A cultura do medo e o discurso do pânico: um recurso para implantação do estado de emergência

06/03/2016 às 23:41
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O presente estudo reflete a emergência do Estado Penal diante do crescimento de uma “Cultura do Medo”, em que o pânico é explorado de forma sensacionalista visando a legitimação de um Direito Penal de Emergência.


 

RESUMO

O presente estudo reflete a emergência do Estado Penal diante do crescimento de uma “Cultura do Medo”, em que o pânico é explorado de forma sensacionalista por diversos setores e veículos de comunicação em massa. Uma sociedade amedrontada, acuada pela insegurança, pela criminalidade e violência urbana é terreno fértil para o desenvolvimento de um Direito Penal de Emergência, em que o sentimento coletivo de insegurança, devido à dramatização da violência criminal, acaba por legitimar o solapamento de direitos e garantias fundamentais em prol de suposta proteção e segurança. Assim, no caso em questão, busca-se perceber o discurso do medo do ponto de vista do discurso político para o surgimento e legitimação de um Direito Penal de Emergência.

 

PALAVRAS-CHAVE

Cultura do medo. Discurso do pânico. Direito Penal de Emergência.

 

ABSTRACT

This study reflects the emergence of the State Criminal before the emergence of a "Culture of Fear", where panic is explored in a sensationalistic way through various sectors and media mass. A society frightened, cornered by insecurity, by crime and urban violence is fertile ground for the development of a Criminal Law Emergency, in the collective sense of insecurity due to the dramatization of criminal violence, ultimately undermining the legitimate rights and guarantees fundamental for the sake of supposed protection and security. Thus, in this case, we seek to understand the discourse of fear from the standpoint of political discourse for the emergence and legitimation of a Criminal Law Emergency.

KEYWORDS

Culture of fear. Speech panic. Criminal Law Emergency.

1 INTRODUÇÃO

 

Os debates em torno da ampliação do poder punitivo do Estado estão cada vez mais presentes em nosso cotidiano. Expressões como a “Cultura do Medo”, “Discurso do Pânico” e “Direito Penal de Emergência” não fazem mais parte do anonimato.

A Cultura do Medo tem se alastrado por toda sociedade como um mecanismo ampliador do poder punitivo estatal. Uma sociedade amedrontada, acuada pela insegurança, pela criminalidade e pela violência urbana é o palco certo para o desenvolvimento de um direito penal de emergência.

A partir da revisão de diversas teorias será definido o conceito operacional de “Discurso do Pânico” e a sua relação com determinados fenômenos sociais.

No decorrer do estudo, observar-se-á que o pânico é funcional aos interesses do Estado, pois permite o seu agigantamento, através da possibilidade de intervir em todos os aspectos das liberdades fundamentais, sem que o povo ofereça qualquer resistência, e finalmente, o debate que se instala sobre possíveis alterações na legislação penal e o esforço no sentido de mudá-la, como medida de urgência para satisfazer os anseios da sociedade que vê ingenuamente no aumento da pena uma possível solução para o problema da criminalidade.

 

2 A CULTURA DO MEDO E O DISCURSO DO PÂNICO

 

Não é de agora que os debates em torno da ampliação do poder punitivo do Estado têm feito parte do nosso cotidiano. A Cultura do Medo, implantada por um discurso do pânico ou de impunidade, tem se alastrado como um mecanismo ampliador do poder punitivo estatal, ao tempo que promove um sentimento de aceitação por parte da sociedade. (EL TASSE, 2008, p. 11)

Os debates acerca da exploração do medo nos discursos sobre a realidade contemporânea, já vem sendo travado por distintas teorias como as da Cultura do medo (Glassner, 2003), do Estado penal (Wacquant, 2001), da Cultura do controle (Garland, 2008), da Indústria do Controle (Nils Christie, 1998) e em o que é a impunidade (EL TASSE, 2008). A partir da revisão destas teorias, pode-se definir o conceito operacional de discurso do pânico como sendo os discursos históricos, políticos, midiáticos, culturais e sociais que radicalizam o medo e o colocam como protagonista dos fenômenos sociais.

