Estudo acerca da (in)constitucionalidade do art. 229 do Código Penal ante os princípios constitucionais e penais

17/03/2016 às 18:46
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Este artigo trata do entendimento sobre a inconstitucionalidade da inteligência do art. 229 do Código Penal ante os princípios constitucionais mais básicos como também de princípios penais. Ele trata da chamada "casa de prostituição".

 

RESUMO

O presente trabalho analisou a inconstitucionalidade do art. 229 do Código Penal - CP ante o princípio da dignidade da pessoa humana como também os princípios do direito penal após a Lei 12.015/2009, a qual alterou o nome do Título VI, que passou a ser denominado como “Dos crimes contra a dignidade sexual”, deixando de ser “Dos crimes contra os costumes”. Discutiu-se a necessidade de abolir, ou não, do nosso ordenamento jurídico esse tipo de crime, pois o mesmo não acompanha o dinamismo da sociedade, estando ele sempre ligado à proteção da tutela de bem de caráter puramente moral, não sendo o terceiro afetado em seus bens jurídicos protegidos, a não ser pela via moral. Neste trabalho, utilizou-se o levantamento de alguns julgados do Supremo Tribunal Federal acerca da atipicidade desse crime bem como a análise de várias doutrinas e artigos que versam sobre a sua inconstitucionalidade, para demonstrar como esse tipo de dispositivo destoa do nosso ordenamento jurídico. O objetivo deste trabalho foi alcançar um debate relevante para a reflexão sobre a necessidade de extrair do nosso ordenamento jurídico dispositivos como esse. Pretendeu-se com esse debate entender se o referido artigo não é condizente com todo o resto do ordenamento jurídico e não acompanha a dinâmica da sociedade. Assim, ele pretendeu esclarecer para os leitores interessados em discutir a melhoria na produção de nossas leis se o art. 229 do CP está em harmonia com os princípios constitucionais e de direito penal. O método que será utilizado é o hipotético-dedutivo, o qual se desenvolveu inicialmente pela análise de jurisprudências do STF e das doutrinas e artigos que versam sobre a hipótese de inconstitucionalidade do artigo em comento, de modo investigativo. Para tanto, o trabalho iniciou-se pela análise dos princípios constitucionais e de Direito Penal, trabalhando a epistemologia de termos importantes para a evolução do artigo, inserindo jurisprudências e doutrinas relevantes para a compreensão desse artigo tão intrigante, como também entender a sua historicidade e realizar uma análise da lei nº 12.015/09.

 

Palavras-Chave: Prostituição. Dignidade Sexual. Lei n. 12.015/09.

 

 

 

 

INTRODUÇÃO

 

 

Este trabalho tratará da inconstitucionalidade do crime tipificado no art. 229 do Código Penal por caracterizar um crime fora do contexto atual uma vez que não há de se falar em ofensa a terceiro, não há alteridade, somente ofensa moral a algumas pessoas incomodadas com atos diferentes aos seus. Uma pessoa que oferece seu corpo em troca de dinheiro não fere ninguém senão a si mesma, pois muitas vezes sofre agressões físicas, ofensas à dignidade, correndo até mesmo risco de morrer. Há mulheres e travestis agredidos em plena rua, principalmente por usarem as calçadas para prostituírem-se, chegam a jogar pedras, garrafas, latas de cervejas, sem falar nas estúpidas agressões verbais, as quais, muitas vezes, são as piores.

O fato é que ser prostituta, muitas vezes, parece ofender mais que ser bandido neste país. O último é cultuado em filmes, imitado nos morros, até invejado por alguns. Já a prostituta sofre todo tipo de piada e mal-estar. Por isso falar acerca desse assunto parece sempre incomodar muito pessoas do “bem”. Parece até crime. Muitos nem procuram saber se, na legislação brasileira, prostituição é crime ou não. E não sendo tipo penal, por que manter casa de prostituição foi tipificado no art. 229 do CP como crime?

Este estudo trará uma análise da inconstitucionalidade do art. 229 do Código Penal ante o princípio da dignidade da pessoa humana como também ante os princípios do direito penal após a Lei 12.015/2009, a qual alterou o nome do Título VI, que passou a ser denominado como “Dos crimes contra a dignidade sexual”, deixando de ser “Dos crimes contra os costumes”. E ele existe em razão de tentar colaborar intelectualmente para fornecer esclarecimentos acerca desse tipo penal a fim de evidenciar as questões mais polêmicas, que este estudo emerge, mas não com a pretensão de esgotar a matéria. Por isso, o mesmo se iniciará com o capítulo discorrendo sobre um pouco da história da prostituição no Brasil e no Mundo como também fazendo explanações acerca dos conceitos inerentes a esta profissão. O Segundo capítulo abordará os princípios penais que regem toda a legislação criminal e os principais princípios constitucionais que albergam a demanda deste artigo científico. No terceiro capítulo, serão tratados os julgados e doutrinas acerca da tutela jurídica ligada a esse ilícito, onde será explanada a inteligência das principais decisões no sentido da inconstitucionalidade desse dispositivo e da atipicidade da conduta descrita no mesmo. Nesse último capítulo, serão apresentados comentários sobre o próprio tipo penal do art. 229 do Código Penal e sua inconstitucionalidade, demonstrando a sua inaplicabilidade XXI. Fechando com uma conclusão que, para alguns, trará um sentimento de dever cumprido por contribuir com reflexões regadas a doutrinas e jurisprudências acertadas acerca desse resquício de moralidade exacerbada de períodos já superados na história do nosso país.

Sem a pretensão de esgotar o tema, coisa improvável de se pensar numa sociedade tão dinâmica quanto o Brasil, onde muitos preconceitos já foram quebrados, como o casamento civil de casais homoafetivos, mas outros tantos ainda estão amadurecendo a cada dia, a cada decisão de tribunais de vanguarda, como o do Rio Grande do Sul, neste trabalho científico pretende-se, apenas, abrir espaço para mais discussões acerca desse tema, principalmente no concernente à moral como bem isolado e tutelado, considerando a questão da alteridade, da intervenção mínima, enfim, pretende-se colaborar com os intelectuais do direito penal e de áreas afins para elucidar esse artigo tão polêmico.

 

1.        UM POUCO DA HISTÓRIA DA PROSTITUIÇÃO NO BRASIL E NO MUNDO

 

Para entender melhor o tema deste trabalho é necessário conhecer a origem da prostituição, como ela se desenvolveu no Brasil e no mundo, como ficou seu formato atual e como ela é entendida neste país no tocante à legislação. E o melhor instrumento para a busca de informação é a história. É por meio dela que se chega, não a afirmações absolutas, mas a algumas respostas suficientes para a melhor compreensão do assunto em comento. E é por isso que este artigo começa a partir daqui.

 

  1. HISTÓRIA DA PROSTITUIÇÃO NO MUNDO

O comércio do próprio corpo para prestação de serviços sexuais é antiquíssima, tendo-se até dificuldade de precisar quando foi o exato momento em que ela surgiu na sociedade (RODRIGUES, 2013, p.40).

Dentro dessa perspectiva, Guilherme Nucci (2014, p.49) tentou delimitar uma linha histórica da prática da prostituição entre os povos, mostrando como a prática da troca do sexo por uma gratificação econômica está presente deste as primeiras civilizações da Antiguidade Oriental:

 

O momento histórico registrou a comum prostituição ao redor dos templos, o que se tornou claro em vários documentos da Babilônia, Frígia, Fenícia, Síria, Lídia Chipre, Egito, Israel e Grécia. (...) a Lei da Assíria- dentre outras- determinava o modo pelo qual deveria a prostituta andar pelas ruas: com a cabeça descoberta como sinal da sua vocação.

 

Destaque-se que na antiguidade oriental, nas regiões da Índia, Indochina, Sudeste Asiático, ilhas do Pacífico, Polinésia e parte da África, a relação sexual era vista sem pudores por praticamente todos os indivíduos, sendo o sexo perpetrado abundantemente. Tal fato fazia com que a prática da prostituição nessas civilizações fosse rara, pois quase não havia pessoas para pagar por sexo, já que este era oferecido gratuitamente (NUCCI, 2014, p. 49-50).

Conforme Menegasso (1998, 37), a prostituição aparece num contexto social mais próximo da pré-história, devido à divisão sexual do trabalho, ficando com a mulher a incumbência de assistência aos filhos e ao plantio, permanecendo com os homens a caça. Estudos históricos e antropológicos dão respaldo à agricultura e a caça como atividades humanas mais antigas que a prostituição. Entretanto, afirma Swain (p. 72) que pesquisa histórica vem mostrando que a prostituição é uma criação social, em momentos e épocas específicas.

