FUNDAÇÃO PÚBLICA DE DIREITO PRIVADO

22/12/2015 às 06:28

Resumo:


  • A fundação pública de direito privado é uma entidade sem fins lucrativos, criada por autorização legislativa, para desenvolver atividades de interesse público com autonomia administrativa e patrimonial, e seu patrimônio, em caso de extinção, reverte para o Estado.

  • Existem correntes doutrinárias divergentes sobre a natureza jurídica das fundações públicas, mas prevalece o entendimento de que podem ter personalidade jurídica de direito privado ou de direito público, sendo as de direito público consideradas autarquias fundacionais.

  • As fundações públicas de direito privado estão sujeitas a regras constitucionais como a necessidade de concurso público para contratação de empregados e a realização de licitações, embora seu regime trabalhista siga a CLT e não o estatuto dos servidores públicos.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O ARTIGO PÕE EM DISCUSSÃO O INSTITUTO DAS FUNDAÇÕES INSTITUÍDAS PELO PODER PÚBLICO.

FUNDAÇÃO PÚBLICA DE DIREITO PRIVADO

Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado

I – FUNDAÇÃO E SEU HISTÓRICO.  

No estudo das pessoas jurídicas é fundamental o instituto das fundações.

A fundação é um patrimônio personalizado destinado a consecução de fim social como se vê do artigo 62 do Código Civil.

No direito romano, havia dois tipos de pessoas jurídicas. As associações e as fundações, designada por uma terminologia não romana, como as expressões universitates personaram  e universitates rerum. As associações se reúnem em vista de um objeto comum cuja realização interessa a todos os seus membros; o elemento pessoal surge, por conseguinte em primeiro lugar, e representa um papel de maior importância em comparação com o elemento patrimonial. As fundações formavam-se para a consecução de um objetivo que aproveita a pessoas estranhas à sua organização; o elemento patrimonial predomina sobre o elemento pessoal, como ensinou Ebert Chamoun(Instituições de direito romano, pág. 71). No direito romano, fundações eram os templos, no direito clássico, e, no direito pós-clássico, as igrejas, os conventos, os hospitais, hospícios de estabelecimentos de beneficência. No direito clássico apenas por especial privilégio podiam ser constituídas herdeiras, mas Constantino permitiu às igrejas católicas de Roma, a aquisição de bens por testamento, faculdade que depois se estendeu as outras fundações. Eram administradas pelo oeconomus.

Para Gierke, segundo esclareceu Cuglia, o conceito puro de fundação teria surgido na Alemanha, sob a influência da Igreja protestante, na metade do século XVI, quando se reconheceu a independência da propriedade eclesiástica(Studi in onore di Carlo Fadda, 1906, vol. V, pág. 261).

Savigny(Sistema, parágrafo 88) narrou que Catão, o velho, aludia aos sodalitia(que antes eram simples reuniões de amigos), descrevendo-os como associações que tinham por fim estabelecer o convívio amigável a que se juntavam, segundo o costume, as práticas religiosas, que eram celebradas em comum.

O projeto Coelho Rodrigues tinha por fundação “a constituição de um capital ou rendimento, destinado pelo respectivo dono a um fim social de duração ilimitada ou indefinida, e confiado à administração de uma pessoa jurídica determinada ou não, de uma certa classe ou série de pessoas naturaes(artigo 30).

Para Lacerda de Almeida, o que “caracteriza in genere os estabelecimentos e in specie as fundações é servirem a um fim de pública utilidade – religioso, moral, científico, politico ou mesmo industrial – e nisso se distinguem das associações ou corporações, que não serviriam a tais fins, antes no alcança-los buscam seu próprio proveito, trabalham no interesse da coletividade ou do ser ideal que a personifica, como se lê em “Das pessoas jurídicas, 1905, pág. 66)

O certo é que instituída a fundação, posta no mundo jurídico, exaure-se a vontade de seu instituidor, permanecendo apenas os efeitos que ela condicionou.

 Disse Miguel Seabra Fagundes(Da contribuição do Código Civil para o direito administrativo, Ver. Direito Administrativo, n. 78, pág. 1 e seguintes) que “outrora, o Estado, ante a necessidade de tornar autônomos certos serviços, valia-se do instituto privado da fundação, erigindo em pessoa jurídica, sob essa moralidade, certos departamentos seus. Típico, nesse sentido, foi o que se passou com a organização dos estabelecimentos superiores de ensino, alguns ganhando autonomia administrativa, através de recebimento de patrimônios próprios e da personalização, com apelo às regras do Capítulo II, Seção IV, do Código Civil”.

Por sua vez, Clovis Beviláqua(Código Civil, vol. I, pág. 193) assinalava  que o Estado podia criar fundações.

Em verdade as fundações de direito privado instituídas pelo Poder Público, no Brasil, antecederam as autarquias e, ainda, as fundações públicas, como forma de personificação de serviços públicos, tendo sido a sua fonte. Aceita-se assim a multiplicidade de pessoas morais de direito público.

