Negócio jurídico processual: uma inovação do CPC/2015?

16/03/2016 às 20:00
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Neste artigo será abordado os aspectos dessa flexibilização no formalismo procedimental que foi trazida com o CPC/2015.

Neste artigo será abordado os aspectos dessa flexibilização no formalismo procedimental que foi trazida com o CPC/2015.

Ao contrário do que ocorria no CPC/1973, o novo CPC buscou a simplificação do processo, sendo isso evidente a partir do momento em que o legislador optou por adotar o modelo do procedimento comum abarcando estas todas as situações gerais, contemplando, apenas, alguns poucos procedimentos especiais.

Desta forma, o CPC/2015 inova ao trazer em seu artigo 190 o Negócio Jurídico Processual, sendo este a possibilidade das partes firmarem um acordo de procedimento em relação às quais atos processuais serão praticados (estabelecendo, por exemplo, que as partes não interporão recursos contra as decisões interlocutórias e/ou contra a sentença).

Ressalta-se, entretanto, que no CPC/1973 – e mesmo antes, no CPC/1939 – já existiam hipóteses nas quais as partes tinham autonomia para realizar negócios jurídicos processuais, alterando os parâmetros prévios previstos pela lei. É dizer: dispositivos como os que autorizavam a eleição de foro (art. 111, CPC/1973), o negócio sobre ônus da prova (art. 333, parágrafo único, CPC/1973), a suspensão consensual do processo (art. 265, inciso II, CPC/1973), a aceitação à desistência da ação (art. 267, § 4º, CPC/1973), a renúncia ao recurso (art. 502, CPC/1973), a anuência ao aditamento do pedido após a citação (art. 264, CPC/1973), adiamento da audiência por uma vez (art. 453, inciso I, CPC/1973), convenção de prazos entre litisconsortes (art. 454, § 1º, CPC/1973), redução ou aumento consensual dos prazos dilatórios (art. 181, CPC/1973) e a liquidação por arbitramento convencional (art. 475- C, inciso I, CPC/1973) já permitiam que as partes – muito mais do que simplesmente optarem por realizar ou não os atos previstos em lei – pudessem convencionar efeitos jurídicos no processo. No entanto, estas possibilidades de negociação eram restritas aos casos previstos em lei.

Assim, conclui-se que a novidade trazida no novo Código não é a criação de um novo instituto, mas apenas no alargamento de suas possibilidades.

Outro ponto a se considerar é que este modelo já é bastante utilizado nas arbitragens comerciais em que, a despeito dos regulamentos das Câmaras de Arbitragem fixarem alguns prazos e procedimentos, as partes, juntamente com os árbitros, celebram um cronograma provisório em que fixam os prazos para apresentação das alegações iniciais, contestação, réplica e, por vezes, já fixam matérias atinentes à produção das provas e, até mesmo, o eventual fatiamento do julgamento.

Para que isso seja possível, o caput do artigo 190 é incisivo ao pontuar que a lide deve versar sobre um direito que permitam a autocomposição, ou seja, o direito discutido deverá ser disponível.

Além disso, as partes, para celebrar o Negócio Jurídico Processual deverão ser plenamente capazes, podendo assim estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais.

Neste diapasão, que o Negócio Jurídico Processual pode ser feito de forma Unilateral, como ocorre na desistência do processo antes da citação, na desistência do recurso e no reconhecimento jurídico do pedido, Bilateral tal como ocorreria na fixação consensual dos pontos controvertidos (art. 357, § 2º, NCPC), na eleição de foro (art. 63, NCPC), na convenção sobre ônus da prova (art. 373, § 3º, NCPC), no adiamento da audiência (art. 362, NCPC), na liquidação de sentença convencional por arbitramento (art. 509, inciso I, NCPC), dentre outros exemplos e por fim de forma Plurilateral, tal como ocorre na fixação do calendário processual (art. 191, NCPC) e na fixação dos pontos controvertidos e das provas em audiência de saneamento (art. 357, § 3º, NCPC).

Quanto ao momento de se realizar esse acordo, o Código é claro ao estabelecer que o acordo possa se realizar tanto no curso do processo, como antes de o litígio surgir, havendo expressa referência ao negócio jurídico processual inserido em contratos de adesão. Além disso, a redação do novo Código de Processo Civil permite que haja mais de um acordo processual ao longo da demanda.

Deste modo, pode-se afirmar que tal possibilidade contemplada pelo Novel Diploma é a criação de uma inovadora modalidade de procedimento.

Vale pontuar, contudo, que, de ofício ou a requerimento da parte prejudicada, o juiz aferirá a validade das convenções recusando-lhes aplicação se houver nulidade ou inserção abusiva, na hipótese específica de contrato de adesão, ou, ainda, naquelas situações em que a parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade. Nada mais natural, uma vez que essas convenções são destinadas a produzir efeitos dentro do processo. As partes podem firmar acordos previamente ou durante a pendência de uma demanda, mas, em regra, esses acordos somente serão aptos à produção dos efeitos programados se o juiz considerá-los válidos.

