A jurisdição de conhecimento exercida no procedimento ordinário ou em outros que propiciem uma cognição exauriente, com amplo respeito às garantias e valores constitucionais do contraditório e da defesa tende a estabilização de maneira que não se retorne a discutir novamente a questão.
O monopólio estatal da função jurisdicional não se presta aos provimentos inúteis que não resolvam em definitivo os problemas humanos que lhes são trazidos através de postulações dos cidadãos.
Espera-se que a sentença ponha fim não apenas ao processo, mas principalmente, ao litígio. Mas, os sistemas processuais contemporâneos, notadamente dos países do civil law instituíram diversos meios de impugnação das decisões judiciais que vão provocar o reexame de provimentos, havendo a sucessiva renovação do exercício da jurisdição de conhecimento sobre a mesma causa pelas instâncias superiores, postergando a estabilização de seus efeitos.
Apesar da avalanche de litigância recursal, a estabilização dos julgados sempre foi o ideal da jurisdição de conhecimento que é o sepultar o litígio, para afinal que o vencedor que teve seu direito reconhecido pela sentença possa finalmente desfrutá-lo, não vindo a ser molestado e nem impedido pelo vencido.
A essa estabilização que se destina a pôr termo final ao litígio, pacificando os contendores e se convencionou a chamar de coisa julgada ou caso julgado.
A coisa julgada obviamente não é mera regra de processo. É bem mais do que um princípio constitucional, é indispensável à existência do discurso jurídico e, ipso facto, ao exercício da própria jurisdição.
A coisa julgada é condição para que o discurso jurídico seja institucional e limitado no tempo. Portanto, um discurso aberto e fadado à eterna discussão jamais será um discurso jurídico ou do poder estatal, apenas será um discurso prático e geral.
A coisa julgada é destinada legitimar o conteúdo do discurso. A admissibilidade da retroatividade da decisão de inconstitucionalidade sobre a coisa julgada, além de contradizer o poder jurisdicional de controle difuso da constitucionalidade, nega a própria essência do discurso jurídico, que somente existe enquanto capaz de produzir uma decisão definitiva.
A imutabilidade ou indiscutibilidade da decisão judicial de mérito representa um corte epistemológico do conhecimento jurídico-jurisdicional.
O direito fundamental à tutela jurisdicional significa, além de direito a uma decisão que finalmente resolva o litígio, considerando os argumentos e provas apresentadas através de técnicas processuais idôneas à obtenção da tutela do direito material, o direito à obtenção de uma proteção jurisdicional indiscutível e imutável.
A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro chama-se de coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso (art. 6º, §3º). O artigo 467 do CPC/73 a define como eficácia que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita à recurso ordinário ou extraordinário.
Já o artigo 502 do CPC/2015 passa a denominar como autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeito a recurso.
Leonardo Greco eminente doutrinador processualista, conceitua como a imutabilidade que adquirem os efeitos de direito material da sentença que não mais se sujeita a qualquer recurso no processo em que foi proferida.
De sorte que o conceito só se refere às sentenças de mérito, porque são estas que dispõem sobre o direito material das partes. Portanto, a estabilidade da decisão judicial terminativa não existe, por conta da falta de apreciação de mérito.
Lembremos que a sentença resulta de ato de inteligência do juiz, e adquire a força de autoridade estatal, pela investidura do magistrado no exercício jurisdicional, encerrando a fase cognitiva do processo e o exercício de jurisdição de conhecimento.
O recurso tempestivo impede a formação de coisa julgada, posto que seu julgamento possa resultar da reforma ou a anulação da sentença.
Exceto nas hipóteses de reexame necessário ou remessa necessária prevista no art. 496 do CPC/2015, se não houver interposição recursal tempestiva, a sentença transitará em julgado, adquirindo a imutabilidade da coisa julgada.
Enquanto não tiver transitado em julgado será apenas situação jurídica, ou seja, um ato processual com eficácia endoprocessual, tendo cumprido mais uma etapa procedimental e eventualmente com algumas consequências extraprocessuais sobre a relação jurídica de direito material ou até sobre outras situações jurídicas, como a hipoteca judiciária, a caracterização do pressuposto para a concessão da medida cautelar de arresto.
Mas quanto à finalidade última de jurisdição de conhecimento que é definição do direito das partes para possibilitar o seu pleno gozo ou, através de eventual e definitiva execução a sua satisfação coativa, a sentença sujeita a recurso somente o atingirá se transitar em julgado, ou seja, pois se torna imutável no processo em que foi proferida pela preclusão ou esgotamento de todos os recursos.
A sentença ainda sujeita a recurso, em verdade, representa um projeto de sentença que, somente se transformará na verdadeira sentença, que dá a cada um, o que é seu e encerra a litigiosidade iniciada com a citação, se não houver recurso.
Se houver recurso, e for admitido e conhecido terá sido um projeto frustrado de sentença, porque a verdadeira sentença será aquela que julgar o recurso, substituindo-a completamente, desde que também venha transitar em julgado.
Já a sentença sujeita a remessa necessária prevista nos arts. 475 do CPC/73 e art. 496 do CPC/2015.
Em verdade, a coisa julgada possui dois fundamentos um político e outro jurídico e, se baseia no princípio da unidade da jurisdição, pois que o exercício da jurisdição exterioriza a vontade única do Estado acerca da postulação que lhe foi encaminhada.
Há de se recordar ainda que o artigo 505 do CPC/2015 pois nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas, relativas à mesma lide.
