- Introdução
A doutrina e a jurisprudência processual trabalhista majoritária entendem pela validade da Súmula 357 do C. TST, ou seja, defendem que o simples fato de um indivíduo ter ajuizado reclamação trabalhista em face de seu ex-empregador não tem o condão de o tornar suspeito para depor como testemunha em demanda proposta por um ex-colega de trabalho.
No entanto, existem posicionamentos opostos, ou seja, de que o embate litigioso retira a prudência e a isenção de ânimo que se exigem da testemunha.
Em vista disso, se buscará demonstrar que a aplicação irrestrita da Súmula 357 do C. TST pode contribuir para a concretização de situações injustas, de modo que é prudente a flexibilização de seus ditames em pontuais ocasiões.
A jurisprudência tem demonstrado que a aplicação indiscriminada dos preceitos da Súmula em estudo contribui para a injustiça.
Por outro lado, a ausência de sua utilização, por completo, também leva à situações injustas no extremo oposto.
Daí porque o presente estudo, que buscará demonstrar em que situações deverá ser aplicar a Súmula 357 do C. TST e em quais a mesma deve ser evitada.
2.Suspeições das testemunhas no Processo do Trabalho
Existem situações em que a testemunha chamada a depor por uma das partes não tem a necessária isenção de ânimo para cumprir esse importante papel social.
Isso porque, como ser humano imperfeito que é, nem sempre tem a imparcialidade necessária para auxiliar o juiz na busca da verdade. Não se trata aqui de questões como o decurso do tempo entre o fato litigioso e a ocasião da prestação do depoimento testemunhal, tampouco de detalhes da controvérsia posta à exame jurisdicional que possam ter passados desapercebidos.
O que se pretende abordar, sim, é a isenção de ânimo propriamente dita. Existem situações em que a testemunha está diretamente ligada e interessada no objeto do litígio ou, até mais do que isso, em que uma parte vença o processo. E a testemunha ajuda a parte a concretizar esse feito.
Desta forma, às vezes por vias oblíquas, imorais e ilegais, uma parte vence o processo, com a “ajudinha” de uma testemunha. No entanto, “a testemunha é, sempre, da Justiça, nunca da parte”.
Como se verá a seguir, existem pessoas que não podem depor por total falta de isenção de ânimo para tanto.
2.1. Amizade íntima
Amizade íntima não se confunde com a proximidade que nasce no ambiente de trabalho entre pessoas que exercem a mesma função ou que atuam no mesmo departamento de uma fábrica ou de um escritório.
Tampouco se trata de amizade íntima aquela existente nas redes sociais, a exemplo do Facebook, onde muitas pessoas tem centenas, as vezes até milhares de “amigos”, mas com muitos dos quais sequer trocou meias palavras.
Para o processo do trabalho, a amizade íntima é mais do que mero coleguismo. Traduz-se, fora do ambiente de trabalho, em convívio social frequente e recíproco, como visitas às residências, saídas para passeios e viagens, e até mesmo situações de tão íntima amizade a ponto de ser padrinho de casamento, de filhos etc.
Veja-se o magistério de Wagner D. Giglio[1]:
Convém advertir que o termo amigo, na linguagem vulgar, é de uso muito comum e, por isso, desvalorizado. Juridicamente, só a amizade íntima impede o testemunho. Ora, numa empresa, onde o contato entre o pessoal é diário e estável, durante longo tempo, todos se dizem amigos, no sentido de conhecidos.
A testemunha que é realmente amiga de uma das partes é, por certo, suspeita para depor e não pode fazê-lo. Sendo o caso, poderá prestar depoimento como informante, mas o valor atribuído ao depoimento, quando analisado pelo juiz, certamente será menor do que aquele prestado por uma testemunha sobre a qual não recaia a suspeição.
Desta forma, para se evitar injustiças quando da valoração da prova por ocasião da prolação da sentença, até mesmo porque o juiz que profere o julgamento nem sempre é o mesmo que conduziu a instrução processual, o melhor proceder é impedir o depoimento da testemunha suspeita, até mesmo como informante.
