Ações judiciais com pedido de cancelamento das concessões dos serviços de rádio e TV por radiodifusão às empresas de propriedade de Deputados e Senadores

02/12/2015 às 09:43
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Ações civis públicas foram propostas pelo Ministério Público Federal de São Paulo com pedido de cancelamento da outorga do serviço de radiodifusão sonora atribuída a empresas que possuem deputado e (ou) senador em seu quadro societário.

Ações civis públicas  foram propostas pelo Ministério Público Federal de São Paulo com pedido de cancelamento da outorga do serviço de radiodifusão sonora atribuída a empresas que possuem deputado e (ou) senador em seu quadro societário.  Pretende-se cancelar a outorga do serviço de radiodifusão tanto em relação ao parlamentar quanto à empresa de radiodifusão. Requer-se a proibição da União para outorgar renovações das concessões aos réus, bem como a realização de nova licitação para outorgar serviços de radiodifusão. Em liminar, pede-se a suspensão da execução do serviço de radiodifusão sonora. Por ora, as ações referem-se ao serviços de radiodifusão sonora, mas, segundo notificia a imprensa serão ajuizadas em relação aos serviços de televisão por radiodifusão de empresas de propriedade de deputados e senadores. A tese principal do Ministério Público Federal, acionado mediante representação de entidades da sociedade civil, é no sentido de aplicação do art. 54, I, letra a[1], II, letra a[2], da Constituição Federal. Segundo o Ministério Público Federal, deputados e senadores não podem celebrar ou manter contratos com concessionárias de serviço público, o que incluiria a vedação à participação societária nas empresas concessionárias do serviço de rádio e televisão por radiodifusão. Um dos fundamentos das ações judiciais é a decisão do STF na Ação Penal n. 530/MS, Rel. Min. Rosa Weber,  a qual concluiu: "Entendo que a concessão - ou permissão para a exploração de serviços de radiodifusão a parlamentar ou a empresa dirigida ou pertencente a parlamentar viola as proibições constitucionais e legais acima examinadas".

É saudável o debate judicial do tema da propriedade e participação societária por deputados e senadores de empresas privadas de TV e rádio por radiodifusão. Do ponto de vista pessoal, entendo necessário algum tipo de controle sobre esta questão.  Mas, existem algumas considerações na perspectiva da legislação brasileira que repercutem no debate do relevante tema, a seguir analisadas.  A Lei n. 4.117/1962, em seu art. 38, parágrafo único, na forma da redação da Lei n. 10.610, de 20 de dezembro de 2002, que disciplina o regime da concessão dos serviços de TV e Rádio por radiodifusão, dispõe que não poderá exercer a função de diretor ou gerente de concessionária ou autorizada de serviço de radiodifusão quem esteja no gozo de imunidade parlamentar ou de foro especial. Ou seja, a própria lei especial do setor de radiodifusão não proíbe a propriedade de empresa de TV e Rádio por parlamentares ou sequer proíbe que seja outorgado o serviço de radiodifusão. A Lei n. 4.117/1962 veda que o parlamentar desempenhe a função de diretor ou gerente da concessionária ou autorizada do serviço de radiodifusão.[3] No texto originário da Lei n. 4.117/1962 a proibição do exercício da função de diretor ou gerente em relação ao parlamentar alcançava tão-somente a concessionária do serviço  de TV e rádio. Mas,  com a Lei 10.610/2002 ampliou-se a proibição para alcançar também a permissionária e autorizada do serviço de radiodifusão. Ou seja, a lei  10.610/2002 editada após a Constituição de 1988 delimitou a proibição ao parlamentar quanto ao exercício da função de direção ou gerência de concessionária, permissionária ou autorizada do serviço de radiodifusão. Porém, não proibiu a propriedade das empresas de radiodifusão pelos parlamentares. Portanto, a princípio, presume-se constitucional a Lei n. 4.117/1962. Assim, não é possível desconsiderar a normatividade do parágrafo único do art. 38, da Lei n. 4.117/1962. Mas, se forem apresentadas provas válidas e suficientes do exercício por deputado ou senador da gestão, direção ou gerência de concessionária, permissionária ou autorizada do serviços de radiodifusão sonora ou serviços de radiodifusão de sons e imagens, aí sim ficará caracteriza infração à lei. Nesta hipótese,  a solução é a decretação da nulidade dos atos e (ou) negócios inválidos perante a legislação dos serviços de radiodifusão.

