RESUMO: É possível isentar de pena o autor de crime militar contra o dever militar como base na aplicação da coação moral irresistível como excludente de culpabilidade? É com base nessa indagação que o presente artigo foi desenvolvido valendo-se da análise dos artigos 38 e 40 do Código Penal Militar, das excludentes de culpabilidade, da coação física e moral irresistível e uma abordagem teórica sobre os crimes contra o dever militar valendo dos ensinamentos de Assis e Saraiva. Quanto aos aspectos metodológicos foram adotados: método de abordagem hipotético-dedutivo, método monográfico e técnica de pesquisa por documentação indireta e bibliográfica. Todavia, ficou demonstrado que o Código Penal Militar não delineou com clareza e precisão quais são os crimes que há violação do dever militar, restando ainda entendimento que o impedimento de aplicação da coação moral irresistível para tais tipos penais não deve prosperar pois a coação moral pode ter resultados muito mais danosos à pessoa se comparada a coação física.
Palavras chaves: Dever Militar. Culpabilidade. Coação Moral Irresistível.
RESUMEN: Es posible plumas exentos del autor del delito militar contra el servicio militar sobre la base de la aplicación de la coacción moral irresistible como excluyente de culpabilidad? Es a este respecto que este documento fue desarrollado basándose en el análisis de los artículos 38 y 40 del Código Penal Militar, la exclusión de la culpabilidad, la coacción física y moral irresistible y una aproximación teórica a los delitos contra el patrimonio del servicio militar enseñanzas de Asís y Saraiva. Se adoptaron los aspectos metodológicos relativos a: enfoque método método hipotético-deductivo y la técnica de la investigación monográfica para la documentación indirecta y bibliografía. Sin embargo, se demostró que el Código Penal Militar no ha indicado con claridad y precisión que los crímenes son una violación del deber militar, dejando aún más la comprensión de que el obstáculo a la aplicación de la coacción moral irresistible a tales delitos no debe prosperar porque la coacción moral puede resultados tienen mucho más perjudicial para la persona frente a la coerción física.
Palabras clave: Servicio militar. Culpabilidad. Coacción moral Irresistible.
1 INTRODUÇÃO
Identificar as possibilidades para aplicação da coação moral irresistível nos casos de cometimento de crimes militar em que houver flagrante violação do dever militar é o objetivo desse artigo.
É importante mensurar a relevância da conduta praticada e o grau de violação do dever militar para avaliar se é possível ou não aplicar a coação moral irresistível. Em tempos hodiernos, torna-se imperioso refletir sobre a aplicação do direito militar, principalmente na esfera penal pois a cada dia surgem novidades.
Na legislação castrense existem diversas temáticas que causam controvérsias e que ainda não tem entendimento pacificado quando são aplicados aos casos reais. Será apresentada ao longo deste artigo, a visão de renomados doutrinadores em relação ao dever militar e a coação moral irresistível aplicada ao crime militar como uma excludente de culpabilidade e como resultado não haverá pena em desfavor do autor da infração penal.
Para tanto, buscou-se fundamentação lógica e coerente no próprio texto da lei penal militar e também no ensinamento de autores como Assis, Saraiva e Cruz e Miguel.
Seguindo este contexto, será percebido que o ensinamento de Saraiva (2009) é o que de melhor forma está alinhado à política criminal brasileira na atualidade e que ainda defende a possiblidade real em aplicar a coação moral irresistível nos casos previstos no art. 40 do CPM.
2 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Visando oferecer melhor entendimento sobre o assunto em tela, tornou-se necessário apresentar as características elementares de um crime militar contra o dever militar, perpassando por uma conceituação sobre o que vem a ser dever militar; a definição de culpabilidade e seus elementos na esfera da lei penal militar e logicamente, informações referentes à coação física irresistível e coação moral irresistível, bem como uma crítica em relação a distinção da coação física e moral que o Código Penal Militar revelou. Após tal exposição, será possível perceber que os efeitos de uma coação moral mediante grave ameaça poderá produzir efeitos até mais danosos que uma coação física.
Quanto aos aspectos metodológicos desse artigo científico, foi utilizado o método de abordagem hipotético-dedutivo para o desenvolvimento. Será possível notar ainda que foi explorado o método monográfico para a realização deste trabalho. Já como técnica de pesquisa foi empregada a técnica de documentação bibliográfica.
2.1 Dos crimes contra o dever militar
Para garantir a lógica entre as ideias, antes dar o devido tratamento aos crimes contra o dever militar, é necessário caracterizar o que vem a ser o dever militar.
