Limitações administrativas

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Sumário: a. Conceito; b. Natureza jurídica; c. Fundamentos; d. Sujeitos ativo e passivo; e. Conteúdo; f. Distinção entre limitação e servidão administrativas; g. Distinção entre limitação administrativa e direito de vizinhança

Sumário: a. Conceito; b. Natureza jurídica; c. Fundamentos; d. Sujeitos ativo e passivo; e. Conteúdo; f. Distinção entre limitação e servidão administrativas; g. Distinção entre limitação administrativa e direito de vizinhança; h. Limitações no âmbito do direito urbanístico e do direito ambiental; i. Limitação administrativa e direito adquirido; j. Indenização.

a. Conceito

A definição de limitação administrativa mais difundida entre os juristas pátrios, por razões que dispensam comentários, é a do prof. Hely Lopes Meirelles, pelo que transcrevemos:

“Limitação administrativa é toda imposição geral, gratuita, unilateral e de ordem pública, condicionadora do exercício de direitos ou de atividades particulares às exigências do bem-estar social”[2].

Analisemos o conceito dado, item por item, para se poder entender bem o significado de forma didática.

Quando o autor fala em imposições gerais, quer dizer que a norma que veicula tais limitações não atinge pessoas determinadas, mas uma quantidade apenas determinável, que se enquadre na hipótese-modelo descrita pela lei. Esta é, pois, uma forma de se identificar a limitação administrativa, que será sempre veiculada através de normas dotadas de generalidade (leis ou atos administrativos normativos, em sua opinião).

Ousamos discordar, todavia, da doutrina exposta pelo mestre ausente e por aqueles que o acompanham nesta lição, quando afirmam a possibilidade de atos administrativos de caráter geral imporem limitações administrativas. À vista do que dispõe o art. 5.ºII da CRFB/88, parece-nos que somente a lei (formal) poderá veicular uma limitação ao direito de propriedade[3].

Mesmo que se encontrem atos administrativos gerais repetindo regras já constantes de lei formal, não se poderá dizer que impuseram limitação ao direito de propriedade, posto que não tem a Administração Pública poderes tão amplos.

Uma coisa é a imposição da limitação administrativa e outra é a atuação da Administração Pública no sentido de compelir o particular a se ajustar aos limites impostos pela lei. Essa distinção foi perfeitamente ressaltada pelo Desembargador Bandeira de Mello, do Tribunal de Justiça de São Paulo, no julgamento do Agravo de Petição n.º 88.128, já em 15.10.1958:

“Limitações ao direito de construir. Zoneamento. Poder de Polícia. Delegação de poderes. Ao legislativo cabe impor as normas gerais do zoneamento e ao Executivo compete a sua atuação em concreto”[4].

No mesmo sentido tem sido o entendimento do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Veja-se, a propósito o seguinte trecho do Acórdão da 1.ª Câmara Cível:

“Ação Civil Pública. Anulação de Licença para construir. Limitação Administrativa. Sede legislativa. Inocorrência.

A regra inscrita no Dec. Municipal 3046/81 que veda o parcelamento dos terrenos onde se tenham estabelecido clubes configura limitação administrativa que, por sua natureza restritiva do direito de propriedade, somente poderia ser instituída por lei...”[5].

Essa também a posição do Supremo Tribunal Federal, o que se afirma com base no Acórdão que julgou o Recurso Extraordinário n.º 93.167-RJ, em que a 1.ª Turma equiparou a declaração de área non aedificandi por decreto a uma desapropriação indireta, embora não tenha conhecido do recurso por questões processuais[6].

Por esta razão, parece-nos lícito afirmar que a expressão limitação administrativa não é própria para designar o instituto em apreço, posto que a Administração Pública não pode fazer outra coisa senão fiscalizar o cumprimento da norma legal. A limitação é sempre fruto da atividade legislativa. Não obstante, continuaremos a utilizar essa expressão pois já está mais do que consagrada.

No que toca à gratuidade, o que se afirma é que a imposição de limitações administrativas não enseja o pagamento de indenização por parte do Estado ao administrado atingido pelo comando normativo limitador. Aliás, essa é a regra geralmente aplicável a todas as formas de intervenção branda na propriedade. Sobre o tema, falaremos mais detidamente em tempo oportuno.

A unilateralidade está a indicar a imperatividade do ato que impõe a limitação administrativa, não se submetendo à vontade do proprietário, que simplesmente se sujeita àquela prescrição. O Estado se utiliza, aqui, do seu jus imperium.

Por fim, é de se reconhecer que a expressão ordem pública, conforme lição da prof. Maria Sylvia Di Pietro[7], está a indicar, além dos limites propriamente ditos, impositores de deveres negativos (non facere pati), limites impróprios, que se traduzem em deveres positivos, impostos com vistas a conformar a ordem econômica e social.

No que toca à referência genérica feita pelo insigne administrativista acondicionamento de exercício de direitos ou de atividades, é de se admitir que essa parte da definição nos levaria a crer que a dimensão em que as limitações administrativas operam é mais larga do que a das intervenções do Estado na propriedade. Entretanto, preferimos entender essas atividades a que se refere o conceito transcrito como partículas do direito de propriedade, que, dentre outros elementos, está a abarcar o poder de uso do bem. As demais limitações estariam incluídas no âmbito mais amplo do poder de polícia (lato sensu). Este o nosso pensamento.

Particularmente, preferimos expressar conceitos através de idéias explicitadas ao longo de um texto ordenado, sem a preocupação de reunir todos os caracteres do instituto analisado em uma única sentença. Isto porque nela pode não caber todas as informações necessárias à plena compreensão do que se pretende definir.