O Judiciário, então, exerce jurisdição em nome do Estado e a sua decisão representa a vontade estatal na solução do conflito. Nenhum órgão jurisdicional voltará se pronunciar sobre demanda já decidida, contra a qual não caiba recurso, com exceção das hipóteses previstas nos incisos deste artigo 966 do CPC/2015.
Quanto ao fundamento político da coisa julgada é a necessidade de estabilidade das decisões que evita que os litígios se eternizem. Aquele cujo direito foi reconhecido pela sentença deve poder gozá-lo plenamente, exigindo de outra parte o comportamento determinado pela decisão, para o que deve contar se necessário, com todo apoio do aparato estatal.
A coisa julgada é garantia não somente da segurança jurídica, mas também da própria tutela jurisdicional efetiva. Sem coisa julgada não há como cogitar de Estado Democrático de Direito.
Leonardo Greco com razão aponta a fragilidade da coisa julgada no Brasil e as razões políticas ou culturais dessa debilidade são variadas.
De início, pode apontar-se a tradição romana, de julgamentos privados que levada o legislador a simplesmente ignorar a força do julgado nulo, considerado inexistente, que sempre podia ser atacado por uma ação subsequente, com a infitiatio judicati ou restitutio in integrum.
Na fusão do Direito Germânico com o Direito Romano, a partir do século XI, o direito estatutário assimilou o princípio germânico da validade formal da sentença, introduzindo a querela de nulidade para, em casos de vícios mais graves do julgado, possibilitar o abandono do respeito absoluto à sua autoridade, e aproveitando a restitutio in integrum romana para corrigir as injustiças decorrentes de erros de fato.
Até hoje, o direito alemão, na disciplina do instituto que ali corresponde à nossa ação rescisória que é a revisão de procedimento, preserva a identidade de uma ação de nulidade ao lado de uma ação de restituição.
Porém, o direito lusitano onde fora mínima a influência do direito germânico[1], preservou nas Ordenações do Reino a tradição da sentença nula como sentença inexistente ou sentença nenhuma na expressão do Código Filipino o que não precisava de qualquer ação rescindi-la.
Somente em 1843 que foi criada formalmente em Portugal a ação rescisória, sendo incorporada pelo Regulamento 737 de 1850 sendo considerado como meio de arguição de nulidades da sentença, com o prazo prescricional de trinta anos, como todas as ações pessoais e, facultando o desfazimento do julgado por qualquer violação de direito expresso, mesmo que a questão em que se fundamentasse a ação tivesse sido amplamente debatida e decidida em todas as instâncias do processo de que havia resultado à sentença.
Desde então, a evolução foi mínima. Sendo escancarada a vulnerabilidade da coisa julgada brasileira pela ação rescisória que não tem paralelo em nenhum sistema processual contemporâneo, e subsiste até hoje por beneplácito da doutrina à exceção da tese de Luís Eulálio de Bueno Vidigal[2] que procurou limitar a violação literal por disposição de lei, apenas às leis de direito material.
As limitações impostas foram as reduções do prazo para cinco anos no Código Civil de 1916 e, depois, para dois anos no CPC/73 e o de CPC/2015 e adoção pelo STF do verbete da Súmula 343 que resultou para alguns, e não para outros, assentada na insustentável premissa de que a incerteza ou dúvida se sobrepõe à lei e de que a mesma lei pode ter mais de uma interpretação.
É o mesmo que ocorre com a Súmula 400 que o STF nunca assinou seu atestado de óbito.
A impropriedade do prazo que já foi ora muito longo, ou muito curto, nos leva a crer que a coisa julgada é iníqua, havendo até a suspensão de execução das sentenças transitadas em julgado através de liminares e cautelares em ações rescisórias, a recusa de seu cumprimento, com oferecimento de impugnação para rediscutir a justiça da decisão.
Existem outras causas da notória fragilidade da coisa julgada no Brasil além de justificação histórica pois ainda não nos libertamos do paternalismo herdade da colonização portuguesa.
O juiz, como outrora, (assim como o rei) é soberano, é a lei animada sobre a terra, a lei acima das leis que pode conceder ilimitadamente a qualquer súdito a graça da reparação de injustiça, mesmo quando cometida por outros juízes.
Ademais a debilidade da coisa julgada parece mesmo ser inevitável para que se possa corrigir os erros de uma justiça sem credibilidade e afogada num mar de litigância excessiva e compulsiva, há a perda de confiabilidade das suas decisões e propicia que se consolidem julgamentos vazios.
A fragilização da coisa julgada, a eternizar a rolagem processual da moratória do Estado e demonstra a falência do aparelho estatal-burocrático, além de evidenciar a deficiência de sua defesa, contribuindo para as execuções de decisões judiciais absurdas.
É sabido que a coisa julgada é garantia constitucional e não pode ser interpretada de maneira que a restrinja ou a desfigure.
Como é indispensável à afirmação da autoridade do Estado, a coisa julgada é, ainda, inerente ao Estado Constitucional. E pouco importaria caso não estivesse resguardada expressamente na Constituição Federal brasileira posto que derive do Estado de Direito e encontra fundamento nos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança.
A coisa julgada, enquanto instituto jurídico, tutela o princípio da segurança em sua dimensão objetiva, deixando claro e firme que as decisões judicias são definitivas e imodificáveis.
Portanto, a coisa julgada atende à realização do princípio da segurança jurídica, tutelando a ordem jurídica estatal e, ao mesmo tempo, a confiança dos cidadãos nas decisões judiciais. Afinal, sem a coisa julgada material não existe ordem jurídica e possibilidade de o cidadão confiar nas decisões do Judiciário.