Nascemos e crescemos familiarizados com o medo. Somos educados pelo medo, para o medo e com medo. Desde pequenos, somos incutidos pelo medo do escuro, das pessoas desconhecidas, do homem do saco, do bicho papão, das bruxas, dos fantasmas e assim por diante; quando adultos, surge o medo da morte, do terrorismo, do pecado, da inflação, medo de tudo. A cultura do medo é a melhor forma de manipular as pessoas e muito utilizada para controle das massas, pois uma pessoa com medo torna-se obediente e incapaz de impor sua vontade. (PEZZA, 2013)

Governar pelo medo! Eis a orientação de Maquiavel (2002, p. 89). Para ele, o Príncipe deve instigar o medo nos seus súditos, pois o temor é mais potente e duradouro que o amor, já que “os homens têm menos escrúpulos em ofender quem se faz amar do que quem se faz temer, pois o amor é mantido por vínculos de gratidão que se rompem quando deixam de ser necessários; mas o temor é mantido pelo medo do castigo, que nunca falha”.

Em um discurso sobre o que é a impunidade, o Mestre Adel El Tasse (2008, p.12) assevera que o pânico gerado na sociedade latino-americana atual decorre do chamado discurso político do crime – discurso da impunidade, em que as condutas tidas como delituosas são exploradas de forma sensacionalista pelos veículos de comunicação de massa e por determinados setores da sociedade.

O controle desse discurso, segundo Adel El Tasse (2008, p.11) está sob a “batuta” de três agências que a todo momento interagem intimamente, “são os veículos de comunicação de massa, o Ministério Público e as polícias, em uma clara manipulação da primeira pelas forças econômicas, que a dominam totalmente e de disputa pelo poder punitivo interno dos países pelas outras duas”.

Através de um discurso de pânico é possível fazer com que o povo concorde com as intervenções que sobre ele se impõe e, desta forma, não apresente qualquer resistência, ou seja, além de construir uma falsa legitimidade ao poder interventivo, serve para uma interiorização pelo sujeito, da necessidade de que ele mesmo seja controlado, o que legitima o autoritarismo e a arbitrariedade dos políticos contra a sociedade.

Na Idade Média, a Igreja Católica instaurou o pânico contra o demônio e foi desenvolvida a caçada às bruxas. Várias atrocidades foram realizadas contra mulheres e estudiosos liberais, sem qualquer responsabilização, através de um discurso que justificava o extermínio e que era interiorizado pelas pessoas queriam o demônio longe de suas casas. O pior é que toda crueldade era aplaudida pelos oprimidos. (EL TASSE, 2008, p. 20-21)

O discurso do pânico passou por diversas modificações ao longo da história. Falar em igualdade entre os homens já não era suficiente, assim iniciaram-se as pregações de combate ao crime para justificar a necessidade de sua manutenção no controle da sociedade. Nesse ínterim, surge o positivismo criminológico, e como reflexo desses discursos justificadores do poder do final do século XIX e início do século XX, surgem o fascismo e o nazismo, que geraram a crença na diferença entre os seres humanos, habilitadoras do massacre das populações colonizadas à época pela Inglaterra e França, justificando a existência de uma raça superior e a necessidade de eliminação das inferiores. (EL TASSE, 2008, p. 22)

O pânico é funcional aos interesses do Estado, pois permite o seu agigantamento, e a possibilidade de intervir em todos os aspectos das liberdades, prendendo sem acusações, escutas telefônicas em larga escala, controle de correspondências, monitorando ao todos (e não somente os terroristas) para saber quem são os inimigos. (EL TASSE, 2008, p. 26-27)

Quanto maior e mais convincente for a opressão, mais vulnerável ficará o oprimido. Convencendo-se de que ele está nesta situação, não porque o Estado o oprime, mas porque vive em um ambiente hostil e perigoso. (PASTANA, 2003, p. 94)

Para Rogério Greco (2013) esse convencimento “é feito por intermédio do sensacionalismo, da transmissão de imagens chocantes, que causam revolta e repulsa no meio social”. Homicídios bárbaros, estupros de criançinhas, presos que, durante rebeliões, torturam suas vítimas, corrupções, enfim, a sociedade, acuada, se convence sinceramente que o Direito Penal será a solução de todos os seus problemas.

