As razões da não utilização da ação declaratória incidental no novo Código de Processo Civil

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O presente estudo pretende analisar os meios pelos quais o legislador encontrou mecanismos que suprissem a ausência da ação declaratória incidental e qual a essência principiológica do novo código que motivam a não utilização da referida ação.

Introdução

Com origem no direito romano, a ação declaratória incidental surgiu no momento em que se passou a utilizar uma regra de processo não condenatório. Naquele período, o sistema utilizado no ordenamento jurídico se definia em fórmulas que possuíam quatro elementos essenciais: a Demonstratio, que seriam os fundamentos jurídicos da demanda, a Intentio, que continha a intenção do autor, a Condenatio, que consistia no poder do juiz de condenar ou absolver e por fim a Adjucatio, quando se mostrava necessário transferir a propriedade da coisa para uma das partes.
Haviam fórmulas que se resumiam na mera intenção do autor, ou seja, na “intentio”. Era o caso das actiones praejudiciales, que destinavam a simples declaração de um fato ou reconhecimento de um direito que serviria de fundamento para uma nova ação. Seria o que a doutrina moderna conceitua como ação meramente declaratória. Tais ações diziam respeito ao direito de família, ao estado das pessoas, aos bens patrimoniais etc. 
O benefício trazido pela ação prejudicial residia na circunstância de tornar o fato imutável quando julgado por sentença; e não foi outra a vantagem adquirida no direito atual, pois se a apreciação da questão prejudicial não faz coisa julgada quando arguida pelo réu, na sua defesa, ou quando incluída pelo juiz, na motivação de sua sentença, forçosamente o fará, quando provocada e proferida em ação declaratória incidental, conforme consta no art. 470 do Código de Processo Civil vigente. Nestas ações, não havia falar em "condemnatio", pois o juiz se limitava a declarar, ou não, o direito pretendido. 
Observando-se ainda uma evolução histórica da referida ação, sabe-se que no processo canônico vigoravam as chamadas “ações provocatórias”, que consistiam em obrigar o autor a propor ação para defender direito que alegava ter sob pena de tê-lo denegado, ou seja, compelia aquele que alegava ter um direito a provocar a jurisdição para ter seu direito declarado, sob pena de um efeito declaratório negativo.
Neste diapasão, surge a ação declaratória incidental, com início na França, seguido pela Itália, Alemanha e com regulamentação de forma mais eficiente, na Áustria.
 Consistindo em uma ação que surge incidentalmente em processo em curso, a ação declaratória incidental, como o próprio nome alude, ocorrerá quando nascer uma questão prejudicial emergente em ação já existente e de que a apreciação da lide principal pelo juiz depender da declaração de existência ou inexistência de tal relação jurídica. 
Neste azo, a pesquisa se propõe a analisar as razões da extinção da referida ação, bem como os impactos e as consequências que ocorrerão no ordenamento jurídico com a superação desta ação incidental. Desta feita, esta análise da extensão dos limites objetivos da coisa julgada, com foco nas questões prejudiciais, busca trazer os principais pontos de conflito, revistos à luz da doutrina moderna e apontando os efeitos práticos da adoção desse nosso sistema no novo código de processo civil. 

AS RAZÕES DA NÃO UTILIZAÇÃO DA AÇÃO DECLARATÓRIA INCIDENTAL NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL


Inicialmente, para que o instituto da Ação Declaratória Incidental no Novo Código de Processo Civil, assim como os seus efeitos, seja compreendido de forma didático-processual é imprescindível o estudo das questões processuais e da coisa julgada. 

DAS QUESTÕES PROCESSUAIS:

Estão subdivididas em preliminares e prejudiciais. As preliminares se distinguem por antecederem a matéria de mérito visando impedir inclusive o julgamento da lide, ou seja, a questão preliminar determinará se o juiz julgará ou não a questão principal. Já as questões prejudiciais são o modo pelo qual o julgador irá apreciar a questão.
Neste azo, a questão prejudicial, como preceitua Ada Pellegrini Grinover: 
Em sentido estrito, porém, a moderna doutrina processual reservou a denominação ‘questão prejudicial’ para as questões relativas a outros estados ou relações jurídicas, que não dizem respeito à relação jurídica controvertida, mas que, podendo embora ser por si só objeto de um processo independente, apresentam-se naquele determinado processo apenas como ponto duvidoso na discussão da questão principal. E às questões prejudiciais, em sentido lato, dá-se hoje o nome de questões preliminares. (GRINOVER, 1972, p.18)
O ilustre doutrinador Nelson Nery Júnior compreende como sendo todo fato ou relação jurídica anterior ao mérito, não podendo inclusive ser dispensada pelo julgador para o julgamento da causa, ou seja, na questão prejudicial deve ser declarada a sua existência ou inexistência para que a partir de então seja apreciada a questão principal, uma vez que influencia no teor fundamental da causa (NERY JÚNIOR, p. 255).
Exaurindo a conceituação sobre o tópico, a definição de questão prejudicial encontra-se presente também no Código de Processo Civil ainda vigente, no seu art. 5°, quando fala da “relação jurídica de cuja existência ou inexistência depender o julgamento da lide”. 
Como é sabido que a coisa julgada, no Código de Processo Civil vigente, só abrange a parte dispositiva da sentença, qual seja, os pedidos, a questão prejudicial ficaria desprotegida da imutabilidade trazida à sentença. Desta feita, tornou-se necessária a criação de um instituto que pudesse proteger a questão prejudicial garantindo o alcance da coisa julgada para além dos pedidos, a Ação Declaratória Incidental.


