Restituição de valores pagos em financiamento de imóvel.

O Castelo de Kafka

05/03/2016 às 11:13
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Os direitos dos consumidores na restituição imediata de valores pagos em financiamento na resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel, à luz da súmula 543 do STJ.

Com a crise econômica e as mudanças nas condições de financiamento de imóvel (dentre elas, a redução do limite de financiamento pela Caixa Econômica Federal e a elevação das taxas de juros dos financiamentos pelo Banco do Brasil), o setor imobiliário, que cumulou uma expansão especulativa acentuada na última década, passa por um desaquecimento de mercado, acompanhado de um número crescente de desistências nos financiamentos anteriormente celebrados.

 Se de um lado o mercado imobiliário reduz preços e oferece revisões nos financiamentos para a preservação de contratos, de outro transforma em verdadeiro pesadelo o sonho de casa própria para aquele que não consegue arcar com o financiamento. Tal qual o agrimensor K.[1], contratado para prestar serviços no Castelo, não consegue, em meio à burocracia e aos meandros de indiferença e silêncio do caminho, obter sua entrada no Castelo, o consumidor que se vê impossibilitado de adimplir as parcelas do financiamento fica imerso no sistema de absurdo kafkiano da restituição os valores pagos.

   Muito embora todas as prerrogativas legais que garantem às construtoras a imissão na posse e a revenda do imóvel, são comuns as cláusulas contratuais que condicionam ao arbítrio da construtora o momento e o quantum da restituição das parcelas pagas. Assim, a um só tempo, a construtora aufere vantagem com os valores retidos, além da própria valorização do imóvel vendido a terceiro.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça vem proclamando, reiteradamente, a abusividade destas cláusulas. Segundo o STJ, é patente o enriquecimento ilícito na aplicação de cláusula que obriga o consumidor a esperar pelo término completo das obras para reaver seu dinheiro, uma vez que a construtora poderá revender imediatamente o imóvel sem assegurar, ao mesmo tempo, a fruição pelo consumidor do dinheiro ali investido. Com a rescisão contratual, é necessário o retorno ao status quo ante para as duas partes em iguais condições; não é possível autorizar-se que a incorporadora possa imediatamente dispor do imóvel sem reconhecer, quanto à fruição dos dinheiros empregados, o mesmo direito aos consumidores.

Em razão disso, no julgamento do Recurso Especial 1.300.418, a Segunda Seção do STJ aprovou, em 26 de agosto de 2.015, a Súmula 543, com o seguinte teor: “na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel submetido ao Código de Defesa do Consumidor, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador - integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento”.

Assim, com o entendimento sumulado, o Superior Tribunal de Justiça consolida que a devolução dos valores pagos deve ser imediata à rescisão do contrato de financiamento. Falta ainda ao Superior Tribunal, entretanto, consolidar, no caso de inadimplemento do financiamento, critérios claros do quantum que as construtoras podem reter dos valores pagos – de todo modo, são reiteradas as decisões[2] que entendem como limite máximo da retenção o valor de 25% sobre as parcelas pagas.   

Portanto, a consequência jurídica para a resolução do contrato por culpa do consumidor, no máximo, acarreta a perda parcial das parcelas pagas em benefício do construtor/vendedor, quando demonstrado o respectivo prejuízo, devendo o saldo, todavia, ser restituído imediatamente à resolução da avença – correndo-se juros de mora da data da rescisão contratual. Se as entradas do Castelo não foram franqueadas, os abusos do caminho tendem a ser tolhidos.


[1] KAKFA, Franz. O Castelo. Tradução de Torrieri Guimarães. Editora Martin Claret. 2ª Edição.

[2] EAg 1138183/PE, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 27/06/2012; AgRg no REsp 927.433/DF, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 14/02/2012; REsp 838.516/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 17/05/2011; AgRg no Ag 1010279/MG, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, QUARTA TURMA, julgado em 12/05/2009

Sobre o autor
Bruno Frullani Lopes

Advogado com especialização em Direito Privado e Processual Civil na Universidade de São Paulo, sócio do escritório Frullani Lopes Advogados.

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