Os primeiros registros históricos do termo “prostituta”, de acordo com  Nickie Roberts (1992, 22-23) foram detectados em terras do Oriente Médio, aproximadamente em 2000 a.C. eram as chamadas Prostitutas Sagradas. As sacerdotisas do templo eram prostitutas que detinham status de respeito religioso. Porém, segundo Nickie Roberts (26) as primeiras prostitutas de rua apareceram somente no Egito, após as prostitutas sagradas deixarem os templos para buscarem melhorias e vantagem financeira, acabando por conseguirem uma independência comercial, espalhando-se por todo o Egito. Essa prática levou os sacerdotes-líderes a perda do controle dessa atividade o que fez surgir o conceito de moralidade sexual, uma vez que para eles, a autonomia das mulheres era considerada um mal.

A mesma autora (1992, 32-33) relata que por volta do século V a.C., na Grécia, os senhores dos escravos e governantes, os quais formavam a classe dominante, deram início a um processo de utilização dos serviços das prostitutas. Nesse período, os meninos já faziam parte dessa classe composta por escravas, adolescentes e outros.  O governador de Atenas Sólon, no  século VI, às vésperas de seu apogeu, estabeleceu o papel institucional das mulheres na sociedade, e é nesse mesmo período que surgiu a prostituição masculina grega. E, de acordo com o autor, foi nesse governo que se tem notícia dos primeiros bordéis e, por conseguinte,  da cafetinagem, nesse momento foi criada a taxa da prostituta estabelecia com intuito de tributar e autorizar a abertura de futuros bordéis.

Ainda conforme Nickie Roberts (1992, 60-61), a prostituição por muito tempo foi vista como algo perfeitamente natural sociedade romana entre VIII a.C. e V século d.C., pois  Estado se beneficiava desse tipo de atividade pela cobrança de impostos.

É sabido que o período da Idade Média foi um marcado pelo excesso de domínio religioso da Igreja católica na Europa Ocidental, a qual criou rígidas formas de condutas moldadas para as mulheres, em busca de garantir a manutenção de suas virtudes femininas, como a virgindade, ao mesmo tempo em que liberava em boas medidas as práticas sexuais para os homens. Assim, em que pese a rigidez religiosa, a atividade de prostituição era tolerada delimitada em alguns parâmetros, com intuito de evitar que casos de estupros tornassem-se muito maiores dos já apresentados. O que levou o  sexo pago a tornasse uma válvula de escape da libido masculina. Segundo Mariana Luciano Afonso e Rosemeire Aparecida Scopinho citando Roberts (2013, p. 02), a prostituição era vista da seguinte forma:

(...) na Idade Média a prostituta era vista com o “um mal necessário”. Com a ascensão do cristianismo, coexistia, ao mesmo tempo, combate e tolerância à prostituição. Enquanto fossem atuantes na atividade, as prostitutas eram excomungadas mas, até certo ponto, eram também toleradas uma vez que foram consideradas um “mal necessário”, funcionando como um tipo de “dreno” no qual os homens poderiam descarregar o efluente sexual que os afastava de Deus.

No século XII houve um movimento forte da Igreja em “salvar” as prostitutas, baseados ainda na figura de Maria Madalena como prostituta arrependida que teria sido salva e perdoada por Deus, foram criadas comunidades monásticas de ex-prostitutas intituladas “Lares de Madalena”. Neste mesmo século foram instituídas leis, por juristas franceses, para regulamentar a prostituição, essas leis retiravam direitos das prostitutas, proibindo-as, por exemplo, de acusar outras pessoas de cometerem crimes contra elas ou de vestirem determinados tipos de roupas.

 

Segundo Mariana Luciano Afonso e Rosemeire Aparecida Scopinho citando Roberts (2013, p. 02) entre os séculos VIII a.C. e V d.C., durante todo o desenvolvimento da Roma antiga, houve um processo similar ao da Grécia, pois, mesmo as mulheres romanas sendo dotadas de mais liberdade e direitos do que a gregas, Roma era formada por leis patriarcais regulamentadoras da família que e davam poder aos homens da cidade por meio da posse da terra e da estrutura política. Com a grande expansão do império, com o crescimento da cidade e a forte estratificação social, a prostituição se expandiu, pois as mulheres dos povos derrotados em guerras tornavam-se escravas, sendo muitas delas prostituídas para gerar riqueza. E no campesinato, grande parte das mulheres camponesas tornaram-se muito pobres e tornaram-se  prostitutas.

Mariana Luciano Afonso e Rosemeire Aparecida Scopinho citando Roberts (2013, p. 03) afirmam ainda que:

Essas prostitutas, as de classe baixa, eram obrigadas a registrarem-se, pagar impostos por sua atividade e proibidas de vestirem determinadas roupas, as de classe mais alta, como as atrizes ou dançarinas, não tinham essas exigências por parte do Estado. Devido à baixa fiscalização, e à impossibilidade de retirar seu nome uma vez que ele fosse colocado na lista das prostitutas registradas, no entanto, muitas prostitutas não se registravam. Elas dividiam-se então em duas categorias: As meretrices registradas e as prostibulae não registradas. A prostituição não era considerada uma atividade ilícita ou estigmatizada, assim, o Estado lucrava com ela por meio dos impostos, e os senadores alugando suas propriedades para bordéis.

 

Os homens medievais acreditavam que a virtude das mulheres como elemento necessário para a realização de casamentos, pois as mulheres eram consideradas “públicas” ou “puras”. Até as estupradas caiam na prostituição por causa não terem as condições necessárias para o casamento. Nos séculos XIV e XV, a prática da prostituição foi instituída e, conforme o historiador Rossiaud (1991, p. 15), existiam quatro níveis de prostituição na França medieval: as casas públicas as quais eram controladas pelo Estado, os chamados banhos, os bordéis particulares e as meretrizes autônomas. Sendo que a faixa etária das mulheres de cada nível era a característica mais marcante para indicar as etapas pelas quais elas haviam passado. Entre os 17 anos, elas trabalhavam nas ruas. Após os 20, tornavam-se camareiras das casas de banho, vendendo seus corpos para os frequentadores desses locais. E, por volta dos 28 anos, tornavam-se pensionistas dos bordéis. Depois dessa idade algumas prostitutas se tornavam cafetinas em bordéis, pois já não eram mais possuidoras de beleza e juventude, e, no final, poucas conseguiam casar-se e maioria dessas prostitutas acabava em conventos com fins de receber esse tipo de mulher a qual era considerada pecadora, mas arrependida.

Com a Pós-Revolução Industrial, o desemprego feminino era crescente, com a necessidade de sustentar a família, as mulheres eram empurradas para a prostituição. Ao mesmo tempo, o sindicalismo crescia ao lado dos ideais revolucionários, com a consequente cultura sexual liberal.

Rossiaud escreveu (1991, p. 20) que no século XIX as prostitutas conseguiram alcançar o ápice financeiro, mas tinham que pagar para as donas dos prostíbulos que superfaturavam as despesas decorrentes de roupas, moradia e acessórios ornamentais, o que as tornava uma espécie de escravas, pois ficavam sempre devendo e não podiam sair desta situação, muito menos do local onde trabalhavam. Mas foi com o aparecimento da burguesia que os prostíbulos ficaram mais refinados, pois aumentava cada vez mais o interesse sexual das classes mais abastadas. Assim foram surgindo bordéis com requinte e especializados no atendimento por gostos exóticos, sadomasoquistas, pornográficos, voyeurs, e outros.

Em resposta a toda a liberdade sexual, parte da burguesia da época, a mais conservadora, queria impor sua moralidade, que segundo Mariana Luciano Afonso e Rosemeire Aparecida Scopinho (2013, p. 04) seria: “adoração ética do trabalho e controle da sexualidade, sustentados na família nuclear patriarcal”.

De acordo com Mariana Luciano Afonso e Rosemeire Aparecida Scopinho (2013, p. 04) a burguesia, então, começou a pressionar os Estados para dar uma resposta, qual seja, a regulamentação/legalização ou a legalização. A partir de 1870, nos Estados Unidos, houve campanhas de médicos e autoridades policiais pela regulamentação como forma de combate à proliferação da prostituição, essas campanhas não obtiveram êxito, e o Estado utilizou como estratégia segregar a prostituição em zonas onde ela era tolerada, embora não legalizada. Os autores ainda informam que:

 

A regulamentação atingiu maior força na década de 1870, época em que emergiram também muitos movimentos contra os Atos das Doenças Contagiosas, liderados pelos oponentes da regulamentação, denominados abolicionistas. A maioria das abolicionistas eram feministas (de classe média), como Josephine Butler. O grupo de Butler, Ladies National Association (LNA), foi até os bairros operários das cidades em que os Atos estavam em vigor, e incentivaram as prostitutas a rebelarem-se contra o registro e os exames obrigatórios.

 

Somente, segundo Rossiaud (243-261), no século XX que a prostituição recebeu incentivos por parte dos países envolvidos na Primeira Guerra Mundial para satisfazer os soldados das tropas militares com intuito de recreação e, logo após a Segunda Guerra Mundial, mesmo sendo considerada ilegal, a prostituição se disfarçou por meio de fachadas de tabacarias, casas de massagem e até mesmo de lanchonetes, tudo isso para fugir da ferrenha tributação.

