A liberdade religiosa na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

03/03/2016 às 13:51
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O trabalho tem como proposta a liberdade religiosa na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

RESUMO

O trabalho de conclusão de curso tem como proposta a liberdade religiosa na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, analisando a evolução histórica da liberdade religiosa no constitucionalismo brasileiro e sua previsão na Constituição de 1988. Aborda ainda o princípio da dignidade da pessoa humana, sua previsão constitucional e sua ligação com a liberdade religiosa. Posteriormente a liberdade em comento é esmiuçada quanto à sua natureza jurídica, característica de direito fundamental, restrições e limites do direito fundamental, previsão constitucional, escusa de consciência e a laicidade do Estado.

Palavras chave: Liberdade Religiosa, Constituição Federal, dignidade, direito fundamental, restrições e limites, escusa de consciência, estado laico.

ABSTRACT

The course conclusion work proposes the leligiosa freedom in the Constitution of the Federative Republic of Brazil in 1988, analyzing the historical evolution of religious freedom in the Brazilian constitutionalism and its forecast in the 1988 Constitution also addresses the principle of human dignity, a constitutional provision and its connection to religious freedom. Later freedom under discussion is scrutinized as to its legal nature, characteristic of fundamental rights, restrictions and limits of the fundamental right, constitutional provision, excuse of conscience and secularism of the state.

Key words: Religious Freedom, Federal Constitution, dignity, fundamental rights, restrictions and limits, excuse consciousness, secular state.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO

2 HISTÓRIA DA LIBERDADE RELIGIOSA

2. 1 EVOLUÇÃO DA LIBERDADE RELIGIOSA NO CONSTITUCIONALISMO BRASILEIRO

2. 2 A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E A LIBERDADE RELIGIOSA

3 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

3.1 PREVISÃO CONSTITUCIONAL

4 LIBERDADE RELIGIOSA

4.1 NATUREZA JURÍDICA DA LIBERDADE RELIGIOSA

4.2 LIBERDADE RELIGIOSA COMO DIREITO FUNDAMENTAL

4.3 RESTRIÇÕES E LIMITES DO DIREITO FUNDAMENTAL

4.4 A LIBERDADE RELIGIOSA CONSTITUCIONAL

4.5 ESCUSA DE CONSCIÊNCIA

4.6 ESTADO LAICO

5 CONCLUSÃO

6 BIBLIOGRAFIA

1 INTRODUÇÃO  

O presente trabalho visa a análise da liberdade religiosa na Constituição da República Federativa do Brasil, com intuito de esclarecer a previsão constitucional desse direito fundamental.

Tal liberdade é de suma importância no ordenamento pátrio; portanto, extremamente relevante para todos os cidadãos brasileiros, devido à pluralidade de credos existentes no Estado brasileiro.

Dessa forma, o presente tema é abordado de forma objetiva, tendo sido utilizada a pesquisa bibliográfica doutrinária para apresentar o posicionamento atual quanto ao tema.

Abordar-se-á a história da liberdade religiosa, analisando a evolução desta no constitucionalismo brasileiro e mais especificamente na Constituição Federal de 1988, que rege o país.

Em seguida é tratado o principio da dignidade da pessoa humana, e analisado seu conceito geral e sua previsão constitucional, ressaltando os aspectos mais importantes que o interligam com o direito à liberdade religiosa.

Por derradeiro é feita uma análise específica sobre a natureza jurídica da liberdade religiosa, abordando o seu aspecto de direito fundamental, bem como sua previsão constitucional, encerrando com a escusa de consciência e laicidade do Estado, pontos de suma relevância, conforme a análise que se inicia no tópico abaixo.

2 HISTÓRIA DA LIBERDADE RELIGIOSA

Considerando que no Estado democrático de direito a liberdade religiosa no sentido jurídico e político são atualmente inseparáveis, não há como imaginar uma democracia sem a liberdade de culto. Para melhor compreensão é de suma importância a análise das origens históricas deste tema.

A liberdade religiosa surgiu formalmente, nos Estados Unidos, em 12 de junho de 1976, na Declaração de Direitos de Virgínia, que possui, consignados no artigo 16, prerrogativas que defendem o livre exercício da religião de acordo com a consciência de cada indivíduo. Contudo, trata-se de documento meramente declaratório e não possui força normativa.[1]

Parte do conteúdo da liberdade religiosa como direito fundamental teve sua consagração normativa apenas em 26 de agosto de 1789, com a promulgação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão pela Assembleia Nacional de França.[2] Seu texto afirma o direito geral de liberdade, precisa o conteúdo de legalidade e busca proteger a livre comunicação de opiniões religiosas...[3] conforme afirma Lélio Maximino Lellis.

O Congresso dos Estados Unidos ratificou, em 15 de dezembro de 1791, a Declaração de Direitos, consistentes nas emendas iniciais à Constituição Americana que foi aprovada em 25 de setembro de 1789, afirmando, em suma, que não seria feita lei para estabelecer uma religião ou proibir o seu livre exercício.[4]

Portanto, após essa breve análise das origens e do surgimento formal da liberdade religiosa, é de suma importância a analise de sua evolução no constitucionalismo brasileiro no tópico seguinte, ressaltando-se os aspectos mais importantes.

2. 1 EVOLUÇÃO DA LIBERDADE RELIGIOSA NO CONSTITUCIONALISMO BRASILEIRO

No Brasil colônia inexistia qualquer vestígio do direito à liberdade religiosa, pois, o que na verdade havia, era uma legislação opressora de quaisquer crenças que não fosse a oficial, bem como a perseguição religiosa promovida pela Inquisição.

A história do direito à liberdade religiosa no Brasil como nação independente teve início com a Constituição Imperial de 1824, que foi outorgada por Dom Pedro I, em 25 de março desse mesmo ano.

