Aspectos jurídicos dos rolezinhos, com profundidade na teoria do Direito e direitos fundamentais

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Hodiernamente, está em voga um dos assuntos mais polêmicos do final do ano de 2013 e início de 2014 e que ganhou o cenário nacional dos sociólogos, antropólogos, historiadores, juristas, entre outros profissionais.

Hodiernamente, está em voga um dos assuntos mais polêmicos do final do ano de 2013 e início de 2014 e que ganhou o cenário nacional dos sociólogos, antropólogos, historiadores, juristas, entre outros profissionais. No entanto, é no meio da sociedade que está ganhando vulto, haja vista a grande celeuma de discussões acerca da existência ou não de discriminação quando não se permite que jovens, principalmente da classe social mais pobre, possam se encontrar nos shopping centers com o fim de dar o famoso “ROLEZINHO”. Queremos dar um foco, até agora ainda não falado, sobre os aspectos jurídicos envolvidos por esse tema, notadamente aqueles de maior repercussão, qual seja, os direitos e garantias constitucionais dos empresários desses grandes centros de consumo e lazer e dos jovens que querem ali ter o acesso irrestrito para seus encontros e manifestações, a classificação desses direitos como absolutos ou relativos, o interesse público e o privado em jogo e a preponderância do primeiro e, por fim, a necessidade de se controlar toda a forma de exercício abusivo de qualquer direito.

Inicialmente, cumpre trazer à tona que os Shoppings Centers são propriedade privada dos empreendedores que o criaram com a finalidade, hoje em dia, múltipla, ou seja, vamos a um desses centros para consumirmos diversos produtos, executarmos alguns serviços de ordem privada, como um banco, por exemplo, e até mesmo, em alguns casos, serviços de natureza pública, como é o caso do denominado Rio Poupa Tempo, em alguns shoppings do Rio de Janeiro. Além disso, um dos maiores atrativos desses estabelecimentos são suas áreas de lazer com variada gama de opções para todas as idades.

Dessa forma, tais lugares são considerados propriedades privadas, porém de acesso público, como também o são as agências bancárias, os restaurantes, hotéis, etc. O direito de propriedade é elencado na Constituição da República de 1988 em seu artigo 5º, XXII, estabelecendo que tal direito foi garantido e protegido pelo Estado Democrático de Direito. Para o professor Gilmar Ferreira Mendes[1] há de identificar um conceito de propriedade adequado que permita assegurar a proteção do instituto. Assevera ainda que, tal direito por ser subjetivo, exige que se identifique uma densidade mínima apta a proteger as posições jurídicas contra qualquer intervenção ilegítima.

Assim sendo, o direito de propriedade, assim como o do livre exercício de qualquer profissão, este estatuído no art. 5º, XIII, de nossa Carta Política são os direitos dos empresários dos shoppings centers constitucionalmente protegidos e que, por vezes, estão sendo abalados pelos movimentos dos rolezinhos, pois em muitos dos casos que veremos, os jovens trouxeram badernas, violência e depredações, prejudicando o trabalho dos lojistas comerciantes, além de terem causado imensos estragos às instalações daqueles centros.

Por outro lado, e colocando exatamente em confronto com os direitos acima expostos, trazemos agora à lume os direitos dos jovens que podemos resumir como o direito de ir e vir, assim como o de livre manifestação do pensamento e o de reunião, todos preconizados no art. 5º, IV, XV e XVI da Constituição Federal.

De início, é cediço por todos que o fato de aqueles empreendedores terem o direito constitucional de propriedade garantido, não quer dizer que podem obstar o acesso das pessoas àqueles recintos, sem uma justificativa plausível (constitucional), sob pena de se violar o que está previsto no art. 3º, III e IV, de nossa Magna Carta, tendo em vista que o impedimento do acesso por algum dos motivos elencados nesses dois incisos vai de encontro aos objetivos fundamentais do Estado Democrático de Direito.

Dessa maneira, basta pensarmos que impedir o acesso aos shopping centers pelo mero motivo de um jovem ser de cor mais escura ou porque mora numa localidade mais afastada das grandes capitais, ou ainda, por motivo de credo, sexo, idade, entre outros, estaremos diante de formas ilegítimas do exercício do direito de propriedade, com explícita violação às normas constitucionais (direitos fundamentais) caracterizadoras de formas discriminatórias, podendo sofrer a devida intervenção judicial para que se restabeleça a lídima justiça e a paz social.