Nesse contexto, Mariana Luciano Afonso e Rosemeire Aparecida Scopinho (2013, p. 05) afirmam:

 

Na Alemanha, desde o final do século XIX até a Primeira Guerra Mundial, a urbanização e o crescimento econômico levaram, assim como em outros países, à proliferação da prostituição e a debates em relação a ela: A direita constituiu as Associações de Moralidade e a Associação para Proteção dos Jovens, que combatia a prostituição através de um discurso moral; a esquerda, representada pelos feministas de tendência butlerista e pelo Partido Democrático Social Marxista opunham-se à prostituição, respectivamente, por considerá-la uma escravidão sexual feminina e um símbolo da corrosão social causada pelo capitalismo, que não mais necessitaria existir em um mundo socialista. Havia, ainda, alguns que defendiam a regulamentação.

Atualmente, em alguns países a prostituição é regulamentada. É o caso da Alemanha, Holanda, Austrália e Nova Zelândia. O quais são países que garantem à prostituta alguns importantes direitos trabalhistas como o de ter carteira assinada, de férias, de plano de saúde, de aposentadoria, de contribuição para a previdência social e, ainda, a possibilidade de processar os clientes inadimplentes com as obrigações financeiras, e impondo deveres como pagamento de imposto de renda. Nesses países a prostituição já é considerada uma profissão.

O Proibicionismo é adotado por pouquíssimos países, mas, como é o sistema vigente nos Estados Unidos, com sua poderosa indústria cultural, é muito conhecido. Quem nunca viu em filmes, por exemplo, prostitutas sendo levadas presas? Por esta visão, é ilegal prostituir-se, ou seja, o Estado decide o que a pessoa pode ou não fazer com seu corpo. É de difícil aplicação em certos casos. Um presente após uma noite de sexo pode ser entendido como pagamento pelo serviço sexual. Tanto a prostituta quanto o dono de casa de prostituição e até cliente são puníveis pela lei.

 

  1. HISTÓRIA DA PROSTITUIÇÃO NO BRASIL

 

O fenômeno da prostituição no Brasil existe desde o período colonial. E, a partir da segunda metade do século XX, tem sido recorrente como objeto de estudo das chamadas ciências sociais, mas existem poucas obras com o objeto da prostituição em destaque no Brasil. O que é irrefutável é que a prostituição permeia todas as classes de uma sociedade.

Mary DelPriore (2006, 205) narra que:

Em 1845, um estudo feito pelo médico Lassance Cunha sobre a prostituição na cidade do Rio de Janeiro, constatou que existia na capital do império, classes diferenciadas de meretrizes, divididas em: as aristocráticas ou de sobrado, as de “sobradinho ou de rótula e as da escória”. Das primeiras, muitas eram oriunda de outros países, muitas haviam fracassado em suas carreiras na Europa,  atendiam aos nobres entre eles políticos e fazendeiros. Já as de segunda classe, eram denominadas de sobradinho, atendiam  roceiro rico, o filho do senhor de engenho, esse grupo era formada por mulheres estrangeiras simples, mucamas e mulatas. A última classe era chamada de a “escória”, destinada à camada mais baixa da população, esse meretrício se realizava nas casas de negros quitandeiros ou mesmo em fundo de pequenos comércios de barbearias. A “escória” era formada por meretrizes de casebres ou mucambos, as chamadas casas de passe e os zungus.

 

Conforme Mariana Luciano Afonso e Rosemeire Aparecida Scopinho (2013, p. 06) citando Rago (1991, p. 113), em 1897, houve o primeiro projeto de regulamentação da prostituição, que ocorreu no Estado de São Paulo, cuja autoria era de Cândido Motta, com o seguinte teor:

a) Que não são permitidos os hotéis ou conventilhos, podendo as mulheres públicas viver unicamente em domicílio particular, em número nunca excedente a três;

b) As janelas de suas casas deverão ser guarnecidas, por dentro, de cortinas duplas e, por fora, de persianas;

c) Não é permitido chamar ou provocar os transeuntes por gestos ou palavras e entabular conversações com os mesmos;

d) Das 6h da manhã, nos meses de abril e setembro inclusive, a das 7h da tarde as 7h da manhã nos demais, deverão ter as persianas fechadas, de modo aos transeuntes não devassarem o interior das casas, não lhes sendo permitido conservarem-se às portas;

e) Deverão guardar toda a decência no trajar uma vez que se apresentem às janelas ou saiam à rua, para o que deverão usar de vestuário que resguardem completamente o corpo e o busto

 No Brasil, a situação de miséria talvez seja um dos mais fortes fatores que levam as mulheres à prostituição. Porém, atribuir toda a culpa à miséria é um argumento pobre, além de demonstrar preconceito contra a própria mulher, negando à mesma o direito de escolher como viver sua própria sexualidade livremente.

De acordo com artigo denominado “Profissionais do sexo e o Ministério do Trabalho”, do autor Mario Bezerra da Silva, o Brasil escolheu o abolicionismo como o sistema legal adotado para lidar com a prostituição. Elas ficam livres para exercerem as atividades sexuais, porém a prostituição não é considerada profissão. O que leva ao não acesso a direitos trabalhistas e sociais, como carteira assinada, férias, plano de saúde, aposentadoria,  contribuição para a previdência social como também aos deveres, como o pagamento do imposto de renda, pois todo indivíduo tem direitos e obrigações a serem cumpridas.

 

Há no mundo três sistemas legais sobre prostituição. O Abolicionismo, o Regulamentarismo e o Proibicionismo. A maioria dos países, como o Brasil, adota o Abolicionismo. Por esta visão, a prostituta é uma vítima e só exerce a atividade por coação de um terceiro, o “explorador” ou “agenciador”, que receberia parte dos lucros obtidos pelo profissional do sexo (como se todos os patrões não recebessem). Por isso, a legislação abolicionista pune o dono ou gerente de casa de prostituição e não a prostituta.

Nesse sistema, quem está na ilegalidade é o empresário, ou patrão, e não há qualquer proibição em relação a alguém negociar sexo e fantasia sexual. A corrupção fica facilitada neste caso. O Brasil adota esse sistema desde 1942, quando entrou em vigor o atual e antiquado Código Penal, em reforma há mais de cinco anos.

Já no Regulamentarismo, como diz a palavra, a profissão é reconhecida e regulamentada. Para as profissionais, há vantagens e desvantagens. Estas são umas regulamentações muito conservadoras e exigências descabidas, como a de que a mulher se submeta a exames periódicos, o que não é exigido para outras profissões ou a de só exerça a atividade em locais determinados. Entre as vantagens, a possibilidade de ter um contrato de trabalho, seguridade social, inclusive aposentadoria, garantias legais etc. Uruguai, Equador, Bolívia e outros países Sul – Americanos adotam esse sistema, assim como Alemanha e Holanda. No caso europeu, não há exigência de exame de saúde. O Brasil já foi Regulamentarista e as prostitutas eram fichadas pelas delegacias.

 

Mariana Luciano Afonso e Rosemeire Aparecida Scopinho (2013, p. 06) citando Oliveira (2008), em 1987 aconteceu no Brasil o I Encontro Nacional de Prostitutas, criando a Rede Brasileira de Prostitutas, que tem como reivindicação o reconhecimento legal da prostituição como profissão. Em 1992 foi criada por um grupo de prostitutas, entre as quais, Gabriela Leite, a ONG Davida, com o intuito de combater a discriminação e o estigma. E, concluíram que:

A sociedade de certa forma incorporou e ressignificou alguns aspectos da figura da prostituta, o termo “mulher pública” outrora usado para referir-se a elas, hoje alude à mulher que participa diretamente da política. Na reatualização do Código Penal em 1988, através de pressões feministas, foi desfeita a divisão entre “mulheres honestas” e “mulheres perdidas”, que permitia que violências como o estupro, quando praticadas contra as “mulheres perdidas”, ficassem impunes

 

A legislação penal brasileira optou por não criminalizar a prostituição, entendendo que a mesma é um problema de ordem social. Por isso as prostitutas como também os seus clientes não incorrem em penas. Figurando a prostituição da seguinte forma no Código Penal da seguinte forma: quando se trata de prostituta individual, feminina ou masculina, maior de 14 anos, é fato atípico, ou seja, irrelevante penal; já a prostituição individual, feminina ou masculina, de menor de 14 anos, é considerada estupro de vulnerável o qual está tipificado no art. 217-A do CP; qualquer houver induzimento, submissão, atração, favorecimento, impedimento ao abandono, violência ou ameaça para o exercício da prostituição de pessoa maior de 14 anos é considerado crime tipificado nos arts. 218-B, 228, 230, do CP; d) manter local destinado à exploração sexual é conduta criminosa tipificada no art. 229 do CP (NUCCI, 2009, p. 80).

