Comentários sobre o uso de uniforme militar das forças armadas nos esportes de ação (airsoft/paintball)

30/01/2016 às 20:44
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O presente artigo trata do uso indevido de uniformes, distintivos ou insígnias militares por civis, ou membros das Forças Armadas dos quais não tenham direitos, a competência para julgamento da ação penal e o bem jurídico tutelado.

O uso indevido de uniforme, distintivo ou insígnia militar está tipificado como crime militar no art. 171 e 172 do Código Penal Militar, com pena de até seis meses de detenção. Importante observar a menção ao termo “uso indevido de uniforme”, portanto, orbita como sujeito o civil ou militar que utiliza o elemento privativo das Forças Armadas para praticar a conduta prevista no ordenamento jurídico que prejudica fé pública e a credibilidade da Administração Militar.

Os bens jurídicos supracitados são responsáveis por atrair a competência da Justiça Militar, devido a intenção do agente em atingir a instituição militar, caso contrário, o crime seria de competência da justiça comum, portanto, não cabe apenas a Justiça Militar julgar casos inerentes aos militares, sendo possível julgar atos praticados por civis. No caso em analise a utilização de fardamento militar por civis ou militares indevidamente é de competência da Justiça Militar, conforme entendimento do Supremo Tribunal Militar – STM e Supremo Tribunal Federal – STF.

“Art. 171. Usar o militar ou assemelhado, indevidamente, uniforme, distintivo ou insígnia de pôsto ou graduação superior: Pena - detenção, de seis meses a um ano, se o fato não constitui crime mais grave. 
Art. 172. Usar, indevidamente, uniforme, distintivo ou insígnia militar a que não tenha direito: Pena - detenção, até seis meses”.

   Ocorre que em muitos casos diferentes atletas pelo país se utilizam de uniforme e insígnias privativas das Forças Armadas para praticar o esporte. Destarte, é de clareza solar que a utilização destes itens por atletas durante a prática esportiva tem o objetivo exclusivo de um melhor desempenho esportivo, devido principalmente à sua camuflagem, ausente, portanto, a utilização de uniforme militar com o animus intermediário para obter vantagem indevida. 

Entretanto, o elemento objetivo “usar” não faz distensão de local ou atividade, não importando se o agente pretende ou não utilizar para praticar o esporte, o dolo, neste caso, está presente no momento em que um civil ou militar se utiliza de insígnia ou uniforme privativo das Forças Armadas, que não faz jus, configurando-se como um crime de mera conduta, devendo a competência ser atraída para Justiça Militar da União, por se tratar de peças de uso privativo das Forças Armadas e os bens jurídicos tutelados. 

Importante observar a materialidade do crime, a utilização de uniformes privativos das Forças Armadas são elementos tipificados nos art. 171 e 172 do CPM, igualmente, a autoria como a materialidade do delito fica comprovada na utilização durante a prática esportiva, devendo ser evitado o seu uso, não alcançando os princípios da intervenção mínima e da insignificância como tese defensiva.

Ocorre que a dúvida caminha para o fato de se um atleta utilizar o uniforme ou insígnia militar durante a prática esportiva seria capaz de iludir terceiros, ou até mesmo se o agente possui o dolo específico capaz de caracterizar o delito de uso indevido de uniforme, previsto no arts. 171 e 172 do Código Penal Militar. Para responder esse questionamento é necessário buscar o posicionamento dos tribunais pátrios. Nesse sentido é possível encontrar decisões divergentes, enquanto alguns tribunais indicam a necessidade do dolo, outros caminham para a tipicidade já no uso, não importando se o agente tem dolo ou não de ludibriar, este segundo posicionamento majoritário.

STM - APELAÇÃO (FO) Apelação 49194 SP 2002.01.049194-5 (STM).  Data de publicação: 07/08/2003. 
Ementa: APELAÇÃO - USO INDEVIDO DE UNIFORME, DISTINTIVO OU INSÍGNIA MILITAR. DOLO ESPECÍFICO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR PENA RESTRITIVA DE DIREITO. 1. Para a configuração do tipo penal do artigo 172 do Código Penal Militar é necessário que o agente tenha dolo específico de fardar-se para usurpar a autoridade militar. 2. A lei penal militar não admite a substituição da pena privativa de liberdade pela pena restritiva de direitos. 3. Apelação improvida, sentença mantida, decisão unânime. 

STM - APELAÇÃO AP 31120097110011 DF 0000003-11.2009.7.11.0011 (STM).  Data de publicação: 09/05/2011. Ementa: EMENTA: APELAÇÃO. USO INDEVIDO DE UNIFORME. CRIME DE MERA CONDUTA. AGENTE CIVIL. CONSUMAÇÃO INDEPENDENTE DO RESULTADO. FINALIDADE. IRRELEVÂNCIA. - O uso indevido de uniforme é crime de mera conduta e, no caso do agente civil, atinge a autoridade e a ordem administrativa militar - bens jurídicos tutelados pela lei - independentemente da finalidade do sujeito ativo. - A farda identifica o usuário como integrante das Forças Armadas, concedendo-lhe poder legal e prerrogativas próprias de membro das instituições militares. Assim, o crime se consuma independente do resultado, basta o simples uso indevido. - Inviável a aplicação da Súmula 17 do STJ, como pleiteia a Defesa, haja vista o delito de uso indevido de uniforme não ter se exaurido no de estelionato, tendo havido potencialidade lesiva com o simples trajar peça militar a qual não se tinha direito. RECURSO PROVIDO. DECISÃO UNÂNIME.