O medo é entendido como uma forma de exteriorização cultural. Os efeitos desta nova cultura são sentidos e percebidos através do crescimento exacerbado de contratação de apólices de seguro, da busca por segurança privada, blindagem de carros, alarmes, cercas elétricas, entre outros. Este fenômeno é apresentado por Débora Pastana (2003, p. 91) como sendo “a expressão das necessidades historicamente condicionadas de um grupo social e de seus indivíduos”.

O medo tem sido o pilar da indústria da segurança e econômica (o mercado que se forma em torno da segurança, para o comércio de armas, segurança privada, presídios, monitoramento eletrônico etc.).

A cultura do medo também influencia a arquitetura das cidades. As casas cederam o espaço para os condomínios fechados, as grades invadiram as janelas, as câmeras e a segurança privada estão cada vez mais presentes em nosso cotidiano. Nossas casas foram transformadas em verdadeiras prisões, por medo da violência criminal.

Este fenômeno de busca por lugares mais seguros para morar é chamado de “guetização” por Tadeu Silva (2005, p. 293). Ele apresenta este conceito como uma forma que a sociedade encontrou de se proteger dos riscos que a rodeia.

Isto está diretamente ligado à ideia de Barry Glassner, quem defende que a capacidade da cultura do medo de vender perigos imaginários como reais, e com isso justificar as mais diversas formas de defesa. Através da análise deste posicionamento, Débora Pastana (2003, p. 95) demonstra que muitas vezes os perigos apresentados pela cultura do medo e combatidos com mecanismos arbitrários e simbólicos, não passam de perigos ilusórios e cultivados justamente com o intuito de manipular a população em prol dos interesses do grupo dominante.

Enfim, a cultura do medo é um conjunto de valores cultivados pela classe dominante e aceitos pelos demais grupos sociais. Advém do sentimento coletivo de insegurança que acomete a população, devido à dramatização da violência, principalmente, pelos meios de comunicação de massa. Isto é o que legitima o abalo das garantias e direitos constitucionais em prol de uma suposta segurança.

David Garland (2008, p. 41) ao tratar da cultura do controle do crime e da justiça criminal na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos, nos traz os dramáticos desdobramentos dos últimos trinta anos em nossa resposta social ao crime e das forças sociais, culturais e políticas que os impulsionaram. Para ele, o público britânico não parece se surpreender com a existência de prisões privadas que abrigam uma proporção crescente de prisioneiros, sequer percebem as câmeras que os vigiam nas ruas. Sentenças condenatórias, leis de vigilância comunitária, direito das vítimas, policiamento ostensivo, políticas do “Lei e Ordem” e uma enfática crença de que a prisão funciona, cenário do controle do crime que não surpreendem mais a ninguém, mesmo diante do desconforto e estarrecimento.

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Á guisa de uma prestação de contas com esta amnésia social, David Garland se lança a tarefa de desenvolver uma história do presente na área do controle do crime e da justiça criminal. Através da análise de práticas relacionadas ao controle do crime, forjadas ao longo dos tempos, dos discursos e as estratégias que emprestam a forma e a estrutura para esse campo social, ele demonstra que a nova cultura do controle do crime, nascida dos medos e angústias do final do século XX, pode perfeitamente persistir por muito tempo, mesmo depois que as causas tenham deixado de existir. (GARLAND, 2008, p. 43)

Assim, segundo Garland, podemos entender que:

Os novos arranjos do controle do crime envolvem, contudo, certos custos sociais que são, a longo prazo, menos facilmente acomodáveis. A intensificação das divisões sociais e radicais; o reforço de processos criminogênicos; a alienação de muitos grupos sociais; o descrédito da autoridade legal; a redução da tolerância civil; a tendência ao autoritarismo – estes são resultados suscetíveis de serem produzidos pela confiança em mecanismos penais e na manutenção da ordem. (GARLAND, 2008, p. 429)

O discurso do pânico converte-se numa estratégia política, numa forma de negociação dialética entre medos privados e perigos públicos. Como pondera Barry Glassner em seu estudo acerca da cultura do medo na sociedade norte-americana contemporânea, conclui-se que