Em Portugal, João Calvão da Silva adverte que, mesmo que a Constituição portuguesa não protegesse a coisa julgada material, igual seria o resultado atingido através do recurso às regras gerais do caso julgado e sua razão de ser. Pois o respeito ao caso julgado na Constituição lusitana é conforme os princípios gerais.
O direito à segurança alça-se como direito fundamental e não compreende apenas a segurança patrimonial e a incolumidade física e o direito de gozar plenamente os direitos que a CF/1988 e as leis conferem a cada pessoa, assim existe a proteção para que os litígios não se eternizem.
Marinoni, um dos maiores processualistas contemporâneos, enfatiza que a coisa julgada material é indispensável ao Estado Democrático de Direito e à efetividade do direito fundamental de acesso ao Judiciário.
A coisa julgada articula-se com o devido processo legal. Escreveu Luís Roberto Barroso que “sempre se considerou o respeito às situações protegidas pela autoridade da res iudicata figurava como limite à retroatividade do julgado, a menos que haja a possibilidade legítima de desconstituí-la por via de ação rescisória”.
É relevante sublinhar que o fato da legislação infraconstitucional prever as hipóteses em que a coisa julgada possa ser desconstituída não significa que a coisa julgada não seja protegida constitucionalmente.
Pois os casos de rescindibilidade da coisa julgada são plenamente legítimos, não configurando inconstitucionalidade. Isto porque nenhuma destas hipóteses permite a revisão da decisão ou uma nova análise da interpretação judicial, mas sim e apenas a desconstituição da coisa julgada em razão de situações excepcionais.
A ingerência do Estado é legítima na medida em que prevista na lei e realizada pelos meios e as condições que ela estatui. As pessoas são postas a salvo de ingerências arbitrárias.
Acentua-se que a coisa julgada não é apenas uma garantia individual, mas coletiva, pois que a todos interessa a regularidade do funcionamento da máquina judiciária, o que engloba a estabilidade das decisões nos termos previstos na legislação processual.
A segurança jurídica é o mínimo de previsibilidade necessária que o Estado de Direito deve oferecer a toda cidadão, a respeito dos quais são as normas de convivência que ele deve observar e com base, nas quais pode travar relações jurídicas válidas e eficazes.
Quando uma dessas normas jurídicas se torna controvertida e o Estado, através do poder competente que é o Judiciário, declara quem tem razão atuando a vontade da lei, revela e impõe ao demandante e ao demandado a norma que licitamente eles devem respeitar como representativa da vontade do próprio Estado, não sendo lícito desfazê-lo em prejuízo das relações jurídicas travadas e dos respectivos efeitos produzidos sob a égide da sua própria decisão.
A coisa julgada é a consequência necessária do direito fundamental à segurança. No sistema de controle difuso, o juiz tem o dever de realizar interpretação para chegar a um juízo a respeito da constitucionalidade da norma. Verifica-se que a decisão do juiz ordinário é tão legítima quanto à decisão do STF, já que tanto o juiz ordinário em caráter incidenta quanto o STF por via incidental ou principal, efetivamente possuem legitimidade constitucional para tratar a questão de constitucionalidade.
Toda e qualquer decisão judicial goza do atributo de segurança jurídica. Portanto, se o juiz e os tribunais podem realizar o controle da constitucionalidade, a admissão de retroatividade da decisão de inconstitucionalidade equivale retirar as decisões judicias do manto protetivo do princípio da segurança jurídica.
Sendo absurdo supor que a confiança depositada pelo jurisdicionado no ato de resolução de mérito do litígio possa ser abalada pela retroatividade da decisão de inconstitucionalidade, o que faria com que o princípio da proteção da confiança simplesmente deixasse de existir diante das decisões judicias, que, assim como as leis, antes de tudo são atos de positivação do poder.
Saliente-se que o princípio da segurança jurídica se opõe totalmente à retroatividade da decisão de inconstitucionalidade sobre a coisa julgada nos sistemas de controle difuso.
A jurisprudência mais recente da Corte Europeia de Direitos Humanos que reconhece que a coisa julgada é uma imposição do direito à tutela jurisdicional efetiva.
A eliminação da coisa julgada diante de uma nova interpretação constitucional, não só retira o mínimo que o cidadão pode esperar do Judiciário que é a estabilização da sua vida após o encerramento do processo que definiu o litígio, como serve de controle sobre as soluções pretéritas.
Mas, a segurança jurídica não é um direito absoluto, assim como nenhum outro direito fundamental, nem mesmo a vida que, por exemplo, pode até ser sacrificada para salvar outra.
O Direito germânico, por exemplo, estabelece expressamente que a sentença relativa à paternidade pode ser anulada a qualquer tempo, por meio que, na Alemanha, corresponde à nova rescisória que nesse, caso não está sujeito a prazo.
O direito brasileiro não faz distinção, é a nossa falha, o que exibe a ampla vulnerabilidade da sentença transitada em julgado através da ação rescisória, depois de dois anos, nosso mecanismo não prevê outro mecanismo de revisão do julgado.
A única exceção é o parágrafo único do art. 741 do CPC/73 introduzido pela Lei 11.232/2005 que passou a figurar no primeiro parágrafo do art. 475-L do CPC/73 e, no CPC/2015 nos artigos 525, §12 e art. 535,§3º sobre a nulidade da citação no procedimento de conhecimento que tivesse revelia do réu.