2.2. Testemunha que alega ter sofrido dano moral
Trata-se, da mesma forma, de outro indivíduo sem a necessária isenção de ânimo para depor. Isso porque, aquele que sofreu um constrangimento moral – ou mesmo que apenas alega ter sofrido – não tem isenção sequer para se comprometer a dizer a verdade.
Sergio Pinto Martins[2] é enfático nesse sentido:
A testemunha que alega ter sofrido dano moral tem animosidade com o empregador, pois guarda rancor, revolta ou indignação em relação à afirmação feita. Não pode servir como testemunha.
É uma questão óbvia, mas muitas vezes ignorada na condução de audiências, muitas vezes por ausência de percepção do absurdo lógico em que se traduz essa hipótese.
2.3. Cargo de confiança
Inicialmente, o empregado que exerce cargo de confiança na empresa não é suspeito para depor, por ausência de previsão legal.
No entanto, na condição de presidente da audiência de instrução, deve o magistrado investigar a existência de outros elementos que possam, de alguma forma, fazer desse empregado que exerce cargo de confiança pessoa suspeita para comprometer-se a depor na condição de testemunha.
Com efeito, deve ser analisado, por exemplo, se essa possível testemunha tem interesse no objeto do litígio, o que pode ser feito pela análise de quanta “confiança” goza essa pessoa.
Tal proceder é importante para se verificar se o nome dado a determinado cargo de confiança corresponde à mesma extensão de poderes.
A prática trabalhista demonstra, sobretudo em determinados seguimentos econômicos, a existência de inúmeros empregados como “altos” cargos, mas sem qualquer poder de mando ou mesmo de efetiva representação do empregador.
São aqueles muitos “gerentes de si mesmos” ou, como se diz na prática, “os muitos caciques para poucos índios”.
Cabe ao magistrado, principal interessado da prova testemunhal bem produzida – pois ela o auxiliará a chegar à verdade e a cumprir a devida tutela jurisdicional – averiguar essas questões antes de tomar ou indeferir um depoimento.
Os ensinamentos de Isis de Almeida[3]:
Para depor sobre fatos da relação de emprego, ninguém melhor do que outro empregado, presente constantemente no recinto de trabalho; e, quanto ao exercente de cargo de confiança, este nem sempre desempenha funções que o tornem interessado direito no litígio; a suspeição poderá ser aceita se ele participar dos resultados do negócio, ou tiver poder de mando idêntico ao do empregador, inclusive na admissão e dispensa de empregados.
É nítido que a particularidade de exercer função de confiança ou de gestão no âmbito da empresa não compromete, por si só, a isenção de ânimo da testemunha para depor.
2.4. Validade da Súmula 357 do C. TST. A ausência de isenção de ânimo da testemunha que litiga em juízo contra o mesmo empregador
A matéria objeto da Súmula em questão[4] foi muito discutida pela doutrina e pela jurisprudência até chegar à análise do C. TST, que houve por bem em uniformizar a questão.
2.4.1. Posicionamento doutrinário e jurisprudencial
A doutrina e jurisprudência processual trabalhista majoritária entendem pela validade da Súmula 357 do C. TST , ou seja, defendem que o simples fato de um indivíduo ter ajuizado reclamação trabalhista em face de seu ex-empregador não tem o condão de o tornar suspeito para depor como testemunha em demanda proposta por um ex-colega de trabalho.
Nesse sentido, defendem tais doutrinadores e magistrados que a atitude do trabalhador de buscar a prestação jurisdicional do Estado para intervir nos direitos subjetivos lesados pelo empregador, não o torna inimigo deste, tampouco pressupõe que, em decorrência disso, na qualidade de testemunha, teria interesse na demanda de seu ex-colega de trabalho.
Isso porque, a amizade que impede o compromisso de dizer a verdade e, consequentemente, de depor na qualidade de testemunha, é a amizade íntima. De outra banda, a inimizade que impede o mesmo depoimento é a inimizade capital.
