Controle social informal e ressocialização no método APAC

Resumo:


  • A metodologia APAC busca humanizar a execução da pena privativa de liberdade, integrando o condenado aos laços sociais e promovendo a ressocialização.

  • A APAC foca na valorização humana e no respeito às normas de convívio em sociedade, utilizando elementos como família, trabalho e religião no processo de reintegração social.

  • O método APAC rompe com paradigmas do sistema penitenciário tradicional, reduzindo a reincidência e incentivando a participação da comunidade na execução penal.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Busca inter-relacionar as instâncias informais de controle social e a metodologia apaqueana, evidenciando a influência da integração do condenado aos laços sociais no processo ressocializatório, no sentido da humanização carcerária.

RESUMO:

O presente artigo busca inter-relacionar as instâncias informais de controle social e a execução da pena privativa de liberdade mediante a metodologia apaqueana, evidenciando a influência da integração do condenado aos laços sociais no processo ressocializatório, de forma a suscitar a possibilidade de ruptura com as mazelas do sistema penitenciário tradicional no sentido da humanização carcerária.

ABSTRACT:

The present paper aims to interrelate the informal social control instances and the deprivation of liberty penalty through the APAC methodology, showing the influence of the convicted social ties integration in the ressocialization process, thereby evoke the possibility of disruption with the traditional penitentiary system ills in an effort to humanize the prison.

 

PALAVRAS-CHAVE: Controle social. Ressocialização. APAC.

SUMÁRIO:

Introdução. 1 Controle Social.1.1 Controle social informal, controle social formal e Pena. 1.2 A importância do controle social informal. 1.3 Socialização e Ressocialização. 1.4 A Ressocialização como finalidade da pena. 1.5 O sistema carcerário brasileiro e seus reclusos 2 Controle social informal e ressocialização no método APAC. 2.1 Os doze elementos do método. 2.2 Família, trabalho e religião 2.3 Relação cárcere-sociedade. Considerações Finais. Referências.

INTRODUÇÃO

A criminalidade é uma pauta recorrente na discussão pública e assunto que interessa a todos os cidadãos, seja pelo potencial de ver-se em posição de vítima ou, quiçá, delinquente.

A resposta padrão à violência identifica a impunidade e exige mais prisões e penas mais pesadas. Todavia, as penitenciárias encontram-se incapazes de lidar com o atual contingente de reclusos bem como promover uma pena que cumpra com sua finalidade ressocializadora.

O monopólio da violência detido pelo Estado encontra sua legitimação na asseguração das possibilidades de convivência entre seus cidadãos, e sua limitação naqueles valores cujo respeito é inegociável e configuram perímetro intransponível da pena. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/1988), assim, é expressa em reconhecer a dignidade da pessoa humana como fundamento da República, além de resguardar aos condenados todos os direitos não atingidos pela sentença, proibindo, ademais, tratamento desumano e degradante.

Entretanto, a realidade mostra um sistema penitenciário medievalesco, caracterizado por um déficit estrutural, falta de preparo dos agentes públicos e, em último grau, falta de reflexão acerca de seus métodos. Viola-se a integridade física, moral e psíquica do condenado, relegando princípios como a proporcionalidade e a legalidade. A pena privativa de liberdade, dessarte, é uma pena privativa da condição humana.

Os problemas da perpetuação desse modelo de Execução Penal transcende a sua ilegitimidade jurídica e ética, tratando-se de uma repressão contraproducente que fomentará o retorno do condenado à marginalidade e à criminalidade quando de seu inevitável retorno à sociedade. É nesse panorama que surge a Associação de Proteção e Assistência ao Condenado (APAC), como proposta de reintegração social do condenado sob a baliza de uma valorização humana globalizada, entendendo ser esta condição necessária para atingir a finalidade da pena.

A proposta do presente artigo é abordar a problemática da pena privativa de liberdade sob a ótica do controle social, estabelecendo as relações entre as instâncias informais de controle e sua influência no comportamento individual, constatando que o sentindo da Execução Penal deve dar-se em consonância com estas instâncias. Pretende-se, assim, do ponto de vista sociológico e psicológico, evidenciar os pontos de convergência entre os elementos da metodologia apaqueana e o desenvolvimento dos laços sociais que corroboram com a adaptação desejada do condenado à comunidade, de modo a vislumbrar a possibilidade de despertar uma vontade sociopolítica no sentido da humanização carcerária.