Buscando na fonte primária do direito, que é a lei, o Estatuto dos Militares trata o dever militar em seu artigo 31 e o considera como sendo os deveres que emanam de um rol de obrigações que abrangem vínculos racionais e morais que essenciais à ligação do à sua Pátria e ao seu serviço específico.
Para Jorge César de Assis (2012), é dentro desse contexto que se originam os vários deveres militares, podendo citar: o da dedicação e fidelidade à Pátria, o culto aos símbolos nacionais, a probidade e a lealdade em todas as ocasiões que surgirem, respeito aos princípios de disciplina e hierarquia, o cumprimento das obrigações e ordens e ainda a obrigação de tratar o subordinado com a máxima dignidade e urbanidade.
Ainda vinculado ao contexto apresentado pelo art. 28 e 31 do Estatuto dos Militares, Oliveira citado por Assis (2012), professa que no que se refere aos deveres militares, o servidor militar deverá incondicionalmente observar um valor castrense - que se traduz por atos de patriotismo, civismo, fé na missão das Forças Armadas, espírito de união e apego à Instituição Militar a qual serve. Em consequência, para o mesmo autor citado por Assis (2012) o acatamento a tais deveres permite ao servidor militar que tenha uma irrepreensível conduta moral e profissional, que se manifestam no sentimento de dever, pundonor e do decoro da classe.
É possível identificar com certa nebulosidade os crimes que integram o rol dos crimes contra o dever militar. Para tanto, verifica-se no Código Penal Militar que em seu livro I, título III, da parte especial, está delineando os crimes contra o serviço militar e o dever militar. Todavia, notamos que em outros tipos penais que não integram essa subdivisão do CPM, também ferem o dever militar, como por exemplo: os crimes contra a autoridade ou a disciplina militar e também os crimes contra a administração militar.
Nesse sentido, Saraiva (2009) afirma que o Código Penal Militar (CPM) não informa quais são os crimes em que há violação do dever militar. Dizer que eles são os previstos no Título III, Livro I da parte especial do CPM é uma solução simplória demais.
Pelo exposto, é possível admitir que para considerar se um crime militar viola o dever militar como um bem jurídico protegido deve ser precedido de exaustiva análise quanto ao senso de valor do que é um dever militar.
2.2 A culpabilidade no direito penal militar
Como é cediço, tanto para a doutrina penal castrense quanto para a doutrina penal comum, pode-se considerar a conduta praticada como crime quanto ela corresponder a um fato típico, antijurídico e culpável. Nesse aspecto, Greco (2011) enfatiza que os elementos que integram o conceito analítico de crime é uma conduta típica, antijurídica e culpável.
Nota-se ainda que para Greco (2011), a culpabilidade consiste no juízo de reprovação que a pessoa faz sobre a conduta ilícita do agente. Sendo ainda constituída pelos seguintes elementos que se caracterizam como excludentes: imputabilidade, potencial consciência da ilicitude do fato e exigibilidade de conduta adversa.
O art. 48 do CPM trata sobre a imputabilidade e expõe que não será punido o autor do crime – no momento da ação ou omissão – não tiver capacidade de entender o caráter ilícito do fato em razão de doença mental ou desenvolvimento mental retardado ou incompleto.
Para Gonçalves (2003), potencial consciência da ilicitude é aplicável quando o agente conhece a lei, mas se equivoca, entendendo que determinada conduta não está englobada pela mesma. Haverá uma errônea compreensão acerca do significado da norma.
Já para entender o que vem a ser exigibilidade da conduta diversa, Gonçalves (2003) ensina que ela está fundamentada no princípio de que só devem ser punidas as condutas que poderiam ser evitadas. Assim, se aplicar a um caso real, se na ação era inexigível conduta adversa por parte do autor, ficará excluída a sua culpabilidade, que o isentará de pena.
Nesse contexto, Gonçalves (2003) ensina que a visão da escola finalista – atualmente adotada na legislação penal comum - considera que a imputabilidade, a potencial consciência da ilicitude e a exigibilidade da conduta adversa são causas excludentes de punibilidade, ou seja, para tal escola, culpabilidade não é requisito para o crime, elas são tão somente pressupostos para a aplicação da pena. Assim, quando são reconhecidas no processo, consequentemente o agente não sofrerá a punição.
2.2.1 Coação física e coação moral irresistível
Observando o conceito analítico de crime adotado pela lei penal militar, a coação irresistível está inserida no elemento exigibilidade de conduta adversa que por sua vez integra o rol de elementos da culpabilidade.
O art. 38 do CPM prevê que não será considerado culpado aquele que comete o crime estando sob coação irresistível ou que lhe suprima a faculdade de agir segundo a própria vontade.