Questiona-se se a paternidade de um direito mais valioso do que a coisa julgada? Na Alemanha afirma positivamente.
O cerne da questão centra-se em corrigir os prazos da ação rescisória que não deveria ser único. A depender do caso concreto, o prazo deveria ser maior ou menor do que atual ou até mesmo inexistir.
A natureza jurídica da coisa julgada segundo os escritos de Ulpiano a teoria da presunção da verdade. O que justificava a coisa julgada por meio de uma presunção. Daí, o brocardo latino a res judicata pro veritate habentur.
Savigny criou a teoria de ficção jurídica pela qual a autoridade da coisa julgada. Seria uma verdade artificial, pois a sentença, mesmo injusta, seria capaz de produzir a coisa julgada.
Outra teoria é a de força legal ou substancial que teve em Pagenstecher um de seus princípios defensores. Segundo essa teoria, a sentença se se assemelha ao parecer de um jurisconsulto com a diferença de que ela formava direito novo, ou seja, possuía a natureza constitutiva.
A teoria da eficácia da declaração (Hellwig, Blinder, Stein) baseava-se no fato de que toda sentença de mérito declara a certeza do direito, declaração essa que deve ser respeitada pelas partes pelo juiz.
A teoria da vontade do Estado guiada por Chiovenda defenda que a autoridade do julgado resultava de um ato volitivo do Estado, a sentença que ao afirmar ou negar o bem da vida à parte tinha força obrigatória, tornando-se imutável e indiscutível.
Carnelutti, ao elaborar sua teoria, sustentou que a autoridade da coisa julgada residia no fato de ela ser oriunda do poder estatal, afirmando o comando contido na sentença, pressupõe a existência do direito positivo. Com isso, a sentença não seria mero espelho da lei, mas apenas seu suplemento.
A teoria sobre a natureza da coisa julgada mais difundida e aceita por todos foi à elaborada por Liebman na obra “Eficácia e Autoridade da Sentença” escrita na década de trinta no século passado, mas somente publicada aqui em 1945.
Onde mostra que a coisa julgada é simplesmente a imutabilidade dos efeitos de direito material da sentença. Então, sendo a sentença imutável, não podem mais ser discutidos seus efeitos de direito material.
Com isso, Liebman afirmava ser a coisa julgada uma qualidade dos efeitos da sentença, que não podem mais ser discutidos pelas partes no mesmo processo, nem em qualquer outro, desde o momento em que a sentença não puder ser mais impugnada.
Recentemente, alguns doutrinadores, adotando as lições de Barbosa Moreira têm criticado a concepção de Liebman e difundido outro entendimento sobre a natureza da coisa julgada.
Para esses doutrinadores, a coisa julgada não seria uma qualidade dos efeitos da sentença, mas a própria sentença ou do seu conteúdo, que deveria ser tido como um todo indivisível.
Segundo esse entendimento, a coisa julgada não impede apenas o reexame do direito material, mas da causa de forma ampla, de objeto litigioso.
Isto é, a imutabilidade da coisa julgada, da sentença não atingiria apenas os seus efeitos declaratórios, constitutivos ou condenatórios, de modo que é proibido ao juiz, no mesmo processo ou em outro, alterar a apreciação dos fundamentos e dos feitos constantes da sentença.
Fatos e fundamentos, de fato, delimitam o alcance dos seus efeitos de direito material sem dúvida. A posição de Liebman não impedia que as questões apreciadas naquela decisão pudessem ter nova valoração por outro juiz em outro processo.
Assim, somente os efeitos de direito material poderiam ser imutáveis e insuscetíveis de serem suprimidos por outro ato estatal.
Vejamos o exemplo que auxilia na compreensão da crítica ora realizada: a esposa que propôs ação de separação de fato em face do marido, afirmando que fora agredida por ele.
Julgado o pedido procedente, nenhum órgão do Judiciário poderá desconsiderar a agressão como fundamento da separação, embora ela não seja um efeito de direito material da sentença.
Tais efeitos são a declaração da existência do direito à separação (efeito declaratório) e a dissolução da sociedade conjugal (efeito constitutivo).
A violência marital não pode ser mais debatida na separação, mas pode ser reapreciada em outra causa. Isto porque a coisa julgada não torna imutáveis os fatos reconhecidos pela sentença, mas apenas os seus efeitos de direito material.
Assim, numa posterior ação de indenização por danos morais movida pela esposa, pelo mesmo fato, outro órgão jurisdicional pode concluir pela inexistência de agressão e pela improcedência do pedido indenizatório, mas não poderá alterar a dissolução da sociedade conjugal, efeito de direito material da sentença da separação.
A coisa julgada possui aspectos indissociáveis que é a coisa julgada formal (ou preclusão máxima) e a coisa julgada material.
Normalmente, apontam-se como exemplo de coisa julgada formal, as sentenças terminativas, pois apresentam a ausência de apreciação de mérito e, poderá ser decidida de maneira diversa em outro processo.
Não há coisa julgada formal nas sentenças terminativas, porque a coisa julgada está legada aos limites do pedido (a coisa, res) e não foi julgado.·.
Greco defende que somente existe coisa julgada formal ou material, se a sentença acolher ou rejeitar o pedido (que é o objeto da jurisdição), isto é, se ela for uma sentença de mérito.
Nos processos de jurisdição voluntária por não haver contraditório, a cognição é insuficiente, uma vez eu os sujeitos do processo não travam um embate dialético e, não disputam com exclusividade um bem da vida.