DA COISA JULGADA:


A coisa julgada surge a partir do momento em que não é mais cabível qualquer recurso da sentença proferida ou na hipótese de ter ocorrido o exaurimento das vias recursais, sendo assim, a sentença transita em julgado.
A função primordial da coisa julgada é trazer segurança jurídica, pois esta é imprescindível para garantir estabilidade nas relações jurídicas, bem como ao ordenamento jurídico, impedindo que uma mesma questão seja reiteradamente revista pela via recursal.
Encontra previsão no texto constitucional, em seu art. 5° XXXVI quando informa explicitamente que a lei não prejudicará o ato jurídico, o direito adquirido e a coisa julgada, reconhecidos pela doutrina como os três de pilares da segurança jurídica. No Código de Processo Civil vigente a coisa julgada é tratada no Capítulo VII, Seção II, arts. 467 e ss.
O legislador tentou conceituar a coisa julgada em diversas oportunidades no direito positivo. No tocante ao novel código de processo civil, este assim dispõe, in litteris:
Art. 502. Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso.  
Já em outro momento o legislador na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro dispõe, no seu art. 6°:
art. 6° §3°. Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba mais recurso.

O ilustre doutrinador Barbosa Moreira esclarece que a imutabilidade da sentença trazida pela coisa julgada não diz respeito aos efeitos da sentença, mas sim ao próprio conteúdo da sentença, uma vez que seus efeitos podem ser modificados.
Desta forma, observa-se que a coisa julgada é na verdade uma situação jurídica que se apresenta no momento em que a sentença se torna estável, sendo assim, não pode se dizer que é conceituada como efeito de sentença, tampouco qualidade dos efeitos da sentença.
Imprescindível ainda ressaltar que comporta dois aspectos distintos, qual seja: a coisa julgada formal, que pode ser definida como sendo aquela que se refere a imutabilidade da sentença dentro do processo, bem como entre as partes a que se refere. Definida também pela doutrina como de preclusão máxima, qualquer que seja a natureza da sentença, esta se torna indiscutível, tampouco alterada no momento em que se apresenta a coisa julgada.
Chiovenda define, na sua clássica exposição, como sendo de preclusão correspondente à perda, extinção ou consumação de uma faculdade processual. De outra banda, a coisa julgada material se apresenta nos casos de sentença de mérito, em que a relação jurídica material é decidida pelo juiz e possui, portanto, efeitos externos ao processo. É o caso dos efeitos declaratórios, constitutivos, mandamentais e executivos lato sensu.

DA AÇÃO DECLARATÓRIA INCIDETAL NO CPC/73:

Criada pelo legislador com o intuito de proteger a questão prejudicial dando a ela força de coisa julgada, a Ação Declaratória Incidental tem fundamento nos arts. 5° e 325 do CPC/73. A possibilidade de ajuizamento desta ação incidente se dá quando eventualmente se tornar litigiosa relação jurídica de cuja existência ou inexistência depender o julgamento da causa, qualquer das partes poderá requerer ao juiz que a declare na sentença. Com isto, ainda que a matéria se encontre fora da parte dispositiva fará coisa julgada quando preencher, entretanto, as condições de admissibilidade previstas no art. 470.
É o que consta nos referidos artigos supramencionados: “Se, no curso do processo, se tornar litigiosa relação jurídica de cuja existência ou inexistência depender o julgamento da lide, qualquer das partes poderá requerer que o juiz a declare por sentença”. “Contestando o réu o direito que constitui fundamento do pedido, ou autor poderá requerer, no prazo de 10 (dez) dias, que sobre ele o juiz profira sentença incidente, se da declaração da existência ou inexistência do direito depender, no todo ou em parte, o julgamento da lide”. 
Como já observado, a coisa julgada se limita ao dispositivo da sentença, em consonância ao Princípio da Demanda, podendo ser definido como o exercício do direito subjetivo autônomo de provocar a atividade jurisdicional e restringir a atuação estatal ao pedido formulado pela parte. Reputa-se imprescindível para a manutenção da imparcialidade do juiz, bem como para que se respeite a liberdade individual na escolha das matérias que serão objeto de decisão imutável. Sob este aspecto repousa a necessidade da existência da Ação Declaratória Incidental no Código de Processo Civil de 1973. 
Segundo Luiz Guilherme Marinoni, a ação declaratória incidental tem como função “provocar o juiz a decidir tema que seria normalmente – em função da estrutura conferida à ação pelo autor na petição inicial – examinado tão somente de maneira incidental no pronunciamento judicial”. 
Desta feita, salta aos olhos a complexidade do processo da ação declaratória incidental, uma vez que compreende duas lides: a primeira, apresentada pelo autor na ação principal e a segunda, que compreende o objeto da ação declaratória incidental, podendo ser proposta pelo autor e pelo réu, devendo as duas serem julgadas na mesma sentença. 
Em razão da evolução do ordenamento jurídico na busca incessante de curar a inefetividade jurisdicional e trazer mais celeridade ao processo, o legislador tratou de extinguir a ação declaratória incidental, bem como alguns outros institutos de utilidade anteriormente inquestionáveis no Novo Código de Processo Civil que entrará em vigor no ano de 2016.

