Mediação como resolução de conflitos entre servidores públicos

22/02/2016 às 10:45
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O novo referencial do direito administrativo é a realização dos direitos fundamentais a partir da dignidade da pessoa. Ter conflito dirimido em mediação é direito fundamental do servidor e tem aplicação imediata conforme o inciso LXXVIII do art. 5º da CF.

   O processo administrativo disciplinar assumiu novas tendências. Em vez de positivismo exacerbado, o novo referencial é a realização dos direitos fundamentais definidos a partir da dignidade da pessoa humana. Ter conflitos dirimidos em mesa de mediação, em vez de sofrer desgaste de responder a processo administrativo disciplinar, compõe a dignidade do cidadão servidor público e, só por isso, é direito fundamental. O artigo mostra que ter conflitos dirimidos em mesa de mediação é um direito fundamental do servidor público e tem aplicação imediata, conforme o inciso LXXVIII do art. 5º da Constituição Federal.
Abstract: The administrative disciplinary process took on new trends. Instead of exaggerated positivism , the new framework is the realization of fundamental rights defined from the dignity of the human person . Have conflicts resolved in mediation table, rather than wear out to answer disciplinary administrative process , makes up the dignity of the citizen public servant and , for that reason alone , it is a fundamental right. The article shows that have resolved conflicts in mediation table is a fundamental right of a public servant and has immediate application , as the item LXXVIII of art. 5 of the Federal Constitution.
Sumário: 1. Introdução; 2. O que é mesa de mediação; 3. Do formalismo das comissões de mediação; 4. Da necessidade de lei específica; 5. Mediação e princípios do processo disciplinar; 6. Mediação: Procedimentos alternativos resultantes; 6.1 Características do Termo de Retratação e Conciliação; 6.1.1 Natureza jurídica de retração. 6.1.2 Natureza jurídica de conciliação; 6.2 Conciliação, uma vertente da mesa de negociação; 6.3 Em prol da clareza, algumas observações; 7. Arcabouço formal para constituir mesa de mediação; 8. Exemplos de mediação com retratação; 9. Referências ao Termo de Retratação e Conciliação.

1. Introdução
            A Lei federal nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, autarquias e fundações públicas federais. Por muito tempo foi aplicada pelos Estados em caráter supletivo, inclusive pelo Distrito Federal até o advento da Lei Complementar distrital nº 840, de 23 de dezembro de 2011, que, igualmente e agora de forma exclusiva, dispõe sobre o regime jurídico dos servidores civis distritais. Inovou no título VII, Dos processos de apuração de infração disciplinar, art. 211, parágrafo 4º:
                                        Art. 211. Diante de indícios de infração disciplinar, ou diante de representação, a autoridade administrativa    competente deve determinar a instauração de sindicância ou processo disciplinar para apurar os fatos e, se for o caso, aplicar a sanção disciplinar. § 4º Os conflitos entre servidores podem ser tratados em mesa de comissão de mediação, a ser  disciplinada em lei específica.

A dicção da Lei informa que conflitos entre servidores “podem ser tratados em mesa de mediação”; ou seja, nem todos os conflitos serão assim tratados. Algumas indagações afloram: A quem beneficiaria tratar conflitos em mesa de mediação? Que conflitos seriam tratados? Não haveria risco de infringir a determinação legal do caput do art. 211 de que, diante de indícios de infração disciplinar, ou diante de representação, a autoridade administrativa competente deve determinar a instauração de sindicância ou processo disciplinar para apurar os fatos e, se for o caso, aplicar a sanção disciplinar?
             As respostas não estão explícitas; advêm do espírito da Lei distrital. Por ser recente, traz lampejos de modernidade, inovação e, sobretudo, a nova compreensão acerca da administração pública pós-Constituição Federal. A prova de que vem com novos referenciais encontra-se no art. 219, ao definir os princípios regentes do processo disciplinar de forma bem abrangente: legalidade, moralidade, impessoalidade, publicidade, eficiência, interesse público, contraditório, ampla defesa, proporcionalidade, razoabilidade, motivação, segurança jurídica, informalismo moderado, justiça, verdade material e indisponibilidade .
             Ao adotar princípios de direito como referenciais maiores, o processo administrativo disciplinar assumiu novas tendências. Em vez do positivismo e legalismo exacerbados, o novo referencial é a realização dos direitos fundamentais, definidos a partir da dignidade da pessoa humana. A propósito, “fundamental eliminar o preconceito de que as organizações estatais possuem justificativas de existência em si mesmas. O Estado não existe para satisfazer suas estruturas burocráticas internas nem para realizar interesses exclusivos de algumas classes dominantes. O direito administrativo tem um compromisso com a realização dos interesses coletivos e com a produção ativa dos valores humanos”. 
             Assim, ao propor tratar conflitos entre servidores através da mediação, que valoriza a pessoa humana e preserva a dignidade dos conflitantes, a Lei Complementar distrital avança no sentido de trazer legitimidade a um dos segmentos mais incisivos da administração pública: o processo administrativo disciplinar.
             Registre-se o advento da Lei Federal nº 13.140/2015, de 26 de junho de 2015, com vigência cento e oitenta dias após, que dispõe sobre mediação entre particulares como meio de solução de controvérsias e sobre autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública. Embora não voltada explicitamente ao processo adminstrativo disciplinar, nem faça referência a conflitos entre servidores públicos, há de se concluir por sua aplicação como referencial. De acordo com seu art. 2º, o procedimento de mediação será orientado pelos princípios da imparcialidade do mediador, isonomia entre as partes, oralidade, informalidade, autonomia da vontade das partes, busca do consenso, confidencialidade e boa-fé. Exceção à oralidade, não prevista, todos se aplicariam à mesa de comissão de mediação prevista na Lei distrital nº 840/2011. Ademais, a lei nº 13.140/2015 informa no art. 3º que pode ser objeto de mediação conflitos que versem sobre direitos disponíveis ou sobre direitos indisponíveis que admitam transação. Diferente não é a marcação da Lei distrital nº 840/2011, que, implicitamente, direciona à possibilidade de mediação os conflitos entre servidores por atos tipificados como infrações leves e sujeitos à penalidade de advertência.
             2.      O que é Mesa de Comissão de Mediação?
             Mediação é negociação entre litigantes conduzida por pessoa alheia ao conflito, sem poder de decisão, com a responsabilidade de ouvir e coordenar as discussões em busca da pacificação social. Não há vencido nem vencedor, diversamente do que pode ocorrer na conciliação. A mediação é recomendável em situações em que as partes relacionam-se continuamente, e assim permanecerão.
A utilização da mediação no processo administrativo disciplinar tem sido insignificante, fora uma ou outra proposição, sem aplicação prática. A lei nº 8.112/90, regime jurídico dos funcionários públicos federais, aplicada ainda em alguns entes da Federação, imune à ressonância dos novos paradigmas, não traz a possibilidade da mediação ou qualquer alternativa de negociação como forma de dirimir conflitos entre servidores públicos. 
              No artigo “A utilização da conciliação para resolução de conflito no âmbito da administração pública federal”, publicado no portal ÂmbitoJurídico.com.br, acessado em 17 de julho de 2015, Reginaldo Gonçalves Gomes informa que “não há na legislação, no âmbito do direito administrativo, previsão de conciliação  em decorrência de conflitos entre servidores que possam resultar em abertura de sindicância acusatória ou processo administrativo disciplinar. Tanto a Lei n. 8.112/90 quanto a Lei n. 9.784/99 (regula o processo adminstrativo na Administração Pública Federal) não prevêem a figura da conciliação, sendo, portanto, instituto, até o momento, reservado ao processo penal e civil”.
             Interessante a compreensão de Ademir Buitoni em artigo publicado na Revista do Advogado/SP: “O mediador diferentemente do Juiz, não dá sentença; diferentemente do árbitro não decide; diferentemente do conciliador não sugere soluções para o conflito. O mediador fica no meio, não está nem de um lado e nem de outro, não adere a nenhuma das partes. É um terceiro mesmo, uma terceira parte, quebrando o sistema binário do conflito jurídico tradicional. Busca soluções,que podem mesmo não estar delimitadas pelo conflito, que podem ser criadas pelas partes, a partir de suas diferenças. Não é apenas o lado objetivo do conflito que é analisado na mediação, mas também, e sobretudo, o lado subjetivo. Essa é uma das bases da mediação: trabalhar a subjetividade do conflito, o lado oculto que todo conflito apresenta, o não dito, o que se esconde no conteúdo latente do conflito, que muitas vezes é diferente do conteúdo manifesto do conflito. Nesse contexto, na mediação, a lei posta é uma referência, mas não é a referência hegemônica. O principal, na mediação, é a percepção do conflito como um todo, inclusive os pressupostos implícitos do conflito. Muitas vezes, pode ser o aspecto legal o mais relevante fator a ser trabalhado, mas nem sempre isso acontece. O sistema de mediação é aberto a qualquer aspecto que possa estar causando o conflito. A busca do mediador é direcionada para o restabelecimento do sistema de contato entre as partes, perdido com o conflito. A busca da mediação é produzir e respeitar as diferenças entre as partes, para que elas se complementem nas suas diferenças”.