 Portanto, é fundamental a distinção entre o exercício do direito de propriedade da empresa privada de TV ou Rádio por radiodifusão por deputados e senadores dos abusos na direção ou gerência em contrariedade à Lei n. 4.117/1962. Além disto, o princípio da estrita legalidade não admite interpretações que destoem do sentido originário da norma legal, de modo a criar uma norma de exceção proibitiva não contemplada em seu texto. Com todo respeito, aqui, se  discorda da conclusão adotada na Ação penal n. 530, julgada pelo STF, Rel. Min. Rosa Weber, Rel. para acórdão Min. Roberto Barroso. Esta decisão foi adotada no âmbito de processo penal, em caso sobre falsidade de estatuto social de empresa de rádio, daí porque seus efeitos limitam-se a este caso concreto.

O afastamento eventual da eficácia do art. 38, parágrafo único, da Lei n. 4.117/1962 depende do exercício do controle jurisdicional, mediante a declaração de sua inconstitucionalidade, se for o caso.

Por outro lado, registre-se está pendente de julgamento no STF a ADPF 246/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, justamente sobre o tema das concessões, permissões e autorizações do serviço de radiodifusão a pessoas jurídicas com sócios titulares de mandato eletivo. Será debatido no Plenário do STF, ainda sem pauta de julgamento, a questão constitucional do art. 54, inc. I, letra a, inc. II, letra, da Constituição. 

Além disto, destaque-se que a concessão do serviço de rádio e televisão por radiodifusão submete-se a regime especial, sequer se aplica aos serviços de radiodifusão a Lei de Concessões de Serviços Públicos e Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Trata-se de concessão atípica que não se submete ao regime geral das concessões de serviço público. Há lei especial sobre o tema da concessão de TV e Rádio comercial, daí a inaplicabilidade da lei geral das concessões e licitações Por estas razões é necessária atenção e cautela quanto à interpretação constitucional do art. 54, inc. I, letra a", e II, letra a", da Constituição Federal. Aqui, registre-se a discordância quanto à in"terpretação constitucional adotada no caso da Ação Penal n. 530/MS, especialmente diante da interpretação extensiva da norma constitucional, para fins de aplicação aos serviços de TV e rádio por radiodifusão. Ademais, estas normas constitucionais são aplicáveis apenas a deputados e senadores, excluindo-se do seu âmbito de incidência governadores, prefeitos e vereadores. Assim, lembre-se que no art. 54, I, letra a, da Constituição, é autorizado  aos deputados e senadores firmar ou manter contrato com empresa concessionária de serviço público quando o contrato obedecer a cláusulas uniformes. Ora, ao que parece, os contratos de concessão de serviço de TV e rádio por radiodifusão obedecem a cláusulas uniformes, daí a autorização constitucional para participação societária por deputados e senadores nas empresas de TV e rádio por radiodifusão.  

Agora, o deputado ou o senador, proprietário de empresa de TV e rádio por radiodifusão, está impedido de participar em votações do Congresso Nacional a respeito da outorga, renovação ou cancelamento, relacionadas às empresas  de radiodifusão nas quais sejam sócio e (ou) proprietário. Neste aspecto, é evidente o conflito de interesses que impede a participação do parlamentar nesta votação do Congresso Nacional, relacionada ao art. 223 da Constituição.

Diferentemente dos contratos de concessão em geral, nas concessões de rádio e televisão por radiodifusão não há desembolso financeiro pela União. O financiamento das rádios e televisão decorre de publicidade comercial, cobrada pelos veículos de comunicação social dos anunciantes. Portanto, uma vez respeitado o princípio licitatório, as concessões de TV e rádio asseguram o direito à exploração do serviço de radiodifusão, bem como o ônus a ser suportado pelo concessionário para realização dos investimentos necessários à manutenção da programação de TV para a difusão ao público. Por outro lado, destaque-se que a Constituição assegura o acesso gratuito aos serviços de rádio e televisão aos partidos políticos, na forma da lei. Pois bem, a lei trata do direito dos partidos políticos à outorga dos serviços de TV e rádio por radiodifusão. É que o dispõe o Decreto-lei n. 236/1967, em seu art. 4º, parágrafo único.  Portanto, a legislação não proíbe a outorga aos partidos políticos dos serviços de rádio e TV por radiodifusão, sequer a participação societária de parlamentar nestas empresas de comunicação social.