O primeiro projeto de lei com fim de regulamentação da prostituição como profissão foi de autoria do deputado federal Fernando Gabeira em 2003. O Projeto de Lei 98 era baseado na legislação alemã, propondo a descriminalização da prostituição e o pagamento por prestação de serviços sexuais, o mesmo também propôs a supressão no Código Penal dos artigos que tratavam do favorecimento dessa atividade, das casas de prostituição e do tráfico de mulheres. O mesmo acabou sendo arquivado.  E atualmente, o que tramita na Câmara é o projeto de lei de nº 4.211/2012, de autoria de Jean Wyllys, conhecido como PL Gabriela Leite, a qual foi prostituta e fundadora da ONG Davida – Prostituição, Direitos e Saúde, instituição defensora dos direitos dos profissionais do sexo. Esse projeto estabelece como profissional do sexo qualquer pessoa maior de 18 anos, considerada absolutamente capaz, o qual presta serviços sexuais em troca de dinheiro voluntariamente. Ou seja, os menores de idade e os incapazes não serão contemplados com direitos trabalhistas caso o projeto seja aprovado por não se enquadrarem nesse perfil, e quaisquer tipos de exploração sexual continua sendo crime.

 

  1. ALGUNS CONCEITOS NECESSÁRIOS PARA A COMPREENSÃO DO TEMA

De acordo com Nucci (2009, p. 74), lenocínio significa favorecer, de qualquer modo, a libidinagem alheia, com ou sem proveito pessoal, constituindo o gênero de outras condutas, denominadas de proxenetismo, alcovitice e rufianismo. Chamava-se o comércio sexual na língua romana lenociniume era geralmente considerado como uma das formas mais infamantes de prostituição. A própria lei dava-lhes a qualificação de infames, sem que, todavia, os incomodasse no exercício da sua atividade. Leno, em latim quer dizer em romance o mesmo que alcoviteiro, o que engana as mulheres, instigando-as a fazer maldades com os seus corpos.

O mesmo autor entende quer os termos proxeneta, alcoviteiro e rufião podem ser considerados sinônimos, porém para efeitos do estudo penal dos crimes que os envolvem, temos proxeneta ou alcoviteiro à pessoa que favorece, de qualquer modo, o contato sexual de terceiros, incluindo a prostituição. Segundo a lei, pode-se cometer o crime mesmo sem intenção de lucro. O rufião, por seu turno, é o intermediário entre prostituta e cliente, retirando desse comércio o seu sustento. Os termos, na verdade, sinônimos; em outras legislações, o proxeneta é a pessoa que mantém relação regida pelo interesse estritamente econômico com a prostituta ou o prostituto, explorando os lucros e, até mesmo, cerceando a sua liberdade. Por vezes, mantém relacionamento amoroso com a prostituta, deixando que esta se envolva emocionalmente, a ponto de sustentá-lo em razão do comércio sexual. No Brasil, essa atividade seria desenvolvida pelo rufião.

Por outro lado, vale anotar que a única figura masculina digna de atenção científica tem sido o chamado proxeneta ou alcoviteiro, suposto indutor ou explorador das mulheres que se dedicam ao trabalho sexual. Os homens do mundo empresarial e político que ganham enormes quantias em dinheiro com o comércio sexual, junto aos homens clientes, têm sido mantidos excluídos das análises ou mencionados de forma muito superficial. Sabe-se que, igualmente à prostituta pobre, vítima da criminalização dos seus atos imorais, o homem pobre, este sim o autêntico proxeneta ou rufião, também é perseguido penalmente. A riqueza material traveste o ser humano de certa imunidade para julgamento morais e éticos. A mulher rica que se vende sexualmente por dinheiro escapa ao estigma da prostituição; o empresário da indústria do sexo, identicamente, jamais será considerado um proxeneta ou rufião (NUCCI, 2009, p. 80).

Nas palavras de Nucci (2009, p. 85), há muitas décadas, o gigolô reinava como uma espécie de parasita, que se aproveitava da fragilidade, do medo, da solidão da mulher que trabalhava na noite para explorá-la. Em troca de “proteção”, elas sustentavam esses homens. O fato é que ainda hoje muitas prostitutas são seduzidas a ter um cafetão, sobretudo por causa do preconceito que sofrem. A prostituição não está enquadrada na tipificação do Código Penal Brasileiro. No entanto, é uma das atividades que mais sofrem preconceito e repressão policial. O que é considerado criminoso no Brasil é o explorador sexual, ou seja, o cafetão, dito protetor, ou a cafetina, a dona da casa. Se um grupo de prostitutas formar uma cooperativa, automaticamente ele será enquadrado no Código Penal, e elas passam a ser consideradas fora-da-lei. O Código Penal Brasileiro não sofreu modificações substanciais, seus artigos foram feitos para proteger a “puta”, porém, teve o efeito contrário ao desejado. A prostituta a ficou em total marginalidade porque aqueles que a cercam são considerados criminosos e, de alguma forma, transferem essa condição a ela. A cafetina, mesmo a do mais baixo meretrício, gasta altas quantias com a corrupção, paga todas as suas despesas e ainda ganha muito dinheiro. Um dinheiro que a prostituta jamais verá, porém ela auxilia o trabalho da profissional do sexo quando executa algumas dessas ações. Há também figuras difíceis de engolir como o simples induzimento de qualquer pessoa a satisfazer a lascívia de outrem, que é considerada crime (art. 227 do CP). Logo, sem nenhum envolvimento com a prostituição, a mera intermediação sexual entre adultos é fato típico, na legislação brasileira.

 

  1. DIFERENÇAS ENTRE PROSTITUIÇÃO E EXPLORAÇÃO SEXUAL

 

A prostituição deve ser entendida como opção de vida do indivíduo adulto e capaz o qual usa seu direito à liberdade de ação para trocar sexo por dinheiro.

Segundo Thaís de Camargo Rodrigues (2012, p. 58), o século XX observou uma inversão dos fluxos migratórios, separados pelo interregno que se estendeu da Segunda Guerra Mundial aos anos 80. Se no início do século a preocupação era com as escravas brancas, as européias trazidas para a prostituição nas capitais sul-americanas como Rio de Janeiro e Buenos Aires, desde o final do século XX o que se vê são os países pobres e subdesenvolvidos como fornecedores de pessoas para a exploração sexual em nações ricas, especialmente para o mercado europeu-ocidental.

A referida autora ainda entende que hodiernamente a globalização põe à disposição dos traficantes de pessoas todas as suas ferramentas utilizadas para fins lícitos, como a revolução dos meios de comunicação e a facilidade de transpor fronteiras. O tráfico é tratado como um negócio qualquer, e suas vítimas se transformam em commodities. Os traficantes buscam suas mercadorias em ambientes vulneráveis, e as vendem nos mercados promissores.

Sobre a lucratividade do mercado, Thaís de Camargo Rodrigues (2012, p. 59): “Essa atividade tão lucrativa e profusa só é possível com a estrutura de crime organizado, corrompendo policiais e agentes do governo (...). Diante desse cenário estarrecedor, hoje muito se fala em tráfico de pessoas, porém não há estatísticas”.

Sobre prostituição, Guilherme Nucci (2013, p. 169) leciona:

A prostituição já se encontra definida e nem sempre poderá ser considerada uma forma de exploração, desde que se entenda o termo como pejorativo, concernente a extrair lucro ou vantagem em detrimento de outrem. Afinal, a atividade não é vedada penalmente e pode significar o exercício de uma profissão, como outra qualquer (embora envolta pela bruma da imoralidade, para muitos.

 

As várias legislações, no campo criminal, cuidando do tema, chegam a equiparar a prostituição como uma forma de exploração sexual. Poder-se-ia dizer que esta é gênero da qual a prostituição é espécie. O Código Penal, desde a reforma introduzida pela Lei 12.015/09, adotou a terminologia exploração sexual, sem definir e deixando à doutrina e à jurisprudência a incumbência de fazê-lo. Entretanto, nota-se a tendência de colocar na mesma prateleira a exploração sexual e a prostituição. Registre-se: a) no art. 218-B, consta submeter, induzir ou atrair a prostituição ou outra forma de exploração; b) no art. 228, figura induzir ou atrair alguém à prostituição ou outra forma de exploração sexual; c) no art. 229, anota-se manter, por conta própria ou de terceiro, estabelecimento em que ocorra exploração sexual, sendo que o título do crime sempre foi casa de prostituição; d) no art. 231-A, nota-se promover ou facilitar o deslocamento de alguém dentro do território nacional para o exercício da prostituição ou outra forma de exploração sexual.