3. Do formalismo nas Comissões de Mediação
             Partindo da compreensão do termo “comissão”, o § 4º do art. 211 da Lei distrital nº 840/2011 induz à compreensão de que as discussões em mesa de mediação serão conduzidas, no mínimo, por duas pessoas estranhas ao conflito. O fato de referir a aspectos da relação entre servidores ligados por liames do contrato administrativo (com a administração pública) requer certo formalismo nos trabalhos, sobretudo registro das conclusões e argumentações condutoras.
             Os componentes de comissão devem revestir-se de oficialidade, como representantes da administração pública, e de legitimidade no exercício do mister, no sentido de obter confiança dos conflitantes e conduzi-los à pacificação social. Igualmente, devem ser conhecedores dos referenciais metodológicos e legais que nortearão o procedimento.
             O descumprimento injustificável de acordo obtido em mesa de mediação implicaria, ao agente descumpridor, incidência na infração leve prevista no inciso I do art. 190 da Lei distrital n° 840/2011, independente de outras infrações específicas, nos seguintes termos: “São infrações leves: I – descumprir dever funcional ou decisões administrativas emanadas dos órgãos competentes”. A penalidade aplicável é advertência, por meio da qual se reprova por escrito a conduta do servidor, prevista no art. 199 da Lei. Assim, necessariamente, a formalização da comissão de mediação como instrumento de resolução de conflitos entre servidores deve ser antecedente à utilização do método.

4.  Da necessidade de lei específica
             Em relação à determinação de que “mesa de comissão de mediação” seria disciplinada em lei específica, aflora mais uma pergunta: Frente à inércia do poder legislativo, a sociedade e o serviço público devem quedar-se e não exercitar a forma alternativa de dirimir conflitos?
             A resposta lógica é “não”. A ebulição social cobra solução efetiva aos conflitos, cada vez mais numerosos, em benefício da própria sociedade. Ter os conflitos dirimidos em mesa de mediação, em vez de sofrer o desgaste íntimo e emocional de responder a processo administrativo disciplinar, compõe a dignidade do cidadão servidor público e, só por isso, é direito fundamental.
             Referencia Alexandre de Moraes que “a distinção entre direitos e garantias fundamentais, no direito brasileiro, remonta a Rui Barbosa, ao separar as disposições meramente declaratórias, que são as que exprimem existência legal aos direitos reconhecidos, e as disposições assecuratórias, que são as que, em defesa dos direitos, limitam o poder. Aquelas instituem os direitos; estas, as garantias; ocorrendo não raro juntar-se, na mesma disposição constitucional, ou legal, a fixação da garantia com a declaração do direito”.
             Oportuna a compreensão de Marçal Justen Filho de que “o direito administrativo se vincula à realização dos direitos fundamentais, definidos a partir da dignidade humana. Essa vinculação se exterioriza em dois planos distintos. Por um lado, disciplina um setor de atividades e um conjunto de organizações estatais e não estatais para produzir limitações dos poderes que são gerados por sua existência. […] Visa a evitar que a concentração de poderes políticos e econômicos, relacionados com as atividades de satisfação de interesses coletivos, produza o sacrifício da liberdade e de outros direitos fundamentais. Sob esse ângulo, o direito administrativo é um instrumento de limitação do poder (estatal e não estatal). […] Sob outro prisma, o direito administrativo tem um compromisso com a realização dos interesses coletivos e com a produção ativa dos valores humanos. Há valores fundamentais a serem realizados, cuja afirmação é inquestionável e cuja produção não pode ser deixada às escolhas individuais egoísticas. […] É fundamental eliminar o preconceito de que as organizações estatais possuem justificativas de existência em si mesmo. O Estado não existe para satisfazer as suas estruturas burocráticas internas nem para realizar interesses exclusivos de alguma classe dominante (qualquer que seja ela). Nem é satisfatório aludir a concepções meramente formais tais como ‘interesse público’, ‘bem comum’ e assim por diante. O direito administrativo — e o Estado, assim como outras instituições não governamentais que desempenham atividades similares — somente se justificam como instrumentos para a realização dos direitos fundamentais, entre os quais avulta de importância a dignidade humana”.
             Assim, a concretização do direito de os servidores públicos terem conflitos dirimidos em mesa de mediação não condiciona à existência de lei disciplinadora em sentido estrito, até por conta do inciso LXXVIII do art. 5º da Constituição Federal, que determina:

“A todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. § 1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. § 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte ".
             Conclui-se não ser condição sine qua non a existência de lei específica, em sentido estrito, para garantir o usufruto do direito fundamental de os conflitos serem tratados em mesa de mediação. Requer, sim, que a administração pública defina formas e procedimentos alternativos para garantir um direito que resguarda a dignidade ao não se submeter ao desgaste íntimo e emocional de ser acusado em processo administrativo disciplinar.

5.   Mediação e princípios do processo disciplinar
Oportuno analisar o procedimento em relação aos princípios do processo disciplinar detalhados pelo art. 219 da Lei distrital nº  840/2011:
                                   Art. 219. O processo disciplinar obedece aos princípios da legalidade, moralidade, impessoalidade, publicidade, eficiência, interesse público, contraditório, ampla defesa, proporcionalidade, razoabilidade, motivação, segurança jurídica, informalismo moderado, justiça, verdade material e indisponibilidade.
             Observa-se que os princípios, até pela lógica, repicam e refletem os próprios princípios constitucionais, exceção àqueles relacionados com a prática mesma da processualística disciplinar, a exemplo de informalismo moderado, verdade material e indisponibilidade. A razão é que os princípios espelham a ideologia da Constituição, seus postulados básicos e finalidades. Dito de forma sumária, são as normas eleitas pelo constituinte como fundamentos ou qualificação essenciais da ordem jurídica, como registro o constitucionalista Luís Roberto Barroso. 
             Segundo Marçal Justen Filho, “a regra traduz uma solução concreta e definida, refletindo escolhas instrumentais. Já o princípio indica uma escolha axiológica, que pode concretizar-se em diversas alternativas concretas. De modo geral, a regra torna válida uma solução determinada, enquanto o princípio impõe a invalidade de soluções indeterminadas. Todas as escolhas compatíveis com certo princípio podem ser praticadas — o principio não fornece solução de escolha dentre as soluções com ele compatíveis. A função do princípio reside, basicamente, em excluir a validade das alternativas que sejam contraditórias com os valores neles consagrados”.    
             Os princípios relacionados no art. 37 da Constituição Federal, dedicado à administração pública (Legalidade, Impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência), devem ser considerados referencial em dado momento histórico. Com evolução da matriz das forças políticas, econômicas e sociais, “muitos outros principios mereceriam consagração constitucional. Uns, por constarem expressamente da Lei Maior ou obrigados pela lógica do art. 37; outros, como implicações evidentes do próprio Estado de Direito e do sistema constitucional como um todo”.

5.1. Legalidade e princípios decorrentes
Dentre todos, sobressai o princípio da legalidade por estar na Lei o fundamento e limite de validade dos atos da administração pública (JUSTEN, p. 77). Declinado no arts. 5º, inciso II; 37, caput, e 84, IV, da Constituição Federal, é o principio basilar do estado democrático de Direito, porquanto é essência do seu conceito subordinar-se à Constituição e fundar-se na legalidade democrática. [...] Sujeito ao império da lei, mas da lei que realize o princípio da igualdade e da justiça não pela sua generalidade, mas pela busca da igualização das condições dos socialmente desiguais. 
             A legalidade surge como decorrência natural da indisponibilidade do interesse público, como regra o art. 5º, inciso II, da Constituição: Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de Lei. Lei em sentido amplo, como afirma Lúcia Valle Figueiredo ao defender a legalidade da administração não só em relação à lei, mas também submissão ao direito, ordenamento jurídico e princípios constitucionais. A autorização da ação não derivaria exclusivamente da lei em sentido formal, mas do sistema jurídico (apud  ROMEU, p. 165). 
             Vê-se, assim, certo distanciamento da conhecida assertiva de que ao adminstrador público só é permitodo o que a lei previamente autoriza, ao contrário do gestor privado a quem tudo se permite desde que não proibido em lei. Agora, a legalidade é sopesada também pela obediência ao ordenamento jurídico. De certo, torna mais complexa a postura inclusive de membros de comissão de processo administrativo disciplinar; se antes eram vinculados à lei, agora, também, ao ordenamento jurídico e princípios constitucionais, especificamente aos que regem o processo administrativo disciplinar.

