O Direito da Construção vem se consolidando no meio acadêmico como uma disciplina autônoma do Direito, dado o seu alto nível de especialização e interface multidisciplinar com a área técnica da engenharia nos grandes projetos nacionais do setor imobiliário, de engenharia e de infraestrutura.
Além das recentes publicações especializadas sobre o tema, dois fatos de revelam extremamente representativos na consolidação desse novo ramo do Direito: a fundação do Instituto Brasileiro de Direito da Construção (IBDiC), em São Paulo, no ano de 2011 e a criação da Comissão de Direito da Construção da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional de Minas Gerais, primeira comissão do gênero no país, também no ano de 2011.
Discussões acerca de requisitos legais e técnicos para implantação de politicas regulatórias e contratação de Project Finance, modalidades de contratação de serviços e obras de engenharia e infraestrutura, estruturação de modalidades de concessão de serviços públicos e da implementação de Parcerias Público-Privadas, a contratação e a gestão e garantias financeiras e contratuais, a atuação dos órgãos e mecanismos de controle de obras públicas, a eleição e operacionalização de distintos mecanismos de solução de disputas técnicas, jurídicas e comerciais em contratos de construção e a especial ênfase na interseção dos aspectos técnicos de engenharia com os aspectos jurídicos e contratuais são temas recorrentes e de especial atenção no Direito da Construção.
Diante dessa multiplicidade, encontramos temas relacionados aos mais diversos ramos do direito, tais como Ambiental, Tributário, Trabalhista, Previdenciário, Imobiliário, Arbitral, Financeiro, Econômico, Empresarial, Administrativo, Comparado, Internacional Privado, além de questões técnicas, especialmente na área da engenharia, economia e contabilidade, consolidando a discussão e a produção de conhecimentos relevantes e específicos que tem campo fértil de aprofundamento e especialização nessa nova disciplina Jurídica: o Direito da Construção.
Nessa perspectiva a Administração de Contratos de engenharia vem se apresentando como uma relevante e indispensável ferramenta gerencial de integração entre as áreas técnica e jurídica dos projetos de infraestrutura e construção em âmbito nacional e internacional, de natureza complexa e multidisciplinar.
Eleito como um dos 47 processos do gerenciamento de projetos, a administração de contratos foi introduzida recentemente pelo Project Management Institute - PMI[1] como um novo processo da área de conhecimento sobre gestão de aquisições de Projeto, apresentada atualmente como condição sine qua non para a sobrevivência e crescimento sustentável das empresas que atuam no setor de construção no Brasil e no Exterior.
Segundo o PMI – Project Management Institute:
A Administração de Contratos é o processo de gerenciamento do contrato e da relação entre o comprador e o fornecedor, análise e documentação do desempenho atual ou passado de um fornecedor, a fim de estabelecer ações corretivas necessárias e fornecer uma base para futuras relações com o fornecedor e o gerenciamento de mudanças relacionadas ao contrato e, quando adequado, gerenciamento da relação contratual com o comprador externo do projeto.” [2]
Ainda de acordo com o PMI:
“A administração de contratos inclui a aplicação dos processos de gerenciamento de projetos adequados à relação contratual e a integração das saídas desses processos ao gerenciamento geral do projeto.”. [3]
O êxito de um projeto eficientemente gerido por todas as etapas de seu ciclo de vida sempre coincide com uma administração contratual bem executada.
Para tanto é necessária uma gestão adequada de riscos e oportunidades contratuais e extracontratuais, o conhecimento das premissas técnicas e contratuais essenciais (preço, prazo, objeto e qualidade) relacionadas aos serviços contratados, o acompanhamento do desenvolvimento do contrato e da evolução física e financeira dos serviços através da construção e sistematização de uma base documental, técnica e jurídica sólida sob a ótica contratual, subsidiando eventuais soluções de controvérsias surgidas no curso da execução do contrato e oportunizando os ajustes contratuais necessários para obtenção dos resultados e metas esperados.
Segundo BUCKER:
“Deve-se conjecturar o porquê de as disputas na construção civil serem peculiares e merecerem tratamento diferenciado. Certamente existem uma série de fatores distintivos dos conflitos na construção civil dos demais tipos, justificando os mecanismos específicos concebidos para o gerenciamento dos conflitos e a prevenção ou solução de disputas.”. [4]
Isto porque os conflitos no ramo da construção civil são frequentemente muito complexos do ponto de vista técnico, demandando intensa e profunda investigação dos acontecimentos e gerenciamento eficiente do processo de reivindicações e reajustes.