 

1 CONTROLE SOCIAL

Em sociedade, o homem está sempre em interação com seus pares, reunindo-se em grupos ou não, com interesses e expectativas congruentes ou conflitantes. A resolução dos conflitos intergrupos logra certa estabilização que configura determinada estrutura de poder que compele o comportamento dos indivíduos, dos grupos e das instituições. A essa regulação dá-se o nome controle social.

De acordo com Shecaira, trata-se o controle social do “conjunto de mecanismos e sanções sociais que pretendem submeter o indivíduo aos modelos e normas comunitários”. (2004, p. 56). Assegura os limites da liberdade humana no cotidiano e as expectativas de condutas, sendo condição básica irrenunciável para a vida em sociedade (HASSEMER, 1984, p. 414). Dentre outras classificações, tal controle pode-se subdividir em formal e informal conforme adiante aclarado.

1.1  Controle social informal, controle social formal e Pena

Com o escopo de submeter os agentes sociais a um determinado padrão, portanto, articula a comunidade uma sorte de instituições, estratégias e sanções. O controle social é amplo e nem sempre evidente, tendendo a ser mais anestésico ou menos oculto dependendo da maneira como os conflitos se manifestam. Assim, manifesta-se “através da família, da educação, da medicina, da religião, dos partidos políticos, dos meios massivos de comunicação, da atividade artística, da investigação científica etc” (ZAFFARONI, 2011, p. 63).

O controle social informal diz respeito à internalização dos valores e normas decorrente do processo de socialização, pelo qual as potencialidades comportamentais do indivíduo passam a se estreitar na medida do aceitável pela normalidade de seu grupo.

Os engenhos de controle formal, por sua vez, são subsidiários e institucionalizados, atuando com sanções coercitiva e qualitativamente próprias. É um meio mais racionalizado, controlável e previsível – prerrogativas que nem o controle informal nem sempre pode contar.

De um lado tem-se o controle social informal, que passa pela instância da sociedade civil: família, escola, profissão, opinião pública, grupos de pressão, clubes de serviço etc. Outra instância é a do controle social formal, identificada com a atuação do aparelho político do Estado. São controles realizados por intermédio da Polícia, da Justiça, do Exército, do Ministério Público, da Administração Penitenciária e de todos os consectários de tais agências, como controle legal, penal etc. (SHECAIRA, 2004, p. 56)

De maneira geral, estabelece-se, portanto, sanções aos fatos que atentem contra as normas de convivência, sendo o Direito sua mais formalizada classe, atuando o Direito Penal também subsidiariamente em relação ao controle social formal, quando os demais ramos do Direito mostram-se insuficientes. Nesse diapasão, concebe-se a pena como recurso último do controle social contra as condutas mais reprováveis.

Aponta Muñoz Conde: “O Direito Penal não é todo o controle social, nem sequer sua parte mais importante, sendo somente a superfície visível de um iceberg, onde o que não se vê é, talvez, o que mais importa” (CONDE, 1985, p.18).

1.2  A importância do controle social informal

O controle informal premia ou castiga comportamentos aceitáveis e inaceitáveis, variando de indivíduo para indivíduo, de grupo para grupo e de sociedade para sociedade. Suas sanções podem incluir vergonha, ridículo, crítica e desaprovação - em casos extremos, discriminação e exclusão social. O conforto e desconforto ensejados passam a compor a personalidade do indivíduo, agindo em um grau inalcançável pelos meios formais de controle.

A atuação do controle formal se dá na inoperância do controle informal, isto é, incapaz de pautar sua conduta em conformidade com as normas sociais transmitidas, a ação das instâncias formais se efetivará.

O fato é que a efetividade do controle formal é significativamente inferior à exercida pelo controle informal – arranjo perceptível na diferença da criminalidade entre grandes centros urbanos e pequenas comunidades, nas quais esta forma de controle é muito mais presente.

Ademais, é relativamente ineficaz o foco no desenvolvimento da efetividade do sistema penal, porquanto o controle formal tem limitações estruturais inerentes à sua própria natureza e função. A intervenção legal pressupõe o delito, não incidindo nos fatores que o causam, em suas raízes. Sua atuação é tardia e de caráter sintomatológico: onde e quando o problema se manifesta, porém não onde o conflito é gerado. A prevenção do crime não depende, portanto, do aperfeiçoamento do controle formal quanto depende da sincronização do controle formal com o controle informal.