A Constituição Imperial de 1824 iniciou de maneira tímida e restrita uma relativa tolerância religiosa, quase que totalmente ligada ao campo da liberdade de consciência, pois eram grandes as restrições no âmbito das práticas de culto, conforme pode ser observado na redação do seu artigo 5º, in verbis:

Art. 5º. A Religião Catholica Apostolica Romana continuará a ser a Religião do Império. Todas as outras Religiões serão permitidas com seu culto domestico, ou particular em casas para isso destinadas, sem forma alguma exterior do Templo.

A limitação da tolerância religiosa existentes na Constituição Imperial de 1824 pode ser claramente verificada na leitura dos artigos 95 e 179, inciso V, com a seguinte redação:

Art. 95. Todos os que podem ser Eleitores, habeis para serem nomeados Deputados. Excetuam-se [...]  

III. Os que não professarem a Religião do Estado.

Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Políticos dos Cidadãos Brasileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Império, pela maneira seguinte. [...]

V. Ninguém pode ser perseguido por motivo de Religião, uma vez que respeite a do Estado, e não ofenda a Moral Pública.

Assim, verifica-se que inexistia plena liberdade de culto das religiões não oficiais do Estado, pois elas estavam proibidas de ter uma forma exterior de templo, o que visava evitar a publicidade e dificultar o proselitismo religioso, bem como o culto nelas realizados deveria ser considerado como doméstico.

Havia ainda a proibição do exercício de cargos públicos para indivíduos que fossem membros de outras confissões religiosas, constatação esta que é reforçada pelos artigos 103, 106, 127 e 141, da Constituição de 1824, que obrigavam os líderes políticos, bem como o Imperador e o herdeiro do trono imperial, a proferirem juramento obrigando-se a manter a Religião Católica Apostólica Romana. Era possível ainda perseguir aquele que não respeitasse a religião do Estado ou ofender a moral pública.

A plenitude da liberdade religiosa teve lugar com a Proclamação da República, por meio dos artigos 1º a 5º do Decreto n.º 119-A, de 07 de janeiro de 1890, deixando de ser mera tolerância, pois esse instrumento normativo tornou o Estado laico e efetuou a separação deste com a religião, prevendo o principio da neutralidade do Estado ante as confissões religiosas, bem como a autonomia, o direito individual à não discriminação por motivo de opinião ou crença religiosa.

Nesse diapasão, seguiu a Constituição de 1891 que em sua redação prevê o direito de exercício de culto às confissões religiosas, conferindo a estas o direito de auto-organização, exigindo ainda a separação destas do Estado, proibindo o ensino religioso nas escolas públicas, obrigando a prevalência da laicidade.

A Constituição de 1891 previa ainda, aos indivíduos brasileiros e estrangeiros, o direito de exercício de culto, a não discriminação e a vedação da perseguição estatal em decorrência de crença ou função religiosa, excetuando quando fosse alegado para eximir-se de ônus por lei imposto a todos os cidadãos, quando perderia os direitos políticos. Muito embora fosse amplo, o direito à liberdade religiosa não contemplava ainda a escusa de consciência por motivo de crença.

Aproximadamente quarenta e três anos depois, a Constituição de 1934 trouxe o tema da liberdade religiosa em seus artigos, nos quais expressamente reafirmou uma grande parte do conteúdo introduzido pela Constituição de 1891.

Diferentemente da sua antecessora, a Constituição de 1934 facilitou o exercício da objeção ou escusa de consciência, prevendo suspensão e não mais a perda dos direitos políticos, o que ocorreria apenas em caso de condenação criminal enquanto durassem os seus efeitos.

A Lei Fundamental de 1934 foi inovadora ao consignar expressamente a proibição de discriminação por causa de crença religiosa, bem como a permissão da prestação de assistência religiosa em estabelecimentos oficiais, sempre que fosse solicitada e desde que não existisse ônus aos cofres públicos.

Essa mesma norma Constitucional estabeleceu ainda a volta do ensino religioso nos horários normais de aulas nas escolas públicas, consignando a facultatividade da frequência e que fosse ministrado de acordo com a religião do aluno.

A Constituição de 1937 normatizou apenas a liberdade de culto dos indivíduos e das confissões religiosas, mencionando a possibilidade de implantação do ensino religioso nas escolas públicas, também mediante matrícula facultativa para os alunos.

A norma Constitucional de 1946 também abordou o tema da liberdade religiosa, assegurando explícita ou implicitamente, todos os aspectos já abraçados pela Constituição de 1934.

Por derradeiro, a Constituição de 1967, no que tange à liberdade religiosa, não teve seu conteúdo alterado pela Emenda Constitucional n.º 1, de 1969, e seus artigos nada inovaram. Na verdade, retrocedeu ao que disciplinava a norma Constitucional anterior, pois suprimiu a prestação alternativa a ser prevista em lei para os casos de escusa de consciência decorrentes de crença religiosa.

2. 2 A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E A LIBERDADE RELIGIOSA

O direito a liberdade é muito complexo, por este motivo deve-se analisar a liberdade religiosa, atentando para o fato de está é apenas uma espécie daquele, vez que podemos elencar a liberdade de expressão, locomoção, manifestação do pensamento, reunião e de associação, conforme previsão do artigo 5º da Constituição Federal de 1988, que também elenca os princípios da legalidade e igualdade, ambos com influencia na delimitação e pontencialização da liberdade religiosa.