De forma breve, alguns princípios decorrentes da Legalidade.
             Impessoalidade: A essência do princípio é serem os atos e provimentos administrativos imputáveis não ao funcionário que os pratica, mas, ao órgão ou entidade administrativa em nome do qual age o funcionário, mero agente da adminstração pública (SILVA, p. 668) . Celso de Mello, em perspectiva condizente com a Constituição Federal, entende que o principio impõe à administração tratar os administrados sem discriminações, benéficas ou maléficas, simpatia ou animosidades pessoais, políticas ou ideológicas. Diz mais: “O principio (da impessoalidade) não é senão o próprio princípio da igualdade ou isonomia, ou seja, todos são iguais perante a lei, a fortiori teriam de sê-lo perante a administração” (MELLO, p. 104). 
             Moralidade: Segundo José Afonso da Silva, a moralidade administrativa “não é meramente subjetiva nem puramente formal porque tem conteúdo jurídico” a partir de regras e princípios da Adminstração. “A Lei pode ser cumprida moralmente ou imoralmente. Quando sua execução é feita com o intuito de favorecer alguém, por certo que está produzindo um ato formalmente legal, mas materialmente comprometido com a moralidade adminstrativa (SILVA, p. 668).    Celso Antonio. B. de Mello afirma que a moralidade administrativa não é moralidade comum, mas moralidade jurídica. Um ato legal não significa necessariamente que o ato legal seja honesto.  Assim, Moralidade, como princípio, relaciona-se à obrigatoriedade imposta ao servidor público de revestir sua prática de escolhas pelo honesto e justo, tendo como referencial o bem comum. Ou seja, há entrelaçamento ente legalidade, honestidade e bem comum.
             Publicidade: É a transparência nas atividades da administração pública. Se os interesses públicos são indisponíveis, se são interesses de toda a coletividade, os atos emitidos a título de implementá-los hão de ser exibidos em público. (MELLO, p. 75).
              Finalidade: Não há lei sem objetivo. “Não se compreende uma lei ou norma sem entender qual seu objetivo. Também não se aplica uma lei corretamente se o ato de aplicação carecer de sintonia com o escopo por ela visado. Implementar uma regra de Direito não é homenagear externamente sua dicção, mas, dar satisfação a seus propósitos. Logo, só se cumpre a legalidade quando se atende à sua finalidade. Atividade administrativa desencontrada com o fim legal é invalidada e por isso juridicamente censurável” (MELLO, 68). A   finalidade é inafastável do interesse público. “O administrador deve praticar o ato com finalidade pública sob pena de desvio de finalidade, uma das mais insidiosas modalidades de abuso de poder. O principio da finalidade não é decorrência do princípio da legalidade, é inerente e está contido nesse pois corresponde à aplicação da lei na conformidas de da sua razão de ser (MELLO,  p. 97).
              Motivação: À adminstração cabe o dever de  expor as razões de direito e de fato justificadoras das providências adotadas, fundamentando e justificando as “razões que lhe serviram de apoio para expedi-las. A ausência da motivação torna o ato inválido, sobretudo quando há certa discricionariedade. A motivação é que permitirá avaliar se o ato ou procedimento atendeu aos princípios regentes. (MELLO, p. 70).
              5.2. O devido processo legal
              Antecedendo ao próprio processo legal tem-se o princípio do juiz natural, previsto no art. 5º, incisos XXXVII  e LIII da Constituição Federal, que afasta a possibilidade de juízo ou tribunal de exceção, bem como a certeza de que ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente.
             O devido processo legal advém do art. 5º, inciso LIV da Constituição Federal (ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal), e inciso LV (aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes). Segundo Odete Medauar, os citados incisos devem ser interpretados de forma combinada. “O devido processo legal desdobra-se sobretudo, nas garantias do contraditório e da ampla defesa, com aplicabilidade no processo adminstrativo” .
              O principio do devido processo legal em sentido material relaciona-se ao conteúdo das regras processuais: “Devem ser regras justas, racionais, razoáveis. O devido processo corresponde a um processo justo”. Em sentido formal, às formalidade previstas na lei para proteção do exercício das prerrogativas processuais inerentes ao contraditório e à ampla defesa (BACELLAR FILHO, p. 233) . Na lição de Canotilho, “embora possuam marca própria, os princípios constitucionais atuam conjugadamente, completando-se, condicionando e modificando-se em termos recíprocos. Exigem do intérprete a árdua tarefa de concordância prática. Os princípios do contraditório, da ampla defesa e do juiz natural não poderiam fugir a esta assertiva: a sua base comum — dignidade da pessoa humana — é mais do que reafirmada na Constituição de 1988 ao serem incluídos no rol dos direitos e garantias fundamentais (BACELLAR FILHO, p. 409).

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5.3.  Princípios hermenêuticos na aplicação do Direito
            São regras de interpretação e aplicação do Direito que ampliam a harmonia entre as normas e reduz contradições. “Usualmente denominadas ‘princípios’, mas, rigorosamente assim não podem ser consideradas, porque não veiculam um valor autônomo”, na opinião de Marçal Justen Filho, para quem as técnicas hermenêuticas são: intepretação conforme à norma superior, principio da razoabilidde e principio da proporcionalidade.
              Interpretação conforme à norma superior: Na aplicação do direito deve-se rejeitar alternativas hermenêuticas incompatíveis com o sistema jurídico, cujo reconhecimento conduziria à necessidade de invalidar a disposição interpretada. Utiliza-se para afastar interpretações com prodedência jurídica, mas, configuram-se inconsticucionaiais ou ilegais. “Há caosos em que o sentido das palavras parece inequívoco, mas cuja adoção resultaria em conflito com norma superior. A técnica da interpretação conforme afasta a invalidação da disposição normativametne inferior por meio de interpretação harmonizada. Em vez de prestigiar o sentido das palavras, consagra-se a interpretação compatível com o sistema jurídico” (JUSTEN FILHO, p. 57).
             Razoabilidade (ou proporcionalidade, segundo Luiz Roberto Barroso):
             Reflete o espírito da Constituição. Segundo o principio, “a interpretação jurídica é atividade que ultrapassa  a mera lógica formal. Deve-se afastar soluções que, embora fundadas na razão, sejam incompatíveis com o espírito do sistema” (JUSTEN FILHO, p. 58). O principio da razoabilidade (ou da proporcinalidade, como se refere) “não está expresso na Constituição, mas tem seu fundamento na ideia do devido processo substantivo e na justiça. Trata-se de valioso instrumento de proteção dos direitos fundamentais e do interesse público, por permitir o controle da discricionariedade dos atos do poder público e por funcionar como a medida com que uma norma deve ser interpretada no caso concreto para a melhor realização do fim constitucional nela embutido ou decorrente do sistema. Em resumo, o princípio permite ao judiciário invalidar atos legislativos ou administrativos quando: a) não haja adequação entre o fim perseguido e o instrumento empregado (adequação); b) a medida não seja exigível  ou necessária, havendo meio alternativo menos gravoso para chegar ao mesmo resultado (necessidade/vedação do excesso); c) não haja  proporcionalidade em sentido estrito, ou seja, o que se perde com a medida é de maior relevo do que aquilo que se ganha. O princípio pode operar também no sentido de permitir que o juiz gradue o peso da norma, em uma determinada incidência, de modo a não permitir que ela produza um resultado indesejado pelo sistema, assim fazendo justiça do caso concreto (BARROSO, p. 372 e 373)”.