(...) nascemos e crescemos numa cultura do medo. A disseminação desse medo específico influencia o comportamento dos cidadãos e dita às políticas de segurança. É certo que o medo, baseado em avaliações reais, é um instrumento de auxílio ao escape ou enfrentamento de perigos reais. O falso medo, porém, aquele baseado em estimativas irrealistas, é fonte de sofrimento e determina políticas equivocadas.( GLASSNER, 2003, p. 12)

De fato, nem sempre o temor se funda em fatos concretos, mas sim em uma percepção subjetiva de uma possível ameaça, que se vê fomentada, muitas vezes, por campanhas orquestradas pelos meios de comunicação – a mídia. Que segundo Zaffaroni (2001, p.127-132), ainda que outorgue a si o papel de mera transmissora da realidade social, a mídia não se limita a proporcionar uma imagem falsa da realidade: ela a produz. Para ele, os meios de comunicação e, em especial, a televisão, são elementos indispensáveis ao exercício do poder de todo o sistema penal, porque criam a ilusão dos sistemas penais, quer em nível transnacional, quer em nível das conjunturas nacionais.

Insegura e individualizada, a sociedade clama por respostas rápidas. O Estado transforma-se, por conseguinte, em avalista e concretizador da segurança, que para combater o “inimigo” é necessário o emprego de meios de força dotados de violência e de restrição de liberdades. O resultado final do combate a esse inimigo comum é, assim, o maior controle pelo Estado sobre a liberdade das pessoas.

Uma sociedade amedrontada, acuada pela insegurança, pela criminalidade e pela violência urbana torna-se terreno fértil para o desenvolvimento de um direito penal de emergência, cuja justificação sociológica voltada para a prevenção facilmente encontra respaldo e legitimação, já que todos se sentem vulneráveis, vítimas em potencial e a expectativa do perigo iminente faz com que as vítimas potenciais aceitem mais facilmente a sugestão ou a prática da punição ou do extermínio preventivo dos supostos agressores potenciais. Assim se configura a cultura do medo e o capitalismo busca, de algum modo, lucrar através de empresas de seguros de vida e seguro contra roubo, empresas de segurança residencial e terceirização do setor penitenciário, criando a indústria do medo. (NUNES, 2006, p. 213-235)

 

3 IMPLANTAÇÃO DO ESTADO DE EMERGÊNCIA – DIREITO PENAL SIMBÓLICO.

 

Inicialmente, em se tratando de Direito Penal, mister é a sua conceituação e, para tanto, utilizaremos o conceito dos ilustres Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli (2011, p. 83-84), que definem o Direito Penal (legislação penal) como sendo:

(...) o conjunto de leis que traduzem normas que pretendem tutelar bens jurídicos, e que determinam o alcance de sua tutela, cuja violação se chama “delito”, e aspira a que tenha como consequência uma coerção jurídica particularmente grave, que procura evitar o cometimento de novos delitos por parte do autor. […] direito penal (saber do direito penal) é o sistema de compreensão (ou de interpretação) da legislação penal.

Assim, podemos dizer que o Direito Penal é o conjunto de normas jurídico-positivas regulamentadoras do poder de punir do Estado, que este se utiliza para prevenir ou reprimir os acontecimentos que vão de encontro à segurança e à ordem social, conceituando as infrações, determinando e fixando as responsabilidades, bem como instituindo as sanções cabíveis.

O Direito Penal Simbólico diz respeito a uma política criminal, que vai além da aplicação do direito penal do inimigo, e sim, das próprias consequências do efeito externo que a aplicação da lei não produz. Manifesta-se, desse modo, um direito penal do terror, pelo qual se verifica uma inflação legislativa, que cria figuras penais desnecessárias ou, então, o aumento desproporcional e injustificado das penas para os casos determinados. (MASSON, 2012, p. 11)

Pode-se, assim, afirmar que esse simbolismo se apresenta através propostas que visam se aproveitar do pânico e da sensação de insegurança da coletividade, para aumentar a intervenção do Estado nas liberdades fundamentais, mesmo que isso não surta qualquer efeito na diminuição da criminalidade e da violência. Dessa forma, quando um fato ganha repercussão, nascem propostas de criação de novos tipos penais, aumento de penas, supressão de direitos individuais, mesmo que este não seja o caminho mais adequado à solução de conflitos.

