- Introdução
O presente artigo aborda a Lei de Imprensa n° 5250/67 que foi objeto da ADPF 130/DF. Tal ação afirma que a Lei de Imprensa era inconstitucional, uma vez que a mesma trazia artigos e incisos que permitiam a censura da imprensa e até mesmo o seu controle, além de outras questões que foram levantadas a seu respeito.
1.1 O que é ADPF (Arguição de descumprimento de preceito fundamental)?
A ADPF é prevista no art. 102, § 1º, da Constituição e é regulamentada pela Lei nº 9.882/99, a ação será proposta perante o Supremo Tribunal Federal e terá por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental resultado de ato do Poder Público.
O Congresso Nacional editou a Lei nº 9.882 de 1999, que regulamentou a ADPF da seguinte forma:
- Órgão competente para o processo e o julgamento: Supremo Tribunal Federal.
- Legitimados ativos: os mesmo colegitimados para a propositura da ação direta de inconstitucionalidade: Presidente da República, Mesa da Câmara dos Deputados, Mesa do Senado Federal, Mesas das Assembleias Legislativas, Governadores do Estado, Procurador-Geral da República, Conselho Federal da OAB, partidos políticos com representação no Congresso Nacional e confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.
- Hipóteses de cabimento da ADPF:
- Para evitar lesão a preceito fundamental resultante de ato do Poder Público;
- Para reparar lesão a preceito fundamental resultando de ato do Poder Público;
- Quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição.
- Caráter subsidiário: a lei veda a possibilidade de ADPF quando houver qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade. O princípio da subsidiariedade exige o esgotamento de todas as vias possíveis para sanar a lesão ou a ameaça de lesão a preceito fundamento, caso os mecanismos utilizados se mostres ineficazes, será cabível o ajuizamento da ADPF.
- Possibilidade de participação de amicus curiae: aplicação analógica do art. 7º, § 2º, da Lei nº 9.868/99:
- Art. 7o Não se admitirá intervenção de terceiros no processo de ação direta de inconstitucionalidade.
§ 2o O relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, poderá, por despacho irrecorrível, admitir, observado o prazo fixado no parágrafo anterior, a manifestação de outros órgãos ou entidades.
- Quorum para instalação da sessão e para a decisão: a decisão sobre a ADPF somente será tomada se presentes na sessão pelo menos dois terços dos Ministros, e se houver necessidade de declaração de inconstitucionalidade do ato do Poder Público que tenha descumprido preceito fundamental haverá necessidade de maioria absoluta.
- Efeitos da decisão: a decisão terá efeitos erga omnes e vinculantes aos demais órgãos do Poder Público. Em relação à amplitude e efeitos temporais da decisão, o STF, por maioria de dor terços de seus membros, poderá restringir os efeitos da declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado, visando a segurança jurídica e o interesse social.
- Irrecorribilidade da decisão: a decisão que julgar procedente ou improcedente o pedido de ADPF é irrecorrível, não podendo ser objeto de ação rescisória.
1.2 Arguição de descumprimento de preceito fundamental preventiva e repressiva
A ADPF caberá preventivamente perante o STF com o objetivo de evitar lesões a princípios, direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal, e, repressivamente, para repará-las quando causadas pela conduta comissiva ou omissiva de qualquer dos poderes públicos. Ou seja, o nosso ordenamento jurídico somente possibilita a ADPF quando se pretende evitar ou cessar lesão decorrente de ato praticado pelo Poder Público, a preceito fundamental previsto na Constituição.
2. A Lei de Imprensa
Pode-se notar que a lei de imprensa, 5250/67, tinha aspectos que causavam um serio desconforto no âmbito constitucional, já que a sua elaboração previu casos, como o de punimentos através da própria lei, o que era disposto nos artigos 20, 21, 22 da mesma, os quais causaram controvérsias sobre a sua anulação, uma vez que na visão de alguns ministros esses artigos poderiam ser mantidos sem nenhum prejuízo para a população, bem como sem infringir a constituição, mas o ponto principal é que em alguns pontos da lei existem meios repressivos contra a imprensa, fato que se devia ao tipo de governo que ocorria na época na qual esta entrou em vigor.
Um fator que não pode ser deixado de lado e deve ser analisado com cuidado é o fato que que a lei 5250/67, como a própria data dela já mostra foi editada anteriormente a promulgação da Constituição Federal de 1988, a constituição "cidadã", dessa forma a única forma para que essa lei fosse analisada pelo Supremo era por meio de uma ADPF, mas o fator de suma importância é o momento histórico político que o Brasil vivia, já que nessa época o Brasil passava por um governo totalitário e de cunho militar.