Nesse mesmo diapasão, temos que não há como os donos dos estabelecimentos empresariais cercearem os jovens de manifestarem publicamente seu pensamento, desde que não haja o anonimato, e também o seu direito de reunião, desde que seja esta pacífica e sem armas. No entanto, pelos direitos dos jovens acima demonstrados na sua forma mais simples, há de se fazer as devidas ressalvas, haja vista que nenhum direito e garantia fundamental é absoluto. E nesse momento há de se fazer alusão ao princípio da ponderação de valores também denominado de princípio da relativização, pois todos os direitos são relativos, não há direito absoluto, nem mesmo à vida, como veremos abaixo.

Começamos esse tópico trazendo a explicação de nossa última afirmação de que nem mesmo o direito à vida é absoluto, pois conforme está expresso no art. XLVII,a, da Constituição, pode-se ter a pena de morte em caso de guerra declarada. Esse exemplo é o mais citado pela doutrina constitucional para demonstrar que não existem direitos absolutos, ou seja, nenhum direito fundamental estará sempre acima de outro. Portanto, é possível enunciar que os direitos fundamentais não são absolutos e ilimitados, encontrando seus limites em outros direitos fundamentais, também consagrados pela Magna Carta do constituinte de 1988. É preciso que se faça, no caso concreto, a devida ponderação de valores para que se possa aferir qual vai prevalecer. Relativiza-se um direito para que se sobressaia outro e, dessa forma, chegue-se a uma decisão justa e equânime no referido caso concreto.

Façamos, então, uma ponderação dos valores presentes no referido conflito de princípios, em que de um lado temos a livre manifestação do pensamento, o direito de reunião e o de ir e vir. Do outro lado temos o direito de propriedade e o de exercício de qualquer trabalho. Como, então, chegar a uma decisão mais justa? É nesse ponto que temos de tornar hialino qual dos interesses deve prevalecer, nesse caso concreto, qual seja, o privado ou o público. Sempre que nos depararmos com tais interesses, é inolvidável que o público vai ter a proteção em detrimento do privado, porquanto está em jogo um interesse da coletividade que pode ser a ordem pública, o lazer ou a paz social, o que também veremos mais adiante em algumas decisões já proferidas por diversos tribunais de justiça estaduais com relação a esse assunto.

Dessa forma, foi verificado que em alguns dos rolezinhos, certo número de jovens praticaram atos de vandalismo, muitos tipificados como crimes, tais como: crime de dano, lesão corporal, formação de quadrilha, porte ilegal de arma, entre outros, o que, de plano, podemos verificar que houve a perturbação da paz e da ordem social. Portanto, fica fácil entender que, nessa hipótese, o interesse maior a ser preservado é a ordem social e jurídica, ou seja, o público, instando para que o Estado venha atuar de forma preventiva e repressiva, se necessário, através do uso de força policial, para que seja restabelecida a segurança e a paz social daqueles que se utilizam de tais espaços para o consumo e o lazer próprio e de sua família.

Em função do que se conseguiu esposar a respeito dessa verdadeira técnica de ponderação criada pelo ilustre Robert Alexy[2], concluímos que na colisão dos direitos fundamentais utilizar-se-á da aplicação do princípio constitucional fundamental da proporcionalidade, que concederá uma aplicação coerente e segura da norma constitucional, através de juízos comparativos de ponderação dos interesses envolvidos no caso concreto. Além disso, considera-se existir uma colisão autêntica de direitos fundamentais, conflito de direitos, quando o exercício de um direito fundamental por parte do seu titular colidir com o exercício do direito fundamental por parte de outro titular. Dessa forma, o juízo de ponderação se dá no plano do seu “peso valorativo” entre os princípios colidentes, que deverá ser ponderado não no plano da validade, como no caso do conflito entre regras. Por isso, essa regra da proporcionalidade não confere hierarquia absoluta de um princípio sobre outro, ao contrário assegura a aplicação das normas em colisão, onde uma delas fatalmente será preterida ou atenuada em prol da melhor justiça.