A escassez de recursos para novos projetos de engenharia e infraestrutura, a redução dos investimentos no setor, a recessão e a estagflação econômica, a diminuição histórica das margens de lucro, a volatilidade cambial, a instabilidade politica atual no Brasil e o receio dos investidores na implantação de novos projetos visando a ampliação de parques industriais (obra brownfield) ou a construção de novas plantas produtivas (obra greenfield), tem trazido como legado aos projetos de infraestrutura em curso ou a serem iniciados o peso e a responsabilidade da minimização de riscos e maximização dos lucros.
Nesta perspectiva, as disputas geralmente surgidas no âmbito da construção civil tomam especial relevância, pois diante da escassez de projetos em curso o fluxo de caixa das empresas construtoras se torna dependente da aderência das previsões físicas e financeiras, fazendo com que a ocorrência de problemas e interferências ou obstáculos imprevistos tenham especial atenção e condução para evitar a solução de continuidade das obras e muitas vezes a bancarrota financeira das empreiteiras.
Devido a isto JENKINS e STEBBINGS afirmam que:
“As disputas na construção exigem uma solução rápida, mesmo que temporária, a fim de que os serviços não sejam obstados ou interrompidos, permitindo que os trabalhos na obra prossigam. É interesse de todas as partes que o empreendimento seja concluído no prazo estipulado, ou, pelo menos, no menor prazo possível, e recorrer a mecanismos demorados na solução de controvérsias não é recomendável, pois ao invés de corrigir eventual desequilíbrio econômico e financeiro, faz com que ele se prolongue, gerando prejuízos e perdas para ambas as partes.”. [5]
Outro aspecto que torna imprescindível uma clara, rápida e objetiva métrica de solução de disputas é o grande número de agentes e de variáveis envolvidas em projetos de construção.
Para MURDOCH e HUGHES há uma série de funções com habilidades especializadas de profissionais que contribuem para o gerenciamento dos projetos. Como consequência sempre há muita confusão, devido a diversidade de disciplinas e áreas do conhecimento envolvidas.{C}[6]{C}
Há ainda que se considerar a influência de fatores internos e fatores externos de incerteza que venham a modificar consideravelmente as condições de trabalho e as premissas sobre as quais foi elaborado o planejamento executivo e orçado os preços ofertados, tais como condições inadequadas de acessibilidade, inexistência ou deficiência de infraestrutura de drenagem, abastecimento de água e fornecimento de energia elétrica, alteração de preço, prazo e objeto, inconsistência ou incompatibilidade de projetos, necessidade de execução de serviços extras, ausência de liberação de áreas, interferência com fatores antes ocultos, interface e sobreposição de atividades com outras empresas do site, variação inflacionária exorbitante, alteração de índices econômicos e alíquotas fiscais, modificação da legislação trabalhista e previdenciária, índices pluviométricos acima dos históricos normais, problemas geológicos, geodésicos ou litográficos não previstos, etc.
Como nem todos os riscos podem ser previstos e contemplados no contrato, a imprevisibilidade é condição constante nos projetos de construção e infraestrutura, motivo pelo qual a administração de contratos é de suma importância para realizar o eficiente controle, acompanhamento, registro e sistematização da alteração das condições de trabalho, possibilitando as tratativas necessárias para a implementação dos ajustes contratuais necessários no tempo e na forma devidas e preconizadas, prevenindo, mitigando ou recuperando perdas e prejuízos, em razão da manutenção ou reestabelecimento da equação econômico e financeira do contrato, e da garantia da vigência das premissas contratuais essenciais inicialmente pactuadas.
A partir do controle e rastreabilidade do repositório de documentos corporativos e do registro sistemático da alteração das condições de trabalho e das premissas contratuais essenciais é possível se elaborar um mapa de impactos e fortalecer o controle das modificações, que servirá como subsidio a apresentação de reivindicações de reajustamento do contrato e reestabelecimento do seu equilíbrio econômico e financeiro, conversão de riscos em oportunidades e suporte à eficiente gestão dos contratos de engenharia.
