COISA JULGADA
Rogério Tadeu Romano
Procurador Regional da Republica aposentado
Proferida a sentença e preclusos os prazos para recursos, a sentença se torna imutável (coisa julgada formal) e, em conseqüência, tornam-se imutáveis os seus efeitos (coisa julgada material).
I – COISA JULGADA FORMAL
Consiste no fenômeno da imutabilidade da sentença pela preclusão dos prazos para o recurso.
II – COISA JULGADA MATERIAL
É a autoridade da coisa julgada na medida em que o comando emergente da sentença se reflete fora do processo em que foi proferido pela imutabilidade de seus efeitos (art. 468 do CPC). É a chamada eficácia pan-processual.
III – FUNDAMENTOS JURÍDICOS
Consiste no fenômeno da imutabilidade da sentença pela preclusão dos prazos para o recurso.
3.1. Teoria da Presunção da Verdade: adotada por Pothier, Código Francês e Reg. n.° 737/1850.
3.2. Teoria da Ficção da Verdade: Savigny entendia que as sentenças injustas fazem coisa julgada.
3.3. Teoria da Força Legal, Substancial da Sentença: essa Teoria se deve a Pagenstecher, pois toda sentença cria direito, fazendo direito novo.
3.4. Teoria da Eficácia da Declaração: tem como partidários Hellwig, que fundamenta a autoridade da coisa julgada na eficácia da declaração de certeza contida na sentença.
3.5. Teoria da Extinção da Obrigação Jurisdicional: no entender de Ugo Rocco, satisfeita a obrigação jurisdicional do Estado, extingue-se o direito de ação, prestando o Estado sua obrigação.
3.6. Teoria da Vontade do Estado: diz Chiovenda que o Estado dá força obrigatória à sentença, assim como sua imutabilidade. Proferida a sentença, esta substitui a lei (vontade concreta da lei).
3.7. Teoria da Imperatividade da Sentença: o comando da sentença é de natureza complementar. A coisa julgada formal pressupõe a coisa julgada material.
3.8. Teoria de Liebman: a coisa julgada é qualidade especial da sentença a reforçar a sua eficácia, consistente na imutabilidade da sentença, como ato processual (coisa julgada formal) e na imutabilidade de seus efeitos (coisa julgada material). Diversa é a eficácia.
IV – SENTENÇAS QUE PRODUZEM COISA JULGADA
Produzem coisa julgada material as sentenças do art. 269 do CPC. O novo Código de Processo Civil, no artigo 503, § 1º, determina que há coisa julgada material(a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso), no que concerne a resolução da questão prejudicial, decidida expressa e incidentalmente no processo se:
{C}a) Dessa resolução depender o julgamento do mérito;
{C}b) A seu respeito tiver havido contraditório prévio e efetivo, não se aplicando no caso de revelia;
{C}c) O juiz tiver competência em razão da matéria e da pessoa para resolvê-la como questão principal.
Assim dessas chamadas questões prejudiciais afasta-se a regra, mantida no artigo 504, I, do novo Código de Processo Civil, de que os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença, não fazem coisa julgada. Da mesma sorte, não faz coisa julgada a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença. Essa verdade dos fatos será aplicada com relação ao assistente simples nas lides em que participe.
No novo Código de Processo Civil, artigo 487, se diz que haverá resolução de mérito quando o juiz: acolher ou rejeitar o pedido formulado na ação ou na reconvenção; decidir, de oficio ou a requerimento, sobre a ocorrência de decadência ou de prescrição; homologar o reconhecimento da procedência do pedido formulado na ação ou na reconvenção, a transação, a renúncia da pretensão formulada na ação ou na reconvenção.
O novo Código de Processo Civil não deixa margem à dúvida, no artigo 701, § 3º, no sentido de que é cabível a ação rescisória na decisão prevista no caput quando ocorrer a hipótese do parágrafo segundo(constituir-se-á de pleno direito o título executivo judicial, independente de qualquer formalidade, se não realizado o pagamento e não apresentados os embargos previstos no artigo 702).
Ora, Como falar em preclusão pro iudicato ou ainda coisa julgada do mandado monitório não embargado, diante de decisão puramente de cognição sumária?
Autores do nível de Nelson Néry Jr., Cândido Rangel Dinamarco sustentam haver coisa julgada com a decisão concessiva da tutela monitória, não embargada.