Vejam-se os exemplos de fundações vistas no direito brasileiro: Fundação Abrigo do Cristo Redentor, Fundação Getúlio Vargas, Fundação da Casa Popular(que tratava de casa popular, tema depois tratado pelo extinto Banco Nacional da Habitação- BNH, incorporado pela empresa pública Caixa Econômica Federal, em 1986)), Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor, Fundação Nacional do Ìndio(1987).

Há dois tipos de fundações; a de direito público, que tem natureza de autarquia, e a fundação de direito privado instituídas pelo Poder Público.

Na lição de Sérgio Andréa Ferreira(Lições de Direito Administrativo, pág. 59) o Estado surge como instituidor ou coinstituidor dessas fundações sendo o negócio fundacional, formalizado por escritura pública ou por decreto executivo, mercê das própria autorização legislativa.

Assim se tem

A fundação pública não tem fins lucrativos. É formada por meio de dotação do Estado. São recursos da Fundação as dotações, subvenções, contribuições que o Estado anualmente consignar em seus orçamentos. No caso de extinção da Fundação, seus bens e direitos são incorporados ao patrimônio do Estado.

Com o advento da Constituição Federal de 1988, a questão ficou polêmica em virtude da redação original do artigo 37, XIX: “somente por lei específica poderão ser criadas empresa pública, sociedade de economia mista, autarquia ou fundação pública”. Com a Emenda Constitucional 19, de 1998, o referido inciso foi alterado, exigindo-se lei (específica) para a criação unicamente de autarquias e apenas para autorizar a criação das demais espécies de entidades pelo Poder Executivo, que o fará com a expedição de decretos, elaboração do ato constitutivo e, a final, seu registro público. A partir daí, então, a melhor doutrina atualmente é aquela que aceita a criação de fundação pública de direito privado a partir do registro público dos seus atos constitutivos, após a autorização por lei para sua criação (da mesma forma que para as empresas públicas e sociedades de economia mista), e ainda a criação de fundação pública de direito público diretamente pela lei específica, nos moldes da criação de uma autarquia, pelo que já entendeu o STF que tais fundações são “espécies do gênero autarquia” (STF, RDA 160/85, 161/50, 171/124), sendo conhecidas como autarquias fundacionais. Cumpre ressaltar que não deve ser confundida a fundação pública de direito privado (aquela instituída pelo Estado com personalidade jurídica de direito privado) com a fundação privada (aquela instituída por particulares).

 Ii – AS DIVERSAS CORRENTES SOBRE SUA NATUREZA JURÍDICA

Formaram-se, basicamente, três correntes quanto a questão da fundação pública no direito brasileiro:

a) A primeira defende a natureza privatística de todas as fundações instituídas pelo poder público, ou seja, o fato de ser o Estado o instituidor, não desmente a caracterização dessa entidade como de direito privado, de acordo com o disposto no Código Civil. Essa era a opinião clássica de Hely Lopes Meirelles, para quem constituía uma contradictio in terminis expressões como autarquias fundacionais ou fundações pública, explicando que se a entidade era uma fundação estaria ínsita sua personalidade privada e que, se era uma autarquia, a personalidade seria de direito público. Advertia o saudoso jurista:

“uma entidade não pode, ao mesmo tempo, ser fundação e autarquia; ser pessoa de direito privado e ter personalidade de direito público! E arrematava: o fato de o Estado servir-se de instituto de direito privado para a realização de atividades de interesse público não transfigura a instituição civil em entidade pública, nem autarquiza esse meio de ação particular”.

Advogam também a mesma tese autores como Manoel Oliveira Franco e Sérgio D’Andréa.

b) Para a segunda corrente, defendida por Cretella Júnior, Miguel Reale, Clóvis Beviláqua, Lacerda de Almeida, Geraldo Ataliba, Lafayette Ponde, Celso Antônio Bandeira de Mello e Maria Sylvia Zanella di Pietro, o Poder Público, ao instituir fundações públicas, tanto pode dar-lhe personalidade de direito privado quanto de direito público. Por esse entendimento, as fundações públicas de natureza de direito público são caracterizadas como verdadeiras autarquias, razão porque são denominadas, algumas vezes, de fundações autárquicas ou autarquias fundacionais. Esta é a posição dominante, a adotada pelo STF e por isso acolhida por nós para tentar esclarecer tão debatida questão.

c) A terceira corrente, minoritária, defende que, após a promulgação da Carta Magna de 1988, o Poder Público somente poderia instituir fundações de direito público.

Ora, observa-se que o Estado pode criar e instituir tanto fundação de direito público como de direito privado, para, por intermédio delas, oferecer aos cidadãos os serviços que julgar úteis e necessários ao bem-estar e ao desenvolvimento da sociedade.

Este tipo de fundação surgiu quando o Poder Público buscou na legislação civil a figura das fundações, como alternativa para dotar determinados serviços seus de uma verdadeira autonomia administrativa e financeira, posto que as autarquias, mesmo após a Constituição Federal de 1988, não conseguia alcançar tal fim.

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Como já visto, para nomes expoentes da doutrina, as fundações públicas têm sempre personalidade jurídica de Direito Privado, inerente a este tipo de pessoas jurídicas. Uma das argumentações mais fortemente solicitadas é a da analogia com as sociedades de economia mista e as empresas públicas, também criadas pelo Estado e que, sem dúvidas, têm personalidade jurídica de Direito Privado.

