Com o advento dos smartphones, câmeras digitais e tablets, passou a ser comum partes e procuradores gravarem audiências, perícias e outros atos solenes de instrução e/ou julgamento processual. O que se questiona é se isso é, de fato, possível, considerando os limites constitucionais e legais presentes na legislação brasileira.
Inicialmente, quanto às audiências, é sabido que se trata de ambiente público de acesso irrestrito, salvo exceções de processos que envolvam segredo de justiça. E isso ocorre pela publicidade dos atos de Estado e também pela transparência que se exige de todo aquele que trabalha com e para a coisa pública. A legislação processual, inclusive, faz saber que o acesso às audiências é público e livre, artigo 444 do CPC1. O que não há previsão é quanto à possibilidade ou não de gravação por completo destes atos solenes, à exceção dos depoimentos das testemunhas.
Sobre isso é bom deixar claro que a legislação não poderia prever o advento dos smartphones, havido em 2007, ou mesmo das câmeras digitais, um pouco menos modernas. Mas, se tivesse previsto ou fosse contemporâneo, autorizaria a filmagem, gravação etc., destes eventos de forma irrestrita?
Creio que a resposta é negativa. Não há como se confundir publicidade do ato e livre acesso a uma sessão solene com autorização para registro de imagem e voz. Há uma grande diferença entre gravações em ambientes abertos (na rua) e aqueles restritos, destinados à produção de prova e/ou julgamento. A proteção à imagem e voz, consagrada na CF/88 como direito fundamental de primeira dimensão, apenas pode ser transposta com autorização dos envolvidos. Isso porque a limitação a um direito fundamental (de personalidade até) apenas pode ocorrer em situações restritas, e não como regra geral.
Note-se que o artigo 417, caput, do CPC2 apenas autoriza a gravação dos depoimentos das testemunhas (artigo inserido na seção VI, subseção II do Capítulo VI, “DAS PROVAS”, do CPC). No mais, depoimentos pessoais, designação de provas, decisões interlocutórias e/ou saneadoras, razões finais etc. não podem ser gravados. A interpretação deste artigo, que traz uma exceção, deve ser restrita.
De outro lado, em relação às perícias, ocorre o mesmo. Sob as ordens do juiz, o perito realiza a inspeção judicial. Neste momento, ele é a “longa manus” do magistrado na busca da verdade real. As gravações e filmagens não-autorizadas seguem a mesma linha, apenas sendo possível quando há expressa concordância de todos, inclusive do perito. Ou seja, se o perito não autoriza a gravação, não pode ela ocorrer. Não preciso dizer que o fato de não constar em ata a permissão para gravação não significa autorização. Há limites para o acesso às sessões públicas e este limite é, também, o respeito à norma constitucional de proteção à imagem e voz, mesmo em ambientes de acesso público, mas não “em público”.
Por fim, o artigo 417, caput, do CPC, como dito supra, apenas autoriza a gravação dos depoimentos das testemunhas. Se esta norma de interpretação restrita quisesse autorizar a gravação de todo o ato solene, faria isso de forma expressa; de outro modo, fez referência apenas às testemunhas. Não se estende, pois, às inspeções periciais, não podendo elas, portanto, ser gravadas e/ou filmadas, salvo autorização de todos os envolvidos.
Assim, concluo esta pequena reflexão entendendo que não é permitida a gravação de audiências e perícias, podendo o magistrado, advogado ou perito negar-se a realizar seu trabalho nos casos em que isso ocorra, salvo quanto aos depoimentos das testemunhas em juízo.
Notas
1 Art. 444. A audiência será pública; nos casos de que trata o art. 155, realizar-se-á a portas fechadas.
2 Art. 417. O depoimento, datilografado ou registrado por taquigrafia, estenotipia ou outro método idôneo de documentação, será assinado pelo juiz, pelo depoente e pelos procuradores, facultando-se às partes a sua gravação . (grifei)