O contraditório formal assegurado na audiência bilateral, pela ausência de contrariedade efetiva, não assegura uma cognição exaustiva. Porém, se surgir um litígio, colocando os interessados em posições antagônicas.
Na jurisdição cautelar também não há coisa julgada por conta de cognição não-exauriente, há mero juízo de probabilidade, ou mera verossimilhança, ou seja, é um juízo de aparência do direito.
A análise cognitiva da demanda cautelar é sempre inacabada e provisória, daí a justificada e óbvia provisoriedade da medida cautelar e sua permanente revogabilidade.
Logo, a modificabilidade da sentença da medida cautelar é a regra, embora, excepcionalmente a lei possa conferir-lhe grande estabilidade que a aproxima da coisa julgada (vide parte final dos artigos 810 do CPC/73 e art. 310 do CPC/2015).
Também não há coisa julgada na execução. O artigo 795 do CPC/73 e o artigo 925 do CPC/2015 estabelecem que a extinção da execução só produz efeito quando declarada por sentença.
A interpretação literal desses artigos pode levar uma conclusão equivocada, porque a atividade executória não se encerra necessariamente com uma sentença.
Sua função básica é, pois a satisfação do credor com o mínimo de sacrifício do devedor. A execução é uma atividade prática, de modificação da realidade exterior composta muitas vezes de coerção que devem levar a satisfação do crédito executado.
Nem mesmo nos casos de transação ou renúncia (art.924 do CPC/2015) cogita-se em coisa julgada da sentença que extingue a execução. Embora aparentemente se sujeita à rescisória (art.966, inciso III), em decorrência de ato voluntário de disposição de direito material que supre a ausência de cognição exaustiva, essa especial estabilização das partes decorre da vontade das partes, na medida em que ela é livre e consciente, e não qualquer acordo extrajudicial homologado pelo juiz (art. 515, inciso III do CPC/2015).
O CPC/2015 corretamente reconhece a inexistência de coisa julgada em todos os atos de disposição de direitos homologados pelo juiz, inclusive os que extinguem a execução, excluindo-os do âmbito da ação rescisória.
Os embargos à execução com natureza de ação normalmente fazem coisa julgada, em função de cognição plena e exauriente, se decidido o mérito. São as hipóteses de excesso de execução, retenção por benfeitorias e embargos sobre qualquer matéria que poderia ser deduzida como defesa no processo de conhecimento, desde que tenham por fundamento questões de direito material e relativas à validade do título executivo. (São também chamados de embargos-ação, os embargos à adjudicação, alienação ou arrematação, quando fundamentados em causa extintiva da obrigação superveniente à penhora).
Os embargos-ação não são simplesmente meios de resistência à demanda executória do credor, conforme a contestação no processo de conhecimento.
Na execução, a situação é diferente. A certeza da existência ou da inexistência do direito à satisfação do credor do exequente, não será nenhum momento objeto de qualquer pronunciamento judicial definitivo com força de coisa julgada na própria execução, como no curso de autoridade coativa e satisfeita, mas no máximo, um juízo superficial de eficácia endoprocessual.
Nem a decretação incidental da decadência ou de prescrição no indeferimento da petição inicial ou no julgamento liminar de improcedência geraria a certeza jurídica, porque resultante de cognição superficial e incompleta.
Por outro lado, os embargos que alegam a falta de pressupostos processuais ou as condições da ação de execução, alegando, por exemplo, a incompetência, incapacidade de partes, inépcia da petição inicial, nulidade da penhora ou avaliação, excesso de execução ou excesso de penhora, ilegitimidade ativa ou passiva, não são ações autônomas, não visam obter uma declaração judicial de inexistência do direito à satisfação coativa do crédito invocado pelo exequente, mas apenas defeitos da relação processual executiva ou não o preenchimento dos requisitos da existência do direito à jurisdição.
É o chamado embargos-exceção porque versam apenas sobre questões processuais da execução que, em geral, podem ser apreciadas apenas sobre questões processuais da execução, que em geral, podem ser apreciadas ex officio pelo juiz inerente a propositura dos embargos, não tutelam qualquer direito material do embargante, mas apenas, conforme sejam peremptórias ou dilatórias, poderão livrá0lo desta execução.
São embargos-exceção, cuja decisão não fará coisa julgada, aqueles em que o pedido foi apenas de nulidade da execução, mas também do título executivo, o que alegue penhora incorreta ou avaliação errônea, cumulação indevida de execuções e matérias de defesa com a falta de pressupostos processuais e das condições da ação.
É comum alegarem que as sentenças nas ações de alimentos não fazem coisa julgada em função do que dispõe o art. 15 da Lei 5.478/68 que é bem anterior ao CPC de 1973.
O referido dispositivo legal estabelece que a decisão judicial sobre os alimentos não transita em julgado e pode a qualquer tempo ser revista, em face da modificação da situação financeira dos interessados.
Leonardo Greco defende que existe coisa julgada em verdade, a sentença de alimentos é o que em doutrina se chama de sentença determinativa ou dispositiva.
Situação semelhante à da ação de alimentos, ocorre nas causas sobre a tutela do meio ambiente, pois poderá haver modificação do julgado para o futuro, de modo adequá-lo ao conhecimento e técnicas sobre o bem que se pretende proteger.
A sentença produz coisa julgada, mas é possível a sua revisão, quando houver a modificação no estado de fato ou de direito, dispondo apenas para o futuro.