A respeito de conceituação de exploração sexual, Fernando Capez  (2014, p. 191) citando Rogério Sanches Cunha nos traz a seguinte lição: “A exploração sexual, de acordo com o primoroso estudo de Eva Faleiros, pode ser definida como uma dominação e abuso do corpo de criança, adolescentes e adultos (oferta), por exploradores sexuais (mercadores), organizados, muitas vezes, em rede de comercialização local e global (mercado), ou por pais ou responsáveis, e por consumidores de serviços sexuais pagos (demanda), admitindo quatro modalidades: a) prostituição — atividade na qual atos sexuais são negociados em troca de pagamento, não apenas monetário; b) turismo sexual — é o comércio sexual, bem articulado, em cidades turísticas, envolvendo turistas nacionais e estrangeiros e principalmente mulheres jovens, de setores excluídos de países de Terceiro Mundo; c) pornografia — produção, exibição, distribuição, venda, compra, posse e utilização de material pornográfico, presente também na literatura, cinema, propaganda etc.; e d) tráfico para fins sexuais — movimento clandestino e ilícito de pessoas através de fronteiras nacionais, com o objetivo de forçar mulheres e adolescentes a entrar em situações sexualmente opressoras e exploradoras, para lucro dos aliciadores, traficantes

Cézar Roberto Bittencourt (2014, pp. 395-397), entende que exploração da prostituição, repetindo, é um dos comportamentos mais degradantes e moralmente censuráveis que a civilização, ao longo de toda a sua história, não conseguiu eliminar, a despeito de falsos moralismos de nossos legisladores, na medida em que a prostituição, em si, não constitui crime. Com a criminalização da manutenção de casa de prostituição (agora estabelecimento em que ocorra exploração sexual), paradoxalmente, o legislador penal proíbe a exploração de uma atividade, que é permitida, e, confundindo moral com direito, “condena” a prostituição a realizar-se nas ruas, nos guetos, clandestinamente. Nesse sentido, ao comentar a manutenção do crime de rufianismo, Guilherme Nucci faz contundente e procedente crítica que se aplica também ao disposto neste art. 229, até então denominado “casa de prostituição”, in verbis:

Na realidade, não deixa de ser também figura ultrapassada, pois o mundo moderno, inclusive em outros países, tem buscado a legalização da prostituição e, consequentemente, do empresário do setor. O rufianismo pode ser uma forma de proteção à pessoa que pretenda se prostituir (conduta não criminosa). Logo, ingressa nesse contexto o moralismo, por vezes exagerado, de proibir qualquer forma de agenciamento ou condução empresarial da atividade. A sociedade olvida o desatino de manter a prostituta nas ruas, sem proteção e vítima de violência, disseminando doenças, dentre outros problemas, em lugar de lhe permitir o abrigo em estabelecimentos próprios, fiscalizados pelo Estado, agenciados por empresários, com garantia tanto ao profissional do sexo quanto à clientela.

Apesar da existência da norma penal incriminadora prevista no art. 229 do Código Penal com redação nova da Lei de n. 12.015/2009 estar vigendo, faz-se necessária uma melhor interpretação por parte dos juízes para aplicá-la ao caso concreto, devendo ser detectado na conduta a exploração sexual, ela, sim, prejudicial à sociedade.

PENAL. CASA DE PROSTITUICAO. CRIME HABITUAL. EXIGIBILIDADE DA PROVA SEGURA DE HABITUALIDADE. SINDICANCIA PREVIA. CASA DE MASSAGEM. ANUNCIO EM CLASSIFICADOS. DISQUE-DENUNCIA. A QUESTAO DA REITERACAO. EXEGESE DO ART. 229 DO CODIGO PENAL. 1. DA LEITURA DO TEXTO INSCULPIDO NO ART. 229 DO CODIGO PENAL, OBSERVA-SE QUE A CONDUTA INCRIMINADA CONSISTE EM MANTER (SUSTENTAR, CONSERVAR, PROVER, POSSUIR, EM PERMANENTE LOCAL) CASA DE PROSTITUICAO O LOCAL PARA FIM LIBIDINOSO. ASSIM, ACASA DE PROSTITUICAO (LUPANAR, BORDEL OU "RENDVOUS"), TRADUZ-SE PELO LOCAL ONDE SE FAZ PERMANECER PROSTITUTAS OU PROSTITUTOS, PARA COMERCIALIZAR SUAS RELACOES SEXUAIS COM A CLIENTELA, PERMANENTE OU EVENTUAL. 2. CUIDA-SE DE CRIME HABITUAL, POIS A CONDUTA TIPICA SOMENTE SE INTEGRA COM A PRATICA DE PLURIMAS ACOES QUE ISOLADAMENTE SAO INDIFERENTES AO DIREITO. A REPROVABILIDDE ESTA EM MANTER O LOCAL PARA A REPETICAO DOS COLOQUIOS SEXUAIS COM OU SEM FIM LUCRATIVO. CUMPRE ASSINALAR A EXIGENCIA DE PROVA SEGURA DA HABITUALIDADE, QUE SE REFERE EXPRESSAMENTE A MANUTENCAO DA CASA DE PROSTITUICAO, O QUE SE FAZ PRINCIPALMENTE ATRAVES DE SINDICANCIA PREVIA OU QUALQUER MEIO PROBATORIO DA EXISTENCIA DA REITERACAO DE CONDUTAS JURIDICAMENTE DESVALORADAS. 3. TRATANDO-SE DE CASA DE MASSAGEM, PARA FINS DE CONFIGURACAO DO INJUSTO DESCRITO NO ART. 229 DO CODIGO PENAL, TORNA-SE NECESSARIO QUE O ESTABELECIMENTO TENHA SIDO TRANSFORMADO EM USO EXCLUSIVO PARA A PROSTITUICAO, POIS A MERA MANUTENCAO DO COMÉRCIO, AINDA QUE OCORRA ENCONTROS LIBIDINOSOS E' ATIPICA. ASSIM, NAO HA' CRIME SE UMA DAS MASSAGISTAS RECEBER UM CLIENTE E COM O MESMO REALIZAR CONGRESSO SEXUAL, SEM QUE.TENHA.HAVIDO.MEDIACAO. 4. E' NECESSARIO TER PRESENTE QUE A EXIGIBILIDADE DO REQUISITO DA HABITUALIDADE, NAO SE APERFEICOA PELO MERO ANUNCIO EM CLASSIFICADOS, OU SIMPLES ANOTACAO NO SISTEMA DO ANONIMATO CONSAGRADO NO DENOMINADO "DISQUE-DENUNCIA" PARA PROVAR, HA' "REITERATIO", SENDO INDISPENSAVEL A PROVA PREVIA ATRAVES DE INVESTIGACAO FEITA PELA AUTORIDADE POLICIAL. 5.RECURSO.IMPROVIDO (TJ/RJ, 3ª Câmara Criminal, Apelação Criminal nº4650/2002, Relator: Álvaro Mayrinck da Costa, j. 01/07/2003).

 

Para Cleber Masson (2011, p. 79) a diferença entre prostituição e exploração sexual se faz da seguinte forma: Prostituição é o comércio sexual exercido com habitualidade. A reiteração do comércio sexual é imprescindível, ou seja, trata-se de atividade necessariamente habitual.

A prostituição consiste na realização de ato sexual mediante paga, em caráter habitual; enquanto que a exploração sexual equivale a tirar proveito de ato sexual de outrem (NUCCI). Alguns defendiam a revogação desse tipo, pois os costumes da sociedade evoluíram. Entretanto, a mudança do texto foi de grande êxito ao salientar a ocorrência de exploração sexual. O texto anterior tipificava como crime a conduta de "manter, por conta própria ou de terceiro, casa de prostituição ou lugar destinado a encontros para fins libidinosos", o que dava ensejo a incluir os motéis no rol de lugares considerados casa de prostituição. A nova redação do art. 229 impossibilita esse tipo de interpretação, mas não definiu exatamente o que seja essa exploração sexual. Grande parte da doutrina a classifica como sendo um gênero abrangente das seguintes espécies: prostituição, turismo sexual, tráfico de pessoas e pornografia. O que se deve ter em mente é a existência de dois conceitos distintos, não devendo ser confundidos na análise desse dispositivo oriundo da Lei 12.015/2009.

 

  1. A PROSTITUIÇÃO INFANTIL E O ART. 229 DO CÓDIGO PENAL

 

Segundo o site do Fundo das Nações Unidas para a Infância – UNICEF (2014), a cada hora, 228 meninos – e principalmente meninas – são explorados sexualmente em países da América Latina e do Caribe. Só no Brasil foram registrados, em média, cinco casos por dia entre 2003 e 2008, de acordo com levantamento feito a partir dos dados do Disque 100, um serviço do governo federal que é referência nessa área. Cada criança explorada representa a última etapa de uma série anterior de violações dos seus direitos, que não foram respeitados. A violência, a negligência e o abuso conduzem à exploração sexual de crianças e adolescentes.

Conforme o site da Organização Internacional do Trabalho (2014), citando a Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios – PNAD, de 2001, mostra que mais de cinco milhões de meninos e meninas de 05 a 17 anos trabalham, dos quais 45% estão abaixo de 14 anos. Muitos desses meninos e meninas trabalham nas piores formas de trabalho infantil, incluindo ocupações perigosas e atividades ilegais como o tráfico de drogas e exploração sexual comercial. As vítimas são em geral negras ou pardas, de baixa classe social e nível educacional e vêm das áreas periféricas urbanas. Estudos sobre o tráfico humano de crianças e adolescentes mostram que meninas entre 16 e 17 anos são as mais traficadas.