Ainda, ao controlar a validade dos Negócios Jurídicos Processuais, o juiz deverá analisar se as partes que celebraram o acordo eram plenamente capazes; se o objeto da demanda permite a celebração de acordos e se o objeto do acordo é lícito, nos termos do que dispõe o artigo 166 do Código Civil.

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O novo sistema admite, portanto, a distinção entre negócios jurídicos processuais típicos e negócios jurídicos processuais atípicos. A primeira categoria tem previsão expressa na lei processual, e no item anterior já mencionamos como exemplo a eleição de foro (art. 63, NCPC), a convenção sobre ônus da prova (art. 373, § 3º, NCPC), a suspensão convencional do processo (art. 313, inciso II, NCPC), a desistência do processo, do recurso e a renúncia ao direito de recorrer (arts. 998 e 999 NCPC), e o reconhecimento do pedido, pela renúncia ao direito ou pela autocomposição (art. 487, inciso III, NCPC). A segunda categoria não tem previsão legal e decorre diretamente da abrangência concedida à autonomia da vontade em matéria processual pelo art. 190 do NCPC. Podemos citar como exemplos o pacto de impenhorabilidade, acordo de rateio de despesas processuais, dispensa consensual de assistente técnico, acordo para retirar o efeito suspensivo de recurso, acordo para não promover execução provisória, pacto de mediação ou conciliação extrajudicial prévia obrigatória, pacto de disponibilização prévia de documentação (pacto de disclosure) e previsão de meios alternativos de comunicação das partes. (Cf. Enunciado nº 17 do FPPC-Vitória.).

E, dentro desta possibilidade do negócio processual, no artigo 191 do CPC/2015 possibilidade de um acordo de calendarização, na qual as partes e o juiz estabelecem conjunta e previamente as datas em que os atos processuais deverão ser praticados, vinculando-os a uma agenda procedimental.

Assim, ao dispor que o juiz e as partes poderão fixar o calendário processual de comum acordo, percebe-se a clara intenção que o legislador pretendeu estimular o diálogo entre o juiz e as partes, de modo a preservar o contraditório efetivo que a doutrina clássica sempre pregou.

Vale destacar que, uma vez efetuado o acordo de calendarização, fica dispensada a intimação das partes para a prática de ato processual ou a realização de audiência cujas datas tiverem sido designadas no calendário.

Embora a lei fale que o calendário processual vincula as partes e o juiz, certo é que consequências de ordem processual somente podem afetar a posição das partes no processo, ou seja, se uma das partes deixar de praticar um ato previamente previsto no calendário processual, a princípio, perderá a faculdade de praticá-lo, não atingindo tal fenômeno os poderes do juiz, onde o descumprimento do calendário pelo magistrado somente poderá acarretar-lhe consequências nas esferas administrativa e cível, se for o caso.

Ainda, as partes de comum acordo podem pedir ao juiz a alteração do calendário processual, bastando demonstrar ao juiz que haverá uma vantagem nessa alteração. Caso o juiz concorde com essa vantagem, por certo que não estará vinculado ao calendário anterior, já que será do interesse comum de todos realizar a modificação do calendário.

Todavia, situação distinta ocorre quando apenas uma das partes pede a alteração do calendário, sem a concordância da outra. Como a parte já está vinculada ao cumprimento dos prazos previamente estipulados, deverá convencer o juiz de que o cumprimento desse calendário é impossível ou quase inviável, e que isso acabará por inviabilizar seu direito de defesa. Não bastará que a parte faça meras alegações ou conjecturas sobre prejuízos hipotéticos que possa vir a ter caso mantido o calendário, pois isso acabaria por inutilizar o instituto.

Assim, conclui-se que tal inovação que insere no ordenamento, certamente é capaz de propiciar um melhor rendimento ao processo, de qualidade e tempo de duração estando inserida no contexto da ideia de cooperação, que permeia todo o novo código, e que deve ser entendida como a necessidade de que haja esforço de todos os envolvidos na atividade processual, para que o resultado eficaz seja alcançado em tempo razoável. 

Referências Bibliográficas:

LIMA, Flávio Pereira - Reflexões sobre o novo CPC: O negócio jurídico processual, pré-processual. Jota. Disponível em < http://jota.uol.com.br/reflexoes-sobre-o-novo-cpc-o-negocio-juridico-processual-pre-processual>. Acesso em: 16/03/2016

OAB/PR, AASP – Código de Processo Civil Anotado. 2015

OAB/RS, ESA – Novo Código de Processo Civil Anotado. Porto Alegre. Rio Grande do Sul, 2015

TARTUCE, Fernanda – Resumão Jurídico – Novo CPC. 1 ed. 4ª Tiragem. São Paulo: Barros Fischer e Associados, Novembro de 2015.

WAMBIER, Luiz Rodrigues; BASILIO, Ana Tereza – O Negócio Processual: Inovação do Novo CPC. Migalhas. Disponível em < http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI228542,31047- O+negocio+processual+Inovacao+do+Novo+CPC>. Acesso em: 16/03/2016

Sobre o autor
Renan Buhnemann Martins

Advogado (OAB/SP 376.997). Bacharel em Direito pela Universidade São Judas Tadeu. Diretor do Departamento Jurídico da ACAAPESP - Associação dos Consultores, Assessores e Articuladores Políticos do Estado de São Paulo

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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