Nesse sentido, verificamos a brilhante elucidação trazida por Lélio Maximino Lellis, ao ponderar que

... todos os indivíduos possuem igual direito à liberdade religiosa, bem como igual direito a proteção jurídica ao exercício daquela liberdade, quer em relação ao Estado quer em relação às pessoas naturais ou jurídicas privadas. Em resumo, o direito a liberdade religiosa será sempre exercido no contexto da existência de outros direitos fundamentais veiculados por princípios, havendo, desta forma, uma delimitação em sua concretização pelos conteúdos de tais direitos efetivados em dada realidade. Assim, concomitantemente, há uma amplificação do direito à liberdade religiosa pela intersecção do âmbito em que se inserem parte de seus conteúdos com espaços pertencentes a outros direitos fundamentais, bem como uma delimitação mais precisa decorrente de vedações constitucionalmente expressas para configurar estes direitos. [5]

Dessa forma, claramente se pode verificar que a liberdade religiosa está intimamente relacionada com outros direito fundamentais, demonstrando a unicidade da Carta Magna que trata de maneira cristalina a questão dos direitos fundamentais.

3 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

A liberdade religiosa está intimamente ligada à dignidade da pessoa humana. Por esta razão é muito importante analisar esse princípio, mesmo que de forma genérica, pois trará esclarecimentos relevantes ao tema em estudo.

Da mesma forma que o direito à vida, o princípio da dignidade da pessoa humana possui dificuldades para ser conceituado. Por isso, não se abordará de forma ampla essa discussão, analisando de forma superficial pois, o que mais interessa é a sua previsão constitucional e a sua relação com a liberdade religiosa.

Para o presente estudo interessa o conceito mais geral e o conceito jurídico da dignidade humana. Assim, pelo conceito geral, ela é entendida no sentido comum como sendo

Qualidade moral que infunde respeito; consciência do próprio valor; honra, autoridade, nobreza; qualidade do que é grande, nobre, elevado; modo de alguém proceder ou de se apresentar que inspira respeito; solenidade, gravidade, brio, distinção; repeito aos próprios sentimentos, valores; amor próprio.[6]

Merece destaque nesta definição geral o termo “qualidade”, o qual demonstra que a dignidade é mais do que um direito, como bem acentua o doutrinador Carlos Flávio Teixeira ao dissertar sobre a dignidade:

Na verdade, ela se tornou um direito porque antes de sê-lo é entendido como uma condição de ser, que precisa de ser tutelada e por isso é elevada à condição de um status a ser garantido em favor da vida humana.

No âmbito jurídico há uma busca sob o prisma do conceito filosófico mais amplo, visando à concretização da dignidade da pessoa humana, do qual Alexandre de Moraes consigna que

... a dignidade da pessoa humana é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, cosntituindo-se em um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que apenas, excepcionalmente, possas ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos.[7]

Assim, pode-se ter em mente que a dignidade da pessoa humana é um valor supremo que abraça completamente todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida.[8] Verificamos, portanto, que a dignidade é um principio de enorme importância e alcance.

Os efeitos desse princípio impõe observância a qualquer ser humano, seja individual ou coletivamente, quando analisado no sentido horizontal, alcançando ainda o Estado e todas as instituições, para cobrar observância, atenção e, ao mesmo tempo, garantia e proteção da postulação no sentido vertical.

Como bem consigna Carlos Flávio Teixeira, a dignidade humana é um conceito dinâmico, e assim se pode entender:

... a dignidade humana é também um conceito dinâmico, cuja definição vai sendo construída pelo ser humano, seu titular, em cada momento histórico de sua existência espaço-temporal. Embora seja uma condição qualificativa do ser humano, a dignidade vai sendo enriquecida, ampliada, e ressignificada à medida que vai sendo desafiada pelas contingencias de tempo e espaço às quais está sujeito o ser humano. Ocorre assim a expressão e o aperfeiçoamento da consciência valorativa e ética do ser humano.[9]

Desta forma, verifica-se que a dignidade da pessoa humana é simultaneamente condição e conquista do ser humano, sendo [...] condição por ser inerentemente nata em seu ser, e é conquista porque sua afirmação e realização se dão na luta permanente do humano frente às contingencias de tempo e espaço às quais está sujeito[10], sendo, portanto, um estado qualitativo do ser humano, que deve ser afirmado perante seus pares e instituições que o governa.

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3.1 PREVISÃO CONSTITUCIONAL

Pode-se verificar que o legislador Constituinte optou por considerar à dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, conforme consignado no artigo 1º, inciso III da Magna Carta e não como um direito fundamental consignado no extenso rol do artigo 5º da Lei Maior. Senão veja-se:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I - a soberania;

II - a cidadania

III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V - o pluralismo político. (Grifo nosso)

Aparentemente o objetivo principal da inserção do princípio em estudo na Constituição foi fazer com que a pessoa humana seja o fundamento e fim da sociedade, porque o Estado não pode ser, vez que consiste não em um fim, mas em um meio que deve ter também como finalidade a preservação da dignidade do ser humano.

Nesse sentido, em relação à previsão Constitucional do princípio da dignidade da pessoa humana como fundamento da República, Carlos Flávio Teixeira faz a seguinte consideração:

Ao dispor desta forma, o poder constituinte não somente se preocupou em positivar a dignidade como um valor fundamental da ordem político-jurídica brasileira. Mas também, e, sobretudo, quis estabelecer o mapa para formulação e concretização de todo o conteúdo constitucional. Isso significa que esse fundamento valorativo, sendo ele mesmo um preceito fundante, é indicativo de aplicabilidade imediata a qualquer medida que se veja como necessária para concretizar seu conteúdo em favor do ser humano.[11]

A dignidade da pessoa humana é um valor que serve de base para avaliação da legitimidade das ações do Estado e de seus governantes, e, tudo o que for contrário a esse valor não pode ser considerado legítimo dentro da ordem brasileira, seja no âmbito politico ou jurídico.