E não se pode confundir o significado de inimizade capital com uma simples insatisfação pela prática patronal, vez que o vocábulo “capital” demonstra um profundo sentimento negativo, chegando, até mesmo, a ser tido como sinônimo de “mortal”, ou, de acordo com a praxe forense, “figadal”, como explica Wagner D. Giglio[5] “séria a ponto de atingir o fígado, de turvar o equilíbrio emocional necessário à isenção de ânimo ao depor”.
Portanto, na hipótese de ser constatado um sentimento de mágoa, mero descontentamento ou insatisfação, estar-se-ia muito distante da configuração de uma suspeição.
Vejam-se as lições de Manoel Antonio Teixeira Filho[6] sobre o assunto:
a ação é um direito público, subjetivo e de índole constitucional... constituiria absurdo, conseqüentemente, supor-se que a pessoa que viesse a exercitar esse direito se transformasse, automaticamente, em inimigo capital da parte que fez constar como ré.
Nesse exato sentido são as lições de Sérgio Pinto Martins[7]:
Se entendermos que pelo fato de a testemunha ter processo contra a empresa não poderá depor, estará inviabilizada a prova. Nem se diga que a testemunha que está em litígio contra a empresa deve ser equiparada ao inimigo capital da parte, salvo se assim ela se declarar. Desta forma, a questão deve ser analisada com mais cuidado.
Corroborando o entendimento dos doutrinadores acima mencionados, segue a jurisprudência do nosso E. TRT da 2ª Região:
EMENTA: TESTEMUNHA. AÇÃO CONTRA A EMPRESA. A Súmula 357 do Colendo TST esclarece que a testemunha que litiga contra a mesma reclamada não é necessariamente só por isso considerada suspeita.[8]
EMENTA: Prova testemunhal. Contradita sob a alegação de interesse no feito. A testemunha que litiga contra o réu não é, necessariamente, suspeita ou interessada. O exercício do direito de ação repousa em disposição de ordem constitucional e não implica a limitação da capacidade da pessoa. O interesse haveria de ser aferido, objetivamente, em razão de possíveis vantagens que adviriam à testemunha pelo resultado do processo. Disto não se cogitou, nem se pode presumir. É nesse mesmo sentido o entendimento consubstanciado na Súmula nº 357, do TST[9].
Nesse exato sentido, o Tribunal Superior do Trabalho, por meio de diversas decisões reiteradas, sedimentou o entendimento previsto na antiga Orientação Jurisprudencial nº 77 da Subseção de Dissídios Individuais I, ao estabelecer que não há suspeição para a testemunha que move ação contra a mesma reclamada.
Posteriormente, solidificou o mencionado posicionamento relatando que “não torna suspeita a testemunha o simples fato de estar litigando ou de ter litigado contra o mesmo empregador” (Súmula 357, TST).
Tal raciocínio encontra amparo no direito constitucional de ação (artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal), assim como no direito à ampla defesa (artigo 5º, LV, da CF) do reclamante e, ainda, em razão de tal circunstância não se apresentar, de forma clara, dentre as hipóteses de impedimento e suspeição estatuídas no artigo 829 da CLT, tampouco no Código de Processo Civil.
Por outro lado, apesar de parcela significativa da doutrina amoldar seus posicionamentos à Súmula 357 do C. TST, há quem defenda entendimento diametralmente oposto.
Isso porque, perturbadas com a simplicidade como a questão vem sendo conduzida, inclusive pelo Tribunal Superior do Trabalho, indagam-se: será que um indivíduo que teve obstado seu direito a verbas trabalhistas - tidas como alimentares - pela atitude de uma empresa, poderá depor, sem qualquer parcialidade, em outro processo em que seu ex-empregador praticou atitude semelhante contra um ex-colega de trabalho?
Tal questionamento merece ser objeto de profunda reflexão, pois apesar de consolidado pelo C. TST, existem fundamentos plausíveis capazes de contrariar essa posição e a própria Súmula 357.
