Fosfoetanolamina, tempo, vida e a indústria farmacêutica.

Até quando esperar, a plebe ajoelhar, esperando a ajuda de Deus?

Leia nesta página:

A saúde é direito social fundamental, previsto no art. 6º da Constituição Federal, que integra o próprio direito à vida (art. 5º). Neste sentido, saúde e vida são direitos indissociáveis e indivisíveis, de modo que a ausência de um implica a não garantia.

É direito de todos, dever do Estado, sendo garantido mediante politicas sociais e econômicas, visando à diminuição do risco de doenças e outros agravos, sendo regido pelo princípio do acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

O fornecimento de medicamentos possui então a expressão do direito público à saúde, difuso a todos que dela necessitam para sua sobrevivência.

O risco a que se expõem os pacientes que não recebem os medicamentos adequados e necessários pode, inclusive, levar a um custo social ainda maior para o Ente Público. De fato, internações, cirurgias e a simples perda capacidade laborativa faz do cidadão alguém que deverá ser amparado, além de causar lancinante sofrimento a si próprio e à família.

A doença mais aterrorizante da sociedade moderna é o Câncer, nome dado a um conjunto de mais de 100 doenças que têm em comum o crescimento desordenado (maligno) de células que invadem os tecidos e órgãos, podendo espalhar-se (metástase) para outras regiões do corpo.[1]

A cada ano mais de 12,7 milhões de pessoas no mundo são diagnosticadas com câncer e 7,6 milhões de pessoas morrem vítimas dessa doença. No Brasil, todo ano são esperados quase 500 mil novos casos da doença.

Por trás, bilhões de dólares circulam em pesquisas, tratamentos e atendimentos médicos que curam ou visam prolongar e melhorar a qualidade de vida do paciente.

As técnicas que dispomos, medicamentos, quimioterapias e radioterapias, nem sempre prometem a cura, mas tão somente uma melhor qualidade de sobrevida ao paciente que, impaciente, espera a morte, definhando numa cama aos olhos dos impotentes familiares.

Surge em voga então um fármaco ora desenvolvido pelo instituto de química da Universidade de São Paulo (USP), a chamada FOSFOETANOLAMINA SINTÉTICA.

Acompanha-se através da mídia, relatos de enfermos com câncer que têm obtido melhora e até mesmo a cura através de seu uso, supostamente capaz de estimular o organismo a produzir defesas contra o câncer.

Trata-se de um composto químico orgânico presente no corpo humano, convertido usualmente em outras substâncias que formam as membranas das células. Além dessa função estrutural de formar a membrana celular, ela possui ainda a função sinalizadora, informando o organismo sobre a situação das células.

No Brasil, uma versão artificial da Fosfoetanolamina começou a ser sintetizada pelo químico Gilberto Orivaldo Chierice, então professor do Instituto de Química de São Carlos (IQSC), no final da década de 1980.

Existem sérios estudos[2] e exemplos de casos concretos de que suas propriedades ajudam no combate ao câncer. Contudo, a droga não possui registro na ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), e também não possui bula, não podendo ser comercializada ou sequer prescrita (!?!).

Aqui cabe uma reflexão importante: Se estamos cogitando que um medicamento - em tese (frise-se), pode curar ou ainda que minimamente amenizar os efeitos malignos da chamada doença do século, entendemos que toda a humanidade deveria estar focada em fomentar a imediata pesquisa de tal fármaco.

Parece-nos absurda e incoerente, a ideia da espera das fases de pesquisa pela Anvisa, em procedimentos burocráticos (ainda que importantes para a competente regularização) quando temos, do outro lado, o bem maior, a Vida, (salvaguardada pela Constituição Federal).

O que pode acontecer de mais grave a milhares de portadores de câncer em estado terminal se o medicamento não tiver passado e repassado por testes e fases experimentais, senão a morte?

Não somos contra a regularização e pesquisa, muito pelo contrário.

Os elementos que são postos à mesa são o tempo e a vida.

O câncer, muitas vezes, anda de mãos dadas ao adjetivo fulminante.

Ele não espera a burocracia da Anvisa.

Ele corrói, se espalha e destrói as células do organismo, não se importando para a pesquisa que poderia ter iniciado na década de 80, quando a fosfoetanolamina foi descoberta.

A nós, leigos, nos parece frágil também a assertiva de que existem diversas facetas para a doença e um único remédio não seria capaz de as combater. Se assim o fosse, a Penicilina não teria desdobrado e aberto campo de pesquisa para os mais diversos antibióticos.

 Pensamos, ousamos e acreditamos que nossa agonia possa ficar apenas no campo da divagação e da conspiração fantasiosa.

