Da obrigação das operadoras de planos de saúde em custear honorários médicos particulares na ausência de médico especialista credenciado na área de cobertura

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Direito médico e da saúde. Operadoras de planos de saúde. Honorários médicos particulares. Negativa de cobertura. Área de cobertura contratual.

Ementa

Direito médico e da saúde. Operadoras de planos de saúde. Honorários médicos particulares. Negativa de cobertura. Área de cobertura contratual.

 1.  Introdução

 Todas as atividades desenvolvidas pelo homem, por mais singelas que pareçam, em algum momento ou nível, de forma direta ou indireta, estão sujeitas ao olhar do Estado. A amplitude, frequência e extensão deste olhar Estatal sobre as atividades humanas são moduladas de acordo com o bem da vida juridicamente tutelado, devido ao seu grau de importância e a sua tutela constitucional.

Aquelas atividades que estão direta ou indiretamente relacionadas à vida – bem maior juridicamente tutelado pelo Estado – sujeitam-se a um nível de fiscalização ainda mais ampla, frequente e extensa, se comparadas às demais atividades.

Neste contexto, as operadoras de planos de saúde, no Brasil, estão sujeitas ao controle e fiscalização permanentes da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, agência estatal reguladora, diretamente ligada ao Ministério da Saúde, que atua notadamente por meio de normas que atendam à preservação do interesse público.    

Dentre os deveres impostos pela ANS às operadoras de planos de saúde no Brasil, está o de disponibilizar profissional médico da especialidade ofertada, dentro da área de cobertura contratada.

O que ocorre frequentemente é a inexistência médicos de determinadas especialidades dentro de determinadas área de cobertura geográfica, criando um impasse entre o beneficiário do plano de saúde, e a operadora.

De um lado, a operadora de planos de saúde vendeu para o beneficiário um determinado plano de saúde, com determinada cobertura e determinada abrangência geográfica. 

De outro lado, o beneficiário do plano de saúde necessita de atendimento por determinada especialidade médica, dentro de sua cobertura e dentro de sua área de abrangência geográfica, e, no entanto, não existe este profissional credenciado pela operadora de planos de saúde, impossibilitando o atendimento da sua demanda.

Diante deste conflito de interesses acompanhado de resistência, é necessário analisar as normas editadas pela ANS, o contrato firmado entre o beneficiário e a operadora de planos de saúde e a legislação.

Neste contexto foi desenvolvido o presente estudo, utilizando também outra importante fonte do Direito, bastante conclusiva para a resolução desta situação: a jurisprudência, notadamente aquela emanada do Superior Tribunal de Justiça – STJ, que tem sido clara no sentido de que a vida deve ser preservada, acima de qualquer interesse privado ou mercantil.

 

2.            DA OBRIGAÇÃO DE FAZER DAS OPERADORAS DE PLANOS DE SAÚDE DIANTE DO DIREITO CONSTITUCIONAL E HUMANO À VIDA

 O conceito de obrigação pode ser entendido como o vínculo jurídico que se estabelece entre contratante e contratado, sob ponto de vista contratual.

 Assim, na obrigação de fazer, conforme preleciona Washington de Barros Monteiro (1992, p. 230) a prestação consiste num ato do devedor, ou num serviço deste, sendo que “qualquer forma de atividade humana, lícita e possível, pode constituir objeto da obrigação."

 Conforme sintetiza Marques (2006, p. 487), pode-se “(...) conceituar o contrato de assistência médico-hospitalar como um contrato de obrigação de fazer (...).

Tratando-se o contrato de plano de saúde de contrato bilateral onde a operadora de planos de saúde se compromete a prestar serviços de assistência médico-hospitalar, a operadora de planos de saúde deve cumprir a sua parte do sinalagma oriundo do negócio jurídico realizado, desde que, claro, o contrato também esteja sendo devidamente cumprido pelo beneficiário.

O eventual silêncio ou mesmo a negativa das operadoras de planos de saúde quanto à autorização de procedimento coberto pelo contrato, é desprovido de razão e deixa em segundo plano a saúde e a preservação da vida, direitos fundamentais de seus beneficiários.

Esta conduta é infelizmente muito corriqueira quando não existe na área de abrangência, um profissional credenciado perante a operadora para realizar um determinado procedimento.