Igualmente, o fato do uniforme estar incompleto para muitos tribunais se configura como fato atípico, mesmo se tratando de peça inerente de uso privativo das Forças Armadas. Outrossim, já que o uso parcial da farda seria incapaz de iludir terceiros, não seria possível aplicar os arts. 171 e 172 do CPM ou o art. 76 da Lei nº 6.880/80, também conhecida como Estatuto dos Militares, conforme declara o parágrafo único: “Constituem crimes previstos na legislação específica o desrespeito aos uniformes, distintivos, insígnias e emblemas militares, bem como seu uso por quem a eles não tiver direito”. No campo fértil das jurisprudências as decisões pelo país corroboram nesse sentido:

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STM - RECURSO CRIMINAL (FO) 6847 MG 2001.01.006847-9 (STM).  Data de publicação: 06/09/2001. 
Ementa: RECURSO CRIMINAL. REJEIÇÃO DE DENÚNCIA. USO INDEVIDO DE UNIFORME. PATROCÍNIO INDÉBITO. 1. Civil que veste calça e camisa do padrão camuflado do Exército Brasileiro, sem outras peças complementares do fardamento, destituídas das características essenciais para iludir terceiros, não comete o crime de USO INDEVIDO de uniforme militar. 2. Conduta do denunciado a revelar ausência de pretensão de usurpar a autoridade, que a lei não lhe confere. 3. Patrocínio indébito. Patrocinar é pleitear, advogar a causa de alguém, fazendo petições, razões, acompanhamento de processos, fazendo pedidos (...). No caso examinado, o denunciado apenas pediu informações sobre a investigação do uso indevido do uniforme pelo outro denunciado. Ausência de tipicidade do crime de uso indevido de uniforme. Recurso do MPM negado provimento. Decisão unânime.

  Outro fato curioso trata do uso de uniforme militar no airsoft e paintball por militares da ativa e inativos, no caso do uso de uniforme pelo militar inativo ou da reserva o Supremo Tribunal Federal já se posicionou sobre a temática através da Súmula n°57, somando o entendimento com a legislação, somente permitindo nas situações elencados na alínea c do § 1º do art. 77 da Lei nº 6.880/80, não contemplando o seu uso em eventos esportivos, sendo necessário a autorização das Forças Armadas para sua utilização segundo a jurisprudência dominante, entretanto, no caso dos atletas em plena atividade militar o seu uso é permitido, já que fazem jus ao direito de usar fardamento ou insígnias militares não havendo tipicidade na conduta.

STM - APELAÇÃO (FO) 50715 SP 2007.01.050715-9 (STM). Data da publicação: 08/06/2009
Ementa: APELAÇÃO. USO INDEVIDO DE UNIFORME. CRIME DE MERA CONDUTA. MILITAR INATIVO. DESCLASSIFICAÇÃO. uso indevido de uniforme é crime de mera conduta e, no caso de militar inativo, atinge a autoridade e a ordem administrativa militar - bens jurídicos tutelados pela lei - independentemente da finalidade do sujeito ativo. - Apelante agiu dolosamente quando, em público, exibiu farda com nítida intenção de iludir terceiros. - Mantida a condenação, desclassifica-se a conduta para o crime previsto no art. 172 do CPM, por tratar-se de militar inativo. Recurso improvido parcialmente. Decisão unânime.

A utilização de insígnias por civis e militares da ativa ou não é algo que não deve ser ignorado, os militares no geral que utilizam de insígnias correspondente as posições que ocupam ou ocupavam durante a prática esportiva não configuram em crime, sendo, portanto, direito assegurado seu uso, entretanto, os civis que adotam tais insígnias em seus fardamentos estarão incursos nos tipos penais castrenses previstos nos arts. 171 e 172 do CPM, não sendo recomendado sua utilização. 

Devido à jurisprudência conflitante quanto à aplicação dos arts. 171 e 172 do CPM é recomendável que os atletas de airsoft e paintball que buscam utilizar de uniformes camuflados para um melhor desempenho em campo deixem de usar o fardamento das Forças Armadas, de qualquer espécie, por ser solida a concentração de decisões majoritárias que indicam como crime a conduta do uso, portanto, para evitar denúncias pelo Ministério Público Militar, o ideal é o atleta procurar outro tipo de fardamento para praticar o esporte.

Bibliografia:

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Organização de Alexandre de Moraes. 16. Ed. São Paulo: Atlas, 2000.

______.  Código Penal. Decreto-Lei n° 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Vade Mecum. São Paulo: Saraiva, 2008.

______. Código Penal Militar. Decreto-Lei nº 1.001, de 21 de outubro de 1969. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del1001.htm. Acesso em: 25 jan 2016. 

______. Lei nº 6.880, de 09 de dezembro de 1980.

______. Supremo Tribunal Federal. Súmula n.º57. Militar inativo não tem direito ao uso do uniforme, fora dos casos previstos em lei ou regulamento. 

Sobre o autor
Guilherme José Pereira

Advogado, Graduado em Direito pela Universidade Santa Úrsula (USU-RJ), Graduado em Publicidade e Propaganda pela UniverCidade, Especialista em Direito da Propriedade Intelectual pela Universidade Candido Mendes (UCAM-RJ), Especialista em Direito Imobiliário pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), Conselheiro Esportivo Interestadual da Federação Cearense Desportiva de Airsoft - FCDA e Membro colaborador da Comissão de Direito Imobiliário da OAB/Campinas.Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/1576859405197724

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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