Valentin Carrion[10] era contrário ao posicionamento de todos os seus pares quanto ao tema. Veja-se:
2. A testemunha que está em litígio contra a mesma empresa deve ser equiparada a inimigo capital da parte; o embate litigioso é mau ambiente para a prudência e isenção de ânimo que se exigem da testemunha; entender de outra forma é estimular as partes à permuta imoral de vantagens em falsidades testemunhais mútuas, mesmo sobre fatos verdadeiros; extremamente fácil: "reclamante de hoje, testemunha de amanhã".
É ingênuo o argumento contrário de que o litigante deve ser aceito como testemunha (e não como informante) porque tem direito de ação; se assim fosse, a suspeição da esposa depor contrariaria direito de casar. O impedimento não é à ação, mas à credibilidade. Também não se trata de violação ao princípio constitucional do direito de defesa; a CF admite os meios lícitos mas não atribui força probante ao incapaz, impedido ou suspeito.
E da mesma forma proferia suas decisões:
Testemunha. Impedida ou suspeita. A testemunha que litiga contra a parte contrária deve ser ouvida como informante. Seu valor probante dependerá da convicção que inspire. Na hipótese é única e conflita com as demais provas, sendo inaproveitável.[11]
Alguns consideram polêmica a posição defendida por Carrion, quando o correto seria considerá-la, apenas, antagônica à maioria dos demais estudiosos do direito processual do trabalho.
Isso porque, embora se trate de entendimento minoritário, é bastante razoável, visto que o fato de se contraditar uma testemunha que tenha proposto ação trabalhista contra a mesma empresa não impedirá o exercício do seu direito de ação, garantido constitucionalmente, pois a formulação da contradita não interferirá na demanda de interesse da testemunha, mas sim irá por em destaque a existência de um litígio entre ela e a empresa, advindo da falta de pagamento de verbas trabalhistas, consideradas alimentares, ou seja, imprescindíveis à subsistência do indivíduo.
O ensinamento defendido por Carrion evita que, em decorrência do litígio da testemunha, esta preste um depoimento viciado e maculado, na maioria das vezes revestido por uma ânsia de comprovar que a empresa não cometeu irregularidades tão somente em relação ao seu caso, mas também em todos em que figura como testemunha. Seguem julgados sobre o tema, inclusive do próprio Tribunal Superior do Trabalho:
Brasil. Tribunal Superior do Trabalho. O mundo do direito não pode dissociar-se do que realmente ocorre na vida prática. Se a testemunha do reclamante move ação contra a empresa, é evidente que tem o animus contendor, ainda mais no caso vertente, em que a testemunha é, também, paradigma no pleito de equiparação salarial.[12]
Brasil. Tribunal Superior do Trabalho. Testemunha. Suspeição. A testemunha que litiga com a mesma empresa em outro processo não tem a isenção que deverá ter ao testemunhar, considerando-se que tem interesse no desfecho da demanda em que vai depor, podendo, inclusive, daí, obter benefícios. O depoimento de tal testemunha só poderia ser requerido a título de mera informação, o que não ocorreu no presente caso. Embargos acolhidos. Ac. TST SDI.[13]
Brasil. Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (Distrito Federal / Estado do Tocantins). Litigância contra o reclamado. O depoimento de testemunha contraditada, sob o argumento de litigar contra o mesmo reclamado, deve ser tomado com reservas, já que, não raro, reclamante e testemunhas são colegas de trabalho e esta detém clara evidência de não prejudicar a pretensão inicial, pois, apesar de a jurisprudência não acolher a contradita sob esse fundamento, há, na prática, uma tendência ao favoritismo por parte da testemunha. Recurso provido.[14]
Brasil. Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (Estado de São Paulo). Testemunha. Impedida ou Suspeita. Informante. O depoimento de quem move outra ação contra a parte contrária deve ser ouvido como informante, sem lhe ser tomado o compromisso. Suas declarações terão ou não valor probante, de acordo com a convicção que inspirarem ao julgador.[15]
Em que pese a posição capitaneada por Carrion e seguida por outras importantes figuras do direito trabalho seja muito respeitável e sustentada em preceitos razoáveis, há quem defenda o meio termo, ou, mais precisamente, algumas situações pontuais em que a testemunha que litiga contra o mesmo empregador seria suspeita para depor.