Em muitos casos, as operadoras de planos de saúde solicitam que os beneficiários se desloquem para outras cidades, onde existe o profissional médico credenciado para realizar o procedimento demandado.

Ocorre que esta conduta é uma alternativa para o beneficiário, que pode ou não aceitar as opções ofertadas pela sua operadora de plano de saúde.

A ausência de qualquer profissional médico na cidade da demanda do beneficiário, ou mesmo em município limítrofe, considerando que este município integra a área geográfica de abrangência contratada pelo beneficiário, que seja credenciado e/ou cooperado da operadora de planos de saúde, enseja a obrigação da operadora ao pagamento dos honorários médicos do profissional eleito pelo beneficiário.

Neste cenário, a operadora de planos de saúde poderá oferecer que o serviço de assistência à saúde em questão seja realizado em outro município/localidade. Esta oferta representa uma opção ao beneficiário, que poderá ou não aceitar, conforme seu entendimento.

Assim dispõe a Resolução Normativa da ANS 259/2011:

§1º. Para fins do disposto nesta Resolução, considera-se:

 I- Área Geográfica de Abrangência: Área em que a operadora fica obrigada a garantir todas as coberturas de assistência à saúde contratadas pelo beneficiário, podendo ser nacional, estadual, grupo de estados, municipal ou grupo de municípios;

II- (...);

III- Município de Demanda: Local da federação onde o beneficiário se encontra no momento em que necessita do serviço ou procedimento;

IV- Rede Assistencial: Rede contratada pela operadora de planos privados de assistência à saúde, podendo ser credenciada ou cooperada;

V- (...);

VI- Indisponibilidade: Ausência, inexistência ou impossibilidade de atendimento nos prazos estabelecidos no artigo 3º, considerando-se, inclusive o seu §2º. (Grifos não originais).

Complementando as definições trazidas no artigo 1º. da referida Resolução Normativa, importante destacar o disposto no artigo 2º:

A operadora deverá garantir o acesso do beneficiário aos serviços e procedimentos definidos no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS para atendimento integral das coberturas previstas nos arts. 10, 10-A e 12 da Lei 9656, de 3 de junho de 1998, no município onde o beneficiário demandar (...). (Grifos não originais).

 Especificamente em relação à hipótese de indisponibilidade de prestador integrante da rede assistencial no município onde o beneficiário demandar a assistência, a referida Resolução Normativa regulamenta que:

Art. 4º. Na hipótese de indisponibilidade de prestador integrante da rede assistencial que ofereça o serviço ou procedimento demandado, no município pertencente à área geográfica de abrangência e à área de atuação do produto, a operadora deverá garantir o atendimento em:

I - prestador não integrante da rede assistencial no mesmo município; ou

II - prestador integrante ou não da rede assistencial nos municípios limítrofes a este.

§ 1º No caso de atendimento por prestador não integrante da rede assistencial, o pagamento do serviço ou procedimento será realizado pela operadora ao prestador do serviço ou do procedimento, mediante acordo entre as partes. (Grifos não originais).

Ademais, a Lei nº. 9.656/98, especialmente em seu artigo 35-C, incisos I e II, preconiza a obrigatoriedade de cobertura de atendimentos em casos de urgência e emergência:

 Art. 35-C. É obrigatória a cobertura do atendimento nos casos:

I - de emergência, como tal definidos os que implicarem risco imediato de vida ou de lesões irreparáveis para o paciente, caracterizado em declaração do médico assistente;

II - de urgência, assim entendidos os resultantes de acidentes pessoais ou de complicações no processo gestacional; (Grifos não originais).