Assim, é possível entender o direito penal simbólico como sendo um conjunto de normas penais elaboradas no clamor da opinião pública, suscitadas geralmente na ocorrência de crimes violentos ou não, com grande repercussão na mídia, dada a atenção para casos determinados, específicos e escolhidos sob o critério exclusivo dos operadores da comunicação, objetivando escamotear as causas históricas, sociais e políticas da criminalidade, apresentando como única resposta para a segurança da sociedade a criação de novos e mais rigorosos comandos normativos penais. (KERSTENETZKY, 2013)

Nos auges da violência e do ataque ao ser humano, a história humana encontra uma falsa sensação de segurança nos espetáculos de violência e de agressão. É assim que queimando bruxas todos estão livres do ataque do diabo; é assim que matando deficientes físicos todos fazem parte de uma sociedade mais forte. Essa é a lógica perversa do agravamento interventivo estatal em detrimento das liberdades fundamentais. (EL TASSE, 2006)

A modificação da lei penal em momentos de grande clamor social e midiático, na maioria das vezes, costuma não atender os legítimos objetivos do Direito penal, refletindo quase sempre uma legislação penal simbólica e de emergência.

Um Direito penal com essas características manipula o medo do delito e a insegurança, reage com um rigor desnecessário e desproporcionado, se preocupando apenas com certos delitos e com determinados infratores, além de introduzir um exagerado número de disposições excepcionais que são inúteis, lançando o descrédito ao próprio ordenamento.

Nesse diapasão, Luiz Flávio Gomes e Alice Bianchini (2007b) afirmam que 

O uso desvirtuado do Direito penal vem se acentuando nos últimos anos. A mídia retrata a violência como um "produto espetacular" e mercadeja sua representação. A criminalidade (e a persecução penal), assim, não somente possui valor para uso político (e, especialmente, para uso "do" político), senão que é também objeto de autênticos melodramas cotidianos que são comercializados com textos e ilustrações nos meios de comunicação. São mercadorias da indústria cultural de massa, gerando, para se falar de efeitos já aparentes, a sua banalização e a da violência.

Nesse sentido, são as palavras de Nilo Batista (2002, p. 273):

O compromisso da imprensa – cujos órgãos informativos se inscrevem, de regra, em grupos econômicos que exploram os bons negócios das telecomunicações – com o empreendimento neoliberal é a chave da compreensão dessa especial vinculação mídia-sistema penal, incondicionalmente legitimante. Tal legitimação implica a constante alavancagem de algumas crenças, e um silêncio sorridente sobre informações que as desmintam. O novo credo criminológico da mídia tem seu núcleo irradiador na própria idéia de pena: antes de mais nada, creem na pena como rito sagrado de solução de conflitos. Pouco importa o fundamento legitimante: se na universidade um retribucionista e um preventista sistêmico podem desentender-se, na mídia complementam-se harmoniosamente. Não há debate, não há atrito: todo e qualquer discurso legitimante da pena é bem aceito e imediatamente incorporado à massa argumentativa dos editoriais e das crônicas. (BATISTA, 2002, p. 273)

O medo cresce com estímulo gigantesco pela imprensa, que por sua vez, é “expert” em causar pânico. Trata-se de um sensacionalismo sem fronteiras. Sendo que nesse caso, merece especial destaque aos programas policiais, que combinam a exaltação do medo com o violar da cidadania.

A mídia não só retrata, ela também constrói a realidade social. Produz (ou reproduz, muitas vezes sem retoques) imagens de insegurança. O discurso midiático é atemorizador, pois não só apresenta como espetaculariza e dramatiza a violência. Não existindo imagem neutra, pois tudo o que ela apresenta tem que chocar, causar impacto, vibração, emoção. Toda informação tem seu aspecto emocional: nisso é que reside a dramatização da violência. (GOMES, 2007a)

Nesse sentido, vislumbram Luiz Flávio Gomes e Alice Bianchini (2007a):

 A mídia retrata a violência, mas de forma dramatizada. Em algumas vezes cria "ondas artificiais" de violência. O resultado de tudo isso é o incremento do medo, do alarme social, a ponto de desfazer os limites existentes entre o distante e o local (mesmo em cidades pequenas, onde a criminalidade é muito baixa, a sensação de insegurança passa a ser muito grande).