Outrossim, pelo que se consegue depreender de tudo até agora explanado, vê-se que o Estado Juiz tem de proteger os direitos e garantias fundamentais, mesmo que estes estejam em aparente conflito, visto que sua função é, entre outras, coibir toda a forma de exercício abusivo de qualquer direito, pois aqui podemos nos valer da máxima “ubifinis, alterum incipiat iudicium meum” (o meu direito termina quando começa o do outro). Assim sendo, há de se fazer o devido controle de toda forma excessiva de qualquer dos direitos aqui vistos, ou seja, não se pode conceber que os empresários donos dos shopping centers possuem o direito de barrar quem quer que seja, sem a devida causa justificante (transtorno à paz social, à segurança dos consumidores, à ordem pública e ao lazer da coletividade). Por outro lado, os jovens também não podem, a pretexto de exercerem seus direitos de ir e vir e o de livre manifestação do pensamento, usar dessas garantias para, na verdade, encobrir práticas delituosas repudiadas pelo Estado Democrático de Direito.

Por derradeiro, insta trazermos nesse momento final do texto, o entendimento dos tribunais estaduais acerca desse tema. Parece-nos, num primeiro momento ainda, pois os julgados são de primeira instância, que os magistrados estão adotando a referida técnica da ponderação dos interesses, haja vista que, dependendo do caso concreto analisado, ora estão favoráveis aos empresários, cerceando os rolezinhos, ora aos jovens, dando o aval para tais encontros. Isso reflete exatamente o que deve ser ponderado em cada caso; se o evento será prejudicial a paz e ordem sociais, ou se é a pura e simples expressão dos direitos de reunião, de ir e vir e o de manifestação do pensamento. Então vejamos os julgados:

1) Shopping Center Vale - São José dos Campos/SP[3]

O juiz de Direito Luís Maurício Sodré de Oliveira, da 3ª vara Cível de São José dos Campos/SP, determinou o policiamento preventivo e ostensivo no shopping Center Vale para "preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio".

2) Shopping Iguatemi- Campinas/SP[4]

O juiz de Direito Herivelto Araujo Godoy, da 8ª vara Cível de Campinas/SP, indeferiuliminar para barrar o rolezinho no shopping Iguatemi. Para o magistrado, o movimento "não visa expropriação ou posse de nada".

3) Shopping JK Iguatemi - São Paulo/SP[5]

O juiz Alberto Gibin Villela, da 14ª vara Cível de SP, deferiu liminar para impedir o "Rolezaum no Shoppim" no JK Iguatemi, na capital paulista. "Se o poder de manifestação for exercido de maneira ilimitada a ponto de interromper importantes vias públicas, estar-se-á impedido o direito de locomoção dos demais", entendeu o magistrado.

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4) Shopping Campo Limpo - São Paulo/SP[6]

O juiz de Direito Antônio Carlos Santoro Filho, da 5ª vara Cível de Santo Amaro,proibiu os manifestantes de praticar atos que implicassem ameaça à segurança dos frequentadores e funcionários do shopping Campo Limpo, bem como de seu patrimônio, que interferissem no funcionamento regular do estabelecimento e que fugissem dos parâmetros razoáveis de urbanidade e civilidade.

5) Shopping Center Norte - São Paulo/SP[7]

A juíza de Direito Fernanda de Carvalho Queiroz, da 4ª vara Cível de Santana,determinou que o Facebook retirasse a página "Rolê Center Norte" do ar e fornecesse os dados de registros dos responsáveis pela articulação do evento. Também proibiu os adolescentes de praticar atos que implicassem ameaça à segurança dos frequentadores e funcionários do shopping Center Norte, bem como de seu patrimônio, que interferissem no funcionamento regular do estabelecimento e que fugissem dos parâmetros razoáveis de urbanidade e civilidade. "O direito de manifestação deve ser exercido sem abusos", declarou na sentença.

6) Shopping Fashion Mall e Plaza Niterói - Niterói/RJ[8]

O juiz de Direito Alexandre Eduardo Scisinio, da 9ª vara Cível de Niterói/RJ, permitiu"rolezinhos" nos shoppings Fashion Mall e Plaza Niterói. Segundo ele, não é possível impedir a reunião dos adolescentes sem justa causa cabível e segura, "apenas arrimada em boatos de violência, rumor de desrespeito, ou atoarda de práticas de vandalismo".

7) Shopping Campo Limpo - São Paulo/SP[9]

O juiz de Direito Nélson Ricardo Casalleiro, da 7ª vara Cível de SP, consentiu que o shopping Campo Limpo não abrisse suas portas para integrantes do MTST - Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto. "Não se trata de inferir que os manifestantes sejam marginais ou que queiram, premeditadamente, causar dano pessoal ou patrimonial. Trata-se da reação normal de pânico e desordem que se espera quando milhares de pessoas chegam a um local fechado, com corredores estreitos e poucas saídas para todos", afirmou na decisão.