Portanto, pode-se verificar que a inserção desse princípio na Constituição Federal pátria, visa estabelecer como fim do Estado propiciar as condições para que as pessoas se tornem dignas.

Desta forma, se se buscar entender quais são as condições que tornam uma vida digna, não se irá encontrar de forma sólida o que seria a efetiva proteção à dignidade da pessoa humana, pelo fato desse princípio ser uma qualidade inerente a todo e qualquer ser humana, sendo habitualmente definida como constituindo o valor próprio que identifica o ser humano como tal.

No entanto, não existem dúvidas de que a dignidade consiste em algo real, devido à dificuldade em identificar claramente muitas das situações em que é oprimida e atacada, mas pode-se visualizar diversas situações nas quais há absoluta violação deste princípio, como a qualidade de vida desumana ou a prática de medidas como a tortura em todas as suas modalidades, que impedem o ser humano de cumprir o propósito de sua existência.

Nesse liame ingressam as previsões do artigo 5º da Constituição Federal, elencando os direitos fundamentais da pessoa humana. Que, pontualmente, na lição de Alexandre de Moraes [...] direciona-se basicamente para a proteção à dignidade humana em seu sentido mais amplo[12]. Desta forma, consegue-se verificar a relação existente entre a dignidade da pessoa humana e o direito fundamental à liberdade religiosa.

 Assim, da mesma forma que os outros direitos fundamentais elencados na Carta Magna, a liberdade religiosa está intrinsecamente ligada à dignidade da pessoa humana pois, quando violada, acarreta diretamente violação desse direito fundamental.

4 LIBERDADE RELIGIOSA

4.1 NATUREZA JURÍDICA DA LIBERDADE RELIGIOSA

O atual sistema constitucional brasileiro institui a liberdade religiosa como direito fundamental, tanto no âmbito formal quanto no âmbito material. Em decorrência do direito à liberdade religiosa estar estabelecido no artigo 5º, da Constituição Federal, no Título II que trata dos direitos e garantias fundamentais, e ser considerada cláusula pétrea, imutável, pela disposição do artigo 60, §4º, IV, da Constituição Federal[13], constitui-se assim direito fundamental formal.

A liberdade religiosa é direito fundamental material porque sua existência é condição primordial para à existência da dignidade da pessoa humana, que se revela fundamento da República do Brasil, nos termos do artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal, sendo ainda indispensável à concretização de dois dos objetivos postos na Constituição como fundamentais, a saber, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária e a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras forma de discriminação.[14]

Tais objetivos constitucionais acima transcritos estão previstos no artigo 3º, I e IV, da Constituição Federal, que assim dispõe:

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

[...]

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Os princípios fundamentais, como bem elucida o doutrinador Uadi lammêngo Bulos, são diretrizes imprescindíveis à configuração do Estado, determinando-lhe o modo e a forma de ser. Refletem os valores abrigados pelo ordenamento jurídico, espelhando a ideologia do constituinte, os postulados básicos e os fins da sociedade.[15]

Os princípios fundamentais são assim qualificados por constituírem a base em que a Constituição está firmada, e na Lei maior estão localizados, nos Título I, entre os artigos 1º a 4º, possuindo força expansiva, agregando direitos inalienáveis, básicos e imprescritíveis, como a dignidade da pessoa humana, a cidadania, o pluralismo político dentre outros, visando garantir a unidade da Constituição brasileira, norteando a ação do intérprete, balizando a tomada de decisões, tanto dos órgãos Legislativo, Executivo e Judiciário, quanto dos particulares, bem como a preservação do Estado Democrático de Direito.

Dessa forma, resta claro que a liberdade religiosa constitui-se um direito fundamental no ordenamento brasileiro, seja no aspecto formal ou material, demonstrando assim a importância desse instituto.

4.2 LIBERDADE RELIGIOSA COMO DIREITO FUNDAMENTAL

Primeiramente, antes de analisar porque a liberdade religiosa é um direito fundamental, é importante entender o que são os direitos fundamentais. Encontra-se na obra de Uadi lammêngo Bulos precisa conceituação e ressalte da importância destes:

Direitos fundamentais são o conjunto de normas, princípios, prerrogativas, deveres e institutos, inerentes à soberania popular, que garantem a convivência pacifica, digna, livre e igualitária, independentemente de credo, raça, origem, cor, condição econômica ou status social. Sem os direitos fundamentais, o homem não vive, não convive, e, em alguns casos, não sobrevive.[16]

Portanto, é clara a definição dos direitos fundamentais, assim como a sua importância para a pessoa humana, sendo essencial à existência digna e de todos.

Os direitos fundamentais possuem natureza de normas constitucionais positivas, pois são derivados da própria prescrição constitucional, além de cumprirem a finalidade de defesa e de instrumentalização.

O mesmo doutrinador acima mencionado faz importante menção neste ponto, ao consignar a finalidade dos direitos fundamentais como direitos instrumentais e de defesa, com as seguintes palavras:

Como direitos de defesa, permitem o ingresso em juízo para proteger bens lesados, proibindo os Poderes Públicos de invadirem a esfera privada dos indivíduos. [...] No posto de direitos instrumentais, consagram princípios informadores de toda a ordem jurídica (legalidade, isonomia, devido processo legal etc.) fornecendo-lhes os mecanismos de tutela (mandado de segurança, habeas corpus, ação popular etc.)[17]

Nesse diapasão, pode-se verificar que a finalidade instrumental dos direitos fundamentais, permite ao individuo particular reivindicar do Estado o cumprimento de prestações sociais, a proteção contra atos de terceiros e a tutela contra as discriminações.