Portanto, em que pese todo o brilhantismo do autor citado e de sua definição, desenvolveremos um pouco mais o tema em apreço ao longo dos sub-itens que se seguem, esmiuçando o quanto esse tipo de trabalho permite.

b. Natureza jurídica

Para ser coerente com o que se disse acima, devemos encarar as limitações administrativas como espécies de manifestação do poder de polícia em sentido amplo, já que incidem especificamente sobre a propriedade ou atividades que possam ser desenvolvidas nelas (ou com elas).

Celso Antônio Bandeira de Mello define Polícia Administrativa como “a atividade da Administração Pública, expressa em atos normativos ou concretos, de condicionar, com fundamento em sua supremacia geral e na forma da lei, a liberdade e a propriedade dos indivíduos, mediante ação, ora fiscalizadora, ora preventiva, ora repressiva, impondo coercitivamente aos particulares um dever de abstenção (non facere) a fim de conformar-lhes os comportamentos aos interesses sociais consagrados no sistema normativo”[8].

Se restringimos o alcance desse enunciado ao âmbito do direito de propriedade, poderemos enxergar a definição de limitação administrativa. Aliás, é o que o mesmo autor faz, linhas à frente, quando se refere às limitações administrativas como forma de expressão do Poder de Polícia[9].

No mesmo sentido parece se expressar Lúcia Valle Figueiredo, para quem “a noção de ‘poder de polícia’ sempre foi ligada à idéia de limitações ou restrições à liberdade e à propriedade”[10].

Diferentemente, entretanto, José dos Santos Carvalho Filho entende que a natureza jurídica das limitações administrativas é a de leis ou atos administrativos de caráter geral que dão o contorno do próprio direito de propriedade. E coloca o ilustre prof. Da Universidade Estácio de Sá o Poder de Polícia como fundamento dessa forma de intervenção do Estado na propriedade[11]. Com isso, o que parece pretender destacar o autor citado é o tipo de ato que veicula as limitações.

c. Fundamentos

Como tivemos a oportunidade de verificar ao longo dos dois primeiros itens, o conteúdo do direito de propriedade se alterou bastante do Estado liberal até os nossos dias, passando a admitir a intervenção do Poder Público para garantir a supremacia do interesse público e do interesse social, mais amplos do que o interesse privado.

Constituição da República não faz referência expressa às limitações administrativas. Entretanto, o princípio implícito da supremacia do interesse público, de um lado, e a enunciação da função social da propriedade (art. 5.ºXXIII e art. 170,III, ambos da CRFB/88), de outro, estão a indicar os fundamentos para qualquer tipo de intervenção do Estado na propriedade, inclusive das limitações genéricas.

José dos Santos Carvalho Filho erige à qualidade de fundamento das limitações administrativas o poder de polícia, inerente à Administração Pública[12]. Entretanto, preferimos entender as limitações à propriedade como espécie de manifestação do poder de polícia, pelo que este não pode se nos afigurar como fundamento daquelas.

d. Sujeitos ativo e passivo

As limitações administrativas poderão ser impostas por qualquer ente da Federação, respeitadas as respectivas competências legislativas.

Assim, vg., se a limitação for imposta com o intuito de conformar o exercício do direito de propriedade ao desenvolvimento da política urbana local, que é competência reservada aos municípios (CRFB/88, art. 182), somente a estes será dado o poder de estipular tais normas.

De outra forma, se a limitação for imposta com vistas a defender a incolumidade do meio ambiente, por exemplo, caberá a todos os entes tal mister (CRFB/88, art. 225), respeitada a amplitude do interesse tutelado, conforme seja local (municípios), regional (estados) ou nacional (União).

Urge destacar, nessa oportunidade, que a jurisprudência tem reconhecido aos particulares, quando beneficiados pela norma legal, legitimidade ad causam ativa para propositura de ação de preceito cominatório fundada em violação às limitações administrativas incidentes sobre o direito de construir[13]. Confira-se, a título de exemplo, a seguinte decisão da 2.ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro no julgamento do Agravo de Instrumento n.º 1996.002.05310:

“Ação de preceito cominatório. Remoção de favela da via pública. Legitimidade ativa ‘ad causam’ do proprietário de terreno adjacente. Pedido juridicamente possível. As limitações administrativas ao direito de construir - e consequentemente aos demais direitos - geram direitos subjetivos aos particulares interessados na sua observância, habilitando-os a pedir a demolição de obras vedadas por lei, ou a impedir atividades ilegítimas, mas toleradas indevidamente pela Administração. Desprovimento do recurso”[14].

Quanto ao sujeito passivo, tendo em vista a generalidade que caracteriza a limitação administrativa, este será integrado por pessoas indeterminadas, mas determináveis. Assim, todos os proprietários que tiverem seus bens enquadrados no tipo estabelecido pela lei impositora da limitação serão os sujeitos passivos.

Importante atentar para o fato de não se poder dizer que o pólo passivo dessa relação jurídica é integrado pelas propriedades atingidas pela intervenção, posto que a ciência do direito é profundamente antropocentrista e não admite que uma relação jurídica seja estabelecida entre pessoa e coisa.

Por fim, é de se mencionar que entes públicos também poderão ser atingidos pelas limitações administrativas. É que a idéia de Estado de Direito, e o nosso é mais do que isso, submete a todos, independente de ser pessoa de direito público ou privado, ao império da lei, inclusive a si mesmo.

Foi neste sentido a decisão da 3.ª Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Estado de São Paulo, no julgamento do Agravo de Petição n.º 2.332, julgado em 11.01.1938:

“Estão sujeitas às posturas municipais as edificações do poder público, ainda mesmo da União, e, com maioria de razão, as obras projetadas pelos simples concessionários de seus serviços”[15].

e. Conteúdo

Neste tópico, trataremos das formas de limitação possivelmente encontradas no Direito pátrio. Vale dizer, em que tipos de comandos se traduzem essas limitações. Podemos adiantar que a doutrina se divide em duas correntes.