O domínio da engenharia - concepção e custo - do empreendimento e do seu respectivo processo de produção é pressuposto básico para a eficácia da Administração Contratual.
Nesta perspectiva é que a doutrina técnica especializada tem concebido a elaboração e apresentação de pleitos e reivindicações, em decorrência da realização da administração de contratos, como “...um requinte adotado por poucas empresas até meados da década de 90.” [7]
Segundo PEDROSA a administração de contratos constitui “...uma prática recente em empresas de grande porte e ainda pouco usual em empresas menores.” [8]
Para GARRETT “o objetivo da administração de contrato é assegurar a conformidade dos termos e condições contratuais, ao longo da execução do contrato e até o seu encerramento.”. [9]
O instrumento do contrato e os documentos que lhe são anexos (Requisição e especificação técnica, edital de concorrência, instruções de saúde, segurança e meio ambiente, condições de acesso de equipamentos e subcontratados, cronograma físico, marcos contratuais de entrega, proposta técnica e comercial do contratado, projetos, desenhos, croquis e layouts, entre outros) constituem as referências para a prática da Administração de Contratos.
No entendimento de FRISBY:
“Os contratos de construção estão repletos de riscos potenciais para a empreiteira. (...) É essencial que os ricos contratuais também sejam entendidos no contexto da decisão de ofertar-se ou não uma proposta. (...) Todas as empreiteiras deveriam colocar um aviso em seus escritórios, com as palavras: Leiam o contrato.”. [10]
De acordo com CAVENDISH E MARTIN o ciclo da administração do contrato:
“...inicia-se com sua assinatura entre o comprador e o vendedor, terminando com sua liquidação. Esse ciclo compõe-se de todas as ações envolvidas, com a entrega e aceite da obra e serviços”. {C}[11]
Segundo sugerem Clough e Sears (1991).
“Em alguns casos, há necessidade de pleitear o cumprimento do contrato, exigindo os direitos inerentes a ele. Durante o período de execução dos serviços, podem surgir disputas entre o proprietário e o contratado envolvendo reivindicações por tempo ou remuneração extra. Caso haja qualquer alteração das condições originais, deve-se partir para uma política defensiva. Assim, será possível ressarcir-se dos efeitos decorrentes do descumprimento, por parte do cliente, de uma obrigação contratual”.
Entretanto, atualmente, a administração de contratos tem sido mais do que uma ferramenta de controle do gerenciamento de aquisições de projetos, com extensão e abrangência inclusive anterior à própria assinatura do contrato, devido à dinâmica das relações comerciais e a realidade dos projetos de infraestrutura e construção pesada, sendo verdadeiramente o fiel da balança entre a tênue linha entre a eficaz condução do ciclo de vida do projeto, com sua consequente conclusão exitosa, e o desastre do projeto, com acumulo de prejuízos e resultados indesejáveis.
Grande exemplo disso é a adoção de um procedimento formal de Administração Contratual pela Odebrecht no exterior. A direção da Odebrecht Contractors of Florida, Inc. (OFL) estabeleceu desde o segundo semestre de 1993 um programa de Administração Contratual em todas as suas obras, sendo este considerado como um elemento de capacitação (treinamento em serviço) indispensável para os recursos estratégicos da empresa e da adaptação destes aos parâmetros da indústria de construção vigentes no competitivo mercado dos EUA.
O que era considerado um requinte, uma excentricidade usada exclusivamente para reivindicações, é, nos dias de hoje, a segurança empresarial de uma compensação por eventual planejamento inadequado ou pela ocorrência de situações imprevistas ou previstas mas de consequências incalculáveis, com repercussão nas premissas essenciais do contrato e alteração da equação econômica e financeira do ajuste comercial realizado.
É neste contexto que a Administração Contratual torna-se indispensável e uma questão de sobrevivência no mercado da construção e para adoção das melhores práticas em gestão de contratos, visando à integração estratégica e multidisciplinar entre as áreas estratégicas de projetos de construção, o equilíbrio econômico e financeiro do contrato e a segurança jurídica para as partes contratantes, sedimentando cada dia mais a cultura e a prática do Direito da Construção como ramo autônomo do Direito e como disciplina e técnica jurídica indispensável à gestão eficiente de contratos de construção em tempos de crise.