A liberdade é uma conquista constante, em constante evolução. Alguns doutrinadores a têm conceituada como resistência à opressão, ou como resistência à coação da autoridade, com sua força ou poder.

Num contexto a liberdade tem sido considerada e conceituada como negativa, quando o individuo não participa, se opõe ou se nega à uma autoridade. Noutra concepção, a liberdade é considerada positiva, quando a pessoa participa da autoridade, ou do poder.

André Ramos Tavares consigna o seguinte sobre a liberdade religiosa como direito fundamental:

... há de incluir a liberdade religiosa: i) de opção em valores transcendentais (ou não); ii) de crença nesse sistema de valores; iii) de seguir dogmas baseados na fé e não na racionalidade estrita; iv) da liturgia (cerimonial), o que pressupõe a dimensão coletiva da liberdade; v) do culto propriamente dito, o que inclui um aspecto individual; vi) dos locais de prática do culto; vii) de não ser o individuo inquirido pelo Estado sobre suas convicções; viii) de não ser o individuo prejudicado, de qualquer forma, nas suas relações com o Estado, em virtude de sua crença declarada.[18]

Quanto a esse conjunto de liberdades, do ponto de vista da teoria dos direitos fundamentais, deve ser classificado como direitos negativos, a exigir a devida atenção e contenção por parte do Poder Público. São os denominados direitos de primeira dimensão, alinhados à liberdade maior de consciência, como bem pondera Uadi lammêngo Bulos:

A primeira geração, surgida no final do século XVII, inaugura-se com o florescimento dos direitos e garantias individuais clássicos, os quais encontram na limitação do porder estatal seu embasamento. Nessa fase, prestigiavam-se as cognominadas prestações negativas, as quais geravam um dever de não fazer por parte do Estado, com vistas à preservação do direito à vida, à liberdade de locomoção, à expressão, à religião, à associação etc.[19]

Igualmente do ponto de vista da teoria dos direitos fundamentais, essa dimensão é tradicionalmente contraposta ao Estado, restando diferenciada a discussão acerca de se os particulares devem igualmente obediência a essas normas. Trata-se, aqui, da discussão que ficou inicialmente conhecida no Brasil como a eficácia horizontal dos direitos fundamentais, a vinculação (direta ou indireta) dos particulares aos direitos fundamentais, ao lado da tradicional eficácia vertical, que contrapõe o indivíduo e a sociedade ao Estado.

Mas não é só. Há uma dimensão positiva da liberdade religiosa, pois o Estado deve assegurar a permanência de um espaço para o desenvolvimento adequado de todas confissões religiosas. Cumpre ao Estado empreender esforços e zelar para que haja essa condição estrutural propícia ao desenvolvimento pluralístico das convicções pessoais sobre religião e fé.

É possível, portanto, vislumbrar vedações dirigidas ao Estado, quando se trata de liberdade religiosa, como a proibição de: i) guerras santas; ii) discriminação estatal (lato sensu) arbitrária e danosa entre as diversas igrejas; iii) obrigar que o indivíduo apresente e divulgue suas convicções religiosas; iv) estabelecer critérios axiológicos para selecionar as melhores religiões; v) estabelecer pena restritiva de direitos junto a templo religioso.[20]

Nesse sentido Josias Jacintho Bittencourt consigna que:

Atualmente, o princípio da Liberdade Religiosa está protegido tanto no âmbito da Constituição Federal de 1988 como no âmbito de outras legislações. Apesar de ser um direito absoluto, inalienável, e fundamental; ele também é, ao mesmo tempo, um direito com liberdade de ação limitada liberdade contida, liberdade contida. É um direito “sem limites” e “com limites” tanto no âmbito do Direito internacional como na esfera do Direito constitucional e infraconstitucional; tudo para garantir e proibir, ao mesmo tempo, a manifestação do pensamento e a não invasão dos limites do direito do próximo.[21]

Desta forma verificamos a liberdade religiosa como direito fundamental claramente protegido no ordenamento jurídico, sendo um direito ilimitado e limitado ao mesmo tempo, visando garantir a manifestação do pensamento e a não invasão dos limites dos direitos alheios.

4.3 RESTRIÇÕES E LIMITES DO DIREITO FUNDAMENTAL

A liberdade religiosa como direito fundamental possui algumas restrições. Portanto, é necessário observar os parâmetros que elas devem seguir, pois, para que uma lei possa restringir a liberdade religiosa de qualquer grupo, principalmente minoritário. Deve respeitá-los, para não cercear o gozo pleno do direito.

De acordo com as lições de José Joaquim Gomes Canotilho, são três os parâmetros que podem limitar ou restringir um direito fundamental, conforme se pode verificar:

A compreensão da problemática das restrições de direitos, liberdades e garantias exige uma sistemática de limites, isto é, análise dos tipos de restrições eventualmente existentes. Aqui vai pressupor-se a seguinte tipologia: (1) restrições constitucionais diretas ou imediatas = restrições diretamente estabelecidos pelas próprias normas constitucionais; (2) restrições estabelecidas por lei, mediante autorização expressa da constituição (reserva de lei restritiva); (3) limites imanentes ou implícitos (= limites constitucionais não escritos, cuja existência é postulada pela necessidade de resolução de conflitos de direitos).[22]

Segundo Gilmar Mendes, as restrições aos direitos fundamentais possuem três parâmetros, quais sejam: a reserva legal simples, a serva legal qualificada e os limites imanentes.