Isso porque, a aplicação irrestrita da Súmula 357 do C. TST pode contribuir para a concretização de situações injustiças. Neste sentido, a jurisprudência demonstra com clareza algumas situações peculiares em que deverá se flexibilizar os ditames da Súmula 357 do TST.
São três os casos: (i) ações trabalhistas com objetos idênticos; (ii) troca de favores e (iii) testemunha dispensada por justa causa.
2.4.1.1 Ações com objetos idênticos
Havendo a testemunha proposto reclamação trabalhista com objeto absolutamente idêntico ao da demanda em que depõe como testemunha, resta caracterizada a suspeição por pleno interesse no desfecho daquele litígio.
A título de exemplo, que é a melhor maneira de se enxergar a situação fática posta a exame, imagine-se a situação em que dois colegas de trabalho que exerciam funções idênticas em um determinador setor da empresa, e que habitualmente se ativavam em labor extraordinário sem jamais receber qualquer contraprestação pecuniária, são dispensados.
Visando receber os valores relativos às horas extras prestadas, ambos os trabalhadores ingressam em juízo pleiteado a verba trabalhista sonegada, bem seus reflexos e integrações.
Ora, é evidente que os dois colegas (ou ex-colegas) encontram-se em situação idêntica e, consequentemente, não resta dúvida acerca da inequívoca intenção mútua de favorecimento, vez que obtendo o primeiro reclamante resultado positivo em seu pleito, criar-se-ia um precedente jurisprudencial para o segundo reclamante, em demanda ainda a ser julgada.
Diante do exposto, é de clareza solar que em havendo identidade de objeto nas demandas trabalhistas do reclamante e da testemunha, resta configurado o instituto da suspeição e, consequentemente, deverá ser afastada a aplicabilidade da Súmula 357 do C. TST. Nesse sentido, a jurisprudência:
Brasil. Tribunal Superior do Trabalho. SUSPEIÇÃO DE TESTEMUNHA QUE LITIGA CONTRA O MESMO EMPREGADOR – AÇÃO COM IDÊNTICO OBJETO – NÃO-APLICAÇÃO DO ENUNCIADO Nº 357 DO TST – A testemunha que litiga contra o mesmo empregador e tem ação com idêntico objeto ao daquela em que presta depoimento, devidamente compromissada e contraditada, não está abrangida pelas disposições do Enunciado nº 357 do TST. Com efeito, a jurisprudência sumulada desta Corte apenas consigna que o simples fato de a testemunha litigar contra o mesmo empregador não a torna suspeita. Não agasalha a peculiaridade da testemunha que tem reclamação com o mesmo objeto contra ele. Na forma da orientação emanada do STF, há, nessa hipótese, nítido interesse da testemunha em que o processo no qual presta seu depoimento venha a ter desfecho favorável, porquanto lhe servirá, no mínimo, de precedente, para que alcance satisfatoriamente os direitos que pleiteia. Nesse compasso, a decisão regional que toma por válido, unicamente, o depoimento desta testemunha, para deferir ao Obreiro as horas extras e seus reflexos, infringe a norma constitucional que garante o devido processo legal e o amplo direito de defesa às partes no processo, incorrendo, pois, em cerceamento de defesa. Recurso de revista conhecido e provido.[16]
2.4.1.2 Troca de favores
A situação aqui trazida é aquela em que dois empregados, após a rescisão do contrato de trabalho, ajuízam reclamatórias trabalhistas contra o empregador e, na oportunidade da audiência de instrução, um se vale do outro para obter depoimento favorável em juízo.