Em suma, o sistema de crenças internalizado, independente da forma que tome, exerce muito mais controle sobre o comportamento do indivíduo que qualquer lei, e sendo assim, é astucioso que o controle social formal atue na construção de crenças para a consolidação de condutas desejáveis.

1.3  Socialização e Ressocialização

A lógica do controle social informal é mais bem compreendida no estudo do processo de socialização.

O sociólogo Émile Durkheim considerava o homem indissociável de sua instância social, constituída por um “sistema de idéias, sentimentos e hábitos que exprimem em nós o grupo ou grupos de que fazemos parte: crenças religiosas, crenças e práticas morais, tradições nacionais ou profissionais, opiniões coletivas de toda espécie” (2011, p. 54). Em outras palavras, para Durkheim, a vida social não é explicada pela consciência individual, mas pelo contrário, é justamente aquela que condiciona o comportamento de seus indivíduos. Estes, portanto, para serem entendidos, devem ser observados à luz do seu processo de socialização. A educação é a instância matriz desse processo, compreendida como:

[...] a ação exercida pelas gerações adultas sobre aquelas que ainda não estão maturas para a vida social. Ela tem como objetivo suscitar e desenvolver na criança um certo número de estados físicos, intelectuais e morais exigidos tanto pelo conjunto da sociedade política quanto pelo meio específico ao qual ela está destinada em particular. (DURKHEIM, 2011, p. 54)

O comportamento desviante criminoso seria, assim, em grande parte, resultado de um déficit nesse processo; e a pena, a sua restauração. Em outras palavras, uma socialização deficiente engendra a anti-sociabilidade do indivíduo, fazendo-se necessário, portanto, ressocializá-lo.

De maneira mais incisiva, sob esta ótica não poderia ser outro o escopo do controle social formal senão a consolidação do controle social informal, uma vez que se encontra na ineficácia deste a raiz do desvio.

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1.4  A Ressocialização como finalidade da pena

A pena é a expressão absoluta do ius puniendi estatal. Justamente por sua gravidade, é importante preocupar-se com o seu impacto físico-psicológico nos indivíduos, estabelecendo critérios para sua aplicação. Há diversas legislações, nacionais e internacionais, nesse sentido, como o Pacto de São José da Costa Rica (1969), as Regras Mínimas para o Tratamento de Prisioneiros (1977), a Lei de Execução Penal (1984) e a própria CRFB/1988.

Ao longo da história a resposta penal assume uma série de contornos, finalidades e justificações diferentes. Passa por suplícios de inspiração divina e vai abandonando seu caráter meramente reativo, vingativo e ilimitadamente agressivo, adquirindo, gradativamente, forma mais institucional e sentido mais humanista, com a criação da prisão e seu progressivo aprimoramento.

Até os anos sessenta era aceitável, praticamente de maneira indiscriminada, a ideia de reinserção social mediante variadas formas de ajuda durante a execução: trabalho, educação, terapêutica social, tratamento pedagógico-social, organização do tempo ocioso etc. Hoje, em vista dos resultados escassos, o ceticismo e a irresignação passaram a reinar, desaparecendo “a fé na possibilidade de reinserção social do homem em condições de falta de liberdade imposta acrescida do contato forçado com outros indivíduos colocados nas mesmas circunstâncias” (RODRIGUES, 1999, p. 141).

Orientar-se pela reinserção social do condenado constitui uma finalidade de pena tributária aos princípios básicos do Estado Democrático de Direito e dos sistemas penitenciários modernos. Todavia, tal finalidade só pode ser protagonizada pelo condenado, cujo papel deve passar de reles objeto a sujeito de seu processo ressocializatório. Nesse viés, crê Albin Eser na “pedagogia da autodeterminação”, isto é, no oferecimento de caminhos para o desenvolvimento da personalidade humana, preparando o recluso para que por si próprio decida como agir frente às alternativas de uma sociedade heterogênea (RODRIGUES, 1999).

1.5  O sistema carcerário brasileiro e seus reclusos

Os esforços doutrinários e legais, embora extremamente relevantes, contrastam gravemente com a práxis, revelando um profundo abismo entre o ser e o dever-ser e o fracasso da finalidade ressocializadora da pena, a qual a realidade carcerária não apenas é incapaz de alcançar, como contribui em grande parte para que não o seja.