8) Shopping Jardim Sul - São Paulo/SP[10]

O juiz de Direito Carlos Eduardo Prataviera, da 3ª vara Cível de Santo Amaro,consentiu que o MTST realizasse o "Rolezão Popular" no shopping Jardim Sul. "Não se vislumbra justificativa a impedir a realização da manifestação, desde que, é certo, ocorra de forma pacífica e sem promover desordem no local ou impedir a livre circulação de pessoas", concluiu.

Além do Poder Judiciário, o Ministério Público, com a finalidade de exercer a mediação e também atento à técnica da ponderação dos valores, informou que as promotorias de Justiça, de forma articulada, adotarão ações concretas e coordenadas de mediação dos "rolezinhos", buscando compatibilizar harmonicamente as liberdades fundamentais daqueles que pretendam ingressar nos centros comercias, os direitos dos consumidores e as atividades comerciais dos lojistas, evitando discriminações.

O órgão articulará iniciativas junto aos lojistas e ao Poder Público, instando-os a oferecer opções culturais e de lazer aos jovens, sobretudo da periferia, de forma a atender a todos os estratos sociais, estimulando o democrático convívio de toda a população naqueles espaços de uso coletivo, independentemente de classes sociais, sempre preservando a ordem pública e a segurança de todos os cidadãos.


[1] Mendes, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade: estudos de direito constitucional – 4ª ed. Rev. E ampl. – São Paulo: Saraiva, 2012, p. 140.

[2] Robert Alexy é um dos mais influentes filósofos do Direito alemão contemporâneo. Graduou-se em Direito e Filosofia pela Universidade de Göttingen, tendo recebido o título de PhD em 1976, com a dissertação Uma Teoria da Argumentação Jurídica, e a habilitação em 1984, com a Teoria dos Direitos Fundamentais - dois clássicos da Filosofia e Teoria do Direito.

[3] Processo: 4009786-64.2013.8.26.0577.

[4] Processo: 1000325-19.2014.8.26.0114.

[5] Processo: 1001597-90.2014.8.26.0100.

[6] Processo: 1000656-46.2014.8.26.0002.

[7] Processo: 1000935-35.2014.8.26.0001.

[8] Processo: 0002236-26.2014.8.19.0002.

[9] Processo: 1001420-32.2014.8.26.0002.

  1. [10] Processo: 1001477-50.2014.8.26.0002.

Sobre os autores
José Maria Pinheiro Madeira

Mestre em Direito do Estado, Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais, Doutor em Ciência Política e Administração Pública. Curso de pós-graduação no exterior. Procurador do Legislativo (aposentado). Parecerista na área do Direito Administrativo. Examinador de Concurso Público. Membro Integrante da Banca Examinadora de Exame da Ordem dos Advogados do Brasil. Membro de diversas associações de cultura jurídica, no Brasil e no exterior. Professor Emérito da Universidade da Filadélfia. Professor-palestrante da Escola da Magistratura do Rio de Janeiro - EMERJ - Professor Coordenador de Direito Administrativo da Universidade Estácio de Sá. Professor da Fundação Getúlio Vargas. Professor integrante do Corpo Docente do Curso de Pós-Graduação em Direito Administrativo da Universidade Cândido Mendes, da Universidade Gama Filho e da Universidade Federal Fluminense. Membro Titular do Instituto Ibero-Americano de Direito Público. Membro Efetivo do Instituto Internacional de Direito Administrativo.

Luiz Paulo Figueiredo de Araújo

Bacharelando em Direito pela Universidade Estácio, Autor de Artigos Jurídicos, Cursando Pós-Graduação em Direito Público na Acadêmia Nacional de Juristas e Doutrinadores ANAJ. Kim Reis Gusmão Soares Bacharel em Direito pela Universidade Estácio, Autor de Artigos Jurídicos, Cursando Pós-Graduação em Direito Público e Penal. Frederico Rezende Bilheri, Especialização em Direito Público: Constitucional, Administrativo e Tributário, Especialização, MBA em Marketing Político e Comunicação Eleitoral, Doutor Honoris Causa pela Academia Nacional de Juristas e Doutrinadores.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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