Celso Antônio Bandeira de Mello entende que as limitações administrativas só podem assumir a forma de um non facere, não sendo possível equiparar a essa espécie de intervenção do Estado na propriedade as sujeições (pati), que impõem dever de suportar e os encargos (facere), que impõem deveres positivos aos proprietários[16].

No mesmo sentido é a lição de Fábio Barbalho Leite, que faz distinção entre limitações administrativas e condicionamentos administrativos. Aquelas só implicariam em restrições de não-fazer, enquanto estes poderiam, além das limitações, abranger obrigações de fazer (encargos) e de suportar (sujeições)[17]. Em sua concepção, pode-se dizer, a relação estabelecida entre os institutos seria a de gênero e espécie.

Não nos parece, entretanto, haver razão para essas distinções. O argumento geralmente utilizado é no sentido de que o termo limitação dá a entender imposição de deveres negativos (non facere). Mas não é esse o significado emprestado ao termo pelo Direito Administrativo. O que se quer evidenciar com a utilização do termolimitação é a ausência de uma liberdade total do proprietário em relação à destinação a ser dada ao bem colocado sob o seu domínio. E essa limitação pode se expressar sob forma de deveres negativos (non facere ou pati) ou de deveres positivos (facere).

Maria Sylvia Di Pietro nos adverte de que no mais das vezes as limitações correspondem a obrigações de não fazer. Mas, “examinando-se os casos concretos, verifica-se que em muitos deles, embora haja obrigação negativa de não colocar em risco a segurança, a saúde, a tranqüilidade pública, na realidade a obtenção desses fins depende de prestação positiva por parte do proprietário”[18].

Não é por outra razão que José dos Santos Carvalho Filho conceitua as limitações administrativas como “determinações de caráter geral, através das quais o Poder Público impõe a proprietários indeterminados obrigações positivas, negativas ou permissivas...”[19].

No mesmo sentido as lições de Diógenes Gasparini, para quem “são as limitações administrativas preceitos de ordem pública (não admitem acertos ou composições sobre seus respectivos conteúdos) que se concretizam sob as três modalidades seguintes: positivanegativa e permissiva”[20].

Também Hely Lopes Meirelles, que em nota de rodapé faz a seguinte observação:

“Alguns autores menos atualizados com o Direito Administrativo se recusam a admitir possa o Poder Público impor obrigações de fazer aos particulares, só admitindo as limitações administrativas consistentes em não fazer e deixar fazer. Tal entendimento está superado. As normas administrativas tanto podem impor obrigações negativas, como permissivas e positivas aos particulares”[21].

Portanto, não resta dúvida de que as limitações poderão se externar de três formas. E, para confirmar essa verdade, citem-se os exemplos dados por M. S. Z. Di Pietro: “as obrigações de adotar medidas de segurança contra incêndio ou medidas impostas por autoridades sanitárias, ou, ainda, a obrigatoriedade de demolir um prédio que ameaça ruína”[22].

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f. Distinção entre limitação e servidão administrativas

Resolvemos abrir um item neste opúsculo para tratar dos pontos que distanciam as limitações das servidões administrativas. E a razão determinante dessa iniciativa é a dicotomia existente na doutrina sobre o tema e algumas confusões jurisprudenciais ressaltadas pelos estudiosos do assunto.

Antes de iniciar, entretanto, essa diferenciação, vejamos o que se deve entender por servidão administrativa, no conceito do prof. Diógenes Gasparini, para quem não é outra coisa senão “o ônus real de uso imposto pelo Estado à propriedade particular ou pública, mediante indenização dos efetivos prejuízos causados, para assegurar o oferecimento de utilidades e comodidades públicas aos administrados”[23].

Como a imposição de servidão administrativa confere ao Estado direito real de uso sobre a coisa, salta aos olhos que dependerá de um ato concreto, que individualize o bem sobre o qual recairá. Este o ponto nuclear que distingue um instituto do outro, sobre o que não há controvérsias. Mas não é só isso.

Enumeramos quatro características que diferenciam as duas modalidades de intervenção do Estado na propriedade. Vejamos:

“Primeiramente, no caso das limitações, alcança-se toda uma categoria abstrata de bens ou, pelo menos, todos os que se encontrem em uma situação ou condição abstratamente determinada: nas servidões, atingem-se bens concreta e especificamente determinados.

Em segundo lugar, nas servidões administrativas há um ônus real, de tal modo que o bem gravado fica num estado de especial sujeição à utilidade pública, proporcionando um desfrute direto, parcial, do próprio bem, singularmente fruível pela Administração ou pela coletividade em geral.

Em terceiro lugar, nas servidões há um pati, ou seja, uma obrigação de suportar, ao passo que nas limitações há um non facere, ou seja, uma obrigação de não fazer.

Finalmente, se tanto uma quanto outra podem se originar diretamente da lei, toda vez que uma propriedade sofre restrições em decorrência de ato concreto da Administração, estar-se-á diante de uma servidão”[24].

Embora tal posicionamento reflita o pensamento de importante parte da doutrina, especialmente do prof. Celso Antônio Bandeira de Mello[25], ousamos discordar dele em dois pontos específicos.

Primeiramente, como já tivemos a oportunidade de expor anteriormente (item II, 2, A, a), acreditamos que as limitações administrativas podem se apresentar como imposições de deveres negativos, estes assumido a feição de um non facere ou de um pati, ou como deveres positivos, traduzindo-se em um facere. Não voltaremos à justificação dessa posição, pelo que remetemos o leitor ao ponto indicado.

Em segundo lugar, entendemos que, por ser uma imposição específica e concreta, a servidão administrativa nunca poderá decorrer diretamente da lei, que tem como características essenciais a abstração e a generalidade[26]. Haveria, aí, em nosso modo de ver o problema, uma incompatibilidade invencível.