2.1 A liberdade de Imprensa no regime militar
O governo militar que regeu o Brasil teve início em 1964 até 1985, no começo os militares tomaram o governo a força e impondo o seu regime a sociedade brasileira e esse regime foi marcado por vários atos institucionais e repressões contra a população. Pode-se observar a edição de atos institucionais durante esse período para que ganhassem ainda mais poderes e controle, sendo o mais marcante o AI-5, onde aumentava ainda mais os poderes do Presidente da República, já que esse poderia intervir em qualquer membro do país, bem como impedia que a população exercesse seus direitos, mas o mais relevante para a imprensa era o fator de que teria liberdade para exercer censura a imprensa, teve a implementação de DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda), dessa forma foi uma época em que não havia liberdade de imprensa e tudo que fosse contrário a posição do governo era censurado, os jornais da época traziam, muitas vezes matérias desconexas na página, como receitas de bolos, no lugar das matérias censuradas.
Após esse breve comentário a respeito do Governo Militar Brasileiro, pode-se ver que o regime onde a lei de imprensa foi criada era um regime que não permitia a veiculação de nada livremente, haja visto que todas as matérias passavam por censura e caso desrespeitassem o governo seriam banidas, sendo que em certos casos os autores sofriam graves consequências, como no caso do Músico Geraldo Vandré, que foi torturado pelos representantes da ditadura por causa das suas músicas. Com todos esse fatores uma lei que permitia a interferência do governo na Imprensa não poderia conviver em harmonia com a constituição de 1988, já que esta garantia a liberdade de Imprensa.
3 Os Votos dos Ministros do STF
3.1 Votos pela procedência da ação
Por sete votos a quatro, o STF julgou que a Lei 5.250/67 não foi reconhecida pela ordem democrática e assim, deveria ser excluída totalmente e, assim, respeitaria o texto constitucional, que é o Ordenamento Jurídico máximo no país.
Com a propositura tivemos a apreciação do Supremo Tribunal Federal e apesar de conter expressamente discordância com a Constituição gerou certa polêmica e a ação teve pareceres distintos, sendo que o relator do processo, o ministro relator Carlos Ayres Britto havia votado pela total procedência da ação, pois interpretava que a mesma não poderia conviver com a Constituição Federal, já que estas tinham muitos pontos divergentes. Na mesma toada tivemos o voto que o Ministro Eros Grau, adiantando o mesmo, decidiu que iria acompanhar o relator, uma vez que também interpretava que a mesma deveria ser totalmente retirada do ordenamento Jurídico.
Opinião semelhante foram as proferidas pelos Ministro Menezes Direito, bem como o da Ministra Carmen Lucia, sendo que o primeiro expôs que essa deveria ter liberdade perante o Estado, uma vez que essa é a responsável por levar as notícias e até mesmos os atos do governo a conhecimento da população, partindo desse pressuposto esta deve ser isenta de repressão, já que a função social da mesma é levar os fatos a apreciação da sociedade, sejam elas favoráveis ao governo, como também se a mesma for desfavorável ou ruim para a imagem do mesmo; já na opinião da Ministra supra citada é que a lei de Imprensa tinha o intuito de punir e reprimir a sociedade, algo totalmente contrário e que deveria ser abominado, em uma análise da Constituição Federal de 1988.
O Ministro Ricardo Lewandowiski, expunha o seu pensamento através de conflitos existentes entre a lei e a Constituição, já que também mostrava que esta tinha sido editada anteriormente a CF, bem como defendia que esta matéria não precisava de regulamentação, uma vez que já havia disposição para o tema na própria Carta Magna.
Também seguindo o voto do Relator, foi o Ministro Cezar Peluso, porém este defendia que esta não havia sido recepcionada pela Constituição, porém também não assegurava liberdade irrestrita, já que mencionava que esta deveria se manifestar dentro do que a ela fosse permitido pelo texto constitucional.
O último ministro que seguiu o relator foi o Decano Celso de Mello, cujo voto também explanava sobre a revogação total da lei de Imprensa, pois esse expressou o seu receio caso haja um cerceamento da Liberdade de Imprensa, também declara que não deve haver punições por causa de conteúdos veiculados na imprensa, mas exalta que nenhum direito é totalmente livre e que este tem de se ater a princípios, leis e normas que estejam em vigor no ordenamento jurídico brasileiro.