Mas não podemos cegar frente os interesses de uma potência econômica enrustida na indústria farmacêutica, que movimenta 100 bilhões de dólares por ano[3] em pesquisas para os medicamentos quimioterápicos atuais, nas belas e proliferantes (palavra que surge, aqui, não coincidentemente) clínicas de tratamento oncológico em todo o mundo, equipadas com caríssimos equipamentos, revestidos de valiosas marcas e patentes, que repousam em pisos de mármore branco.

Se estamos - apenas no campo da cogitação, próximos de uma cura para o câncer, a sociedade que se veste de branco não deveria estar tomando a iniciativa com todos os esforços possíveis e inimagináveis, inclusive no campo da pesquisa, investimentos e recursos de toda e qualquer natureza, para aprofundar o quanto antes a busca de uma resposta a elucidar as centenas ou milhares de relatos de cura com a fosfoetanolamina?

Quem tem interesse neste retardo? Quais consequências ele traria para uma área em plena expansão da indústria farmacêutica de da medicina moderna?

É correto, inclusive no campo da ética e da moral, assistirmos que a iniciativa nasça não da comunidade científica, mas da própria sociedade que grita, clama, chora e morre por uma definição quanto aos estudos e eventual regularização?

A provocação tem que partir dos doentes e seus familiares? De médicos presos e calados?

Não há, aqui, uma inconcebível e inconstitucional inversão de valores?

                      Será que chegamos ao absurdo de fazer valer as palavras de Ghislaine Lancot, em seu livro "A Máfia Branca", ao colocar que "o sistema está ao serviço de quem dele tira proveito: a indústria farmacêutica. De uma forma oficial – puramente ilusória – o sistema está ao serviço do paciente, mas oficiosamente, na realidade, o sistema está às ordens da indústria que é quem move os fios e mantém o sistema de enfermidade em seu próprio benefício. Em suma, trata-se de uma autêntica máfia médica, de um sistema que cria enfermidades e mata por dinheiro e por poder. "[4]

A estória não é inédita. Apenas abafada. "Tudo que o homem não conhece não existe para ele. Por isso o mundo tem, para cada um, o tamanho que abrange o seu conhecimento" [5]

Em 2012 o cinema estreou Burzynski, O Filme - O Câncer é Um Grande Negócio, que retrata a história (que ainda não terminou) de como a aliança Governo/Indústria tentou destruir um médico/cientista que descobriu uma cura para o câncer.

Aqui no Brasil o filme italiano Bisturi, A Máfia Branca, de Luigi Zampa (1973) foi perseguido e "censurado" por "ofender” a classe médica.

Conforme explica a Nobre Juíza Claudia Sanine Ponich Bosco, a entidade competente para proceder à inscrição de medicamentos é a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), na forma das disposições da Lei nº 9.782/99 e da Lei nº 6.360/76. Contudo há hipóteses em que a necessidade de registro é afastada pela própria lei, conforme dispõe o artigo 24, da Lei nº 6.360/76 que assim disciplina: “Estão isentos de registro os medicamentos novos, destinados exclusivamente a uso experimental, sob controle médico, podendo, inclusive, ser importados mediante expressa autorização do Ministério da Saúde”. Deste modo, não obstante, em princípio, seja descabido o fornecimento de medicamentos que não possuem registro na ANVISA, em situações excepcionais, em face de risco de morte, tem-se relativizado tal restrição.

Em sua palavras:

"Pelo relato dos autos e pelo aquilo que vem sendo noticiado maciçamente na mídia, a pesquisa do composto vem sendo realizada há 20 (vinte) anos.

Há, ainda, estudos apontando resultados positivos da droga em animais na contenção e redução de tumores, tendo o pesquisador Renato Meneguelo, inclusive, registrado que, nos estudos feitos com camundongos, não houve alterações das células normais, nem os efeitos colaterais dos quimioterápicos convencionais[1].

Tem-se, ainda, outras ações em andamento nas quais se informou que há cerca de 800 (oitocentas) pessoas fazendo uso da Fosfoetanolamina, com relatos de melhora nos sintomas.

No caso vertente, estando a parte autora acometida por uma doença grave, cruel, que lhe causa intenso sofrimento físico e emocional, mostra-se viável, nesse início de conhecimento, a concessão da antecipação dos efeitos da tutela, ainda que o medicamento ou composto farmacêutico penda de registro no órgão competente.

A redação do dispositivo em apreço, interpretado literalmente, poderia conduzir à falsa ideia de que toda e qualquer pesquisa nas dependências do IQSC estaria vedada enquanto não expedidas pelos órgãos competentes as devidas licenças e registros. Ora, então, de que forma os medicamentos/compostos farmacêuticos poderiam ser descobertos, criados e testados, senão anteriormente ao registro, eis que a competente licença somente se admitiria uma vez comprovada a eficácia de sua aplicação? Decerto que o registro é posterior à descoberta, pesquisa e aplicação farmacológica dos compostos/medicamentos testados! Até porque não se presume um invento para registrá-lo e apenas depois testá-lo.