Ademais, é de se observar que o art. 40 do Decreto-lei n.º 3.365/41, que figura como fundamento legal das servidões administrativas, determina que a sua forma de imposição será a mesma utilizada para a desapropriação por utilidade pública, de modo que a norma que a veiculará será um decreto (via de regra).

Dessa forma, a título ilustrativo, podemos dizer que a norma contida no art. 12 do Decreto n.º 24.643/34 (Código de Águas) está a instituir uma limitação administrativa, ao contrário do que afirma o prof. Celso Antônio Bandeira de Mello[27], embora o próprio dispositivo legal se refira a servidão. Confira-se a sua redação, ipsis litteris:

“Art. 12 - Sobre as margens das correntes a que se refere a última parte do n.º 2 do artigo anterior[28], fica somente, e dentro apenas da faixa de 10 metros, estabelecida uma servidão administrativa de trânsito para os agentes da administração pública, quando em execução de serviço”.

Repare que o dispositivo de lei transcrito não especifica que imóvel ou que margens são atingidas pela dita servidão (que, em verdade é uma limitação administrativa), estabelecendo, isto sim, um tipo, vale dizer, um modelo legal. Os proprietários de imóveis que tiverem seus imóveis enquadrados naquele padrão serão os destinatários da referida norma.

Não resta dúvida, assim, de que a generalidade e a abstração marcam aquela norma, que institui, então, uma limitação administrativa e não uma servidão administrativa.

A jurisprudência tem rechaçado, inclusive, a possibilidade de lei sem caráter de generalidade instituir limitações administrativas. Veja-se o seguinte Acórdão da 4.ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:

“Desapropriação indireta. Dispositivo de lei, sem o caráter de generalidade, que proíbe de edificar em terreno urbano, adquirido por empresa que presta serviços de engenharia, destinando-o a projeto especial de urbanização, assume a configuração de desapropriação indireta, não se incluindo entre as limitações administrativas. (...)”[29].

Outrossim, é de se questionar, à vista do disposto no art. 167, I, n.º 6 da Lei n.º6.015/73, qual seria o título autorizativo da transcrição da servidão administrativa, como direito real sobre bens imóveis, no caso ora analisado, se não é determinado o bem atingido pela norma citada. Também sob este aspecto, torna-se insustentável a possibilidade de lei instituir diretamente uma servidão administrativa.

Diferentemente ocorre com o disposto no art. 120 do mesmo Decreto n.º 24.643/34, que tem a seguinte redação:

“Art. 120 - A servidão que está em causa será decretada pelo Governo, no caso de aproveitamento das águas, em virtude de concessão por utilidade pública; e pelo juiz, nos outros casos”.

Repare que o dispositivo fala em “decretada pelo Governo”, sendo esta a ocasião em que dever-se-á especificar que imóvel está sendo atingido pela servidão (esta sim uma autêntica servidão).

Diante do exposto, parece lícito afirmar que, enquanto as limitações administrativas decorrem diretamente da lei, as servidões, embora dela necessitem para existir, somente serão instituídas por ato administrativo concreto, que especifique o sujeito passivo da intervenção. E, por outro lado, poderão as limitações impor um non facere, um pati ou um facere, enquanto as servidões somente impõem um pati. Quanto aos demais itens diferenciadores dos dois institutos, não opomos qualquer opinião contrária.

Só para que não pareçam pretensiosas demais essas considerações, por estarem opondo-se às lições de mestres tão consagrados e respeitados no âmbito do Direito Administrativo, lembramos que essa também é a opinião de J. S. Carvalho Filho, que assim se manifesta:

“Não consideramos legítima a forma de instituição de servidões administrativas através de lei, como o fazem alguns autores. As servidões são instituídas sobre propriedades determinadas, o que não ocorre com a lei, que estabelece o direito de uso sobre propriedades indeterminadas”[30].

Evidencia o autor que as servidões, por terem natureza jurídica de direito real, deverão ser inscritas no RGI através de escritura pública, quando houver concordância por parte do proprietário com a declaração de utilidade pública de seu imóvel, ou de sentença, a ser obtida através de processo judicial que fluirá de acordo com o rito estabelecido para as Ações de Desapropriação, de acordo com o disposto no art. 40 do Decreto-lei n.º 3.365/41.

g. Distinção entre limitação administrativa e direito de vizinhança

Como tivemos a oportunidade de verificar anteriormente, as limitações administrativas têm como fundamento o interesse público e/ou o interesse coletivo, que se sobrepõem aos interesses meramente individuais. À vista de um conflito entre esses interesses de diferentes graus de relevância, haverão de prevalecer os interesses público e social.

No âmbito da propriedade, tal conflito resultará numa das formas de ingerência do Estado no domínio privado, quer restringindo, quer suprimindo parte do patrimônio particular.

De outra forma, os limites impostos pelo direito privado, que configuram normas de vizinhança, estão a proteger interesses iguais, entre particulares, sem que um tenha prevalência sobre o outro, razão pela qual se diz que aí não existe verdadeiramente uma restrição ao direito de propriedade, mas uma identificação de seu âmbito de atuação, para que não se prejudique igual direito de outrem.

Tais considerações podem ser decisivas numa demanda em que, vg., um determinado Município tenha instituído pretensa limitação administrativa para defender não um interesse público ou social, mas um interesse privado, configurando verdadeira norma de vizinhança.

Obviamente que, em ocorrendo essa hipótese, tal norma será inconstitucional, posto que cabe exclusivamente à União legislar sobre direito civil, ex vi do disposto no art.22I da CRFB/88. E, conseqüentemente, não prevalecerá a limitação imposta.

Neste sentido é que o prof. Diógenes Gasparini diz não poder “prevalecer a limitação que impede a construção de motel ou drive-in, com a finalidade de prestigiar a política da Igreja”[31].