3.2 Votos pela procedência parcial da ação
Com o pensamento de anulação parcial da lei temos os Ministros Gilmar Mendes, Joaquim Barbosa e Ellen Gracie, esses ministros divergiram do relator, sendo que o ministro Joaquim Barbosa expôs que a lei deveria ser mantida em algumas partes, pois alguns artigos não feriam a Constituição, dessa forma não tendo problema em vigorar em conjunto, bem como via como útil a mesma lei; na mesma linha de pensamento vê-se a ministra Ellen Gracie, já que a mesma seguiu o voto dele e explicitou que os artigos 1º, sendo mantidos os parágrafos 1º e 2º caput, 14, 16 no seu inciso I, bem como os artigos 20, 21, 22.
O ministro Gilmar Mendes votou por uma procedência parcial da Lei, pois o mesmo enxergava que a retirada da mesma do ordenamento jurídico poderia gerar uma insegurança para a população, bem como expôs que mesmo a lei sendo revogada continuariam a utilizar os critérios que nela estão dispostos para resolver os conflitos, como é o caso do Direito de Resposta.
3.3 Voto pela improcedência da ação
O ministro Marco Aurélio votou pela improcedência da ADPF, por entender que o pedido não caracterizava o objeto da ação, ou seja, a demonstração de descumprimento de preceito fundamental, argumentando que, após a CF/88, as normas da Lei de Imprensa (5.250/67), de natureza inconstitucional, não estavam mais sendo aplicadas.
Ele atacou a ideia de que “a Lei de Imprensa é ruim porque foi feita no período ditatorial brasileiro”, afastando o argumento de que a edição da norma durante esse período tornaria a lei, a priori, antidemocrática. Além disso, destaca que o Código Penal foi decretado na mesma época e mesmo assim continua tendo vigência.
Segundo o ministro, mesmo sob a Lei de Imprensa, os meios de comunicação no Brasil eram livres, já que a lei teria sido “ purificada pelo crivo equidistante do Poder Judiciário”, ou seja, que não aplica os dispositivos que se contrapõem à Constituição Federal.
Afirma, ainda, que seria melhor deixar a cargo do Congresso a decisão de editar uma lei que substituiria a tal, para não gerar um vácuo legislativo, pois este levaria à badel, à bagunça, à insegurança jurídica, sem uma normativa explícita da matéria.
O ministro questionou em diversas ocasiões qual preceito fundamental estaria sendo violado pela Lei de Imprensa.
“ a não ser que eu esteja a viver em outro Brasil, não posso dizer que a nossa imprensa hoje é uma imprensa cerceada (restringida, bloqueada).Temos uma imprensa livre”.
“ com a revogação da lei não passaremos a ter liberdade, pois a liberdade já existe.Passaremos a ter conflitos de interesses resolvidos com critério de plantão, estabelecido pelo julgador”.
O ministro citou ainda trechos de editorial publicado no jornal Folha de S. Paulo, no dia 30 de março de 2008, durante o seu voto. Um dos trechos diz o seguinte: “Sem a Lei de Imprensa, só grandes empresas teriam boas condições de proteger-se da má aplicação da lei comum, levando processos até as mais altas instâncias do Judiciário. Ficariam mais expostos ao jogo bruto do poder, e a decisões abusivas de magistrados, os veículos menores e as iniciativas individuais”.
Com a revogação da Lei de Imprensa, dispositivos dos Códigos Penal e Civil passarão a ser aplicados pelos magistrados para julgar processos contra empresas de comunicação e jornalistas.
Concluindo, o ministro Marco Aurélio destacou vários aspectos positivos da lei e rejeitou a premissa utilizada pela imprensa e pela própria Corte, de que o julgamento seria concentrado no propósito de acabar com uma lei de caráter antidemocrático, como herança do regime militar. Considerou equivocada a interpretação, dada pela maioria dos juízes do STF, segundo a qual a cláusula de reserva do parágrafo 1º do artigo 220 da lei fundamental seria obstáculo a impedir a elaboração de leis acerca da liberdade de imprensa, ainda que contenha disposições de reforço à proteção desse bem jurídico e de punição dos abusos.
Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
§ 1º - Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.
4. Conclusão
A partir da análise dos votos, bem como da lei de imprensa, pode ser visto que esta foi revogada totalmente, como também por uma larga vantagem, mas a decisão gerou discordância entre os ministros, no aspecto se esta deveria ser totalmente revogada, ou se alguns artigos desta não poderiam continuar vigorando, uma vez que esses, aparentemente, não infringiam a constituição, sendo que ainda teve o voto contrário do ministro Marco Aurélio, pois o mesmo pregava pela segurança jurídica e não pactuava com uma vacância da lei, já que via uma insegurança jurídica, mesmo assim por causa de vários aspectos, bem como o seu berço que foi em um governo altamente repressivo e de cunho ditatorial, que acabava reprimindo a imprensa, fato que não pode ser relevado na Constituição atual, a qual permite a total liberdade de imprensa.