Assim, é possível notar que a divulgação de notícias exageradas na mídia desperta nas pessoas um encanto punitivista e, consequentemente, uma busca indomável por uma resposta repressiva do Direito Penal.

A opinião pública vislumbra, dessa maneira, o encarceramento do indivíduo delinquente como a perfeita e mais eficaz solução para a violência que acomete a sociedade. O que, por sua vez, acarreta na criação de leis penais simbólicas.

Segundo Leonardo Sica (2002, p. 77), o terreno fértil para o desenvolvimento de um Direito Penal simbólico é uma sociedade amedrontada, acuada pela insegurança, pela criminalidade, pela violência urbana. O medo vivido coletivamente, atrelado à angústia constante de que “algo pode acontecer”, resulta na necessidade de uma resposta imediata: a instalação de um estado emergencial.

Poucas coisas explicam tão bem o direito penal quanto o medo. Sobre o tema, o escritor moçambicano Mia Couto, em discurso realizado na Conferência de Estoril em 2011, asseverou que

Para fabricar armas é preciso fabricar inimigos. Para produzir inimigos é imperioso sustentar fantasmas. A manutenção desse alvoroço requer um dispendioso aparato e um batalhão de especialistas que, em segredo, tomam decisões em nosso nome. Eis o que nos dizem: para superarmos as ameaças domésticas precisamos de mais polícia, mais prisões, mais segurança privada e menos privacidade. Para enfrentar as ameaças globais precisamos de mais exércitos, mais serviços secretos e a suspensão temporária da nossa cidadania.

Os nossos medos impulsionam a indústria do controle do crime. Precisa-se cada vez mais de segurança, de prisões, de polícia, para enfrentar as ameaças que estão cada vez mais presentes no nosso cotidiano.

A produção do medo e da insegurança possui a função de legitimar a crescente hipertrofia punitiva do Estado, além de ser um negócio lucrativo. Tal postura compõe nitidamente a dinâmica da indústria do controle do crime ressaltada por Nils Christie (1998), segundo o qual, a construção crescente de prisões, constitui um mercado fértil.

Para Nils Christie (1998, p. 101) a própria privatização das instituições prisionais, o desenvolvimento de firmas grandiosas de prestação de serviços, empresas de vigilância, de arquitetura e de construção responsáveis pela edificação de novos presídios e de prestação de serviços aos estabelecimentos, como de saúde, alimentação, limpeza, etc., sinalizam que “prisões significam dinheiro, muito dinheiro”.

Infelizmente, parece que estão retomando o caminho de volta ao autoritarismo. A cidadania parece cada vez menor, diante do medo. Em nome dele foram construídos os piores edifícios da humanidade: além de cadeias, manicômios, campos de concentração, bombas nucleares, dentre outros.

No sistema punitivo brasileiro, a legislação atual, guiada pelo discurso político do crime, produziu um cenário penal próprio de ineficiência e simbolismo. Ao longo dos anos foi sendo produzida uma avalanche legislativa tratando as mais diferentes e mesmo banais hipóteses como delituosas, avançando o poder punitivo do Estado sobre as liberdades individuais, a exemplo das Lei nº 8.072/90 (Crimes Hediondos), Lei nº 9.455/97 (Tortura), Lei nº 9.695/98, Lei 9.677/98 (que etiquetaram vários crimes como hediondo), dentre outras.

A verdade é que a coletividade prefere os discursos sensacionalistas que pregam superpunições às pessoas taxadas de “inimigos da sociedade”, a enfrentar os problemas que a afligem pelo combate efetivo às suas causas.