Esta é, então, a mais importante conseqüência prática que se pode verificar a partir da distinção do que seja limitação administrativa e direito de vizinhança.

h. Limitações administrativas no âmbito do direito urbanístico e do direito ambiental

Embora a história nos dê conta de longínquas preocupações com o desenvolvimento e crescimento ordenado das cidades, foi principalmente no século XX deste milênio que surgiu a necessidade mais premente de valorização do urbanismo[32], como técnica de organização e planejamento dos grandes centros.

Num primeiro momento, o urbanismo concentra suas preocupações nos centros urbanos, buscando o melhor posicionamento das ruas, edifícios, repartições públicas, indústrias, comércio e residências. Entretanto, como alerta Toshio Mukai[33], a partir da obra de Ebenezer Howard (garden Cities of tomorrow), as atenções passam a se voltar, também, para o campo, além do aspecto relacionado à qualidade de vida. Deste modo, o urbanismo ganha dimensões mais amplas.

Neste sentido, um direito urbanístico estaria profundamente relacionado com o direito ambiental. Por essa razão, embora esta última disciplina jurídica não se resuma aos aspectos em que se pode verificar essa intercessão, trataremos neste mesmo item dos dois âmbitos do direito em que mais vezes se manifestam as limitações administrativas. Aliás a legislação do Município do Rio de Janeiro não separa os dois tipos de intervenção.

A disciplina da política urbana no nosso País foi deferida principalmente aos municípios, conforme se depreende do art. 182 da Constituição da República[34]. E a figura principal do sistema normativo respectivo, a que fazem referência os §§ 1.º e 2.º do citado artigo da Magna Carta, é o Plano Diretor, que funciona como instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana.

No Município do Rio de Janeiro, o Plano Diretor, instituído pela Lei Complementar n.º16, de 04 de junho de 1992, se limita a fixar as diretrizes básicas que norteiam a atuação do Poder Público na ordenação do crescimento da Cidade. Deste modo, não serão encontradas no corpo dessa legislação as limitações administrativas, mas nos documentos normativos criados a partir dela.

Para se ter uma idéia, o art. 41 do citado diploma legal, com o fim de ordenar a ocupação do solo, divide o território municipal em três macrozonas: a) urbana, ocupadas ou já comprometidas com a ocupação pela existência de parcelamentos urbanos implantados ou em execução (§ 1.º); b) de expansão urbana, destinadas à ocupação, por necessárias ao crescimento da Cidade (§ 2.º); c) de restrição à ocupação urbana, com quatro tipos de destinação, a saber (§ 3.º): c.1) com condições físicas adversas à ocupação; c.2) destinadas à ocupação agrícola; c.3) sujeitas à proteção ambiental; c.4) impróprias à urbanização[35]. Entretanto, seria só com a edição de uma lei específica, que versasse sobre o uso e a ocupação do solo urbano, que tais limitações seriam instituídas, como se infere do disposto no art. 105 do Plano Diretor em questão, in verbis:

“Art. 105 - Para controle do uso e ocupação do solo, o Município será dividido em Zonas, que poderão conter, no todo ou em parte, Áreas de Especial Interesse”[36].

Essas zonas impõem a prevalência de uso adequado dos imóveis nelas situados, conforme sejam elas residenciais, industriais, comerciais e de serviços, de uso misto, de conservação ambiental ou agrícolas (art. 106, incisos I a VI).

Ocorre que a referida lei já existia. Era a Lei n.º 1.574/67, do Estado da Guanabara, editada em época em que a competência legislativa municipal estava concentrada nas mãos daquele ente político[37]. Esse o diploma legal responsável pelas limitações administrativas decorrentes do zoneamento do atual Município do Rio de Janeiro. Vejamos como funciona:

“Art. 13 - Em cada zona a terra e as edificações só poderão ser usadas para os fins especificados no ‘Quadro Geral de Uso da Terra’ (artigo 16) e suas regulamentações, através dos ‘Quadros Complementares de Uso da Terra’”.

Assim, vg., num imóvel localizado na zona industrial será considerado inadequado o seu uso para o desenvolvimento de atividades educacionais, como se infere do QGUT. Instituída está a limitação administrativa, pelo art. 16 do citado diploma legal.

De outra forma, será apenas tolerado o uso de imóvel destinado à exploração de atividades comerciais em zonas residenciais. Vale dizer, tais atividades só poderão ser exercidas nesses locais se cumprirem às exigências de intensidade, dimensão, forma, etc., a serem fixadas em regulamento[38].

Além da legislação de zoneamento, que vimos acima, o art. 81 do Plano Diretor do Município do Rio de Janeiro prevê a criação de um Código de Obras e Edificações, de um Código de Licenciamento e Fiscalização, de uma Lei de Parcelamento do Solo Urbano etc..

Também a Lei n.º 1.574/67 trata do parcelamento do solo urbano no Município do Rio de Janeiro. E teve como fonte material o Plano Diretor, que em seu art. 83 previu sua criação com o fito de regular o parcelamento, o remembramento e o desmembramento.

Vejamos um exemplo de limitação administrativa imposta pela legislação municipal sobre parcelamento do solo urbano:

“Art. 22 - A construção e a manutenção dos passeios dos logradouros dotados de meios-fios são obrigatórias em toda a extensão das testadas dos terrenos, edificados ou não, e serão feitas pelos respectivos proprietários, ressalvados os casos explicitamente definidos em regulamento”.

Note-se que a Lei (federal) n.º 6.766/79, que figura como norma geral sobre o tema, também contém normas impositoras de limitações administrativas, senão vejamos:

“Art. 3.º -...

Parágrafo único - Não será permitido o parcelamento do solo:

I - Em terrenos alagadiços e sujeitos a inundações, antes de tomadas as providências para assegurar o escoamento das águas;

II - Em terrenos que tenham sido aterrados com material nocivo à saúde pública, sem que sejam previamente saneados;

III - Em terreno com declivedade igual ou superior a 30% (trinta por cento), salvo se atendidas exigências específicas das autoridades competentes;

IV - Em terrenos onde as condições geológicas não aconselham a edificação;

V - Em áreas de preservação ecológica ou naquela onde a poluição impeça condições sanitárias suportáveis, até a sua correção”.