5.4. Principios decorrentes da evolução político-social
             O processo de evolução política e social acontece no transcorrer pendular dos tempos, quando a sociedade, normalmente em processo de maturação, escolhe formas de organização, exercício do poder e controle político-adminstrativo. A história do Brasil redesenha-se com a emancipanção, república e outros fatos nacionais. Na última metade do século XX (1964) ocorreu ruptura na condução política da nação, que prosseguiu até 1985, com a redemocratização. Em 1988 foi promulgada a chamada Constituição Cidadã, conduzida pelo facho da redemocratização. Os novos valores e referenciais da Carta de 1988 já vêm descritos no preâmbulo, quando define ao Estado Democrático recém instituído a responsabilidde constitucional de garantir e “assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos”. Por conta de novos rumos, redesenhou-se nova matriz de direitos, assegurados, principalmente, por novos princípios constitucionais, entre os quais:
              Princípio da Justiça: O termo Justiça possui no ordenamento jurídico democrático multidimensão, estendendo-se ao direito material e processual e, sobretudo, aos resultados do exercício mesmo da atividade jurídica e adminstrativa, inclusive no que se refere ao processo adminstrativo disciplinar. Prima pela proteção e zelo aos direitos fundamentais individuais e coletivos, tendo como referencial a dignidade da pessoa humana. É um super princípio que se esparrama sobre a prática e, principalmente, aos resultados finais dos processos jurídico e adminstrativo. É o referencial das instituições e da adminstração pública no Estado democrático de direito, talvez um dos termos mais utilizados e reclamados pela cidadania. É nessa concepção que o principio da Justica apresenta-se no processo adminstrativo disciplinar. Aliás, o preâmbulo da Constituição Federal apresenta a Justiça como um dos valores supremos “de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceito, fundada na harmonia social…”.
              Princípio do interesse público e indisponibilidade: Os termos representam a mesma lógica e compreensão jurídico-filosófica. O interesse, por não ser objeto de pertenciamento, é indisponível. É um dos referenciais da adminstração pública, que passa por nova roupagem em decorrência da prevalência da novel compreensão de que os interesses dela decorrentes não existem de forma autônoma, como um fim em si mesmo. Mas, necessáriamente, tendo como perspectiva maior a dignidade da pessoa humana.
Compensa conhecer a concepção negativa do interesse público, na visão de Marçal Justen Filho: Interesse público não se confunde com interesse de Estado. “É público porque atribuído ao Estado, é atribuído ao Estado por ser público. Como decorrência, todo interesse público seria estatal, e todo interesse estatal seria público. Essa concepção é incompatível com a Constituição; a maior evidência reside na existência de interesse público não estatal (as organizações não governamentais)”. Segundo o autor, não é possivel definir interesse público a partir da identidade do seu titular. “É público não por ser titularidade do Estado, mas é atribuido ao Estado por ser público”.
             A atividade administrativa do Estado Democrático de Direito  subordina-se, então, a um critério fundamental que é anterior à supremacia do interesse público. Trata-se da supremacia da indisponibilidade dos direitos fundamentais. Concluindo, uma decisão produzida por meio de procedimentos satisfatórios e com respeito aos direito fundamentais e aos interesses legítimos poderá ser reputada como traduzindo o “interesse público”. Mas, não legitimará mediante a invocação a esse interesse publico, e sim porque compatível com os direitos fundamentais (JUSTEN FILHO, p. 45).
          Segurança jurídica: Comum a todo e qualquer sistema jurídico, não específico do Direito Administrativo. “Cuida de evitar alterações surpreendentes que instabilizem a situação dos administrados e de minorar os efeitos traumáticos que resultem de novas disposições jurídicas que alcançariam situações em curso. O Direito propõe-se a ensejar uma certa estabilidade, um mínimo de certeza na regência da vida social. Daí o chamado princípio da ‘segurança jurídica’, indisputavelmente um dos mais importantes entre eles. Os institutos da prescrição, da decadência, da preclusão (na esfera processual), do usucapião, da irretroatividade da lei, do direito adquirido, são expressões concretas que bem revelam esta profunda aspiração à estabilidade, à segurança. [...] A ordem jurídica  corresponde a um quadro normativo proposto precisamente para que as pessoas possam se orientar (MELLO, p. 74, 77 e 113).
             Eficiência: Acrescido ao art. 37 da Constituição Federal através da Emenda Constitucional nº 19, de 04 de junho de 1998. O administrador público deve desempenhar suas atividades de forma legal e garantindo bons resultados com a aplicação dos recursos. Eficiência é realizar as atribuições com presteza e perfeição, em busca de rendimento compativel com o que se espera. “É juridicamente tão fluido e de tão difícil controle que mais parece um simples adorno agregado ao art. 37 ou o extravasamento de uma aspiração dos que buliram no texto. O principio não pode ser concebido senão na intimidade do principio da legalidade, pois jamais uma suposta busca de eficiência justificaria postergação daquele que é o dever adminstrativo por excelência. Finalmente, anote-se que este princípio é uma faceta de um princípio mais amplo já supostamente: o da boa adminstração” (MELLO, p. 112).  O princípio da eficiência impõe à administração pública e aos seus agentes a persecução do bem comum, exercitando suas competências de forma imparcial, transparente,  e eficaz, sob critérios legais e morais que conduzam à melhor utilização dos recursos públicos, evitando-se desperdícios e garantindo maior rentabilidade social. Registre-se que a eficiência não se desvincula da legalidade e de outros princípios decorrentes, de quem necessariamente é submissa.

5.5  Princípios específicos do processo administrativo disciplinar
             Por fim, analisemos a mediação para resolução de conflitos entre servidores públicos em relação aos principais principios do processo administrativo disciplinar.
             Princípio da verdade material: Determina que a conclusão obtida do procedimento dialético da aplicação do direito, partindo dos fatos e tendo como referencial a lei, com a participação dos agentes, deve refletir a realidade; não a compreensão formal resultante do processo, sem correspondência com os fatos. A verdade real revela os fatos ocorridos em certo contexto social e humano, e não como as partes interpretam e mostrem de forma parcial e favorável às suas pretensões.
             Informalismo moderado: Significa, no processo administrativo, a adoção de formas simples, suficientes para propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito aos direitos dos administrados, utilizando o teor do art. 2º, incisos VIII e IX da Lei federal nº 9.784/99. O conteúdo prevalece, em detrimento do formalismo extremo, no limite que possibilite certeza e segurança na delimitação de direitos e deveres. A forma é instrumento para expressar a essencialidade de direitos e deveres em relação à administração pública. Entretanto, o informalismo não deve ultrapassar o limite que comprometa o devido processo legal.