Encontra-se a reserva legal simples quando o constituinte permite ao legislador intervenções no âmbito de proteção do direito fundamental, assim Diante de normas densas de significado fundamental, o constituinte defere ao legislador atribuições de significado instrumental, procedimental ou conformador/criador do direito.[23]

Quanto à reserva legal qualificada, a Constituição não se limita a exigir que eventual restrições ao âmbito de proteção de terminado direito seja prevista em lei, estabelecendo também, as condições especiais, os fins a serem perseguidos ou os meios a serem utilizados.[24]

Por derradeiro, existem direitos fundamentais sem expressa previsão na reserva legal. Para tais direitos, a restrição que eventualmente podem sofrer se baseia nos limites imanentes.[25]

Dessa forma, verifica-se que os limites imanentes são parâmetros de restrição complexos, pois, se não efetuados de forma criteriosa, podem servir para restringir direitos fundamentais de forma aleatória. Esses limites se embasam na possibilidade da restrição de um direito fundamental somente com base em limites constitucionais não escritos, cuja existência é postulada pela necessidade de resolução de conflitos de direitos.[26]

As restrições por ele impostas, não estão expressas na Constituição Federal de forma literal, mas devem ser observadas para que não haja caos social, ou para que o direito não seja usado como provedor de arbitrariedades. Os limites imanentes atuam de forma a organizar os direitos, efetivando-os da melhor forma dentro do ordenamento.

Assim, para haver limitação ou restrição do direito à liberdade religiosa é necessário que sejam usados os parâmetros supra mencionados, uma vez que essa liberdade está intimamente ligada à dignidade da pessoa humana como já abordado em tópico anterior.

4.4 A LIBERDADE RELIGIOSA CONSTITUCIONAL

A liberdade religiosa encontra-se prevista na Constituição Federal, entre os direitos e garantias fundamentais, especificamente no artigo 5º, incisos VI e VIII, com a seguinte redação:

Artigo 5º [...]

VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;

[...]

VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;

Pode-se extrair do texto constitucional a intenção do legislador em proteger as liberdades de consciência, de religião – que engloba a crença e culto – e de convicção filosófica ou política, sendo incumbência da lei a proteção dos locais onde as liturgias religiosas forem realizadas.

Dessa forma, é de suma importância entender o significado de cada uma das liberdades acima mencionadas (consciência, religiosa, convicção filosófica/política), destacando uma a uma e apresentando a mais objetiva conclusão doutrinária.

Primeiramente, analisar-se-á de forma objetiva o significado da liberdade de consciência, que nas palavras de Uadi lammêngo Bulos pode ser definida como sendo

... a liberdade de foro íntimo do ser humano, que impede alguém de submeter outrem a seus próprios pensamentos. Cada qual segue a diretrizes de vida que lhe for conveniente, desde que não cometa ilicitudes. A liberdade de consciência é o pressuposto para o exercício das demais liberdades de pensamento. Sem ela, as liberdades de religião (crença e culto) e de convicção político-filosófica não se concretizam. [27]

Por conseguinte, seguindo o raciocínio do mesmo autor supra citado, podemos verificar a importância da liberdade religiosa, com o seguinte apontamento:

... Elas são tão importantes que o Supremo, desde a Constituição passada, considerou inconstitucional sentença judicial que proibia beneficiário de sursis desenvolver culto religioso no ambiente doméstico. Também decidiu que os passes de médium, em centros espíritas, não caracterizavam o delito de curandeirismo, mas mera exteriorização religiosa. Culto doméstico: STF, RT, 307:565; Manifestação religiosa: STF, RTJ, 100:329.[28]

A liberdade religiosa abarca as liberdades de crença e de culto; por isso deve-se analisá-las de forma separada, porém entendendo-as como um todo, o que claramente se verificará.

Começando pela liberdade de crença, que pelo próprio nome já induz a percepção de que consiste na liberdade humana de acreditar ou não em algo, conforme menciona Uadi lammêngo Bulos:

... ninguém pode compelir outrem a seguir determinada religião, credo, teoria, seita etc. A liberdade de crença engloba o direito de escolher a própria religião (aspecto positivo) e o direito de não seguir religião alguma, de ser agnóstico ou ateu (aspecto negativo). O limite à liberdade de crença situa-se no campo do respeito mútuo, não podendo prejudicar outros direitos. Isso porque o Brasil é um Estado leigo, laico ou não condessional, isto é, não tem religião certa. Apenas durante a vigência da Carta de 1824 que o credo Católico Apostólico Romano foi oficializado (art. 5º). Do texto de 1891 até a Carta de 1988, o Estado separou-se da Igreja, vigorando a liberdade de crença religiosa, de que deriva a liberdade de culto e suas liturgias.[29]

No mesmo sentido, conforme já referido acima, verificar-se-á agora o significado da liberdade de culto, com a seguinte explanação doutrinária:

... é o modo com as religiões exercitam suas liturgias, ritos, cerimônias, manifestações, hábitos, tradições etc., que são invioláveis. No Brasil, todas as religiões podem exercê-la, sem quaisquer intervenções arbitrárias. Cumpre à lei estabelecer os locais mais apropriados para o exercício de práticas religiosas, aferindo também, normas de proteção aos templos. Mas a liberdade de culto não é ilimitada. Seu exercício é legítimo desde que não perturbe a ordem, a paz, a tranquilidade e o sossego público, devendo respeitar a lei e os bons costumes, sob pena de responsabilização civil e criminal. Reuniões de cura e pregações religiosas, por exemplo, não podem acobertar a prática de atos ilícitos.[30]

Por derradeiro, verificar-se-á ainda o significado da liberdade de convicção filosófica e política, que pode ser claramente verificado na seguinte lição:

... é um dos pontos culminantes da orografia constitucional da liberdades públicas do Texto de 1988. Por seu intermédio, os indivíduos podem seguir a corrente de pensamento político ou filosófico que melhor lhes aprouver, sem quaisquer impedimentos à livre circulação da ideias. A liberdade de convicção político-filosófica é, na realidade, uma liberdade de comunicação nas democracias.[31]