Repare que não só a legislação federal citada, em especial o inciso V, mas também a municipal estabelece limitações administrativas com vistas à proteção do meio ambiente, que foi classificado pela Lex Fundamentalis como bem comum do povo (art. 225, caput). Vejamos o que estabelece, a título exemplificativo, o art. 25, § 2.º, n.º 3 da já mencionada Lei n.º 1.574/67:

Art. 25 - A ninguém, pessoa física ou jurídica, é lícito efetuar, sem prévia autorização da repartição competente, o parcelamento do ou remembramento das áreas dos imóveis de sua propriedade, estendendo-se a interdição deste artigo aos concessionários ou permissionários de serviços públicos.

§ 1.º - Omissis.

§ 2.º - Embora satisfazendo às demais exigências desta lei, qualquer projeto de parcelamento ou remembramento poderá ser recusado ou alterado, total ou parcialmente, pelo órgão estadual competente, tendo em vista:

...

3 - a defesa das reservas naturais

Os tribunais do País também têm enfrentado questões que se referem às limitações impostas em defesa do meio ambiente. Veja-se, a propósito, a seguinte ementa, que resume contenda decidida pelo Acórdão da 6.ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná no julgamento da Apelação Cível n.º 62897900:

“Ação Civil Pública. Dano Ambiental. Propriedade Rural. “Reserva Florestal Legal”. Mata Ciliar. Preservação. Limitação administrativa ao uso da propriedade. Atual proprietário. Culpa. Irrelevância. Legitimidade passiva ad causam.

A existência legal, que traduz a proibição de desmatamento de parte da área florestada em cada propriedade rural, constitui limitação administrativa ao uso da propriedade, obrigando a todo proprietário rural, independente da averiguação da sua culpa pela degradação ambiental ou do estado em que se encontrava o imóvel ao tempo em que o adquiriu. Recurso Desprovido”[39].

Apreciados exemplos concretos de limitações administrativas das espécies mais freqüentes, analisemos, a partir de agora, alguns problemas que decorrem dessa modalidade de intervenção do Estado na propriedade.

i. Limitação administrativa e direito adquirido

Assunto que tem ocupado bastante o meio jurídico é o que se refere à possibilidade de se alegar direito adquirido ao exercício de determinada atividade quando a lei impõe, posteriormente à concessão de licença para tanto, limitação administrativa que se choca com a situação anterior.

Essa situação tem sido freqüente em locais onde se instalam grandes indústrias e, como conseqüência, pequenos povoamentos vão se formando nas periferias em razão dos empregos ofertados. O agravamento dos níveis de poluição começam a prejudicar a saúde da população e, então, o Poder Público resolve limitar as atividades, impondo inclusive, em determinados casos, a relocalização da empresa poluidora.

A alegação mais utilizada em favor das empresas é no sentido de não se justificar o atingimento dos que já possuem licença anterior para o exercício da atividade industrial pelo fato de as populações terem se formado posteriormente à instalação do estabelecimento, postulando, então, o reconhecimento do seu “direito de pré-ocupação”. Além disso, invocam obviamente o valor segurança jurídica, que fundamenta o disposto no art. 5.ºXXXVI da CRFB/88.

O Decreto-lei n.º 1.413/75 e a Lei n.º 6.803/80 não reconheceram o direito adquirido nessas hipóteses. E o fundamento dessas normas legais seria, no entendimento do prof. Paulo de Bessa Antunes, o fato de que a ninguém pode ser reconhecido o direito de poluir o meio ambiente[40]. Neste sentido, seria absolutamente legítima a retroatividade da norma em questão.

Ocorre que esse posicionamento não tem merecido acolhida no âmbito jurisprudencial, tendo sido predominante a idéia de que o direito de pré-ocupaçãodeve ser respeitado nessas hipóteses. Neste sentido foi a decisão do Tribunal de Alçada de Minas Gerais na Apelação Cível n.º 45.501-1, que teve como relator o Juiz Schalcher Ventura[41].

O certo é que a questão ainda está por merecer a qualificada análise do Supremo Tribunal Federal, que definirá o posicionamento jurisprudencial à luz do ordenamento constitucional pátrio.

De nossa parte, não emitiremos parecer contra ou a favor da tese do direito de pré-ocupação, pois ainda não foi por nós devidamente amadurecida a questão.

j. Indenização

No primeiro contato que se tem com o tema “intervenção do Estado na propriedade”, via de regra posterior às tradicionalistas lições de direito civil sobre o dominium, a perplexidade toma conta de nossa mente. A noção do absoluto direito de propriedade se esvai e os publicistas nos tentam mostrar porque não é mais bem assim.

Quando nos contam, então, sobre aquela evolução conceitual e passamos a aceitar isso que, inicialmente, nos parecia uma violência, a primeira indagação que nos vem é sobre a indenização pelo desfalque no patrimônio das pessoas atingidas. Ora, se uma ou algumas pessoas têm a sua propriedade limitada em favor do interesse público ou do interesse social, nada mais justo que tal ônus seja repartido por todos, como uma medida de respeito ao valor igualdade, núcleo do conceito de justiça, como já anunciado por Gustav Radbruch[42]. Daí se pensar, ipso facto, no direito à indenização.

E esse tem sido um importante argumento utilizado para fundamentar a tese do direito à indenização nessas hipóteses. Entretanto, na maioria das vezes, só tem encontrado acolhida nos casos de intervenção drástica do Estado na propriedade.

Via de regra o que se afirma é que, nas modalidades de intervenção branda, que são aquelas em que não há supressão do direito de propriedade, só será o particular indenizado se comprovar efetivo dano causado pela atuação estatal. Essa é a posição predominante na doutrina.