6. Mediação: Procedimentos alternativos resultantes
             Por tudo exposto conclui-se que a Mediação, como forma de dirimir conflitos entre servidores, submete-se necessariamente aos princípios explícitos na Constituição Federal ou dela decorrentes, bem assim àqueles aplicáveis ao processo administrativo disciplinar na perspectiva da Lei distrital nº 840/2011. Pergunta-se: Quais os resultados decorrentes da utilização da Mediação, de forma concreta, além da sinopse costumeira da pacificação social?
             Antevemos algumas nominações decorrentes, resultantes e compatíveis com o procedimento: Termo de Retratação e Conciliação, Termo de Acordo, Compromisso de Ajuste de Conduta et cetera. Importa a compreensão de que o desaguar da Mediação conduza à pacificação social.
             Como já tem previsão legal para crimes contra a honra e por ser a maior parte das infrações disciplinares interservidores relacionada a esse segmento, optou-se pela Retratação como instrumento formal, acrescido da palavra conciliação: Termo de Retratação e Conciliação, aplicando-se às infrações contra a honra  e outras de interesse disponível ou que possam ser objeto de conciliação.

6.1 Características do Termo de Retratação e Conciliação
            Apresenta natureza jurídica dúplice. Como Retratação, é ato jurídico unilateral, independe da aceitação da vítima para operar efeitos jurídicos. “Satisfeitos os requisitos do artigo 143 do Código Penal, a ação penal (queixa-crime) deve ser trancada e declarada a extinção de sua punibilidade, nos temos do artigo 107, inciso VI, do Código Penal” — Acórdão nº 810221, processo 20140020118333HBC, Relator José Guilherme.
            Como Conciliação, obedecendo aos procedimentos normais recomendados ao método, refletirá o entendimento entre as partes em prol da pacificação social.  Ou seja, exige das partes aceitação ao Termo.

6.1 .1 Termo de Retratação e Conciliação: Natureza jurídica de Retratação
            O instituto da Retratação é aplicável a várias áreas do Direito, inclusive ao Direito Penal e, por consequência, ao processo administrativo disciplinar. Segundo o Código Penal, retratar-se antes da sentença de primeira instância nos ilícitos de calúnia e difamação extingu e a punibilidade:

Art. 107 - Extingue-se a punibilidade: 
             [...] VI - pela retratação do agente, nos casos em que a lei a admite.

Admite-se retratação às seguintes infrações tipificadas no Código Penal: art. 138 - Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime; art. 139 - Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação; art. 342 - Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral.
              O procedimento  é disciplinado pelo art. 143 da mesma Lei penal: “O querelado que, antes da sentença, se retrata cabalmente da calúnia ou da difamação, fica isento de pena”. Mais objetivo é o § 2º do art. 342: “O fato deixa de ser punível se, antes da sentença no processo em que ocorreu o ilícito, o agente se retrata ou declara a verdade”.

6.1.2 Termo de Retratação e Conciliação: Natureza jurídica de Conciliação
            Uma indagação apresenta-se: Aplica-se Retratação à injúria, ou seja, quando  se ofende a dignidade e o decoro de alguém? Não há referência expressa à injúria; entretanto, o Direito, como ciência social, evolui, agrega novas compreensões e interpretações a partir da dicção da lei, adequando à realidade social. Se o interesse da Lei é o equilíbrio social, certamente evoluiria  à  compreensão de que caberia retratação em relação a injúria, como ocorre com calúnia e difamação. Entretanto, a Lei processual penal prevê no arts. 519 a 523 forma alternativa de solução de conflitos em crimes contra a honra:

        Art. 519.  No processo por crime de calúnia ou injúria, para o qual não haja outra forma estabelecida em lei especial...
                    Art. 520.  Antes de receber a queixa, o juiz oferecerá às partes oportunidade para se reconciliarem, fazendo-as comparecer em juízo e ouvindo-as, separadamente, sem a presença dos seus advogados, não se lavrando termo.
                    Art. 521.  Se depois de ouvir o querelante e o querelado, o juiz achar provável a reconciliação, promoverá entendimento entre eles, na sua presença.
                    Art. 522.  No caso de reconciliação, depois de assinado pelo querelante o termo da desistência, a queixa será arquivada.

       Assim, à injuria, apresenta-se como alternativa de resolução de conflitos entre servidores em mesa de mediação o mesmo Termo de Retratação e Conciliação; só que, agora, com manifestação de aceitação das partes que participam da contenda. À propósito, elucidativos dois julgados do Supremo Tribunal Federal acerca do tema:

       a) Inq 2899 / BA – BAHIA Relator(a):  Min. LUIZ FUX Julgamento: 27/06/2012 Publicação DJe-150 DIVULG 31/07/2012 PUBLIC 01/08/2012 Decisão: PENAL. PROCESSUAL PENAL. QUEIXA-CRIME. INJÚRIA. RETRATAÇÃO POR MEIO DE ACORDO FIRMADO ENTRE AS PARTES. MANIFESTAÇÃO DA QUERELANTE NO SENTIDO DA DESISTÊNCIA DA QUEIXA. ARQUIVAMENTO DOS AUTOS.1- Como corolário da possibilidade de disposição da ação penal privada, tem-se que, uma vez decidido pelo ofendido iniciar a ação penal privada, poderá ele a todo tempo dispor do conteúdo material da lide, desistindo da queixa-crime, porquanto, o fato de tomado a iniciativa não lhe obsta o direito de, no curso do procedimento, vir desistir da ação, de conceder ao querelado o perdão ou de abandonar o processo. 2 - In casu, houve formal manifestação de acordo entre as partes, visando por fim à lide, sendo formalizado pela desistência e apresentado o pedido de arquivamento dos autos. Assim, cuidando-se de crime contra a honra, havendo expressa manifestação de desistência por parte da querelante, é de ser aplicado o disposto no artigo 522 do Código de Processo Penal. 3. Arquivamento da queixa-crime.