É a linha adotada por Edoardo Garbagnati, que segue Chiovenda, Salvatore Satta, diante do art. 656 do CPC Italiano, onde se lia que o “decreto d’ingiuzione” tornado ‘título executivo’, por falta de embargos seria impugnável pelos mesmos instrumentos destinados a combater provimentos revestidos pela coisa julgada, tais quais a revocazioni e a opposizione di terzo.
Não há, no direito brasileiro dispositivo semelhante.
Dir-se-á que a coisa julgada, se aplica às decisões que envolvem cognição plena, exauriente, o que não acontece quanto a cognição puramente sumária do mandado monitório.
Na Itália, corrente abalizada disse que tal preclusão pro iudicato ocorreria, por exemplo, nos casos de decreto d’ingiuzione, licenza per finita e locazione.
Doutrina Theodoro Jr. com relação ao pensamento de Redenti, que o réu não poderia mais se opor à execução nem pleitear repetição de indébito, se não embarga. Seria a preclusão pro iudicato que protegeria o bem conseguido ou a conseguir-se na execução, diverso, pois, da coisa julgada, algo que se expandia para além do processo. Como preclusão para algo que fora do processo? A preclusão é fenômeno endoprocessual, já dizia Chiovenda, não algo que produza resultado prático igual ao da autoridade da coisa julgada.
Como ter-se coisa julgada sob juízo sumário?
Data venia, correta a conclusão de Eduardo Talamini.
Com o silêncio do réu, forma-se ope legis, título executivo.
Mas, se diria, que o título executivo em tela não é sentença transitada em julgado? Ora, títulos executivos há, como o formal de partilha que não são sentenças condenatórias transitadas em julgado, mas cartas de sentença. A lei pode e deve criar títulos executivos judiciais em hipóteses taxativas.
A matéria poderá ser objeto de questionamento junto ao Supremo Tribunal Federal, por afronta ao conceito de coisa julgada, ao devido processo legal.
V – DECISÕES QUE NÃO PRODUZEM COISA JULGADA
5.1. as sentenças terminativas (art. 267 do CPC);
5.2. as sentenças proferidas em procedimento de jurisdição voluntária ou graciosa;
5.3. as sentenças proferidas nos processos cautelares (ver. art. 806 e art. 808 do CPC);
5.4. as decisões interlocutórias (art. 162, § 2.° ). Dessas decisões há preclusão, que atinge a faculdade das partes e atinge os poderes do juiz, ao ser consumativa e os poderes atingidos são os instrumentais, decisórios. A preclusão, perda de faculdade processual, pode ser: temporal, lógica e consumativa. Temporal, que se forma pelo decurso do prazo; lógica, que decorre da incompatibilidade entre o ato praticado e outro que se quereria praticar e a consumativa, que se origina de já ter sido realizado o ato. A preclusão é fenômeno endoprocessual. A preclusão consumativa se entende resultante de ato decisório, que uma vez transitado em julgado é irrevogável.
Obs. 1: preclusão pro iudicato não há com relação ao decreto d’ingiunzione e as sentenças que encenam execução. No Brasil, sustentam haver coisa julgada com a decisão concessiva da tutela monitória, não embargada: Néry Jr., Atualidades..., pg. 230 e Candido R. Dinamarco, na Reforma..., pg. 231. Na Itália. pelo art. 656, há preclusão, no Brasil, não; em que, o art. 485 do CPC estabelece precisamente o âmbito de incidência da coisa julgada material, ao falar: sentença de mérito transitada em julgado com contraditório à cognição exauriente e prévia. Correta a opinião de Eduardo Talamini, “Tutela Monitória”, ed. RT.
Obs. 2: necessário acrescentar que as decisões interlocutórias quanto a pressupostos processuais e condições da ação não precluem (art. 267, § 3.° e art. 301, § 4.° do CPC). Aplica-se o efeito translativo, quanto as decisões sem recurso, podendo o Tribunal reapreciá-la (art. 473 do CPC). A preclusão envolve atos jurisdicionais, que não conduzem à extinção do processo.
Obs. 3: preclusão é extinção de efeito ao contrário da prescrição (exceção) que é encobrimento de eficácia.
As decisões referentes a relações jurídicas continuativas transitam em julgado (art. 471, I).O novo Código de Processo Civil expõe, no artigo 505, que, tratando-se de relação jurídica de trato continuado, sobrevier modificação de fato ou de direito, poderá a parte pedir revisão do que foi formulado na sentença.
VII – LIMITES OBJETIVOS DA COISA JULGADA
Para Savigny, os elementos (fundamentos) objetivos da relação jurídica traziam coisa julgada.