Importante ressaltar ainda os princípios fundamentais que constituem a Liberdade Religiosa que, segundo Josias Jacintho Bittencout, podem ser projetados em três dimensões que lhe dão densidade, quais sejam:

... (a) uma dimensão subjetiva ou pessoal, relacionada com a liberdade de consciência e de crença; (b) uma dimensão coletiva ou social, relacionada com a liberdade de exteriorização religiosa, ou seja, liberdade de culto; (c) e uma dimensão institucional, relacionada com a liberdade dogmática e da organização religiosa. Portanto, os princípios fundamentais da Liberdade Religiosa, em toda a sua amplitude e plenitude, compreende um dimensão pessoal, um dimensão social e uma dimensão organizacional. Limitar a concepção de Liberdade Religiosa a apenas uma entre todas as suas partes traduz, consequentemente, na amputação do seu núcleo essencial, ou seja, na mutilação dos direitos fundamentais e universais da liberdade de crença.[32]

Contudo, as liberdades religiosa e de convicção filosófica ou política podem sofrer privações em duas hipóteses, quais sejam: i) descumprimento de obrigação legal a todos imposta, e ii) descumprimento de prestação alternativa ficada em lei; ambas previstas no artigo 5º, inciso VIII, da Constituição Federal, conforme citado acima. Tendo em vista a relevância deste tema o trataremos no tópico seguinte.

4.5 ESCUSA DE CONSCIÊNCIA

Muito se fala sobre a escusa de consciência; porém, vale apreciar conceito esclarecedor e objetivo apresentado por Uadi Lammêngo Bulos:

Escusa de consciência é o direito, constitucionalmente assegurado, de os indivíduos negarem-se a prestar serviço ou imposição contrária às suas convicções religiosas, políticas e filosóficas (CF,art. 5º, VIII). Sinonímia: a escusa de consciência também é chamada de imperativo de consciência ou ainda, objeção de consciência.[33]

O exercício da escusa de consciência pode ser realizado com relação a quaisquer obrigações coletivas que forem conflitantes com as crenças pessoais do individuo. Porém, não é meio de amparo a desídia ou rebeldia daqueles que, descumprindo a lei, objetivam furtar-se às obrigações impostas a todos.

Por esse motivo, e incumbência da lei impor prestações alternativas para compensar o ato de escusa, prestações estas que devem ser compatíveis com a objeção do interessado, preservando suas convicções.

4.6 ESTADO LAICO

A separação entre o Estado e a religião é concebida como um pressuposto à plena liberdade religiosa acima explanada. Quer dizer que nos Estados confessionais pode haver liberdade religiosa, mas será ela atenuada em virtude justamente do tratamento preferencial e privilegiado resguardado à religião oficial.

Na hipótese dos Estados confessionais, como acima referido, provavelmente encontra-se mais uma tolerância do que a plena liberdade religiosa, especialmente no que diz respeito à sua divulgação e práticas.

Embora a neutralidade do Estado não seja essencial à existência de pluralidade religiosa, esta só pode aflorar plenamente em Estados que adotam o postulado separatista e a postura da neutralidade religiosa, o que é o caso da República Federativa do Brasil, conforme bem salienta Josias Jachintho Bittencourt:

A Constituição Federal de 1988 adotou o princípio de Estado laico em continuidade ao mesmo princípio adotado nas Constituições republicanas anteriores. Consequentemente, o princípio da Liberdade Religiosa também integra o rol da laicidade; está na galeria dos direitos e garantias fundamentais. Conforme seu artigo 19, inciso I, é “vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer cultos religiosos ou igreja, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público”. Esta norma constitucional é a regra-matriz da ideologia de separação entre Religião e Estado no Brasil e força-motriz que dimensiona a importância e a forma de relação entre eles.[34]

Pode-se verificar que a nossa Carta Magna proíbe qualquer relação do Estado brasileiro como as religiões, seja direta ou indiretamente. Portanto, qualquer uma das esferas dos poderes públicos, seja o Executivo, Legislativo ou Judiciário, bem como as autarquias ou órgãos administrativos não podem estabelecer, subvencionar ou embaraçar cultos, assim como sua organização ou funcionamento.

Esse é o entendimento que se extrai da disposição do artigo 19, inciso I da Constituição Federal, conforme se pode verificar abaixo:

Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;

Fazendo uma correlação analógica, tem-se que, da mesma forma que a Constituição Federal está para a população em geral, a Bíblia está para a maior parte das religiões, e nela se pode extraír das palavras do Mestre Jesus Cristo a importância da separação entre o Estado e a Religião, quando foi indagado a este respeito, e isso é o que se pode verificar no relato consignado no capítulo 22, versículos 16 a 21, do livro de Mateus, in verbis:

Enviaram-lhe seus discípulos junto com os herodianos, que lhe disseram: Mestre, sabemos que és íntegro e que ensinas o caminho de Deus conforme a verdade. Tu não te deixas influenciar por ninguém, porque não te prendes à aparência dos homens.

Dize-nos, pois: Qual é a tua opinião? É certo pagar imposto a César ou não?

Mas Jesus, percebendo a má intenção deles, perguntou: Hipócritas! Por que vocês estão me pondo à prova?

Mostrem-me a moeda usada para pagar o imposto. Eles lhe mostraram um denário, e ele lhes perguntou: “De quem é esta imagem e esta inscrição?”

“De César”, responderam eles. E ele lhes disse: “Então, dêem a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”.[35](Grifei)

Assim, tanto do ponto de vista religioso como do estatal, a separação possui suma importância, e é essencial para resguardar a plena liberdade religiosa do ser humano, conferindo a cada um em seu particular, o que lhe compete, sem intervenção correlacionada.