       b) Inq 3391 / RJ - RIO DE JANEIRO INQUÉRITO Relator(a):  Min. LUIZ FUX Julgamento: 14/03/2012 Publicação DJe-056 DIVULG 16/03/2012 PUBLIC 19/03/2012 Decisão EMENTA: PENAL. PROCESSUAL PENAL. QUEIXA-CRIME. INJÚRIA. RETRATAÇÃO DO QUERELADO. CONSENTIMENTO DO QUERELANTE E PEDIDO DE DESISTÊNCIA. ARQUIVAMENTO. 1- Como corolário da possibilidade de disposição da ação penal privada, tem-se que, uma vez decidido pelo ofendido iniciar a ação penal privada, poderá ele a todo tempo dispor do conteúdo material da lide, desistindo da queixa-crime, porquanto, o fato de tomado a iniciativa não lhe obsta o direito de, no curso do procedimento, vir desistir da ação, de conceder ao querelado o perdão ou de abandonar o processo. 2 - In casu, a retratação do querelado e a apresentação de pedido de desistência por parte do ofendido ocorreram antes do recebimento da queixa-crime pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal. Assim, cuidando-se de crime contra a honra, havendo expressa manifestação de desistência por parte do querelante, é de ser aplicado o disposto no artigo 522 do Código de Processo Penal.3. Arquivamento da queixa-crime.    

6.2 Conciliação, uma vertente da mesa de mediação
             Embora de previsão antiga na legislação nacional, foi a Lei federal nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, que criou os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, cuja primeira vertente foi a conciliação, como determinado pelo art. 2º da Lei: “O processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação”. Vê-se que os princípios norteadores da Lei 9.099/1995 aplicam-se inteiramente ao processo administrativo disciplinar.
             Conciliação é um método consensual utilizado para solução de conflitos. Aparece como alternativa resultante do procedimento de Mediação, aplicando-se preferencialmente às infrações disciplinares sem previsão legal de retratação pelo servidor acusado. A diferença básica é que, agora, as escusas do acusado deverão ser aceitas pelo ofendido, consolidando-se através do já apresentado Termo de Retratação e Conciliação.

6.3       Em prol da clareza, algumas observações
            a) Embora, a princípio, exista entendimento acerca da aplicação às infrações leves do art. 190 da Lei distrital 840/2011 , nem todas as infrações ali tipificadas submetem-se á mesa de Mediação. O indicador para merecer o novel tratamento deve ser a existência de conflitos entre servidores, mesmo não relacionados às infrações contra a honra.
            b) O processo disciplinar apresenta caráter de atipicidade, característica própria por alguns denominada “princípio”. O universo das infrações disciplinares não está tipificado nos regimes jurídicos dos servidores públicos; cabe à administração o juízo de valoração e verificar se determinado ato é infracional ou não, inclusive, submetendo à Comissão de Mediação, caso se configure conflito entre servidores.

7. Arcabouço formal para constituição de Mesa de Mediação proposta pelo art. 211 da Lei distrital nº 840/2011.
             a) Lei estadual instituindo o método, disponha-se de lei específica sobre Regime Jurídico Uníco de servidores públicos ou não.
             b)  Após, os órgãos de cada função estatal instituiriam, através de Portarias, Comissões de Mediação setoriais, a exemplo da Secretaria de Estado de Fazenda.
             c) O funcionamento das Comissões de Mediação obedecerá aos princípios e legislações específicas do Processo Adminstrativo disciplinar no Estado da Federação.
             d) Os trabalhos de Comissão de Mediação serão formalizados, controlados e arquivados em locais apropriados, para resguardo dos interesses das partes envolvidas e do próprio ente estatal.
             e) As conclusões de Mediação serão arquivadas na pasta funcional dos servidores envolvidos para acompanhar o cumprimento e possível descumprimento dos acordos, inclusive para efeito de reincidência.
             f) Como o processo administrativo, os trabalhos da Comissão de Mediação terão caráter reservado.
g) Os trabalhos de Comissões de Mediação terão como referencial os artigos 211 a 213 e 211 a 228, todos da Lei Complementar distrital nº 840/2011.

8.  ANEXOS
            Referenciais ao Termo de Retratação e Conciliação
            Por ainda não existir Lei que discipline Mediação como procedimento de resolução de conflitos entre servidores, tendo como desfecho  a Retratação ou Conciliação, buscou-se guarida na legislação penal,  doutrina e jurisprudência — a seguir.
           a)  Código de Processo Penal
           Afirma a Lei processual que o julgamento de crimes contra a honra, a princípio, é competência de juiz singular:
           Art. 519.  No processo por crime de calúnia ou injúria, para o qual não haja outra forma estabelecida em lei especial, observar-se-á o disposto nos Capítulos I e III, Titulo I, deste Livro, com as modificações constantes dos artigos seguintes.
           Art. 520.  Antes de receber a queixa, o juiz oferecerá às partes oportunidade para se reconciliarem, fazendo-as comparecer em juízo e ouvindo-as, separadamente, sem a presença dos seus advogados, não se lavrando termo.
           Art. 521.  Se depois de ouvir o querelante e o querelado, o juiz achar provável a reconciliação, promoverá entendimento entre eles, na sua presença.