A coisa julgada encontra seus limites objetivos na solução das questões e essas soluções são as razões da decisão, cuja estrutura consiste na afirmação de fatos jurídicos, constantes das razões da pretensão (afirmação quanto a conformidade ao direito), ou da contestação.
A coisa julgada compreende não só o comando, mas todos os elementos da decisão da questão (ponto controvertido). Lembre-se que o ponto é o fundamento da razão da pretensão e quando controvertido, torna-se questão. Na razão da pretensão está a causa petendi; e aí, os fatos jurídicos.
Se é correto dizer que os motivos, fundamentos da decisão, não fazem coisa julgada (art. 469 do CPC), não é menos certo afirmar-se que o dispositivo se há de entender em razão dessa questão. No entanto, são implicitamente resolvidas todas as questões cuja solução é necessária para chegar a solução expressa na decisão. Assim temos questões que são objeto da coisa julgada, por constituírem antecedente lógico necessário para a solução expressa da decisão final. Exemplos: se há lide acerca de danos causados culposamente à colheita, ter-se-á de identificar nessa demanda, como seu fundamento (causa petendi), todos os outros que com ele sejam compatíveis, no intuito de evitar decisão discrepante. Outro exemplo: a condenação do réu a indenizar os prejuízos materiais impostos ao automóvel do autor estaria protegida pela coisa julgada como a conclusão que o acidente ocorrera, a de que o réu foi seu causador, bem assim como responsável pela recomposição dos danos decorrentes do abalroamento. Uma segunda demanda, buscando a indenização dos prejuízos pessoais, só abarca questões novas. Da mesma forma, na relação continuada, cuja eficácia é normativa (ex.: mutuário da CEF entra com consignação em pagamento para quitar parcelas de financiamento). A decisão favorável, na mesma matéria, serve para futuros casos semelhantes na constância da relação jurídica. Estarão sendo objeto da coisa julgada as questões deduzidas e deduzíveis. Estão fora da coisa julgada: os motivos, que não integram a cadeia dos fatos e pertencem ao plano da representação desses fatos, assim como a verdade dos fatos (fidelidade da representação contida no processo) e os fatos simples.
Dá-se, ainda, não coisa julgada, mas o aproveitamento, nas ações individuais, in utilibus do julgado coletivo.
Da mesma forma, extrai-se de útil para o juízo civil o que se puder estender da sentença criminal.
O novo Código de Processo Civil, no artigo 508, determina que “transitada em julgado a decisão de mérito, considera-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e as defesas que a parte poderia opor tanto ao acolhimento quanto a rejeição do pedido”. Tal se encontra na linha da doutrina na matéria.
VIII – A PREJUDICIALIDADE
No Codigo de Processo Civil de 1973, diz-se que a questão prejudicial decidida não faz coisa julgada e seria necessário o ajuizamento de ADI (art. 5.° do CPC).
A origem da prejudicialidade está no processo romano, na cognitio, solução de questões incidentais.
São seus elementos essenciais: anterioridade lógica; necessariedade e autonomia.
A prejudicial condiciona o teor da decisão sobre a subordinada. A preliminar, impede, impossibilita a decisão sobre a subordinada.
Há: ponto, questão (ponto controvertido) e causa prejudicial, que traz consigo a possibilidade de ser objeto de processo autônomo, não incidentalmente.
São espécies de prejudicialidades: homogênea e heterogênea; interna (quando é solucionada no mesmo processo em que resolvida a prejudicada) e externa.
Prejudiciais de rito e de mérito: exemplo de processuais de rito diz respeito ao incidente de valor da causa.
A prejudicialidade é forma de conexão processual.
IX – LIMITES SUBJETIVOS DA COISA JULGADA
Só as partes estão alcançadas pela coisa julgada.
Quanto a terceiros com interesse há várias teorias de aplicação. Tais quais:
– teoria da representação, apoiada em Savigny, pelos laços de representação que os terceiros têm com as partes.
– teoria dos efeitos reflexos: dizem respeito aos efeitos ligados aos terceiros, não queridos pelas partes, mas inevitáveis.
– teoria de Liebman:
a) terceiros indiferentes;
b) terceiros para o qual a sentença traga prejuízo econômico;
c) terceiros juridicamente interessados;
d) interesse igual ao das partes;
e) interesse inferior ao das partes.
Assim, a sentença que julgue uma reivindicatória entre A e B, pode ser oposta por C. O terceiro cujo interesse é inferior ao das partes pode também insurgir-se contra a sentença (sentença condenatória contra a Fazenda Pública por ato ilícito do servidor), que vem ao processo como assistente.