Tal situação, em que há a ajuda recíproca, revela-se como uma flagrante troca de favores, o que consubstancia um imperioso, e mútuo, interesse na demanda.
De igual sorte, na situação fática acima descrita merece afastamento os preceitos trazidos pela Súmula em estudo e, por conseguinte, ser declarada a suspeição da testemunha quando arguida pelo advogado ex adverso.
Veja-se o entendimento das nossas Cortes Trabalhistas sobre o tema:
Testemunha. Suspeição. A mera circunstância de estar demandando contra o mesmo empregador não torna suspeita a testemunha, conforme orientação já assente na jurisprudência (Súmula 357 do C. TST). Diversa, contudo, é a situação, quando a parte interessada no depoimento também irá depor em favor da testemunha. Evidenciada, aí, a impropriamente denominada "troca de favores", em que a suspeição da testemunha é presumida.[17]
Brasil. Tribunal Superior do Trabalho. AGRAVO DE INSTRUMENTO – TESTEMUNHA – TROCA DE FAVORES – É pacífico nesta Corte o entendimento de que não torna suspeita a testemunha o simples fato de estar litigando ou de ter litigado contra o mesmo empregador (Súmula 357 do TST). Todavia, no caso presente, o deferimento da contradita à testemunha do Autor não decorreu do fato de ela litigar contra o mesmo empregador, mas porque o Tribunal Regional concluiu configurada a troca de favores. HORAS EXTRAS – ACORDO DE COMPENSAÇÃO – O eg. TRT considerou válido o acordo individual de compensação de jornada, consignando a inexistência de norma coletiva em sentido contrário. A decisão recorrida encontra-se em harmonia com os itens I e II da Súmula 85/TST. Insubsistente a alegada violação do artigo 7º, inciso XIII, da CF/88. Agravo de Instrumento não provido.[18]
Brasil. Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (Estado de São Paulo). TESTEMUNHA – SUSPEIÇÃO – A mera circunstância de estar demandando contra o mesmo empregador não torna suspeita a testemunha, conforme orientação já assente na jurisprudência (Enunciado 357 do C. TST). Diversa, contudo, é a situação, quando a parte interessada no depoimento também já depôs em favor da testemunha. Evidenciada, aí, a impropriamente denominada "troca de favores", em que a suspeição da testemunha é presumida. [19]
Brasil. Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região (Estado do Pará). NULIDADE PROCESSUAL – DISPENSA DE DEPOIMENTO DE TESTEMUNHA QUE DESFRUTOU DO DEPOIMENTO DO RECLAMANTE, COMO TESTEMUNHA, EM OUTRO FEITO – INEXISTÊNCIA – A dispensa de testemunha arrolada pelo reclamante, em razão de ter o demandante servido como testemunha no processo em que a testemunha dispensada litiga contra o mesmo ex-empregador, é lícita, em face da suspeição da testemunha, por ter interesse no litígio, tendo em vista que a troca de favores macula o depoimento testemunhal, não havendo isenção de ânimos para depor.[20]
EMENTA: TESTEMUNHA. CONTRADITA ACOLHIDA. COMPROVADA A TROCA DE FAVORES E O INTERESSE NO LITÍGIO. Com efeito, o entendimento jurisprudencial sedimentado na Súmula nº 357 do C. TST aponta no sentido de que "não torna suspeita a testemunha pelo simples fato de estar litigando ou de ter litigado contra o mesmo empregador". Entretanto, o fato da testemunha admitir que arrolou o reclamante como testemunha em processo movido contra a mesma reclamada, evidencia, sim, a existência de troca de favores entre ambos, estando comprometida a imprescindível isenção de ânimo. Correto, portanto, o acolhimento da contradita da referida testemunha, pois restou configurada a hipótese de suspeição definida inciso IV do parágrafo 3º do art. 405 do CPC.[21]
2.4.1.3 Empregado dispensado por justa causa
Trata-se de mais uma hipótese de suspeição apta a desconsiderar a aplicação da Súmula 357. Isso porque, há inequívoca parcialidade de ânimo quanto ao depoimento deste indivíduo.
