~~UM VERDADEIRO PRÊMIO À IMPUNIDADE
Rogério Tadeu Romano
Dezesseis milhões de brasileiros que perderam seus trabalhos passaram as festas de Natal na "prisão" do desemprego, imobilizados, sem ter o que pôr na mesa, sem poder comprar presentes para seus filhos, à espera de um milagre de fim de ano. Sabem que receberão a indiferença por parte das elites com relação a seu estado de pobreza. São vítimas num país onde a corrupção passou a ser institucionalizada.
Enquanto isso os investigados da Lava Jato que ainda estão presos tiveram o direito a visita e a refeições especiais. Já os que tiveram o direito a passar as festas de fim de ano em suas casas, possivelmente, brindaram com caras champagnes e saborearam raras iguarias.
O ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró, envolvido em crimes de corrupção, foi um dos liberados. Ele viajou para o Rio, mas seu paradeiro não foi divulgado.
O ex-gerente da Petrobras, Pedro Barusco, também envolvido em crimes contra a administração publica, é visto circulando livremente, inclusive em SPA, na cidade de Petrópolis, no Rio de Janeiro.
Enquanto isso foi assinada Medida Provisória com a justificativa de evitar demissões, implementando novas regras de acordos de leniência.
Formalmente a medida é inconstitucional, pois não atende os pressupostos constitucionais exigidos pelo artigo 62 da Constituição Federal que são a urgência e a relevância.
A matéria deveria ser objeto de discussão e levada ao Congresso Nacional em projeto de lei, não havendo razões para urgência.
De outro modo ela afronta aos princípios da moralidade, da eficiência, da razoabilidade, que devem nortear o comportamento da administração consoante o artigo 37 da Constituição Federal.
Isso porque, de forma dissimulada, acoberta empresas corruptas por permitir que as companhias, mesmo sem sanções, possam assinar novos contratos com o Poder Público. Seu objetivo é escandaloso, permitindo que empresas com cultura de corrupção, que francamente participaram de um processo afrontoso aos interesses da população, continuem a contratar com o Governo Federal.
Afronta-se o que se pode entender como acordo de leniência.
Leniência é brandura, suavidade, mansidão. É algo que já se aplica no direito penal, Lei 9.807/99. Ainda se aplica em sede de direito econômico, na defesa da livre concorrência.
O acordo de leniência é o ajuste que permite ao infrator participar da investigação, com o objetivo de prevenir ou reparar dano de interesse coletivo.
Objetiva o acordo de leniência a extinção da ação punitiva da administração pública ou redução de penalidade que seria imposta.
No Brasil, a ineficácia dos instrumentos de combate aos atos de concentração de mercado, fez com que as autoridades antitrustes vissem, nesse instituto, um caminho para a ampliação dos seus poderes de investigação, através do incentivo aos agentes econômicos para que forneçam provas que ajudem a condenar todos os demais membros dos cartéis e acabar com os efeitos nocivos sobre a economia popular.
Em decorrência desses efeitos práticos, surgiram 3 posições, a respeito da aplicabilidade do acordo de Leniência.
A primeira posição entende que a norma atribuiria à SDE (Secretaria de Desenvolvimento Econômico) a faculdade de firmar o programa de leniência, e este acordo, na esfera administrativa, impede que o Ministério Público ingresse com a ação criminal.
A segunda posição nega total aplicabilidade das regras do Acordo de Leniência na esfera penal e tem como fundamento o Princípio da Indisponibilidade da Ação Penal Pública.
A terceira posição entende que o consentimento do Ministério Público é imprescindível para a realização do Acordo e para decretação da extinção da punibilidade. Neste sentido, embora a lei 8884/94 não seja expressa a respeito da extinção da punibilidade, ao realizarmos uma interpretação teleológica, poderemos concluir que a concordância do Ministério Público para o Acordo de Leniência dá o necessário suporte a sua aplicação. Isso porque os crimes contra a ordem econômica são de ação pública incondicionada e só o Ministério Público, como titular da ação penal, poderá, nos casos previstos pela lei, dispor ou restringir a sua aplicação. É a importação, para o sistema brasileiro, do princípio da oportunidade e da plea bargain dos E.U.A.
O Ministério Público deve participar do acordo de leniência, para que o seu cumprimento resulte em renúncia da ação penal.
O princípio da obrigatoriedade da ação penal - assim como na Lei 9.099/95, em espaço infraconstitucional - deve ser mitigado a exemplo dos eficazes institutos do plea bargain norte-americano e do pattegiamento italiano.
O acordo de leniência celebrado com a participação da Advocacia Pública e do Ministério Público impede o ajuizamento ou o prosseguimento da ação já ajuizada contra a pessoa jurídica.
Lembre-se, por certo, nesse cenário, que existem pessoas jurídicas que são verdadeiros instrumentos de organização criminosa, no sentido de ocultar ativos e dissimular interesses, daquela que, embora transitoriamente, serviu a propósitos obscuros ou ilícitos de seus dirigentes.
Em verdade esse ato normativo vem na contramão das tentativas levadas a combater a corrupção no Brasil. Isso porque a Lei 12.846/13, dentro de um modelo próprio de sanção, exige que as empresas cooperem com as autoridades públicas, investiguem os ilícitos e ostentem estruturas internas independentes e efetivas nas apurações das infrações. Usam as empresas não podem usar o compliance como fórmula de mera blindagem de responsabilidade de seus dirigentes, mas, como instrumento de investigação privada de ilícitos e prevenção efetiva de infrações, como já afirmou Medina Osório.
A medida provisória vem envolta em uma “cortina de fumaça”.
As multas estabelecidas por ela são inadequadas à gravidade da conduta infringida. Com isso as empresas envolvidas não estarão inibidas diante das penalidades, ao contrário. Continuarão a atuar visando a garantir seu lugar no mercado através de mecanismos e instrumentos sabidamente antissociais.
A medida provisória traz um erro de origem ao não determinar que uma empresa envolvida em práticas de corrupção faça a devida delação. Ao não denunciar elas ficarão na chamada “zona de conforto” e continuarão com suas práticas perniciosas mesmo que por outras vias.
A questão é bem mais complexa do que se sugeriu quando se afirmou, como da edição da Medida Provisória, de que “deve-se punir o CPF; não o CNPJ”.
A Medida Provisória citada é um verdadeiro prêmio à impunidade.