Dessa forma, o Estado brasileiro é constitucionalmente laico, o que o torna totalmente proibido de privilegiar ou favorecer qualquer religião em detrimento de outras, assim como ter gastos financeiros com quaisquer atividades relacionadas com a promoção direta ou indireta de alguma crença.

O Brasil como Estado Laico não pode interferir nas questões dogmáticas internas das religiões, sob pena de violar o conjunto de dispositivos constitucionais que tratam da laicidade, salvo quando estas ferirem a dignidade da pessoa humana.

Para compreender ainda melhor a separação e harmonia existente entre o Estado e a Religião, vale a análise da obra de Sahid Maluf que leciona o seguinte:

A Igreja não usurpa as funções do poder civil, nem o Estado pode invadir a esfera de ação do poder espiritual. Diversificam as duas instituições na sua natureza e nos seus fins, mas ambas se dirigem ao bem dos indivíduos e das comunidades; por conseguinte devem manter uma constante intercomunicação prestigiando-se mutuamente, para que haja o necessário equilíbrio harmônico entres as duas autoridades governamentais.[36]

Dessa forma, verifica-se a importância da separação entre o Estado e Religião, uma vez que a concentração desses dois poderes em uma única mão pode ocasionar terríveis abusos Portanto cada uma dessas instituições possui o seu domínio particular, devendo respeitar e não invadir a área própria da outra.

5 CONCLUSÃO

Neste trabalho, analisou-se a liberdade religiosa na Constituição da República Federativa do Brasil, verificando a sua previsão constitucional, começando pela abordagem histórica, analisando sua a evolução no constitucionalismo brasileiro e como foi tratada e prevista nas diversas Constituições ao longo dos anos, analisando mais especificamente em relação a Constituição Federal de 1988.

Claramente verificou-se que a liberdade religiosa está intimamente ligada ao principio da dignidade da pessoa humana que, devido à subjetividade conceitual, foi analisado de acordo com o conceito geral.  A dignidade humana cumpre importante papel, sendo prevista constitucionalmente como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, merecendo realce quanto aos aspectos mais importantes que a correlacionam de forma direta com a liberdade religiosa.

Aprofundando na questão do direito à liberdade religiosa, foi analisada a natureza jurídica, bem como sua investidura em direito fundamental, arrolada no artigo 5º da Constituição Federal, conferindo a todos a preciosa proteção.

Nesse diapasão, foi explanado sobre as restrições e limites do direito fundamental, quanto à sua aplicação e exercício, visando sempre a proteção da dignidade da pessoa humana e não violação dos direitos alheios.

Verificou-se constitucionalmente à liberdade religiosa, como a previsão e abrangência, falando especificamente sobre a escusa de consciência e sua aplicação, assim como sobre a importância da separação entre Estado e Religião para manutenção da plenitude dessa liberdade, tudo sob a ótica da doutrina vigente.

Nesse sentido, verifica-se que a laicidade do Estado é de suma importância para resguardar o direito à liberdade religiosa dos cidadãos, conferindo-lhes a possibilidade de crer ou não, bem como de exteriorizar sua crença. Assim, tal característica estatal visa proteger a dignidade da pessoa humana que consiste em um dos fundamentos da República Federativa do Brasil.

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[1] LELLIS, Lélio Maximino; HEES, Carlos Alexandre, (org.). Manual de liberdade religiosa. 1ª ed. Engenheiro Coelho, São Paulo: Unaspress – Imprensa Universitária Adventista, 2013. p. 56-57.

[2] Idem, Ibidem, p. 57.

[3] Idem, Ibidem, p. 57.

[4] Idem, Ibidem, p. 57-58.

[5] LELLIS; HEES, op. cit., p. 72.

[6] HOUAISS, Antônio; Villar, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009, p. 685.

[7] MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 128-129.

[8] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 30ª ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2007. p. 105.

[9] LELLIS; HEES, op. cit., p. 24-25.

[10] LELLIS; HEES, op. cit., p. 25.

[11] LELLIS; HEES, op. cit., p. 32.

[12] MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: Teoria geral. 9ª ed. São Paulo: Atlas S. A., 2011. p. 3.

[13]Art. 60 [...]

§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir [...]

IV - os direitos e garantias individuais.”

[14] LELLIS; HEES, op. cit., p. 73.

[15] BULOS, Uadi Lammêngo. Curso de Direito Constitucional. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 507.

[16] Idem, ibidem, p. 526.

[17] BULOS, op. cit., p. 527.

[18] TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 12ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 488.

[19] BULOS, op. cit., p. 529.

[20] Idem, ibidem, p. 529.

[21] LELLIS; HEES op. cit., p. 108.

[22] CANOTILHO, José Joaquim. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 6. Ed. Coimbra: Almedina, 2002. p. 1260.

[23] MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 5. Ed., ver. E atual. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 387.

[24] Idem, ibidem, p. 388.

[25] Idem, ibidem, p. 392.

[26] CANOTILHO, op. cit., p. 1143.

[27] BULOS, op. cit., p. 577.

[28] Idem, ibidem, p. 577.

[29] Idem, ibidem, p. 578.

[30] Idem, ibidem, p. 578.

[31] Idem, Ibidem, p. 578.

[32] LELLIS; HEES, op. cit., p. 116.

[33] BULOS, op. cit., p. 578-579.

[34] LELLIS; HEES, op. cit., p. 113.

[35] BÍBLIA. Português. Bíblia de Estudo NVI. Nova versão internacional. São Paulo: Editora Vida, 2003. p. 1654.

[36] MALUF, Sahid. Teoria geral do Estado. Atualizado por NETO, Miguel Alfredo Malufe. 31ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 397.

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