pelo Estado da mudança do prenome e do sexo no registro civil.

3.2 REQUISITOS PARA MUDANÇA DE IDENTIDADE

O transexual possui uma necessidade de mudança do seu corpo para esse estar de acordo com o seu sexo psicológico. Com essa nova realidade na qual se encontra inserida após a realização da cirurgia, o seu nome o e seu sexo registrados no momento do seu nascimento se encontram antagônicos com a sua nova personalidade.

Encontram-se no Brasil certas jurisprudências que já permitem a mudança do nome e do gênero na certidão após a trangenitalização, tornando cada vez menos difícil a possibilidade da realização do sonho dos transexuais. O SUS já diminuiu a idade da realização da cirurgia de mudança de sexo para 18 (dezoito) anos, quando antes era 21(vinte e um). No ordenamento jurídico, verifica-se uma lacuna, não havendo vedação legal para alterações de nome e sexo no registro civil em casos de modificação cirúrgica de sexo, como o transexualismo.

Como exemplo de mudança de nome e gênero após a realização da cirurgia, temos o caso de um jovem do sexo masculino que desde criança apresenta características físicas e psicológicas femininas, se apresentando no meio social com nome feminino.

“A 15ª Vara de Família da Comarca de Fortaleza determinou a alteração de nome e do gênero no registro civil de transexual. A decisão foi proferida nessa quinta-feira (31/01).

Segundo os autos, B.D.V.C. alegou que, apesar de ter nascido com o sexo masculino, desde criança apresenta características físicas e psicológicas femininas. Por conta disso, sofreu fortes constrangimentos durante a infância e a adolescência.

Aos 22 anos de idade, após concluir a faculdade e conquistar autonomia financeira, passou a se apresentar no meio social como mulher e, desde então, adotou nome feminino. Em julho de 2012, B.D.V.C. foi submetido à cirurgia de redesignação sexual (conhecida como “mudança de sexo”) em Bangkok, na Tailândia. Em dezembro do mesmo ano, ingressou com ação judicial buscando alterar a documentação.

Na sentença, o magistrado Wotton Ricardo Pinheiro da Silva considerou que a adequação do registro civil à condição atual do requerente visa assegurar o princípio constitucional da dignidade da pessoa. “Decidir de outra forma seria negar algo evidente, condenando o autor a conviver com documentos que não condizem com sua situação biotipológica, com seu comportamento físico e mental”, afirmou.

o juiz determinou que a alteração seja averbada junto ao Cartório de Registro Civil de Nascimento e, posteriormente, sejam enviados ofícios aos órgãos competentes para alteração nos documentos funcionais e de identificação. O juiz ressaltou que “em nenhuma hipótese deverá existir qualquer menção à referida alteração nos documentos do requerente, tais como carteira de identidade e cadastro de pessoa física”.[4]

            Em face da necessidade de concretização dos direitos dos transexuais, já se possui um projeto de lei específico para a realização desses, o Projeto de Lei N° 70-B, de 1995, estabelece certas alterações para atribuir licitude nas cirurgias de mudança de sexo e para possibilitar a alteração no registro civil dos transgenitalizados.

A partir dessa nova lei, será acrescido no art. 129 do Código Penal - § 9° “Não constitui crime a intervenção cirúrgica realizada para fins de ablação e órgãos e partes do corpo humano quando, destinada a alterar o sexo de paciente maior e capaz, tenha ela sido efetuada a pedido deste e precedida de todos os exames necessários e de parecer unânime de junta médica”- e no modifica o art. 58 da lei de Registros Públicos -  § 2° “Será admitida a mudança do prenome mediante autorização judicial, nos casos em que o requerento tenha se submetido a intervenção cirúrgica destinada a alterar o sexo originário”. § 3° “No caso do parágrafo anterior deverá ser averbado ao registro de nascimento e no respectivo documento de identidade ser a pessoa transexual”.[5]

A dificuldade se encontra na aceitação de certos indivíduos em relação a alteração do sexo e mudança do registro civil, levando essa questão por muitas vezes a religião e a moral. Entretanto deve deixar de lado conceitos como estes para poder tratar de modo digno e igual todos na população, propiciando ao transexual uma vida saudável.

4 CONCLUSÃO

Após a elucidação sobre as diferenças entre os transexuais e os homossexuais, e as dificuldades que o transexual possui por conta de conflitos entre o seu psicológico e o seu corpo biológico, demonstramos que o transexual é um individuo que não se sente a vontade consigo mesmo, resultando numa perturbação psicológica que somente será resolvida com realização da cirurgia de mudança de sexo, enquanto o homossexual é satisfeito com o seu corpo, porém tem preferência em se relacionar com pessoas do mesmo sexo.

A transgenitalização só ocorre com o aval médico, logo após é realizado a ingestão de hormônios, sendo necessário o mandato judicial para a consumação da cirurgia. Após essa cirurgia o transexual busca ser identificado na sociedade de acordo com a sua nova realidade, o que somente será efetivado através da autorização judicial de mudança de nome e de sexo no registro civil. Em regra, o registro civil não pode ser modificado, salvo em certos casos específicos, porém no ordenamento jurídico não existe nada relacionado ao transexualismo, logo se vê a necessidade de uma modificação e adaptação desse à realidade social.          

O Direito é um sistema de normas que visa à regulação das relações existentes na sociedade. A sociedade, assim como o ser humano é mutável, sendo por vezes necessária a utilização da razoabilidade e de interpretação das normas para a resolução de certos casos não previsto na lei, como seria o caso do transexualismo. A existência de um projeto de lei que trata sobre a questão do transexual é uma forma de a sociedade tem de implementar novas modificações no âmbito jurídico para esse se encontrar de acordo com as mudanças na sociedade.

             

           

REFERÊNCIAS

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PEREIRA, Rafael D’Ávila Barros.  O transexualismo e a alteração do registro civil. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 1764, 30 abr. 2008. Disponível em:< http://jus.com.br/revista/texto/11211>. Acesso em: 30 maio 2013. Leia mais: http://jus.com.br/revista/texto/11211/o-transexualismo-e-a-alteracao-do-registro-civil#ixzz2UpOxkLSW

RESOLUÇÃO. CFM nº 1.955/2010. Publicada no D.O.U. de 3 de setembro de 2010, Seção I, p. 109-10.- Brasília-DF, 12 de agosto de 2010.


[4] O POVO. Fortaleza, 04 de fev. 2013- JORNAL [ON-LINE]: Blogs/Direito e Informação: Justiça determina mudança de nome e gênero em registro civil de transexual. Marcos Duarte. Disponível em: http://blog.opovo.com.br/direitoeinformacao/juiz-determina-mudanca-de-nome-e-genero-em-registro-civil-de-transexual/

[5] COIMBRA, José. PROJETO DE LEI N° 70-B, DE 1995. Câmara dos Deputados. Disponível em:http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=1587D407698BA3BF29BB9E5960546873.node1?codteor=1036327&filename=Avulso+-PL+70/1995

Sobre as autoras
Iman El Kems

Aluna do 10 período do Curso de Direito, da UNDB.

Manuella Castro

Aluna do 8º período do curso de Direito da UNDB - Unidade de Ensino Superior Dom Bosco.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Paper apresentado à disciplina Teoria do Direito Privado, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco– UNDB.

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