A prisão, espinha dorsal do sistema penal, encontra empecilhos para a concretização de seu objetivo declarado, seja por suas próprias características, seja pelas especificidades do cárcere brasileiro.

De acordo com Alvino Augusto de Sá (2010), os graves problemas carcerários podem ser classificados em dois grupos. O primeiro são os problemas inerentes à própria natureza da pena privativa de liberdade (isolamento em relação à sua família, segregação da sociedade, convivência forçada no meio delinquente, sistema de poder etc.). O segundo, decorrentes da má gestão pública, falta de interesse político, inabilidade administrativa e técnica (falta de infraestrutura mínima e condições matérias e humanas, superpopulação carcerária etc.). É também, sobretudo, a falta de pessoal vocacionado, o que se deve ao profundo desprestígio do cárcere que, por sua vez, é fomentado pelos órgãos oficiais e por parte da sociedade e por discursos unicamente destrutivos.

Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, o Brasil conta com 567.655 presos, sendo cerca de 32% deles provisórios (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2014, p. 4), fazendo o país ostentar a 4ª maior população carcerária do mundo (UOL, 2015, p.1). De acordo com o Senado, havia em 2013 ainda outro meio milhão de mandados judiciais de prisão não cumpridos (SETTI, 2013, p.1).

O perfil do recluso reflete, indubitavelmente, um quadro de vulnerabilidade: negro ou pardo, entre 18 e 24 anos, advindos de família desestruturada e envolvidos com drogas. Cerca de 84% não terminaram o ensino médio e, cerca de 72% destes, por volta de 329 mil, sequer o fundamental (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2013). Evidenciando um quadro de vulnerabilidade padrão nos presos em geral, tais dados permitem identificar, com clareza, o retromencionado déficit de socialização.

Segundo Informe Regional de Desenvolvimento Humano 2013-2014 do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), no Brasil o percentual de reincidência alcança 47,4%. Dados levantados pelo Estado de São Paulo mostram que a reiteração do delito de roubo pode passar dos 69% (GOMES, 2014).

A constatação do dispêndio governamental com essa questionável estrutura prisional agrava a situação: o Fundo Penitenciário arrecadou, só em 2011, mais de R$393 milhões. Entre 1994 e 2011, o valor repassado às Unidades Federativas foi de aproximadamente R$1,9 bilhão (CONTAS ABERTAS, 2014, p.1). Hoje, o gasto federal é de mais de R$40 mil por ano em cada preso, enquanto com cada aluno do ensino superior é gasto R$15 mil. Mais alarmante ainda é se a comparação é feita em plano estadual: R$21 mil por ano por preso e R$2,3 mil por ano por aluno no ensino médio, explicitando dois problemas graves nas políticas governamentais: o baixíssimo investimento na educação e a ineficácia do gasto com o sistema prisional.

A revisão estrutural do sistema é urgente e necessita de extrapolar o próprio sistema penitenciário, mediante a promoção de políticas públicas para a erradicação de condições criminógenas, dos preconceitos em relação ao preso e aos egressos, investimentos em educação intra e extrapresídios, estudos relativos à prevenção e promoção de iniciativas que revolucionem a Execução Penal, tal qual a APAC.

2 CONTROLE SOCIAL INFORMAL E A RESSOCIALIZAÇÃO NO MÉTODO APAC.

De encontro ao clamor público pelo recrudescimento do sistema penal, surge a Associação de Proteção e Assistência ao Condenado (APAC), como uma alternativa ao tratamento carcerário tradicional.

Trata-se de uma entidade civil, sem fins lucrativos, dedicada à reintegração social do condenado à pena privativa de liberdade, bem como socorrer a vítima e proteger a sociedade. Busca, através da filosofia de “matar o criminoso e salvar o homem”, ser um auxiliar da Execução Penal, promovendo valores humanistas sob a base da disciplina, respeito, ordem, trabalho e envolvimento familiar.

O recluso, sob a metodologia apaqueana, é denominado “recuperando”, consoante a perspectiva da necessidade – e assumindo, portanto, a possibilidade – de reversão do seu quadro de anti-sociabilidade. Sem descuido da finalidade repressiva, objetiva a APAC a humanização carcerária, condição sem a qual a repressão torna-se inócua (como sói acontecer).