Com efeito, caso tenha ocorrido qualquer das situações previstas no artigo 482 da CLT em relação à testemunha, estar-se-á diante da inimizade capital ou do interesse no litígio, mas nunca diante da imparcialidade.
Segue entendimento do E. TRT da 15ª Região sobre a questão:
Brasil. Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (Estado de São Paulo / Campinas). PROVA TESTEMUNHAL – DEPOENTE DEMITIDO PELA RÉ POR JUSTA CAUSA – CONFIGURAÇÃO DA HIPÓTESE DE INIMIGO CAPITAL DA PARTE – ARTIGO 405, § 3º, INCISO III DO CPC – Sendo inequívoco nos autos que o único testigo a depor pela obreira foi despedido por justa causa, pela reclamada, tal configura a hipótese de inimigo capital da parte (ré), prevista no § 3º, inciso III, do art. 405, do CPC, ou, pelo menos, a de interesse no litígio, estabelecida no inciso IV, da norma já mencionada. É que não se pode acreditar que um empregado, que tenha tido seu contrato de trabalho rescindido motivadamente, possua a isenção de ânimo necessária para prestar depoimento em processo no qual sua antiga empregadora é ré, sem que, ainda que inconscientemente, tenha para com esta uma atitude hostil. Prova. Depoimentos contraditórios. Cisão da prova. Impossibilidade de comprovação dos fatos que se pretendia demonstrar. Havendo cada um dos litigantes apresentado uma testemunha e ocorrendo contradição entre os depoimentos, estabelece-se a cisão da prova, que não pode ser considerada apta a esclarecer o cerne da controvérsia.[22]
3. Conclusão
Muito embora o Tribunal Superior do Trabalho tenha consolidado seu entendimento, por meio de análises reiteradas de casos semelhantes, na Súmula 357, a qual estabelece a inexistência de suspeição da testemunha que litiga em juízo contra o mesmo empregador, há fortes e respeitáveis entendimentos opostos.
A título de exemplo, a posição defendida por Valentin Carrion, segundo a qual não existe violação ao direito de ação o fato do litigante não ser aceito como testemunha (e sim como informante), porque, se assim fosse, a suspeição da esposa depor contrariaria direito de casar. Inexistente, também, a violação ao princípio constitucional do direito de defesa, vez que a Constituição da República admite os meios lícitos, mas não atribui força probante ao incapaz, impedido ou suspeito.
A bem da verdade, o mais razoável, é que a Súmula em estudo seja aplicada em situações genéricas, mas não em todas, eis que existem casos peculiares que impossibilitariam um depoimento testemunhal com plena isenção de ânimo por parte de um indivíduo que outrora ajuizou reclamatória em desfavor da reclamada, a saber: (i) quando as reclamações apresentam objetos idênticos; (ii) na hipótese de testemunhos cruzados, onde um indivíduo testemunha em favor do outro e vice-versa contra o mesmo empregador; e (iii) quando se trata o depoente de ex-empregado dispensado por justa causa.
Diante do exposto, sob esta nova ótica, deve-se flexibilizar a aplicabilidade da Súmula 357 do C. TST, acolhendo-se, portanto, eventuais contraditas de testemunhas que se amoldem às situações acima discutidas, a fim de evitar injustiças e que mentiras repetidas se tornem verdades.
Denis Fonseca Madrigano é coordenador da área trabalhista do Escritório David e Aniceto Advogados Associados
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[1] GIGLIO. Wagner D. Direito processual do trabalho. 8 ed. São Paulo: LTr, 1995. P. 257.
[2] MARTINS, Sergio Pinto. Direito processual do trabalho. 29ª ed. São Paulo: Atlas, 2009. P. 339.
[3] ALMEIDA, Ísis. Manual de direito processual do trabalho. 9ª ed. São Paulo: LTr, 1998. P. 199.