O Brasil necessita experimentar um “choque iluminista”, para redescobrir a importância das ideias que se contrapuseram às trevas medievais e resgatar as razões pelas quais tantos lutaram e entregaram suas vidas para enfrentar os procedimentos inquisitoriais autoritários em que a tortura, a falsidade e a violência eram a ordem. Este choque se mostra essencial a uma sociedade que sem se aperceber tem aceito, pelo pânico gerado a partir da sensacionalista exploração da delinquência, a intervenção exacerbada do Estado nas liberdades e o pisotear de garantias que estão no próprio matiz da estrutura democrática. (EL TASSE, 2006)

A ascensão desse “punitivismo” exagerado acaba servindo como escudo para ocultar a ausência de políticas públicas sérias,  realistas  e comprometidas com os problemas sociais. Ao invés de prevenir condutas criminosas e garantir segurança, o Direito Penal ao elevar desproporcionalmente as penas, em resposta ao clamor social e à divulgação em massa de notícias pela mídia, não faz diminuir os níveis de violência, já que não está combatendo as causas da criminalidade, mas sim os sintomas.

Os políticos exploram um tipo de histeria coletiva, quando o tema é a insegurança. Temos aqui uma ditadura universal do medo, em que somos treinados para ter medo de tudo e de todos e este é o álibi que necessita a estrutura militar do mundo.

O fortalecimento desta nova política de guerra ao crime, obedecendo aos eixos centrais da racionalidade hegemônica do mercado, globaliza-se na esteira dos fluxos dos capitais voláteis, invadindo rapidamente as tendências de controle social de diversos países. As políticas de “Lei e Ordem” e “Tolerância Zero”, desenvolvidas em Nova York, ganharam dimensões globais, transformando-se no grande modelo de combate à dita criminalidade urbana.

Dessa forma, chega-se ao consenso de que o Direito Penal de Emergência é adotado acreditando-se em sua capacidade de nos proteger do caos, mas o único resultado concreto que se tem é a inflação legislativa, com a crescente perda de legitimidade do sistema penal, sem fornecer nenhuma resposta ao problema da violência.

 

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Os problemas contemporâneos da criminalidade têm conduzido a sociedade a um sentimento de pânico coletivo, em que qualquer solução que tenha roupagem de endurecimento na legislação penal, aliada à promessa de maior punição aos atos delituosos, é prontamente aplaudida, sem maior e cautelosa reflexão pela sociedade.

Essa ideia de que o Direito Penal nos protege também é vazia. O discurso de proteção não passa de uma ilusão, em que o medo enraizado criou o mito de que o Direito Penal é solução para a criminalidade.

Por conta disto, admite-se que as liberdades fundamentais sejam suprimidas pelo medo. Isso acontece quando se aceita a ideia de punição em prol de um fantasioso “bem social” enfraquecemos garantias individuais e coletivas em nome de uma proteção que não existe.

Para reduzir crimes, a primeira providência a ser tomada seria reduzir incidência do Direito Penal no cotidiano das pessoas, pois infelizmente ele não é capaz de resolver os problemas que geram os crimes, ou seja, não é eficiente como prevenção, nem eficaz como remédio. Não existem soluções mágicas nem instantâneas. A melhor forma de acertar é sempre fazer o que é certo. É o certo, jamais será a instituição de um Direito Penal Simbólico.

Os esforços no combate à violência não podem ignorar que a atuação repressiva expressa em leis penais emergenciais, com penas elevadas e que tornem mais cruéis o seu cumprimento, fazem parte de um direito penal simbólico que não resolve o problema.

Em pleno Estado Democrático de Direito não se pode admitir a imposição de um direito penal do terror, apoiado no medo e na crueza da execução da pena.  Exige-se, ao contrário, medidas de caráter racional para se atuar com eficácia, pois é inegável que existe uma mera ilusão da segurança jurídica causada pelo Direito Penal Simbólico.

 

REFERÊNCIAS

 

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Sobre a autora
Paula Argentino

Advogada inscrita na OAB/SE. Pós-graduada em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade Tiradentes (2013). Pós-graduada em Direito do Estado pela Universidade Anhanguera – UNIDERP (2012). Graduada em Direito (2010) pela Universidade Tiradentes.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Artigo de conclusão do curso de Pós graduação lato sensu em Direito Penal e Processual Penal

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