Cabe transcrever, neste sentido, valiosa lição do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, que tem entendimento consolidado no sentido de que não havendo profissional médico especialista capacitado para o atendimento do paciente/beneficiário dentro da área de abrangência geográfica (cobertura) do plano de saúde contratado, tem a operadora do plano de saúde o dever legal de arcar com o pagamento das despesas, materiais e honorários médicos em caráter particular, independentemente de ser o profissional médico ou a entidade hospitalar credenciada ou não à operadora de planos de saúde, sendo esta situação ainda mais agravada em se tratando de situação de urgência e/ou emergência:

APELAÇÃO CÍVEL. RESSARCIMENTO DE DANOS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RECURSO DOS AUTORES. PLANO DE SAÚDE CONTRATADO EM 1993. ESPOSA COM DIAGNÓSTICO DE CARCINOMA ORAL COM RECIDIVA. ENCAMINHAMENTO A MÉDICO ESPECIALISTA DE CABEÇA E PESCOÇO NA CIDADE DE CURITIBA. INEXISTÊNCIA DE PROFISSIONAL NA ÁREA DE ABRANGÊNCIA DO PLANO DE SAÚDE. INTERNAÇÃO NO HOSPITAL NOSSA SENHORA DAS GRAÇAS. REALIZAÇÃO DE CIRURGIA SEM MELHORA DA PACIENTE. NECESSIDADE DE OUTRO PROCEDIMENTO CIRÚRGICO. NEGATIVA DE RESSARCIMENTO DOS CUSTOS COM A SEGUNDA CIRURGIA. QUADRO PATOLÓGICO DA PACIENTE QUE EVOLUIU E INEXISTÊNCIA DE MÉDICO ESPECIALISTA NA ÁREA DE COBERTURA DO PLANO. PLANO DE SAÚDE QUE PREVÊ COBERTURA PARA CIRURGIA DE URGÊNCIA. MITIGAÇÃO DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS DE EXCLUSÃO. INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E DA LEI 9.656/1998. IRRETROATIVIDADE DA LEI. INOCORRÊNCIA. CONTRATO FIRMADO NA VIGÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. CONDENAÇÃO DAS RÉS AO PAGAMENTO DAS DESPESAS DECORRENTES DO TRATAMENTO. DANOS MORAIS. AUSÊNCIA DE PROVA DO PREJUÍZO. DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL. RECLAMO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.   Considerando que o contrato de plano de saúde prevê cobertura para cirurgia de urgência e, considerando que os documentos médicos informam que a paciente era portadora de carcinoma oral com recidiva, e que não obteve melhora após a intervenção cirúrgica, necessitando realizar outro procedimento, inaceitável a negativa da ré sob argumento de que o Hospital não é credenciado. Trata-se de relação de consumo, pelo que, as cláusulas contratadas devem ser mitigadas e interpretadas da forma mais favorável ao consumidor.   Ademais, inexiste na área de cobertura do plano, especialista em cabeça e pescoço para a realização do procedimento de alta complexidade.   A incidência da Lei n. 9.656/1998, não representa retroatividade da norma porque o contrato foi firmado sob a égide do Código de Defesa do Consumidor. (TJSC, Apelação Cível n. 2015.039061-3, de Jaraguá do Sul, rel. Des. Saul Steil, j. 13-10-2015). (Grifos não originais).

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Assim sendo, conforme disposições da ANS e entendimento dos tribunais, não havendo disponibilidade de profissional médico credenciado e/ou cooperado da operadora de plano de saúde contratada pelo beneficiário, com a expertise necessária para o atendimento da demanda deste beneficiário no município em que necessitar do atendimento, ou ainda ou em município limítrofe, e ainda, considerando que este município integre a área de abrangência do plano de saúde contratado pelo beneficiário, há responsabilidade da operadora de plano de saúde em custear os honorários do profissional médico não cooperado e/ou credenciado eleito pelo paciente para o atendimento da sua necessidade, assim como das demais despesas inerentes a este atendimento na hipótese de não haver disponibilidade também de demais prestadores de assistência à saúde credenciados e/ou cooperados junto a operadora (hospitais, clínicas de exames complementares, etc).

3.            DA RELAÇÃO DE CONSUMO

De acordo com a disposição contida nos artigos 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor, a relação estabelecida entre o beneficiário e a operadora de planos de saúde constitui-se de uma relação de consumo, tendo em vista estarem inseridas as partes nos conceitos de consumidor e fornecedor. Neste sentido, é o entendimento predominante no entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

Em se tratando de cobertura médico-hospitalar, a relação de consumo se caracteriza pelo objeto contratado, sendo irrelevante a natureza jurídica da entidade que presta os serviços, ainda que não tenha fins lucrativos, mas que mantém plano de saúde remunerado. (AgRg no AREsp 708.894/DF, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/09/2015, DJe 25/09/2015) (Grifos não originais).