Ou seja, da leitura da Constituição e da legislação não há norma de proibição à participação societária de deputados ou senadores no sistema de radiodifusão privado. Evidentemente que a luz do princípio constitucional do pluralismo político todos os partidos políticos representados no parlamento devem ter condições de acesso aos serviços de TV e rádio por radiodifusão. Mas, o princípio do pluralismo político não tem o efeito de proibir a participação de parlamentar na propriedade da empresa de TV e rádio por radiodifusão. Daí o reconhecimento no âmbito legislativo do direito de acesso dos partidos políticos aos serviços de TV e Rádio por radiodifusão. Portanto, nos termos da legislação em vigor, está proibido o parlamentar de exercer a função de direção ou gerência da empresa de TV e Rádio por radiodifusão, algo determinado pela Lei n. 4.117/1962. Daí porque a pessoa, uma vez que se  que afaste do exercício do mandato parlamentar, poderá voltar ao pleno exercício das funções de direção ou gerência de empresa de TV e rádio por radiodifusão. A título ilustrativo, de modo assemelhado à radiodifusão, que não há no âmbito constitucional ou legislativo restrição à propriedade ou participação societária em empresas jornalísticas.

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Também, o princípio da complementaridade dos sistemas de radiodifusão privado, público e estatal não proíbe por si só a propriedade ou participação societária em empresas de radiodifusão por deputados e senadores no setor privado. Este princípio tem o efeito de proibir a utilização indevida de TV públicas e estatais pelos agentes políticos, mas não proibir a propriedade privada, por eventuais ocupantes dos cargos de deputados e senadores. Além disto, no caso da legislação dos serviços de TV por assinatura, sob o regime de outorga por autorização administrativa da Anatel (não são submetidos ao regime de concessão de serviço público), não há nenhuma regra com proibição à propriedade da empresa de TV por assinatura por parlamentar. Outro aspecto a se considerar, a hegemonia principalmente da televisão, e lateralmente do rádio, no sistema de comunicação social, está quebrada com o surgimento da internet e das redes sociais. Ou seja, há novo ambiente da comunicação social no País, daí a relativização da influência da TV e do rádio na divulgação de notícias e informações. Evidentemente que abusos na utilização destes meios de comunicação social por parlamentares devem ser reprimidas, conforme a legislação em vigor e aplicadas as respectivas sanções, como é o caso da perda de mandato pelo abuso dos meios de comunicação social que influencie o resultado das eleições.  A título conclusivo, com base na interpretação da lei especial em vigor dos serviços de TV e rádio por radiodifusão, não é ilegal a propriedade da empresa de TV e rádio por parlamentar. É ilegal - reprise-se - o exercício por parlamentar das funções de direção ou gerência da emisssora de rádio e televisão. Algo que se provado aí sim implicará na nulidade do negócio jurídico, bem como do ato de outorga do serviço de radiodifusão. O tema pode ser debatido no âmbito do Congresso Nacional, para o fim de atualizar a legislação do setor de radiodifusão, e aprovar a proibição expressa da propriedade ou participacão societária em meio de comunicação social por agentes políticos. Ao Judiciário, e ao final do STF, caberá a decisão pela tese jurídica mais adequada e razoável à interpretação da legislação (se decreta a inconstitucionalidade do art. 38, parágrafo único, da Lei n. 4.117/1962 ou não; se mantém a vigência do artigo legal) e à luz da Constituição (se há ofensa ao art. 54, incisos I e II), nas ações judiciais para o cancelamento da outorga do serviço de rádio e TV por radiodifusão, atribuída às empresas privadas de radiodifusão de propriedade de  deputados e senadores.

[1] CF:

"Art. 54. Os Deputados e Senadores não poderão:

I - desde a expedição do diploma:

a) firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público, salvo quando o contrato obedecer a cláusulas uniformes

[2] Art. 54. Os Deputados e Senadores não poderão:

(...)

II - desde a posse:

a) ser proprietários, controladores ou diretores de empresa que goze de favor decorrente de contrato com pessoa jurídica de direito público, ou nela exercer função remunerada".

{C}[3]{C} Lei n. 4.117/1962:

"Art. 38. (...)

Parágrafo unico. Não poderá exercer a função de diretor ou gerente de concessionária, permissionária ou autorizada de serviço de radiodifusão quem esteja no gozo de imunidade parlamentar ou de foro especial".

Sobre o autor
Ericson Meister Scorsim

Advogado e Consultor em Direito Público, com foco no Direito das Comunicações (Telecomunicações e Internet). Sócio Fundador do Escritório Meister Scorsim. Mestre em Direito pelo UFPR. Doutor em Direito pela USP.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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