Para a Promotora de Justiça do Ministério Público do Rio Grande do Sul, Denise Casanova Villela, no site do MPRS, a exploração sexual infanto-juvenil vigorou por décadas sob o manto da ignorância, diante do fingimento de sua inexistência. Isso, por si só, já explica a gravidade deste crime, infelizmente, tão em evidência no Brasil.  A forma mais conhecida de exploração sexual é aquela que utiliza a criança ou adolescente para fins comerciais, incorretamente chamada de “prostituição infanto-juvenil”. O tema, na verdade, diante da atual realidade, onde aumentam vertiginosamente as comunicações aos órgãos competente de exploração sexual infanto-juvenil, transcende a questão semântica, se fazendo necessário que sejam tomadas medidas mais efetivas.

Na contramão de todo o contexto mundial, posição contrária à exploração sexual, aquele que mantém local destinado à prostituição infantil não incorre no crime do art. 229 do CP, pois essa conduta se subsumirá ao crime de favorecimento à exploração sexual de vulnerável (CP, art. 218-B), uma vez que a manutenção de lugar voltado à realização de sexo com menores de 18 anos enquadra-se neste dispositivo, inclusive por força da equiparação contida no § 2º, II (incorre nas penas do crime “o proprietário, o gerente ou o responsável pelo local em que se verifiquem as práticas referidas no caput deste artigo”, isto é, a prostituição ou exploração de menor de 18 anos. Em se tratando de local em que se dê a exploração de menores9 de 14 anos, aperfeiçoa-se o crime hediondo definido no art. 217-A (estupro de vulnerável).

 

2.        Os princípios constitucionais e os do direito penal

 

Para elaborar leis são necessárias muitas técnicas do direito como também devem ser observados os limites do poder do Estado ao impor normas, principalmente as do Direito Penal, pois tratam da liberdade do indivíduo. Para isso existem os princípios orientadores que não devem ser prescindidos. Por isso, este trabalho apresenta alguns desses limites a partir de agora.

  1.   PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

 

O Estado deve impor limites ao cidadão para que não se exceda em seus atos, porém o Estado também está limitado quando democrático de direito, não podendo ultrapassar certos pressupostos. Ele precisa deter excessos, buscando adequar a conduta humana por meios de regras e punições àqueles descumpridores dos preceitos normativos, mas deve obedecer aos princípios constitucionais e aos do próprio direito penal.

Princípios fundamentais são diretrizes imprescindíveis à configuração do Estado, determinam-lhe o modo e a forma de ser. Refletem os valores abrigados pelo ordenamento jurídico, espelhando a ideologia do constituinte, os postulados básicos e os fins da sociedade. [...] São qualificados de fundamentais, porquanto constituem o alicerce, a base, o suporte, a pedra de toque do suntuoso edifício constitucional (BULOS, 2010, p.  496).

É da dignidade da pessoa humana que nascem os princípios orientadores e limitadores do Direito Penal (CAPEZ, 2004, p. 14), por isso este trabalho começa por ele.

 

  1. Princípio da Dignidade da Pessoa Humana

A Carta Magna de 1988 expôs a dignidade da pessoa humana como fundamento de toda legislação brasileira em seu artigo 1º, inciso III, vide abaixo:

 

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

(...) Omissis;

III - a dignidade da pessoa humana.

O fundamento constitucional foi a Lei Fundamental da República Federal da Alemanha que foi a primeira a erigir a dignidade da pessoa humana em direito fundamental expressamente estabelecido no seu art. 1º, n. 1, declarando: “A dignidade humana é inviolável. Respeitá-la e protegê-la é obrigação de todos os Poderes estatais”. Fundamentou a positivação constitucional desse princípio, de base filosófica, o fato de o Estado Nazista ter vulnerado gravemente a dignidade da pessoa humana mediante a prática de horrorosos crimes políticos sob a invocação de razões de Estado e outras razões. Os mesmos motivos históricos justificaram a declaração do art. 1º da Constituição Portuguesa, segundo o qual: “Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária”; e também a Constituição Espanhola, cujo art. 10, n. 1, estatui: “A dignidade da pessoa, os direitos invioláveis que lhe são inerentes, o livre desenvolvimento da personalidade, o respeito à lei e aos direitos dos demais são fundamentos da ordem política e da paz social”. E assim, também, a tortura e toda sorte de desrespeito à pessoa humana praticado sob o regime militar levaram o constituinte brasileiro a incluir a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, conforme o disposto no inciso III do art. 1º da CF de 1988 (SILVA, 2006, p. 37).

Para Dalmo de Abreu Dallari (2002, p. 8), constitui a dignidade um valor universal, não obstante as diversidades sócio-culturais dos povos. A despeito de todas as suas diferenças físicas, intelectuais, psicológicas, as pessoas são detentoras de igual dignidade. Embora diferentes em sua individualidade, apresentam, pela sua humana condição, as mesmas necessidades e faculdades vitais.

José Afonso da Silva (2006, p. 37) considera que a norma compreende dois conceitos fundamentais: a pessoa humana e a dignidade, citando a seguinte filosofia Kantiana:

 

O homem, como ser racional, existe como fim em si, e não simplesmente como meio, enquanto os seres desprovidos de razão têm um valor relativo e condicionado, o de meios, eis por que se lhes chamam coisas; ao contrário, os seres racionais são chamados de pessoas, porque sua natureza já os designa como fim em si, ou seja, como algo que não pode ser empregado simplesmente como meio e que, por conseguinte, limita na mesma proporção o nosso arbítrio, por ser um objeto de respeito.

 

Conforme Roger Rios (2001, p. 89), o princípio jurídico da proteção da dignidade da pessoa humana tem como núcleo essencial a ideia de que a pessoa humana é um fim em si mesma, não podendo ser instrumentalizada ou descartada em função das características que lhe conferem individualidade e imprimem sua dinâmica pessoal. O ser humano, em virtude de sua dignidade, não pode ser visto como meio para a realização de outros fins.

José Afonso Silva (2006, p. 37) entende que só o ser humano é pessoa, ou seja, que todo ser humano, sem distinção, é pessoa, um ser espiritual, o qual é, ao mesmo tempo, fonte e imputação de todos os valores, consciência e vivência de si próprio. Todo ser humano se reproduz no outro como seu correspondente e reflexo de sua espiritualidade, razão por que desconsiderar uma pessoa significa, em última análise, desconsiderar a si próprio. Por isso é que a pessoa é um centro de imputação jurídica, porque o Direito existe em função dela e para propiciar seu desenvolvimento.

A dignidade, para José Afonso Silva (2006, p. 38) é atributo intrínseco, da essência, da pessoa humana, único ser que compreende um valor interno, superior a qualquer preço, que não admite substituição equivalente. Assim, a dignidade entranha e se confunde com a própria natureza do ser humano. E, com relação a proteção constitucional da dignidade humana, a dignidade da pessoa humana não é uma criação constitucional, pois ela é um desses conceitos a princípio, um dado preexistente a toda experiência especulativa, tal como a própria pessoa humana. A Constituição, reconhecendo sua existência e sua eminência, transformou-a no valor supremo da ordem jurídica, quando a declara como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil constituída em Estado Democrático de Direito. Por ser fundamento, não é apenas um princípio da ordem jurídica, mas o é da ordem política, social, econômica e social, estando na base de toda vida nacional.

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Plácido e Silva consigna que “dignidade é a palavra derivada do latim dignitas (virtude, honra, consideração), em regra se entende a qualidade moral, que, possuída por uma pessoa serve de base ao próprio respeito em que é tida: compreende-se também como o próprio procedimento da pessoa pelo qual se faz merecedor do conceito público; em sentido jurídico, também se estende como a dignidade a distinção ou a honraria conferida a uma pessoa, consistente em cargo ou título de alta graduação; no Direito Canônico, indica-se o benefício ou prerrogativa de um cargo eclesiástico.

 

  1. Princípio da legalidade

 

Segundo Uadi Lammêgos Bulos (2010, p. 545-546), como viga-mestra do ordenamento jurídico brasileiro, o princípio da legalidade dirige-se aos Poderes Públicos e, também, aos particulares: quanto aos poderes públicos – o Executivo, o Legislativo e o Judiciário devem agir dentro da lei; qualquer ação por parte deles, seja para ordenar ato, seja para abster fato, somente será juridicamente válida se nascer da lei em sentido formal; e quanto aos particulares, nas relações privadas, tudo aquilo que não for proibido pela lei é tido como permitido.

Mesmo esse princípio dando a idéia de que apenas o Poder Legislativo pode criar leis inovadoras na ordem jurídica, ele não é absoluto, pois as medidas provisórias, as quais são ligadas ao Executivo, são editadas pelo Presidente da República.

O princípio da legalidade não se separa do princípio da reserva legal por não deixarem de ser sinônimos, mas existem diferenças entre ambos, uma vez que o princípio da legalidade tem um elo que subordina as pessoas como também os órgãos e entidades às leis. Já o princípio da reserva legal limita que alguns assuntos das constitucionais deverão ser tratados somente por lei no seu sentido formal.