O Termo de Retratação e Conciliação pode resultar de ações mediadoras, conciliadoras ou por deliberação pessoal de quem praticou ato infracional disciplinar, incluindo crimes contra a honra. O possível infrator reconhece o ilícito e declara-se, de forma cabal e inconteste, contrariamente ao antes afirmado, ou seja, retrata-se. Se a retratação ocorre antes de sentença de primeira instância, extingue-se a punibilidade. Não se referindo a infrações disciplinares contra a honra passíveis de retratação, os procedimentos em mesa de mediação gerarão acordo entre as partes, a conciliação.
             b)     Compreensão doutrinária
             Júlio Fabbrini Mirabete  em seu Processo Penal, pag. 585, reconhece ser “particularidade dos crimes contra a honra, de competência do juiz singular, a realização de uma audiência de conciliação, ou reconciliação, anterior ao recebimento da queixa. Dispõe o artigo. 520 (do Código de Processo Penal): “Antes de receber a queixa o juiz oferecerá às partes oportunidade para se conciliarem, fazendo-as comparecer em juízo e ouvindo-as separadamente, sem a presença dos seus advogados, não se lavrando termo. Essa tentativa de conciliação realizada em audiência é condição de procedibilidade nos processos de crimes contra a honra em que se apurem mediante ação penal privada, ainda que de caráter especial, porque só se efetua após o recebimento da queixa”.
             c) Da Jurisprudência
             A jurisprudência é prolífica em relação à retratação em crimes contra a honra:
             a) HABEAS CORPUS.CRIME DE CALÚNIA. CARACTERIZADA A RETRATAÇÃO (ATO UNILATERAL) INDEPENDENTEMENTE DE ACEITAÇÃO DA VÍTIMA IMPERIOSA A EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE DO OFENSOR. NECESSIDADE DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL (QUEIXA-CRIME) A FIM DE SANAR O CONSTRANGIMENTO ILEGAL IMPUTADO À PACIENTE. ORDEM CONHECIDA E CONCEDIDA.  I – A retratação é ato jurídico unilateral, não dependendo de aceitação da vítima para operar seus efeitos jurídicos. II - Na hipótese, satisfeitos os requisitos do artigo 143 do Código Penal, a ação penal (queixa-crime) deve ser trancada e declarada a extinção de sua punibilidade, nos temos do artigo 107, inciso VI, do Código Penal. III – ORDEM CONHECIDA e CONCEDIDA, para trancar a ação penal por falta de justa causa e extinguir a punibilidade da paciente. (Acórdão n.810221, 20140020118333HBC, Relator: JOSÉ GUILHERME, 3ª Turma Criminal, Data de Julgamento: 07/08/2014, Publicado no DJE: 14/08/2014. Pág.: 143).

b) RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. CRIMES CONTRA A HONRA. CALÚNIA E DIFAMAÇÃO. CARTA DIVULGADA NO ÂMBITO DA CÂMARA LEGISLATIVA VEICULANDO ENVOLVIMENTO DO QUERELANTE COM IRREGULARIDADES EM LICITAÇÕES. RETRATAÇÃO COMPLETA E IRRESTRITA COMPROVADA NOS AUTOS. CAUSA EXTINTIVA DA PUNIBILIDADE. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA A AÇÃO PENAL PRIVADA. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. [...] 6. Recurso conhecido e não provido para manter a decisão que rejeitou a queixa-crime. (Acórdão n.363492, 20070110695324RSE, Relator: ROBERVAL CASEMIRO BELINATI, 2ª Turma Criminal, Data de Julgamento: 18/06/2009, Publicado no DJE: 20/10/2009. Pág.: 239).
             c) APELAÇÃO CRIMINAL. QUEIXA CRIME. CALÚNIA. DIFAMAÇÃO. RETRATAÇÃO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS E CUSTAS DEVIDOS. INJÚRIA. DOLO ESPECÍFICO NÃO DEMONSTRADO. ABSOLVIÇÃO. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. REPARTIÇÃO PROPORCIONAL DAS DESPESAS DO PROCESSO. 1. Não se podendo extrair, com a necessária certeza, exigida para a condenação, a vontade livre e consciente de atribuir ao apelante qualidades negativas, reprováveis, imorais ou mesmo criminosas, impõe-se a absolvição quanto a crime de injúria, haja vista a falta de dolo específico requerido pelo tipo penal mencionado. 2. Se o querelado, após o recebimento da queixa, na audiência de instrução e julgamento, retrata-se quanto a afirmações que poderiam configurar o crime de calúnia ou difamação, nos termos do artigo 143 do Código Penal, deve arcar com as custas e honorários advocatícios, em que pese a sentença de extinção da punibilidade. Recurso conhecido e parcialmente provido.(Acórdão n.837426, 20130110971546APR, Relator: CESAR LABOISSIERE LOYOLA, 2ª Turma Criminal, Data de Julgamento: 04/12/2014, Publicado no DJE: 10/12/2014. Pág.: 131).

d)CRIMES CONTRA A HONRA - CALÚNIA - DIFAMAÇÃO - INJÚRIA - AÇÃO PENAL PÚBLICA CONDICIONADA - RETRATAÇÃO - ADMISSIBILIDADE - IRRELEVÂNCIA DE A OFENSA SER DIRIGIDA CONTRA SERVIDOR PÚBLICO NO EXERCÍCIO DAS FUNÇÕES - CAUSA EXTINTIVA DA PUNIBILIDADE - EXTENSÃO DOS SEUS EFEITOS - APLICAÇÃO DOS ARTS. 107, ITEM VI E 143, DO CÓDIGO PENAL - EMBARGOS PROVIDOS. É ADMISSÍVEL A RETRATAÇÃO NOS CRIMES CONTRA A HONRA, DESDE QUE MANIFESTADA DE FORMA CABAL E INEQUÍVOCA, REVELADORA DE ERRO E ARREPENDIMENTO, SENDO IRRELEVANTE A NATUREZA DA AÇÃO, PÚBLICA CONDICIONADA OU PRIVADA, MESMO QUE PRATICADA A OFENSA CONTRA SERVIDOR PÚBLICO, NO EXERCÍCIO DAS FUNÇÕES INERENTES AO CARGO QUE OCUPE. (Acórdão n.70932, Relator: LÉCIO RESENDE, Câmara Criminal, Data de Julgamento: 12/05/1994, Publicado no DJU SECAO 3: 29/06/1994. Pág.: 7).

9.       Bibliografia
1. MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 28. ed. São Paulo: Atlas, 2012.
2. BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.
3. MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 15ed. São Paulo: Malheiros, 2002.
4. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 23. ed. São Paulo: Malheirod, 2004.
5. BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Processo administrativo disciplinar. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
6. Medauar, Odete. A processualidade do direito adminstrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1965, apud Romeu Felipe Bacellar Filho.
7. Constituição Federal de 1988. República Federativa do Brasil.
8. Lei Complementar distrital nº 840/2011. Distrito Federal, Brasil.
9. 9.Lei Orgânica do Distrito Federal. Distrito Federal, Brasil.

Sobre o autor
Astrogildo Miag Regis Barbosa

Escritor, Advogado e Economista, servidor público da área tributária atualmente em exercício na Unidade de Corregedoria da Secretaria de Economia do Distrito Federal.

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Trabalho apresentado em reunião do GT18 do Conselho Nacional de Política Fazendária do Ministério da Fazenda. Agosto/2015.

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