Com relação às limitações administrativas, especificamente, José dos Santos Carvalho Filho nos ensina que a inexistência do direito de indenização decorre do fato de a lei, que é seu veículo, por ser genérica e abstrata, não atingir uma propriedade determinada. Vejamos suas palavras:

“As normas genéricas, obviamente, não visam a uma determinada restrição nesta ou naquela propriedade. Abrangem quantidade indeterminada de propriedades. Desse modo, podem contrariar interesses dos proprietários, mas nunca direitos subjetivos. Por outro lado, não há prejuízos individualizados, mas sacrifícios gerais a que se devem obrigar os membros da coletividade em favor desta”[43].

Veja-se que, com isso, utiliza-se, ainda que implicitamente, o princípio da igualdade para fundamentar a tese contrária àquela utilizada anteriormente, que se vale, curiosamente, do mesmo valor jurídico-constitucional.

O que se tem admitido, por outro lado, é a possibilidade de uma intervenção drástica na propriedade se disfarçar de limitação administrativa para não gerar o dever do Poder Público de indenizar os atingidos pela norma. Isso ocorre quando a pretensa limitação retira do bem toda ou quase toda a possibilidade de utilização, anulando ou diminuindo significativamente o seu valor econômico.

Na prática, essa hipótese tem ocorrido com muita freqüência e os tribunais, nestes casos, têm abraçado a tese do dever de indenizar. Vejamos, a esse respeito, a seguinte decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:

“Desapropriação indireta. Área florestal abrangida por parque estadual de reserva ecológica. Vigilância permanente do Poder Público, privando o uso, gozo e livre disposição do bem. Indenização devida.

As limitações administrativas, como regra, não dão direito à indenização por serem de caráter geral, impostas com fundamento no poder de polícia do Estado, gerando para os proprietários obrigações positivas ou negativas, com o fim de condicionar o exercício do direito de propriedade ao bem estar social. Mas, se a pretexto de limitação administrativa ou tombamento, a Administração impõe à propriedade particular restrição que afeta integralmente o direito de uso, gozo e livre disposição do bem, tratar-se-á de desapropriação, à qual deve corresponder a devida indenização, sob pena de configurar-se o confisco. Assim, provado que a área de terras pertencente aos embargantes está incluída no Parque Estadual do Desengano e que, em razão disso, perderam o uso, gozo e livre disposição da mesma, impõe-se o dever de indenizar. Provimento dos embargos”[44].

O Supremo Tribunal Federal abraça esse entendimento, mas adverte para o fato de que, se a limitação administrativa é imposta anteriormente à data de aquisição do imóvel atingido pelo comando legal, não assistirá ao proprietário adquirente o direito de cobrar indenização do Estado, ainda que seja notado aquele esvaziamento do conteúdo econômico do bem. Vejamos a ementa do seguinte Acórdão, que julgou o Recurso Extraordinário n.º 140.436-SP:

“Constitucional. Administrativo. Civil. Limitação administrativa. Indenização.

I - Se a restrição ao direito de construir advinda da limitação administrativa causa aniquilamento da propriedade privada, resulta, em favor do proprietário, o direito à indenização. Todavia, o direito de edificar é relativo, dado que condicionado à função social da propriedade. Se as restrições decorrentes da limitação administrativa preexistiam à aquisição do terreno, assim já do conhecimento dos adquirentes, não podem estes, com base em tais restrições, pedir indenização ao poder público.

II - R. E. Não conhecido”[45].

Portanto, não nos parece suficiente afirmar, simplesmente, que as limitações administrativas não rendem direito à indenização. Não que isso esteja incorreto, mas ignora o fato de outras modalidades interventivas vestirem a roupa de limitação para liberar-se o ente político instituidor do dever de pagar a devida indenização peladesapropriação indireta.

[2] Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, 26.ª edição, Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 568. [3] Celso Antônio Bandeia de Mello anuncia esse entendimento, também, acerca das limitações administrativas (ob. Cit., p. 179). Entretanto, não podemos concordar com toda a sua exposição, pois entende que também as servidões administrativas podem decorrer diretamente da lei. Sobre essa questão, analisaremos com maior atenção no título próprio.

[4] RDA, vol. 60/228.

[5] TJRJ, 1.ª Câm. Cível, Rel. Des. Carlos Raimundo Cardoso, Apelação n.º 7.495/99, votação unânime.

[6] STF, 1.ª Turma, Relator Ministro Cunha Peixoto, Acórdão publicado no DJ em 15/05/81, p. 4431. Em tal decisão, utiliza-se, também, como fundamento o fato de tal intervenção ter comprometido a economicidade do bem.

[7] Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito Administrativo, 14.ª edição, Editora Atlas, 2004, p. 94.

[8] Celso Antônio Bandeira de Mello, Elementos de Direto Administrativo, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 1999, p. 176.

[9] Obra citada, p. 178.

[10] Lúcia Valle de Figueiredo, Curso de Direito Administrativo, 6.ª edição, Malheiros Editores, 2004, p. 194.

[11] José dos Santos Carvalho Filho, Manual de Direito Administrativo, 12.ª edição, Editora Lumen Juris, 2005, p. 492.

[12] Ob. Cit., p. 492.

[13] Entretanto, isso não autoriza a ninguém afirmar que o particular será, nestas hipóteses sujeito ativo da relação jurídica de direito material que se forma com a imposição das limitacãoes administrativas. Somente integrarão o pólo ativo da relação jurídica processual.

[14] TJRJ, 2.ª Câm. Cível, Rel. Des. Sérgio Cavalieri Filho.

[15] RT, vol. 113/639.

[16] Ob. Cit., p. 179.

[17] Ob. Cit., p. 158.

[18] Ob. Cit., p. 108.

[19] Ob. Cit., p. 491.

[20] Diógenes Gasparini, Direito Administrativo, Editora Saraiva, 2004, p. 293.