Diante de sentença terminativa a repropositura da ação dependerá da correção do vício que levou o processo à sua extinção sem a resolução do mérito.
Não há coisa julgada nesse caso, pois não houve pronunciamento sobre o direito material das partes. Também não gera a coisa julgada as sentenças dos Juizados Especiais, as de indeferimento liminar da petição inicial, ainda que com fundamento de mérito e as sentenças homologatórias de transação.
Também na tutela diferenciada que traz facilitação de acesso à justiça, a simplicidade de procedimento e a celeridade tem um preço necessário que é a redução da estabilidade da coisa julgada.
Muitos sustentam que a coisa julgada é criação do legislador por opção de política legislativa assim mesmo sem haver a cognição exaustiva será deferida a sentença de mérito e título executivo judicial, orientação que fora abandonada pelo CPC/2015 no art. 966, §4º.
A equiparação da transação à sentença vem da tradição medieval, aliás, reproduzida no Código Civil de 1916 no art. 1.030 e, ainda, pelo art. 485, VIII do CPC/73, a jurisprudência tem admitido a ação anulatória independe da ação rescisória quando o defeito apontado é do próprio acordo e, não da sentença que a homologou.
Solidifica-se o entendimento doutrinário no sentido de admitir coisa julgada somente em relação às sentenças que resultaram de cognição exauriente.
Eduardo Talamini observa que a lei não pode conferir a autoridade de coisa julgada aos pronunciamentos judicias de mérito emitidos sem a observância do contraditório efetivo e a presença de cognição exauriente.
O direito pátrio sempre fora tímido na adoção da tutela diferenciado como meio de sumarização cognitiva e em benefício maior da economia e celeridade processual, sendo exemplos claros dessa técnica, pelo menos em alguns aspectos, o mandado de segurança, as ações possessórias, os embargos de terceiros.
A ação monitória introduzida em 1995 ensaiou consagrar a tutela diferenciada, mas fracassou com a adoção do rito ordinário a partir da resistência do réu ou com a permissão de alegação do réu em embargos de todas as matérias de defesa admissíveis no procedimento comum.
Podemos com base em Proto Pisani apontar as características da cognição plena ou exauriente:
1. Predeterminação legal das formas dos atos processuais e dos prazos;
2. Assim como os poderes, deveres e faculdades processuais das pastes e do juiz;
3. A definição de sequência procedimental que permita às partes propor as suas demandas de forma fundamentadas bem como as exceções e argumentos para demonstrar sua procedência em igualdade de condições;
4. A possibilidade de uso de todos os meios de prova aptos a apurar a verdade dos fatos tal como em qualquer outra área de conhecimento humano;
5. Predeterminação do procedimento probatório apto a tornar efetiva essa possibilidade;
6. Predeterminação de prazos razoáveis de defesa na introdução, no desenvolvimento e na fase decisória, assim como para adequada cognição do juiz;
7. A plena realização do contraditório;
8. A efetiva possibilidade de pronunciamento conclusivo do juiz a respeito da verdade fática e de direito material das partes;
9. A possibilidade de reexame da cognição do juízo de primeiro grau por um tribunal de grau superior;
10. O acesso aos tribunais de âmbito nacional para corrigir decisões contrárias às leis e Constituição.
Sabemos que a sentença possui três requisitos essenciais: o relatório, a fundamentação e o dispositivo. Não fazem coisa julgada: os motivos, a verdade fática, com ressalva da questão prejudicial decidida incidentemente, com a observância de pleno contraditório e perante juízo competente para decidir a matéria em debate.
Quando excluía do âmbito da coisa julgada, a verdade fática e a questão prejudicial e o CPC/73 filiava-se à doutrina alemã que restringia os limites objetivos da coisa julgada, cingindo-se apenas ao objeto pela jurisdição (acolhendo ou rejeitando o pedido).
A restrição ao dispositivo da sentença pode parecer injusta, não o é. A observância do princípio da demanda ou da adstrição é resultado do respeito que o Estado deve à liberdade individual.
Segundo Greco nem o sistema mais amplo e nem o mais restrito da coisa julgada é o ideal. Ou seja, nem o do CPC/39 e nem o do CPC/2015.
Lembremos que a extensão da coisa julgada gera muita insegurança jurídica porque é difícil precisa-la, na medida em que se torna necessário delimitar quais são os motivos principais ou as premissas necessárias da conclusão da sentença.
De outra mirada, a coisa julgada ao dispositivo pode gerar situações ilógicas, contraditórias como as que foram acima apontadas. Entretanto, a preferencia pelo segundo se justifica em respeito à liberdade das partes e para evitar que as partes sejam tomadas de surpresa com uma extensão de coisa julgada mais ampla do eu aquela que conscientemente desejaram e postularam.
Na ânsia de simplificar o procedimento extinguiu a chamada ação declaratória incidental para não mais permitir a propositura de ação incidente para estender a coisa julgada até a questão prejudicial incidentalmente decidida.
Há na opinião do ilustre doutrinador um evidente retrocesso que certamente gerará maior insegurança jurídica, mesmo sem haver pedido expresso das partes se concorrerem os três pressupostos: a questão prejudicial depender o julgamento do pedido e, sobre ela tiver havido prévio e efeito contraditório e se o juízo ser competente para resolver a questão prejudicial.
Observa-se que os pressupostos são quase os mesmos da ação declaratória incidental de CPC/73.
A diferença está em que, em lugar de pedido expresso de julgamento da questão prejudicial também em caráter principal, basta que haja contraditório prévio e efetivo.