Dessa forma, busca-se com a humanização da punição potencializar a consecução de seu próprio objetivo, qual seja, tornar, após a pena privativa de liberdade, desnecessária uma ulterior intervenção e o indivíduo apto a conviver em sociedade. Dá-se tal desiderato mediante a observância de 12 elementos que constituem a coluna vertebral do método.

2.1 Os doze elementos do método

Funda-se a APAC no pressuposto da recuperabilidade do delinqüente desde que seja realizado um adequado tratamento, cujos doze elementos fundamentais são: 1) Participação da comunidade; 2) Recuperando ajudando recuperando; 3) Trabalho; 4) Religião; 5) Assistência jurídica; 6) Assistência à saúde; 7) Valorização humana; 8) Família; 9) O voluntariado e sua formação; 10) Centro de Reintegração Social; 11) Mérito do recuperando; 12) Jornada da Libertação com Cristo.

Conforme supracitado, o controle social formal – mais propriamente, a pena privativa de liberdade – deve atentar-se à interação do recluso às instâncias formais como meio de promover uma adequada ressocialização. As penitenciárias têm falhado em seu propósito por padecerem de máculas estruturais, além das específicas da realidade brasileira.

Nesta toada, a dissipação das mazelas prisionais tradicionais é agenciada pelo rompimento da austeridade característica das penitenciárias. Na APAC, o recuperando é chamado pelo nome e tem sua pena devidamente individualizada, contando com assistência médica, jurídica, psicológica e espiritual. A escolarização e a laborterapia não somente minam o ócio como contribuem para o desenvolvimento educacional do recluso. Conta a APAC, ainda, com um número reduzido de recuperandos, de modo a facilitar o controle e a individualização e evitar indisciplina, corrupção, tráfico e violência.

É perceptível, como bem demonstra seus doze elementos fundamentais, a preocupação do método APAC com a inclusão do recluso às instâncias de controle social informal, de maneira que nele se desperte o respeito às normas de convívio em comunidade. Com destaque, e a seguir analisados, tem-se a família, a religião, o trabalho e participação comunitária.

2.2 Família, trabalho e religião

O controle social informal tem por componentes fundamentais a família, o trabalho e a religião, esferas de inter-relações que contribuem sobremaneira para o comportamento do indivíduo em sociedade.

A APAC dá atenção especial à família, “estrutura que atravessa e anima a sociedade inteira” (MENDRAS, 2004, p. 258), instância mais básica de controle social, havendo todo um esforço para a manutenção do seu encontro e contato com o recuperando. A atenção ao núcleo familiar é devida e necessária, sendo este um pilar da ressocialização e significativo incentivo para que não haja fuga, rebeliões ou conflitos. “O convívio respeitoso com as pessoas que o rodeiam significa também esperança. Na maioria das vezes, os familiares dos presos alimentam-no de ideias de que o estão aguardando quando retornarem à sociedade.” (MINAS GERAIS, 2011, p. 45)

Além disso, o retorno do recluso a um ambiente desestruturado representa um fator de contribuição para seu reingresso na marginalidade, razão pela qual seu papel de socialização e de suporte afetivo são fundamentais no processo ressocializatório.

O trabalho, por sua vez, é instância capital de inclusão social, um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito (CRFB/1988, art. 1°, IV), sendo para o condenado “dever social e condição de dignidade humana” (Lei n° 7.210/1984, Lei de Execução Penal, art. 28). Nesse sentido, trata-se de um instrumento basilar para a concretização da dignidade do preso, resgata sua auto-estima e desperta-lhe sentimento de utilidade. A qualificação profissional deve ser, portanto, parte inolvidável da Execução Penal, uma vez tratar de condição mister para a estabilização socioeconômica do egresso.

A religião, presente em todas as sociedades, desempenha um papel de ímpar relevância no método APAC, não só por estar no centro de sua gênese, mas por representar a preocupação com a reforma moral do condenado. A preparação para que o indivíduo torne-se capaz de prosseguir sua vida sem o cometimento de delitos será tão mais eficaz quanto maior atuar em seu âmago o respeito pelas normas, pela sociedade e, em último nível, pelo próximo – ideais que encontram na religião importante aliado. Através de Deus é possível que o recluso tenha contato com a ideia de amor e aceitação incondicional, favorecendo sua reforma espiritual e a descoberta de valores transcendentais.