[21] Nota 38, localizada na obra citada, p. 568.

[22] Ob. Cit, p. 108.

[23] Ob. Cit., p. 297.

[24] José Maria Pinheiro Madeira, Reconceituando o Poder de Polícia, Editora Lumen Juris, 2000, p. 64.

[25] Ob. Cit., p. 179/180.

[26] Paulo Nader, Introdução ao Estudo do Direito, 18.ª edição, Editora Forense, 2004, p. 104.

[27] Vide nota 19 da obra citada, p. 179.

[28] Art. 11 - São públicos dominicais, se não estiverem destinados ao uso comum, ou por algum título legítimo não pertencerem ao domínio particular: 1.º - omissis; 2.º - os terrenos reservados nas margens das correntes públicas de uso comum, bem como dos canais, lagos e lagoas da mesma espécie. Salvo quanto às correntes que, não sendo navegáveis nem flutuáveis, concorrem apenas para formar outras simplesmente flutuáveis, e não navegáveis”.

[29] TJRJ, 4.ª Câm. Cível, Apelação n.º 6.605/94, votação unânime, Rel. Des. Marden Gomes.

[30] Ob. Cit, p. 481.

[31] Ob. Cit., p. 294.

[32] Como afirma Franck Moderne (in Propriedad Privada y Urbanismo, artigo publicado na Revista de Direito Público, vol. 87, p. 5), “El urbanismo choca naturalmente con la propiedad privada, en la medida en que pretende ser racional y disciplinar la ocupación del suelo”.

[33] Toshio Mukai, Direito e Legislação Urbanística no Brasil, Editora Saraiva, 2003, p. 3.

[34] Não obstante, o art. 21XX da CRFB/88 confere à União competência para estabelecer diretrizes gerais de desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos. E o art. 24 da mesma Carta diz ser de competência concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal legislar sobre direito urbanístico. A propósito, veja-se a ementa do Acórdão em que o Supremo Tribunal Federal julgou o Recurso Extraordinário n.º 101.331-PB: “Limitações ao direito de construir. A competência estadual para legislar sobre matéria urbanística que transcenda ao peculiar interesse local, não contraria as disposições constitucionais e legais sobre o direito de propriedade. Precedente do STF”.

[35] O inciso V foi vetado.

[36] As áreas de especial interesse são espaços delimitados da Cidade onde, independente da zona em que se situem (poderão, inclusive se sobrepor a mais de uma zona), o regime urbanístico será específico (art. 105§ 3.º da Lei Complementar n.º 16/92, do MRJ).

[37] Com a transferência da Capital do País para Brasília, em 1960, nasceu o Estado da Guanabara, posteriormente transformado em Município do Rio de Janeiro, quando da incorporação de seu território ao Estado do Rio de Janeiro, em 1975.

[38] O regulamento vigente no Município do Rio de Janeiro é o baixado pelo Decreto n.º 322, de 3 de março de 1976.

[39] TJPR, 6.ª Câm. Cível, Rel. Des. Telmo Cherem, AC n.º 628997900,.

[40] Paulo de Bessa Antunes, Direito Ambiental, Editora Lumen Juris, 2004, p. 102.

[41] Essa decisão foi citada pelo próprio Paulo de Bessa Antunes (ob. Cit., p. 104), que a qualifica de ultrapassada, citando duas outras, supostamente contrárias e mais recentes, do Tribunal de Alçada Cível de São Paulo, mas que na verdade não ferem o ponto decisivo da questão, de modo que não se pode dizer que estão renovando o posicionamento jurisprudencial acerca do tema.

[42] Gustav Hadbruch, Leyes que no son derecho y derecho por encima de las leyes, in Derecho injusto y derecho nulo, Aguilar, Madrid, 2002, p. 14.

[43] Ob. Cit., p. 493.

[44] TJRJ, II Grupo de Câmaras Cíveis, Rel. Des. Sérgio Cavalieri Filho, Embargos Infringentes na Apelação Cível n.º 4.324/90.

[45] STF, 2.ª Turma, Rel. Ministro Carlos Velloso, RE 140.436-SP.

Sobre os autores
José Maria Pinheiro Madeira

Mestre em Direito do Estado, Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais, Doutor em Ciência Política e Administração Pública. Curso de pós-graduação no exterior. Procurador do Legislativo (aposentado). Parecerista na área do Direito Administrativo. Examinador de Concurso Público. Membro Integrante da Banca Examinadora de Exame da Ordem dos Advogados do Brasil. Membro de diversas associações de cultura jurídica, no Brasil e no exterior. Professor Emérito da Universidade da Filadélfia. Professor-palestrante da Escola da Magistratura do Rio de Janeiro - EMERJ - Professor Coordenador de Direito Administrativo da Universidade Estácio de Sá. Professor da Fundação Getúlio Vargas. Professor integrante do Corpo Docente do Curso de Pós-Graduação em Direito Administrativo da Universidade Cândido Mendes, da Universidade Gama Filho e da Universidade Federal Fluminense. Membro Titular do Instituto Ibero-Americano de Direito Público. Membro Efetivo do Instituto Internacional de Direito Administrativo.

Luiz Paulo Figueiredo de Araújo

Bacharelando em Direito pela Universidade Estácio, Autor de Artigos Jurídicos, Cursando Pós-Graduação em Direito Público na Acadêmia Nacional de Juristas e Doutrinadores ANAJ. Kim Reis Gusmão Soares Bacharel em Direito pela Universidade Estácio, Autor de Artigos Jurídicos, Cursando Pós-Graduação em Direito Público e Penal. Frederico Rezende Bilheri, Especialização em Direito Público: Constitucional, Administrativo e Tributário, Especialização, MBA em Marketing Político e Comunicação Eleitoral, Doutor Honoris Causa pela Academia Nacional de Juristas e Doutrinadores.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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