DA EXTINÇÃO DA AÇÃO DECLARATÓRIA INCIDENTAL NO NOVO CPC

O Código de Processo Civil de 2015 não previu a ação declaratória incidental exatamente porque este não deu a coisa julgada à resolução das prejudiciais incidentais, nos termos do art. 503 §1° do CPC. (DIDIER, 2015, p. 540)
A ação declaratória incidental ainda permanece em nosso sistema, ao menos em duas situações: a) reconvenção declaratória proposta pelo réu, que pode ter por objeto a questão prejudicial incidental controvertida: nesse caso, a prejudicial se torna questão principal, para cuja resolução vige o regime jurídico comum da coisa julgada; b) ação declaratória incidental de falsidade de documento, expressamente prevista no parágrafo único do art. 430 do CPC. (DIDIER, 2015, p. 540).
Constata-se, pois, que uma das premissas adotadas no novo código foi a simplificação do sistema processual e uma preocupação maior com o acesso ao direito material, resumindo o processo a meio e instrumento. Tal constatação encontra-se evidenciada desde a Exposição de Motivos do Projeto do Novo Código Civil: 
Há mudanças necessárias, porque reclamadas pela comunidade jurídica e correspondentes a queixas recorrentes dos jurisdicionados e dos Operadores do Direito, ouvidas em todo o país. Na elaboração desse Anteprojeto de Código de Processo Civil, essa foi uma das linhas principais de trabalho: resolver problemas. Deixar de ver o processo como teoria descomprometida de sua natureza fundamental de método de resolução de conflitos, por meio do qual se realizam valores constitucionais... O novo Código de Processo Civil tem o potencial de gerar um processo mais célere, mais justo, porque mais rente às necessidades sociais e muito menos complexo... A simplificação do sistema, além de proporcionar-lhe coesão mais visível, permite ao juiz centrar sua atenção, de modo mais intenso, no mérito da causa.
A simplificação do sistema processual e o deslocamento da atenção daqueles que operarão o sistema ao direito material também são ressaltados por Arruda Alvim: 
Além disso, da estrutura do Projeto extrai-se, em primeiro lugar, a intenção de se imprimir maior organicidade e simplicidade à normativa processual civil e ao processo, com o objetivo de fazer com que o juiz deixe, na medida do possível, de se preocupar excessivamente com o processo, como se fosse um fim em si mesmo, deslocando o foco da atenção do julgador para o direito material. Com isto, pretende-se descartar uma processualidade excessiva, desvinculada do objetivo do direito material (ALVIM NETO, 2011, p. 300).
Desta feita, nos termos do art. 503, caput, do Novo CPC, a decisão que julgar total ou parcialmente o mérito tem força de lei nos limites da questão principal expressamente decidida. Essa é a regra, excepcionada pelo § 1.º, que permite que a coisa julgada material alcance a resolução da questão prejudicial, decidida expressa e incidentemente no processo.
O Enunciado 165 do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC) trata do assunto e diz que a coisa julgada da decisão da questão prejudicial independe de pedido expresso da parte, bastando que ocorra o preenchimento dos requisitos legais. Também correta a conclusão do Enunciado 313 do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC), no sentido de que os requisitos legais para a formação da coisa julgada na circunstância ora analisada são cumulativos.
Havendo no processo questão prejudicial, o juiz obrigatoriamente a decidirá antes de resolver o mérito, mas, para que essa decisão gere coisa julgada material, devem ser observados no caso concreto os requisitos previstos pelos incisos do art. 503, § 1.º, do Novo CPC.

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Referências

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Sobre os autores
Maria Nathalia Gonçalo dos Santos

Acadêmica de Direito, aprovada no Exame de Ordem.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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