Vale destacar que Cruz e Miguel (2008) entendem que coação consiste em empregar força física (vis compulsiva) no intuito de que alguém faça ou deixe de fazer algo. Todavia, entendem ainda que mesmo que o art. 38 do CPM não ter feito distinção, é necessário considerar que para tal dispositivo legal somente está inserida a coação moral (grave ameaça) que excluirá a culpabilidade por inexigibilidade de conduta adversa.
No mesmo contexto, Cruz e Miguel (2008) afirmam que quando houver coação física, o coator responderá pelo delito praticado, contudo, sob o coato não poderá sequer pesar qualquer denúncia por não haver conduta e, consecutivamente, não haverá fato típico. Já para coação moral irresistível, o coator responderá pelo cometimento da infração penal militar, enquanto o coato – será isentado de pena por inexigibilidade de conduta adversa.
Já para Gonçalves (2003), para haver coação moral irresistível deverá haver grave ameaça, o anúncio de um mal ao próprio coagido ou à pessoa a ele ligada. O coagido mantém conservada sua liberdade de ação sob aspecto físico, no entanto permanecerá psiquicamente limitada em face da ameaça recebida.
Vale destacar a inteligência do art. 40 do CPM, esse dispositivo legal aponta que nos casos que houver cometimento de crimes em que há violação do dever militar, o autor somente poderá evocar a coação irresistível quando for física ou material. Dessa forma, que tal dispositivo legal impõe expressamente a impossibilidade de aplicação da coação moral irresistível para os crimes em que ficar evidenciada violações do dever militar.
Todavia, há de ser considerado o que Saraiva (2009) ensina quando professa que o impeditivo da exclusão de culpabilidade quando o agente estiver submetido à coação moral irresistível nos moldes do art. 40 do CPM, nota-se mais uma vez que o legislador penal castrense confundiu a técnica legislativa com o idealismo. Dessa forma, em sendo a coação irresistível não deveria haver nenhuma exceção à regra de isenção de pena.
Ainda nesse contexto, Saraiva (2009) assevera que os servidores militares – apesar dos austeros compromissos que assumem perante o Pavilhão Nacional – não possuem condições de transcender o grau de super-humanidade. Não podendo de maneira alguma confundir uma coação intransponível de uma vontade com o medo, em que ainda haja capacidade de decidir, optar ou mesmo agir.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Buscou-se com a produção deste artigo ampliar as possibilidades para das reflexões acerca do assunto tratado, visando sempre o aprimoramento da lei penal militar.
Nesse trabalho foram expostas as inteligências dos art. 38 e 40 do CPM abordando especificamente a possibilidade de aplicação da coação irresistível em crimes militares essencialmente, também, foram apresentadas as visões de doutrinadores como Cruz e Miguel, Gonçalves, Assis e Saraiva – ficando claro que o dever militar deve ser observado por todos os membros da sociedade militar. Contudo, resta ainda aprimorar a técnica legislativa do Código Penal Militar e não misturá-la com ideologia.
Como já foi tratado no tópico sobre o dever militar, torna-se imperioso fazer nova referência pois o Código Penal Militar não delineou com clareza e precisão quais são os crimes em que há violação do dever militar. É possível entender que a imensa maioria dos crimes militares afrontam os princípios basilares de disciplinar e hierarquia, assim, por analogia abstraída, é possível provocar intensas reflexões quanto a tal situação. O art. 40 do CPM sugere a existência de um rol de crimes que violam o dever militar, todavia, não restou claro na legislação penal castrense tal delineamento.
A visão de Saraiva é muito clara quanto a isso quando corrobora com a ideia de que não pode confundir o idealismo militar com legislação, se opondo claramente ao dispositivo previsto no art. 40 do CPM.
Não está claro no Código Penal Militar o sentido lógico e a explicação conexa com a realidade para o legislador apartar a coação física irresistível da coação moral irresistível em face da possibilidade de aplicação desses elementos para a isenção de pena. Não é prudente e seria até mesmo incoerente entendermos que a coação física produz efeitos mais danosos se comparada a coação moral. O próprio direito brasileiro já admite que a vítima de coação moral mediante grave ameaça pode ser vilipendiada com gravidade muito maior do que a vítima de coação física.
Portanto, ressalta-se que o posicionamento de Saraiva (2009) - no que tange ao assunto tratado nesse trabalho – possui melhor alinhamento à política criminal que adotada pelo Brasil em tempos hodiernos. Pelo exposto, nota-se que é possível aplicar a coação moral irresistível nos casos previstos no art. 40 do CPM.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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