[4] Súmula nº 357 do TST TESTEMUNHA. AÇÃO CONTRA A MESMA RECLAMADA. SUSPEIÇÃO (mantida) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003 Não torna suspeita a testemunha o simples fato de estar litigando ou de ter litigado contra o mesmo empregador.
[5] GIGLIO, Wagner D. Direito processual do trabalho. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. P. 219.
[6] TEIXEIRA FILHO, Manoel Antônio. A prova no processo do trabalho. 8 ed. São Paulo: LTr, 2003. P. 344.
[7] MARTINS, Sergio Pinto. Direito processual do trabalho. 29ª ed. São Paulo: Atlas, 2009. P. 339.
[8] TRT 2ª Região - PROCESSO Nº: 01689-2004-261-02-00-7 - ACÓRDÃO Nº: 20101170720 - RELATOR: ÁLVARO ALVES NÔGA - REVISORA: THAIS VERRASTRO DE ALMEIDA - TURMA: 17ª - DATA DE PUBLICAÇÃO: 17/11/2010
[9] TRT 2ª Região - ACÓRDÃO Nº: 20130146778 - RELATOR: RAFAEL EDSON PUGLIESE RIBEIRO - REVISOR: VALDIR FLORINDO - TURMA: 6ª - DATA DE PUBLICAÇÃO: 04/03/2013
[10] CARRION, Valentin. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 34ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009. P. 636.
[11] TRT 2ª Região - PROCESSO Nº: 02960456950 - ACÓRDÃO Nº: 02970615872 - RELATOR: VALENTIN CARRION - REVISORA: NELI BARBUY CUNHA MONACCI - TURMA: 9ª - DATA DE PUBLICAÇÃO: 25/11/1997
[12] TST - RR 145392 / 94.7, Min. Rider de Brito, Ac. 2ª T. 4.427/96.
[13] TST - E RR 12195/ 90.8, Min. Afonso Celso, DJU 03/12/93, p. 26500.
[14] TRT 10ª Região. 3ª T (Ac. 0400/94). Juiz Francisco Leocádio, DJ/DF 15/07/94. Jornal Trabalhista. Ano XII, nº 533, p. 1129.
[15] TRT 2ª Região. RO 19915/96, Valentin Carrion, Ac. 9ª T. Ac. 38.155/97, publicado em 13.8.97.
[16] TST – RR 779678 – 4ª T. – Rel. Min. Ives Gandra Martins Filho – DJU 08.11.2002.
[17] TRT 2ª Região - PROCESSO Nº: 02527-2005-055-02-00-9 - ACÓRDÃO Nº: 20070260804 - RELATOR: WILSON FERNANDES - TURMA: 1ª - DATA DE PUBLICAÇÃO: 08/05/2007
[18] TST – AIRR 21258/2002-900-03-00.7 – 2ª T. – Rel. Min. José Simpliciano Fontes de F. Fernandes – DJU 16.09.2005) JCF.7 JCF.7.XIII
[19] TRT 2ª R. – AI 00552 – (20040011091) – 1ª T. – Rel. Juiz Wilson Fernandes – DOESP 10.02.2004
[20] TRT 8ª R. – RO 00447-2003-008-08-00-7 – (933/2004) – 2ª T. – Rel. Juiz Conv. Raimundo Itamar Lemos Fernandes Júnior – J. 19.04.2004
[21] TRT 2ª Região – PROCESSO Nº: 20120023238 - ACÓRDÃO Nº: 20120695868 - RELATORA: MARCELO FREIRE GONÇALVES - REVISORA: IARA RAMIRES DA SILVA DE CASTRO - TURMA: 12ª - DATA DE PUBLICAÇÃO: 29/06/2012.
[22] TRT 15ª R. – Proc. 30628/02 – (42139/03) – 6ª T. – Relª Juíza Olga Aida Joaquim Gomieri – DOESP 19.12.2003 – p. 100) JCPC.405 JCPC.405.3.III