Não se pode admitir que a aplicação de substância, potencialmente capaz de conter os efeitos nefastos da doença que assola o paciente, seja vedada ao argumento da ausência de seu registro ou licença nos órgãos respectivos.

Ainda que a possibilidade de cura seja remota, não pode ser negada à parte autora.

O Supremo Tribunal Federal o Ministro Edson Fachin enfatiza a urgência e plausibilidade jurídica, na utilização de Fosfoetanolamina Sintética, deferindo liminar e garantindo a manutenção do fornecimento através de laboratório, cassando decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo.

Em nossos pedidos de obrigação de fazer (entrega dos medicamentos) trazemos diversos relatos de pacientes submetidos ao uso da Fosfoetanolamina, com melhora significativa dos sintomas e regressão da doença.

Temos por inconcebível negar o tratamento ao indivíduo, que, para o combate à sua doença, muitas vezes, tem como sua ultima esperança de viver a utilização deste medicamento. Não se trata de uma escolha, de uma opção, mas, infelizmente, praticamente uma derradeira oportunidade de vida.

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O que fica demonstrado com a liminar transcrita acima é que o direito a vida e a saúde, independentemente de qualquer vinculação do necessitado a sistema de seguridade social, é dever do Estado, que deve tomar a iniciativa e salvaguardar não só a Constituição Federal, mas com ela a dignidade da pessoa, no sentido de preservação da vida.

Se, infelizmente, a via do acesso se faz necessária, com o que tem se denominado judicialização da saúde, que assim o seja. Aliás, não é só na saúde que tal fenômeno lateja, pois o estado não cumpre com a entrega dos direitos sociais básicos da população, o que deveria ser a contrapartida para a mais cara carga tributária já vivenciada em nossa desacreditada nação.

Quanto a difícil luta pela vida ganha contornos em batalhas que envolvem burocracias e interesses econômicos obscuros, cabe-nos questionar os princípios basilares de nossa sociedade.

Destacamos ainda um precedente muito importante neste mundo de liminares, ao conseguirmos de maneira inédita que o paciente ajuíze a demanda em seu domicilio:

".... Primeiro, entendo que a regra de competência a prevalecer é aquela estabelecida no art. 100 do CPC/73, ou seja, regra de competência relativa, a qual não permite que o magistrado dela decline de ofício. Anota-se que referida posição é adotada pelo processualista mineiro Humberto Theodoro Júnior, que explica que todas as hipóteses do art. 100 do CPC/73 são de competência relativa.

Segundo, pois prevalece na doutrina e na jurisprudência pátria o entendimento de que, mesmo o juiz absolutamente incompetente, poderá decidir quanto a medidas de extrema urgência, sendo a decisão válida inicialmente – ainda que deva ser submetida a posterior análise pelo juiz competente.

Isso porque modernamente considera-se que regras de competência não podem ser um óbice à melhor prestação da tutela jurisdicional. O próprio STJ comunga desse entendimento:

Esperamos que o Judiciário, último recurso, consiga continuar a desempenhar o importante papel de garantir àqueles que assim o desejam a faculdade de poder optar, e, optando, manter acessa uma esperança de vida, ao invés de sentado, aguardar o fim.

É melhor tentar e falhar que ocupar-se em ver a vida passar. É melhor tentar, ainda que em vão, que nada fazer. Eu prefiro caminhar na chuva a, em dias tristes, me esconder em casa. Prefiro ser feliz, embora louco, a viver em conformidade. Mesmo as noites totalmente sem estrelas podem anunciar a aurora de uma grande realização. Mesmo se eu soubesse que amanhã o mundo se partiria em pedaços, eu ainda plantaria a minha macieira. O ódio paralisa a vida; o amor a desata.

                                                                                              Martin Luther King

[1] Instituto Nacional de Câncer – INCA Disponível em: <http://www1.inca.gov.br/conteudo_view.asp?id=322> Acesso em 18/01/2016.

[2] Vide: Arias-Mendoza F1, Smith MR, Brown TR. Predicting treatment response in non-Hodgkin’s lymphoma from the pretreatment tumor content of phosphoethanolamine plus phosphocholinehttp://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/15109009 , publicado nos idos de 2004.

[3]      http://www.forbes.com.br/negocios/2015/05/mercado-de-remedios-contra-o-cancer-atinge-marca-de-us-100-bilhoesano/

[4]      Encontrado em https://portalverde.wordpress.com/tag/mafia-branca/

[5]      Carlos Bernardo González Pecotche.

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Sobre os autores
Bernardo Rucker

advogado, Rücker Sociedade de Advogados.

Janaina Bortolini De Villa

advogada. Rücker Sociedade de Advogados

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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