A inércia ou omissão de uma das partes, que não impugne a existência desse direito ou a verdade dos fatos de que ele resulta, não é suficiente para caracterizar o contraditório efeito.
Sublinhe-se que as verdades dos fatos resultantes do conjunto probatório não faz coisa julgada em nenhuma hipótese.
Há no art. 508 do CPC/2015 que estabelece o que a doutrina tem chamado de efeito preclusivo da coisa julgada, segundo o qual, transitada em julgado a sentença de mérito, reputar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e defesas que a parte poderia opor ao acolhimento ou à rejeição do pedido.
Não pode ser interpretada como alargamento da coisa julgada sem a explícita manifestação de vontade do autor.
Os limites subjetivos da coisa julgada estão previstos essencialmente nos artigos 472 do CPC/73 e o art. 506 do CPC/2015 (inicialmente que não beneficia e nem prejudica a terceiros). Doravante, só não poderá prejudicar.
Comenta ainda Leonardo Greco que os Códigos consagram a regra segundo a qual a coisa julgada atinge somente as partes, isto é, a sentença somente vincula as partes, excluindo quem não participou nessa qualidade de relação jurídica processual, porque aquele que não efetiva oportunidade de se defender, não pode ficar vinculado a qualquer a qualquer decisão proferida em processo que esteve alheio.·.
A limitação subjetiva da coisa julgada é imposição do Estado de Direito. A coisa julgada poderá beneficiar salvo se contra estes terceiros tiver alguma defesa pessoa de que não pôde fazer uso contra quem o demandou.
De longa data a doutrina reconhece que a sentença pode produzir efeitos na esfera jurídica de terceiros que não foram as partes na causa, o que se costuma, denominar de efeitos reflexos da sentença.
Para Liebman, a eficácia natural da sentença é a certeza de que o direito entre as partes é o declarado na sentença, na medida em que esta é o ato do Estado e todos devem como cidadãos reconhecer a autoridade dos atos estatais.
Todos devem respeitar os atos de vontade do Estado que detém o poder de imperium, oriundo da soberania estatal. Toda a sociedade sobre a eficácia natural da sentença.
Já a autoridade da coisa julgada, por sua vez, somente pode atingir aqueles que foram partes no processo em que se formou a decisão transitada em julgado.
Assim terceiros que não intervieram na relação processual naquela qualidade, não podem estar sujeitos à autoridade da coisa julgada, o que significa que embora tenham que respeitar o direito declarado no que diz respeito às partes originárias – devido o efeito natural da sentença.
Já a autoridade da coisa julgada, por sua vez, somente pode atingir aqueles que foram partes no processo em que se formou a decisão transitada em julgado.
Assim terceiros que não intervieram na relação processual naquela qualidade, não podem estar sujeitos à autoridade da coisa julgada, o que significa que embora tenham de respeitar o direito declarado no que diz respeito às partes originárias, devido o efeito natural da sentença.
A expansão da tutela coletiva no Brasil, especialmente através da Lei 7.347/85 e do CDC que representou importante diploma legal para o progresso do nosso sistema processual, pois através dela, a doutrina processual começou a desprender-se da concepção tradicional do processo de duas partes.
Os interesses coletivos em sentido amplo podem ser perseguidos por todas as ações, ou seja, por quaisquer procedimentos desde que aptos a tutelá-los, conforme informa o art. 83 do CDC.
Não se trata de pedido coletivo e nem de direito material coletivo, nem ao tipo de procedimento, mas no mundo peculiar como esses direitos se vinculam aos seus titulares ou como estes se relacionam entre si.
O primeiro diploma legal a tratar da coisa julgada em ações coletivas fora o artigo 18 da Lei 4.717/65 que regula a ação popular, com a seguinte redação: “a sentença terá eficácia de coisa julgada oponível erga omnes, exceto no caso de haver sido a ação julgada improcedente por deficiência de prova; neste caso, qualquer cidadão poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova”.
Ou seja, a sentença na ação popular faz coisa julgada erga omnes, exceto se a ação julgada improcedente por deficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar oura ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.
No caso de ação civil pública, segundo Leonardo Greco, a extensão erga omnes da coisa julgada se mostra excessiva, especialmente nos casos em que tais ações são propostas em benefício de um grupo específico de pessoas, e não em prol de toda a coletividade.
O CDC em seus artigos 103 e 104 regulou as ações coletivas. E, o art. 81 regula os interesses que são o objeto dessas ações em interesses difusos, interesses coletivos e individuais homogêneos.
Estabeleceu o diploma legal consumerista que os interesses ou direitos difusos são os transindividuais de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato.
Estabelece que interesses ou direitos coletivos são os transindividuais, de natureza indivisível, de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base. Por último, o inciso III reza que interesses ou direitos individuais homogêneos são os decorrentes de origem comum;
Inicialmente, verifica-se que o CDC preferiu não diferenciar interesses de direitos, ao contrário do que já foi feito por alguns doutrinadores. A lei utiliza a expressão interesses transindividuais para significar os que pertencem a um grupo de pessoas, mas nenhuma delas individualmente.
O exemplo mais evidente desta espécie de direito é o direito ao meio ambiente hígido que pertence a todos, mas a ninguém com exclusividade. O vínculo nos interesses difusos é mera circunstância fática, sem a existência de relação jurídica entre os seus titulares ou entre estes e o adversário.