Em se tratando de uma relação de consumo, a relação entre as partes deve ser observada sob a ótica da teoria objetiva e do risco criado, ensejando, portanto, uma obrigação de resultado, conforme disposição dos artigos 14 e 20 do CDC.

Além disso, vigem em favor do consumidor, beneficiário de plano de saúde, diversas disposições legais cuja finalidade é equilibrar a situação das partes no contrato (artigo 6º, especialmente os incisos I, II, VI e VIII, do CDC), tendo em vista tratar-se de contrato de adesão, não havendo espaço para debates ou argumentação por parte do consumidor.

Além disso, o Superior Tribunal de Justiça já sumulou que, aos contratos de plano de saúde, aplica-se o Código de Defesa do Consumidor, por meio da Súmula 469.

A doutrinadora MARQUES (2006, p. 474) preceitua que existe, atualmente, grande preocupação por parte da legislação, jurisprudência e dos doutrinadores acerca da boa-fé objetiva dos fornecedores:

A formação e execução destes contratos conforme às exigências da boa-fé objetiva, evitando abusos e reequilibrando os parceiros contratuais tão desiguais, é a grande preocupação da doutrina, da legislação e da jurisprudência. Hoje, além dos tradicionais seguros de vida, e de responsabilidade civil, existem os planos de aposentadoria privada e os antigos seguros-saúde, hoje planos de saúde, regulados por lei especial, todos contratados geralmente mediante métodos de contratação em massa, contratos de adesão e condições gerais do contrato e até concluídos à distância ou de porta em porta. (Grifos não originais).

Importante salientar a presunção de boa-fé subjetiva dos consumidores. Ademais, a negativa de cobertura dos honorários médicos e demais despesas hospitalares e com materiais diretamente relacionados ao procedimento, por parte da operadora de planos de saúde, pode caracterizar a abusividade das cláusulas contratuais (artigo 6º, IV, do Código de Defesa do Consumidor), bem como colocar o consumidor em desvantagem excessiva em relação ao prestador de serviços (artigo 51, IV do CDC).

Outro ponto que merece destaque é o fato de que, havendo dúvida na interpretação das cláusulas contratuais, prevalece o entendimento que beneficiar o consumidor, conforme preceitua o artigo 47 do Diploma Consumerista e a própria Constituição Federal.

4.            DOS DANOS MORAIS

Encontra-se assentado no ordenamento jurídico brasileiro a possibilidade de reparação de danos morais pelo ofensor, sendo este direito preconizado não só pelo ordenamento civil (art. 186) e consumerista (art. 6º, inciso VI), mas também pela Norma Fundamental (art. 1º, inciso III).

Para que haja a configuração da responsabilidade civil, geradora do dever de indenizar os danos morais, é necessário que estejam configurados os elementos: dano sofrido pela vítima, conduta ilícita do ofensor e nexo de causalidade entre ambos.

A conduta perpetrada por várias operadoras de planos de saúde brasileiras, ao negar ou omitir-se perpetuamente quando à cobertura dos honorários médicos particulares para procedimento em favor de beneficiário, que esteja coberto contratualmente e em cujo local da demanda não exista o médico especialista credenciado, é ilícita, posto que injustificada do ponto de vista contratual, legal e científica, gerando evidente dano moral ao consumidor beneficiário.

Esta conduta gera no consumidor, inevitavelmente, expectativa, frustração e preocupação exacerbadas, diante da impossibilidade de realizar um procedimento do qual depende sua saúde e sua própria vida. Neste sentido, vale transcrever citação retirada do voto do rel. Desembargador Joel Dias Figueira Júnior, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina:

É de se mencionar ainda, a importância do estado psicológico para o bom tratamento e a recuperação de doenças, já que o autor perdeu sua tranquilidade no instante que deparou-se com as negativas de cobertura feitas pela cooperativa ré. (TJSC, AC 2005.018271-6, da Capital, rel. Des. Joel Dias Figueira Júnior, j. 29/11/2005). (Grifos não originais).