O princípio da legalidade mantém estreito vínculo com a outorga constitucional do poder regulamentar, o qual é faculdade atribuída aos Chefes do Executivo para explicar a lei, tornando-a correta quando da sua execução. Esse poder é um poder administrativo limitado e circunscrito ao exercício de sua função normativa, subordinando-se aos limites da competência executiva. Não pode criar, modificar ou extinguir direitos e obrigações, não detendo o condão de adiar a execução da lei nem de suspendê-la. Sujeita-se ao império da legalidade, pois as leis são superiores ao poder de regulamentar (BULOS, 2010, p. 547).

De acordo com Alexandre de Moraes (2012, P. 95-96), o princípio da legalidade, em conformidade com os arts. 5º, inc. II, e 37, caput, da CRFB, consiste na subordinação ou sujeição das pessoas, órgãos e entidades aos preceitos emanados do Poder Legislativo. Por outro lado, o conteúdo do princípio da legalidade, no regime jurídico de Direito Privado, é influenciado pela doutrina do comprometimento negativo, isto é, a legalidade decorre da inexistência de proibição em regra jurídica, de forma que os administrados podem fazer tudo aquilo que não é proibido, posto que a relação entre regra jurídica e administrados não é de contradição. Por outro lado, o conteúdo pela doutrina do comprometimento positivo, ou seja, a legalidade de flui da existência da permissão em regra jurídica, de modo que a administração pode fazer tudo que é permitido, vez que a relação entre regra jurídica e administração também é de subsunção. Nessa ordem de idéias, há a distinção entre o princípio da reserva legal e o princípio da preferência legal, porquanto naquele só a lei pode criar direitos e obrigações, enquanto que neste o ato não pode dispor de modo diverso ou mais amplo que a lei.

 

  1. PRINCÍPIOS DO DIREITO PENAL

 

Nas palavras de Luiz Regis Prado (2012, 156): “Os princípios penais constituem o núcleo essencial da matéria penal, alicerçando o edifício conceitual do delito – suas categorias teóricas -, limitando o poder punitivo do Estado, salvaguardando as liberdades e os direitos fundamentais do indivíduo, orientando a política legislativa criminal”.

O primeiro a ser apresentado é o da intervenção mínima, um dos principais fundamentos deste artigo.

 

  1. Princípio da Intervenção Mínima

Para os estudiosos do Direito Penal, o princípio da Intervenção Mínima não é um simples postulado de beleza do sistema, de proteção dos bens jurídicos mais graves. Os outros ramos do Direito não se revelam desmerecedores de importância. Sim, eles têm importância, mas é que o Direito Penal deve interferir o menos possível na vida em sociedade.

Segundo a lição de Cezar Roberto Bittencourt (2014, p. 53) o princípio da intervenção mínima, também conhecido como ultima ratio, orienta e limita o poder incriminador do Estado, preconizando que a criminalização de uma conduta só se legitima se constituir meio necessário para a proteção de determinado bem jurídico. Se outras sanções ou outros meios de controle social revelarem-se suficientes para a tutela desse bem, a sua criminalização será inadequada e desnecessária. Se para o restabelecimento da ordem jurídica violada forem suficientes medidas civis ou administrativas, são estas que devem ser empregadas, e não as penais.

Por isso, o Direito Penal deve ser a ultima ratio, isto é, deve atuar somente quando os demais ramos do direito revelaram-se incapazes de dar a tutela devida a bens relevantes na vida do indivíduo e da própria sociedade”. (GRECO, 2009, pág. 51).

A intervenção do Estado na esfera de direitos do cidadão deve ser sempre mínima possível para permitir seu livre desenvolvimento, seu livre arbítrio. É a partir desse princípio que decorrem outros princípios, como o da subsidiariedade, o da exclusiva proteção de bens jurídicos com dignidade penal, o da fragmentariedade, o da insignificância  e o da adequação da intervenção penal (JUNQUEIRA, 2013, 34).

Refletir sobre a aplicação do princípio da Intervenção Mínima no Direito Penal atrelado a um autoritarismo velado por uma moralidade é o que se pretende. Existe um sentimento de que haveria uma prevenção geral, em favor da igualdade de tratamento, em que todos seriam protegidos pelas formas de violência que se manifesta contra toda a sociedade. Mas o fato é que isto está levando à cominação de penas cada vez mais severas, teoricamente mais intimidativas, como querem os partidários do "Movimento de Lei e Ordem", criando um Direito Penal do terror. Leis que são promulgadas e depois têm sua constitucionalidade discutida, bem como revogadas suas normas por pura incoerência do legislador. Lembremos a Lei de tóxicos, apenas para dar um exemplo.

Um Direito Penal, na sua atuação de Intervenção Mínima também é essencial nessa busca, e não pode ceder às manifestações de penalização de condutas que tentam manipular falsas informações de que a criminalidade se aplaca com novas leis e duras penas. Mais do que isso, tornam frágeis a segurança jurídica, e os princípios mais comezinhos de proteção ao indivíduo contra o Direito Penal do Terror, como a dignidade da pessoa humana, a humanização e a individualização das penas. Não é por certo, que estaremos garantindo os direitos das minorias, apenas penalizando as condutas, mas afirmando valores de respeito e de igualdade, por si mesmos. Já se disse que o Direito seria desnecessário se os homens cumprissem o evangelho. Talvez, por isso mesmo em que há tantas interpretações culturais sobre o que há de moral no viver, que se criaram códigos.

Os Tribunais Superiores tem entendido tal princípio da seguinte forma:

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. MINISTÉRIO PÚBLICO MILITAR. DENÚNCIA REJEITADA. PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA. ATIPICIDADE. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. O Direito Penal é regido pelo Princípio da Intervenção Mínima. Esse ramo da ciência jurídica visa tutelar os bens jurídicos mais relevantes e necessários ao convívio em sociedade. Nesse contexto, todos os demais bens seriam tutelados e regulados pelos outros ramos do direito.Tendo sido comprovada a atipicidade da conduta descrita no art. 160 do CPM, não há justa causa para o início da persecução criminal, decorrente do que se torna imperiosa a rejeição da inicial Acusatória. Recurso em Sentido Estrito a que se nega provimento. Unanimidade. (STM - RSE: 813420117110011 DF 0000081-34.2011.7.11.0011, Relator: Cleonilson Nicácio Silva, Data de Julgamento: 22/10/2012, Data de Publicação: 08/11/2012 Vol: Veículo: DJE)

 

Portanto, o princípio da intervenção mínima deve ser entendido como a aplicação do Direito Penal em ultima ratio, ou seja, é instrumento subsidiário quando houver extrema necessidade de aplicação.

 

  1. Princípio da Reserva Legal e da Anterioridade Penal

Alguns doutrinadores apontam a Magna Carta do Rei João Sem Terra, em 1.215, na Inglaterra – outros dizem que suas raízes encontram-se no direito ibérico, nas Cortes de Leão, em 1.186, no reinado de Afonso IX, como aqueles que originaram o princípio da reserva legal.

Segundo César Roberto Bittencourt (2014, pp. 50-51), a gravidade dos meios que o Estado emprega na repressão do delito, a drástica intervenção nos direitos mais elementares e, por isso mesmo, fundamentais da pessoa, o caráter de ultima ratio que esta intervenção deve ter, impõem necessariamente a busca de um princípio que controle o poder punitivo estatal e que define sua aplicação em limites que excluam toda arbitrariedade e excesso do poder punitivo.

Ainda segundo o autor, o princípio da legalidade constitui uma efetiva limitação ao poder punitivo estatal. Embora seja hoje um princípio fundamental do Direito Penal, seu reconhecimento percorreu um longo processo, com avanços e recuos, não passando, muitas vezes, de simples “fachada formal” de determinados Estados. Feuerbach, no início do século XIX, consagrou o princípio da legalidade através da fórmula latina nullum crimen, nulla poena sine lege. O princípio da legalidade é um imperativo que não admite desvios nem exceções e representa uma conquista da consciência jurídica que obedece a exigências de justiça, que somente os regimes totalitários o têm negado.

Continua o autor, em termos bem esquemáticos, pode-se dizer que, pelo princípio da legalidade, a elaboração de normas incriminadoras é função exclusiva da lei, isto é, nenhum fato pode ser considerado crime e nenhuma pena criminal pode ser aplicada sem que antes da ocorrência desse fato exista uma lei definindo-o como crime e cominando-lhe a sanção correspondente. A lei deve definir com precisão e de forma cristalina a conduta proibida. Assim, seguindo a orientação moderna, a Constituição Brasileira de 1988, ao proteger-se os direitos e garantias fundamentais, em seu art. 5º, inc. XXXIX, determina que “não haverá crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”.

Para ele, quanto ao princípio de reserva legal, este significa que a regulação de determinadas matérias deve ser feita, necessariamente, por meio de lei formal, de acordo com as previsões constitucionais a respeito. Nesse sentido, o art. 22, I, da Constituição Brasileira estabelece que compete privativamente à União legislar sobre Direito Penal.