O que confere unidade ao grupo é a titularidade de um direito em razão de um fato comum. Tantos os direitos e interesses difusos quanto os coletivos em sentido estrito são espécies de interesses transindividuais.
A principal diferença entre o interesse difuso e o coletivo está no fato de que neste último há uma relação jurídica entre os indivíduos componentes do grupo ou entre cada um eles e o adversário comum, e não uma mera situação fática.
Há uma relação jurídica base entre as pessoas do grupo frente ao adversário; seus titulares são indeterminados, mas relativamente determináveis. Exemplo de grupo titular desse tipo de interesse ou direito é o dos empregados de determinada fábrica que postulam melhores condições de higiene e de segurança no trabalho.
A terceira categoria é a dos interesses ou direitos individuais homogêneos. Tal direito como o próprio nome sugere, não são transindividuais, mas individuais. São titulares desses direitos, por exemplo, as vítimas de um acidente aéreo ou seus respectivos familiares. Cada um dos titulares possui seu próprio direito a uma indenização.
Realizada a devida distinção entre as espécies de direitos e interesses coletivos em sentido amplo, observa-se que fará coisa julgada para todos, exceto se o pedido for improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá ajuizar nova ação com idêntico fundamento, valendo-se de prova nova.
Mas, com razão defende Leonardo Greco o entendimento que tendo como objeto interesses difusos, as sentenças de improcedência não podem ter sempre a eficácia erga omnes. Porque muitas vezes o substituto processual não representa toda a coletividade afetada pelo dano coletivo.
Ademais, apesar de ser dispensada a prova de representatividade adequada do legitimado coletivo, trata-se de requisito comum às ações de classe no direito comparado, especialmente no direito norte-americano, do qual decorre inafastavelmente a legitimidade da vinculação dos participantes do grupo quanto ao seu resultado.
A Lei 9.494/97 alterou a redação do artigo 16 da Lei de Ação Pública, limitando a eficácia da decisão judicial à área de competência do juiz da causa. A falha da nova redação reside em vincular, necessariamente, a extensão da eficácia da decisão à área de competência territorial do juiz, porque não é da tradição de nosso direito e pode frustrar a tutela jurisdicional efetiva de muitos interesses relevantes na tutela coletiva.
Desta forma, a amplitude do dano ambiental e não a competência territorial do juízo deveria definir a extensão geográfica da decisão judicial. O STF, lamentavelmente, não declarou inconstitucional o artigo em questão têm-no considerado inaplicável às ações em que o interesse a ser tutelado excede geograficamente e a circunscrição territorial de um determinado órgão.
Quando a ação tratar de interesses coletivos, o CDC art.81, parágrafo único, II a sentença fará coisa julgada ultra partes, porém, limitada à categoria, grupo ou classe de acordo com o artigo 103, inciso II do CDC. Então, a sentença nesses casos não faz coisa julgada para a toda sociedade erga omnes, mas apenas para o grupo de pessoas unidas pela relação jurídica básica, comum.
O art. 103,§1º do CDC dispõe que os efeitos de coisa julgada nos casos dos incisos I e II, que se referem, respectivamente, aos direitos difusos e coletivos em sentido estrito, não prejudicarão interesses e direitos individuais dos integrantes da coletividade, do grupo, categoria ou classe.
É silente o dispositivo quanto à eficácia da sentença sobre os interesses contrapostos por elas tutelados. Assim, será que pessoas que, sem participar do processo, tiveram seus interesses atingidos pela procedência do pedido na ação coletiva estão vinculadas à coisa erga omnes?
A doutrinária majoritária entende positivamente. Entretanto, sob a perspectiva de um processo garantístico, Greco acredita que tais pessoas não podem perder direitos sem ter tido a oportunidade de influenciar eficazmente no resultado na demanda coletiva, de maneira que não seriam atingidas pela coisa julgada, a menos que tenham intervindo como assistentes litisconsorciais do réu.
A Lei 12.016/2009 que dispôs sobe o mandado de segurança individual e coletivo, estabeleceu no artigo 22: “No mandado de segurança coletivo, a sentença fará coisa julgada limitadamente aos membros do grupo ou categoria substituídos pelo impetrante”.
Opina Greco que quanto à extensão da coisa julgada, o referido dispositivo não inova em relação às regras do CDC, pelo que entende que o mandado de segurança coletivo se aplicam as regras dos artigos 103 e 104 do CDC.
Referências:
CÂMARA, Alexandre Freitas. O Novo Processo Civil Brasileiro. São Paulo: Atlas, 2015.
GRECO, Leonardo. Instituições de Processo Civil volume II. Processo de Conhecimento. 3ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2015.
JÚNIOR, Humberto Theodoro; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre Melo Franco. PEDRON, Flávio Quinaud. Novo CPC. Fundamentos e Sistematização. 2ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2015.
MARINONI, Luiz Guilherme. Coisa Julgada Inconstitucional. 2ª edição. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2010.
[1] Na Alemanha onde não existe proteção constitucional expressa à coisa julgada, o seu fundamento constitucional está no princípio do Estado de Direito que tem como componente essencial a garantia da certeza do direito, que exige não apenas o desenvolvimento regular do processo, como também a estabilidade da sua conclusão.
[2] Luís Eulálio de Bueno Vidigal (1911-1995) foi jurista brasileiro, professor catedrático na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, empresário e advogado. Fundou junto com Alfredo Buzaid, José Frederico Marques, Cândido Rangel Dinamarco e Galeno Lacerda e outros, o Instituto Brasileiro de Direito Processual Civil - IBDPC.