Por tais motivos, diante do grande número de reclamações contra as empresas de medicina em grupo e pelo evidente abuso de poder econômico e total ausência de respeito para com seus clientes/usuários, tem sido observada a tendência dos órgãos julgadores integrantes do Poder Judiciário de aplicação de condenação ao pagamento de indenização por danos morais nestes casos.

Embora este seja o entendimento predominante do Poder Judiciário, existem decisões que consideram ser inaplicável a indenização por danos morais em conflitos decorrentes de relações contratuais (como é o caso do descumprimento de contrato, invocado por consumidores/beneficiários em lides desta natureza) e ainda, existem julgados no sentido de que este descumprimento gera mero dissabor ao beneficiário, não passível de indenização.

No entanto, quando ocorre, a fixação do quantum indenizatório deve ater-se a três aspectos básicos: intensidade do sofrimento suportado, intensidade do dolo ou grau de culpa do responsável, e situação econômica da vítima e do ofensor.

Além disso, há que se levar em consideração, no momento da fixação do dano moral, o binômio prevenção/punição.

Muito embora, existam correntes doutrinárias que afirmem não ser cabível o dano moral nos casos de inadimplemento contratual, a relação contratual entre beneficiário e operadora de plano de saúde tem por objeto a vida e a saúde dos beneficiários, o que torna este tipo de contrato, exceção a esta teoria, conforme elucida o julgado transcrito:

INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. INDEVIDA RESISTÊNCIA EM CUMPRIR CONTRATO DE PLANO DE SAÚDE. AUMENTO DA DOR, SOFRIMENTO E ANGÚSTIA DO SEGURADO. ABALO MORAL CONFIGURADO. ‘[...] Com efeito, o inadimplemento contratual, por si só, não enseja, em regra, a reparação por danos morais, porquanto esta pressupõe ofensa aos direitos da personalidade, e não meros dissabores próprios do cotidiano. Entretanto, o descumprimento contratual em virtude da recusa indevida de cobertura médico-hospitalar, que geralmente ocorre no momento em que o segurado encontra-se abalado, seja física ou psicologicamente, é passível de causar lesões à esfera íntima do indivíduo, dando azo à reparação do abalo moral, tal qual o caso dos autos.’ (Juíza de Direito Dra. Andresa Bernardo). (TJSC – Apelação Cível n. 2010.063825-7, da Capital, Relator: Des. Carlos Prudêncio, j. em 14/12/2010). (Grifos não originais).

Diante da intensidade do dano causado ao beneficiário, através de sentimentos de angústia, insegurança, expectativa e extrema preocupação pelo comprometimento da sua vida e sua saúde, é que pode-se afirmar com segurança que em muitas situações o entendimento do Poder Judiciário é no sentido de que é devida a condenação da operadora de planos de saúde ao pagamento de indenização por danos morais em favor do beneficiário, com a finalidade de confortar o beneficiário, compensando o evento danoso, além de punir e educar a operadora por meio do efeito pedagógico da condenação.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para compor o equilíbrio da relação existente entre beneficiários e operadoras de planos de saúde, a fim de evitar a judicialização dos conflitos, é essencial que seja utilizada a ponderação. Em todos os momentos, e por todas as partes envolvidas.

É crucial que os contratos entabulados entre as partes reúnam técnica e clareza, e acima de tudo, respeitem os direitos e prerrogativas de todos os envolvidos, sem onerar excessivamente nenhuma das partes.

Não é de hoje que o setor privado de assistência à saúde no Brasil vive dias difíceis. Mas o momento atual deste setor é especialmente crítico e delicado. Maior indicador deste fato é a alienação de toda a carteira de clientes da Unimed Paulista, a maior do país, noticiada recentemente.

Neste contexto, de um lado, as operadoras de planos de saúde enfrentam diariamente enormes responsabilidades, buscando constantemente o equilíbrio das variações financeiras (custos administrativos, médico e hospitalares) e atuariais (utilização assistencial do plano contratado pelos beneficiários.  

É por meio dos valores das contraprestações mensais pagas pelos beneficiários que as operadoras realizam o pagamento das despesas geradas pela utilização dos serviços de assistência à saúde e também suas despesas administrativas e operacionais.