Família, trabalho e religião são, portanto, os mais importantes campos de relação do indivíduo em sociedade e as mais significativas esferas de controle social informal, domínios privilegiados pela metodologia apaqueana que, estando o indivíduo apto e adaptado a atuar, representarão pujante influência no comportamento do indivíduo.

2.3 Relação cárcere-sociedade

Destaca a LEP, em seu art. 4°, a conclamação da sociedade a participar da execução penal e, consequentemente, da reintegração social, numa sistemática relativamente nova no que concerne ao processo de ressocialização: “O Estado deverá recorrer à cooperação da comunidade nas atividades de execução da pena e da medida de segurança”. Apesar do discurso, a própria sociedade já espera a não ressocialização, como a indelével estigmatização comprova. “A sociedade que os enclausurou, sob o pretexto hipócrita de reinseri-los depois em seu seio, repudia-os, repele-os, rejeita-os” (SILVA, 1991, p. 19).

 O comportamento do indivíduo é influenciado sobremodo pelas expectativas que dele se têm. Este fenômeno é chamado, por Robert K. Merton (1970), de “profecia que se cumpre a si mesma”. Assim, ao atuar de maneira estigmatizante o sistema ratifica e contribui com a perpetuação do comportamento desviante. Assim, para o alcance de seu fim, a pena privativa de liberdade precisa transcender a sua lógica de praxe, entre quem exclui e quem é excluído. Aclara Baratta que a reintegração social “requer a abertura de processo de interações entre o cárcere e a sociedade, no qual os cidadãos recolhidos no cárcere se reconheçam na sociedade externa e a sociedade externa se reconheça no cárcere” (SÁ, 2010, p. 46).

Reconhecer-se como participante legítimo da sociedade é condição necessária para a ruptura com o quadro de marginalidade em que estão inseridos considerável parte dos condenados. Sua co-responsabilidade é importante, necessitando perceber-se peça fundamental de seu próprio processo ressocializatório. Nesse viés, a integração entre reclusos e sociedade é trabalhada sob diversos aspectos. Nota-se, por exemplo, a ausência de agentes policiais e penitenciários nas APACs, cabendo aos recuperandos significativa responsabilidade na gestão do estabelecimento prisional.

Desse modo que se insere a participação da comunidade e o voluntariado como elementos fundamentais do método, rompendo com o paradigma excludente e estigmatizante do tratamento prisional de sempre, coadunando com a esperança do condenado de se enxergar ator legítimo das relações sociais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A implementação das APACs tem efeito no delinquente, humanizando seu tratamento e promovendo condições para que se reintegre à sociedade; na delinqüência, uma vez que atenua significativamente a taxa de reincidência; e na sociedade, modificando a visão do processo de execução penal e da pena, contribuindo para a compatibilização do cárcere com o Estado Democrático de Direito.

Do ponto de vista axiológico, a APAC não difere do já preceituado legalmente. Basta perceber que os princípios que a regem já podem ser encontrados no ordenamento jurídico, particularmente na Lei de Execução Penal e na CRFB/1988. No entanto, revoluciona a gestão da execução penal e rompe com a maneira tradicional com que é cumprida a pena, notadamente fornecendo condições para que o recuperando torne-se capaz de respeitar o convívio social e de se integrar à sociedade.

Assim, tendo o controle social por objetivo a manutenção da vida em sociedade, a atuação de seus mecanismos sancionatórios deve tornar o indivíduo apto a tal, processo esse que será tão mais eficaz quanto maior for a integração do indivíduo com os instrumentos informais de interação social e menor se fizer necessária a intervenção formal. O método APAC, mediante valorização humana conglobante, tem em seus elementos fundamentais e operacionais justamente a promoção e desenvolvimento desses laços sociais.

REFERÊNCIAS

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ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Manual de direito penal brasileiro : volume 1 : parte geral. – 9. ed. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.

Sobre os autores
Ionete de Magalhães Souza

Graduada em Direito e Pós-Graduada lato sensu pela Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes. Pós-Graduada stricto sensu - Mestrado em Direito - Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC (2001) e Doutorado em Direito - Universidad del Museo Social Argentino (2013). Professora de Graduação e Pós-Graduação da Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes. Advogada.

Informações sobre o texto

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