Marya Silva Di Pietro(Direito Administrativo, 14º edição) corrobora esse posicionamento ao afirmar que:

 “a posição da fundação governamental privada perante o poder público é a mesma das sociedades de economia mista e empresas públicas; todas elas são entidades públicas com personalidade jurídica de direito privado, pois todas elas são instrumentos de ação do estado para a consecução dos seus fins”.

III – A NECESSIDADE DE LEI PARA SUA CRIAÇÃO E O CONCURSO PÚBLICO PARA INGRESSO DE EMPREGADOS  . POSIÇÃO DO STF.

No direito administrativo brasileiro, a fundação pública de direito privado foi instituída pelo Decreto-lei 200/67 de forma que seu patrimônio, de origem pública, em caso de extinção reverte para o Poder Público. Como tal é entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, criada em virtude de autorização legislativa, para o desenvolvimento de atividades de direito público, com autonomia administrativa, patrimônio gerido pelos respectivos órgãos de direção e funcionamento custeado por recursos da União e de outras fontes.

Sua criação deve ser velada pelo Ministério Público que acompanha, em suas curadorias, a execução de seus serviços.

A matéria foi objeto ainda da redação dada pelo Decreto-lei 900/69, do Decreto-lei 2.299/86, da Lei 7.596/87, que reintegrou a fundação pública de direito privado à administração indireta.

Sob o império da Constituição de 1988, a Emenda Constitucional 19/98 alterou a redação do artigo 37, inciso XIX e previu sua natureza pública de direito privado, desde que criada por lei prévia.

Sob a matéria disse a Ministra Cármen Lúcia, no julgamento da Adin 191- 4:

“A distinção entre fundações públicas e privadas decorre da forma como foram criadas, da opção legal pelo regime jurídico a que se submetem, da titularidade de poderes e também da natureza dos serviços por elas prestados” “Aquela orientação constitucional alterou-se pela Emenda Constitucional n. 19/98, pela qual se retornou ao entendimento antes adotado, possibilitando-se a existência de fundações de direito privado no âmbito da Administração Pública (edições posteriores ao advento daquela Emenda), onde se observa: A EC 19/98 deu nova redação ao inc. XIX do art. 37 da CF, deixando transparecer ter voltado ao entendimento anterior de que a fundação é entidade com personalidade jurídica de direito privado: ‘somente por lei específica poderá ser criada autarquia e autorizada a instituição de empresa pública, de sociedade de economia mista e de fundação, cabendo á lei complementar, neste último caso, definir as áreas de sua atuação’. A fundação foi colocada ao lado das empresas governamentais (entidades de Direito Privado): a lei não cria, apenas autoriza a sua criação, devendo o Executivo tomar as providências necessárias para o registro determinante do nascimento da pessoa jurídica de Direito Privado. E mais: lei complementar deverá definir as áreas em que poderá atuar a fundação, não podendo essa figura jurídica servir de panacéia para qualquer atividade que a Administração pretenda efetuar com relativa autonomia”

As fundações públicas de Direito Privado necessitam apenas de autorização da Lei para a sua criação. A personalidade é adquirida com a inscrição da escritura pública de sua constituição no Registro Civil de Pessoas Jurídicas. São, pois, atos diversos: a Lei autoriza a criação, ao passo que o ato de registro é que dá início a sua personalidade jurídica.

Como estatal, entidade da administração indireta, com supervisão ministerial, deve a fundação pública de direito privado se nortear pelas regras dos concursos públicos e das licitações para sua orientação e controle pelo Tribunal de Contas da União, a teor dos artigos 37, 70 e 165 da Constituição Federal.

 Deve sujeitar-se ao regime trabalhista comum, traçado na CLT. Sendo de natureza privada tais entidades, não teria sentido que seus servidores fossem estatutários.

A despeito do regime trabalhista, aplicam-se aos empregados dessas fundações as restrições de nível constitucional, como, por exemplo, a vedação à acumulação de cargos e empregos (art. 37, XVII) e a necessidade de prévia aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos antes da contratação dos empregados (art. 37, II). Tal regime que já é seguido pelas empresas públicas e pelas sociedades de economia mista, entidades com personalidade jurídica de direito privado, que, processualmente são tratadas como pessoas privadas, à luz do Código de Processo Civil e, nas lides laborais, se submetem à jurisdição da Justiça do Trabalho.

Em síntese: As fundações de direito privado serão reguladas pelo regime jurídico de direito privado, mas modificado, derrogado em parte por normas de direito público, quando o for expressamente, como ocorre com a obrigatoriedade de licitação pública, a proibição de acumulação remunerada de cargos, empregos e funções, a vinculação ao teto remuneratório disposto pelo texto constitucional, a imunidade recíproca para impostos sobre o patrimônio, renda e serviços (vez que a Constituição Federal dispõe ser essa imunidade extensiva às autarquias e fundações, não fazendo distinção entre as de direito público ou privado).

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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