Guardam as operadoras de planos de saúde, ainda, a obrigação legal e contratual de reajustar anualmente a remuneração dos prestadores de serviços de saúde integrantes da sua rede credenciada, havendo também a incidência dos índices inflacionários sobre os demais custos assistenciais (medicamentos, materiais, etc.) e operacionais, bem como a necessidade de integrar novas tecnologias e tratamentos de saúde, a um mercado consumidor cada vez mais exigente.

Além destes fatores que influenciam diretamente no aspecto financeiro das operadoras de planos de saúde, há o impacto referente a taxa média de utilização dos serviços de assistência à saúde contratados pelos beneficiários de planos coletivos de assistência à saúde, bem como, a limitação imposta pela ANS em relação ao reajuste dos preços das mensalidades dos planos individuais (13,55% no ano de 2015).

Por outro lado, o consumidor não pode ser prejudicado por estes fatores, sob nenhuma hipótese ou pretexto. É inegável que o consumidor é invariavelmente a parte mais frágil desta relação.

Isso não significa, no entanto, que qualquer pleito consumerista mereça imediata guarida jurisdicional, sem a necessária ponderação acerca do conflito posto: o direito à saúde e à própria vida e dignidade da pessoa humana, e a liberdade de mercado, de contratar, a força vinculativa dos contratos (relativizada sob o prisma de cada caso concreto) e a própria existência e continuidade salutar de uma atividade econômica.

Estes aspectos de grande relevância não devem ser postos em linha de batalha, mas lado a lado, conciliando-se os interesses, prerrogativas e direitos dos envolvidos, com ponderação, técnica jurídica e equilíbrio.

Considerando estes aspectos, é necessário compreender e implementar a cultura de que aquilo que é contratado, em regra, deve ser cumprido por todos os contratantes.

Neste sentido, o entendimento do Poder Judiciário é no sentido de que consiste em obrigação das operadoras de planos de saúde disponibilizar o profissional médico credenciado e/ou cooperado para atender os beneficiários dentro da área de cobertura contratada (área de cobertura X área da demanda), devendo arcar com os honorários de profissional médico, hospital, clínica, materiais e despesas particulares caso não exista à disposição do beneficiário o profissional médico devidamente credenciado/cooperado à operadora de planos de saúde.

6. REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição (1988) Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: DF, Senado, 1988; 

BRASIL. Lei 5.869 (1973) Institui o Código de Processo Civil. Brasília: DF, Senado, 1973;

BRASIL. Lei 10.406 (2002) Institui o Código Civil Brasília: DF, Senado, 2002;

 BRASIL. Lei 9.656 (1998) Dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde. Brasília: DF, Senado, 1998;

 BRASIL. Código de Defesa do Consumidor (1990). Lei nº 8.078/1990, dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências;

 BRASIL. Resolução Normativa 259 (2011). Brasil: RJ, ANS, 2011;

 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1053810/SP (2008/0094908-6), Relator: Min. Nancy Andrighi, julgado em 17/12/2009;

BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº 70000063180, Relator: João Pedro Pires Freire, julgado em 06/09/2000.

BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apelação Cível nº 2005.018271-6, da Capital, rel. Des. Joel Dias Figueira Júnior, julgado em 29/11/2005.

 GARCIA, Leonardo de Medeiros. Direito do consumidor: código comentado e jurisprudência. 8 ed. Niterói: Impetus, 2012.

GRINOVER, Ada Pellegrini; NERY JR, Nelson; Watanabe, Kazuo. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. V 2. 10 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011.

LOPES, João Batista. A prova no direito processual civil. 3 ed. São Paulo: RT, 2006.

 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 5ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: RT, 2006;

 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil ­ Direito das Obrigações - 1ª parte. São Paulo: Saraiva, 1992;   

Sobre os autores
Vinícius Dittrich

Advogado (OAB/SC 40379) [email protected]

Aline Dalmarco

Advogada e sócia da Nemetz & Kuhnen Advocacia, responsável pelo departamento de Direito Médico e da Saúde. Graduada em direito pela Fundação Universidade Regional de Blumenau – FURB. Especializada em Responsabilidade Civil Médica pela Universidade de Coimbra, Portugal. Especialista em Processo Civil Contemporâneo pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUC/PR. Foi professora da faculdade de direito da Uniasselvi e do curso de pós-graduação em Gestão Hospitalar e Serviços de Saúde da FURB.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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