Ainda o autor, a adoção expressa desses princípios significa que o nosso ordenamento jurídico cumpre com a exigência de segurança jurídica postulada pelos iluministas. Além disso, para aquelas sociedades que, a exemplo da brasileira, estão organizadas por meio de um sistema político democrático, o princípio da legalidade e de reserva legal representam a garantia política de que nenhuma pessoa poderá ser submetida ao poder punitivo estatal, se não com base em leis formais que sejam fruto do consenso democrático.

O princípio da legalidade penal não pode dissociar-se da idéia de anterioridade penal por implicar repúdio à aplicação retroativa de lei menos benévola (CF, art. 5º, XL). Conforme Gilmar Ferreira Mendes (2014, p. 497), para os fins de aplicação da norma constitucional, afigura-se fundamental a definição do momento do crime. Tal tema carece de definição dogmática. O Código Penal Brasileiro estabelece no art. 4º que o crime se considera praticado no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado. Depreende-se, pois, que, para determinação do momento da prática do ato, decisiva é a conduta e não o resultado.

Quanto ao aspecto formal ou das fontes, a reserva legal de que se cuida há de resultar de lei aprovada pelo Congresso Nacional. Compete privativamente à União legislar sobre matéria penal (art. 22, I, da CF/88).

O entendimento de Gustavo Gonet Branco e Gilmar Mendes (2010, p. 497) é de que a exigência de representação em determinado crime, o caráter público da ação ou a fixação de prazo de prescrição podem dar ensejo a considerações diversas. A propósito, observe-se que, no Direito Brasileiro tem-se que as normas sobre prescrição são consideradas de caráter material e, por isso, submetidas ao regime do art. 5º, inciso XXXIX, da Constituição.

Ainda Gilmar Gustavo Gonet Branco e Gilmar Mendes (2010, p. 498), tem-se a abolitio criminis quando a lei nova exclui do âmbito penal fato considerado crime pela lei anterior, extinguindo-se a punibilidade com todos os seus consectários.

Conforme Paulo Gustavo Gonet Branco e Gilmar Mendes (2014, p. 502) o Código Penal Brasileiro estabelece ainda uma exceção ao regime de sucessão de leis penais, consagrando que a lei excepcional ou temporária, embora decorrido o período de sua duração ou cessadas as circunstâncias que a determinaram, aplica-se ao fato praticado durante sua vigência.

 

  1. Princípios da subsidiariedade, fragmentariedade e da insignificância

No princípio da subsidiariedade, o direito penal é um remédio subsidiário, ou seja, deve ser reservado apenas para aquelas situações em que outras medidas estatais ou sociais (sanção oral, administrativa, civil, etc.) não forem suficientes para provocar a diminuição da violência gerada por determinado fato. Se possível evitar a violência da conduta com atuações menos gravosas que a sanção penal, a criminalização da conduta se torna ilegítima por desproporcional (JUNQUEIRA, 2013, p. 34).

 

A jurisprudência tem entendido por este princípio:

 

EMENTA: PENAL - DESCUMPRIMENTO DE ORDEM JUDICIAL - MEDIDA PROTETIVA - VIOLÊNCA DOMÉSTICA ATIPICIDADE - SENTENÇA ABSOLUTÓRIA - RECURSO MINISTERIAL - PRINCIPIO DA SUBSIDIARIEDADE DO DIREITO PENAL - RECURSO DESPROVIDO O ponto nodal deste apelo está na aferição se o descumprimento de medida protetiva deferida no âmbito da Lei Maria da Penha é conduta típica para configurar o delito previsto no artigo 359 do Código Penal. Não desconheço a divergência existente nos Tribunais acerca do tema. No entanto, entendo que diante do Princípio da Subsidiariedade ou da ultima ratio do Direito Penal, a conduta de descumprir medida protetiva é atípica para configurar o delito em tela. O princípio da subsidiariedade se traduz no fato de que a norma penal exerce uma função meramente suplementar da proteção jurídica em geral, só se mostrando válida a imposição de suas sanções quando os demais ramos do direito não se mostram eficazes na defesa dos bens jurídicos. O reconhecimento da caracterização da figura típica do delito em comento tem como pressuposto a inexistência de consequência legal para o não atendimento da medida protetiva, ou quando a possibilidade de punição pelo crime decorra de expressa determinação legal. Na hipótese vertente, a Lei Maria da Penha estabelece várias sanções específicas no caso de descumprimento das medidas protetivas, o que afasta, por si só, a configuração do delito em tela. (TJ-RJ - APL: 02311055220138190001 RJ 0231105-52.2013.8.19.0001, Relator: DES. MARCUS HENRIQUE PINTO BASILIO, Data de Julgamento: 06/10/2014, PRIMEIRA CAMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 16/10/2014 12:35)

 

O princípio da insignificância, de acordo com César Roberto Bittencourt (2014, p. 60) foi cunhado pela primeira vez por Claus Roxin em 1964.

O tipo penal exige que haja uma relevante ofensa aos bens jurídicos protegidos, devendo suficiente para ser tutelado pelo Estado, para um injusto típico. É também chamado princípio da bagatela. Deve existir uma proporcionalidade efetiva entre a gravidade da conduta que se pretende punir e a punição vinda do Estado. Quanto mais grave a conduta, maior a pena. Quando um bem jurídico não foi lesado, não será necessário punir, pois há alguns tipos que guardam condutas que nem chegam a lesar o bem jurídico, podendo o ilícito penal ser afastado pelo princípio da insignificância.

 

No princípio da fragmentariedade, nem toda lesão a bem jurídico com dignidade penal carece de intervenção penal, pois, determinadas condutas lesam de forma tão pequena, tão ínfima, que a intervenção penal, extremamente grave, seria desproporcional, desnecessária. Apenas a grave lesão a bem jurídico com dignidade penal merece tutela penal. (JUNQUEIRA, 2013, p. 35).

Este princípio está ligado com a fragmentariedade. Orienta a irrelevância penal das infrações à pura letra da lei penal que não relevem significativa lesão ou risco de lesão aos bens jurídicos tutelados. Assim, ainda que formalmente haja infração penal, materialmente não haverá crime, pois a insignificância da lesão afasta a intervenção penal (JUNQUEIRA, 2013, p. 35).

Segundo Junqueira, recentemente, os Tribunais Superiores fixaram requisitos para o reconhecimento da insignificância, quais sejam: 1) a mínima ofensividade da conduta, 2) a ausência de periculosidade social da ação, 3) o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e 4) a inexpressividade da lesão jurídica. Possível perceber que os requisitos não levam em conta características pessoais do autor. Havendo entendimento não pacificado nos Tribunais Superiores no sentido de que deve ser levada em conta a primariedade do acusado para o reconhecimento da insignificância, porém o autor discorda.

Pela fragmentariedade, o Direito Penal, para intervir, exige relevante intolerável lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico tutelado. Percebe-se, destarte, que o princípio da insignificância é corolário da característica fragmentária do princípio da intervenção mínima. O princípio da intervenção mínima tem um papel fundamental em um Estado Democrático de Direito, pois evita que os autores dos denominados “crimes de bagatela” sejam enviados aos presídios tão somente porque sua conduta estava descrita em um tipo penal. A intervenção do Direito Penal só deve atuar quando as barreiras predispostas nos demais ramos do Direito forem ineficazes. A intervenção repressiva do Estado só deve atuar quando último recurso para a proteção do bem jurídico tutelado. Se existir um recurso mais brando em condições de resolver o conflito, torna-se abusivo e desnecessário aplicar outro mais traumático. Portanto, a observância do potencial lesivo da conduta para a aplicação da pena deve ser vista com respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana.

 

  1. Princípio da responsabilidade pessoal e responsabilidade patrimonial do agente e dos sucessores

O princípio da responsabilidade pessoal do agente é uma conquista do direito penal liberal a partir do Iluminismo e está previsto, expressamente, na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789. Também a Declaração dos Direitos Humanos , de 1948, consagrou expressamente essa idéia (MENDES, 2014, p. 505).

Segundo Paulo Gustavo Gonet Branco e Gilmar Mendes (2014, p. 506), a Constituição conferiu tratamento amplo e diferenciado às questões associadas à pena e à execução penal. O inciso XLV do art. 5º estabelece o caráter pessoal da pena, prevendo que a lei poderá dispor sobre a obrigação de reparar e sobre a decretação de perdimento de bens. Nesse caso, a decisão afeta os sucessores até o limite do patrimônio transferido.  O autor lembrando o entendimento do STF sobre o tema, julgou:

 

(...) o Supremo Tribunal Federal já teve oportunidade de assentar, por exemplo, que vulnera o princípio da incontagiabilidade da pena a decisão que permite ao condenado fazer-se substituir, por terceiro absolutamente estranho ao ilícito penal, na prestação de serviço à comunidade.

 

O mesmo há de se afirmar em relação à pena de multa, uma vez que esta não tem caráter reparatório do dano e há de ser, por isso, satisfeita pelo condenado (CERNICCHIARO e COSTA JÚNIOR, 1991, p. 100).

 

  1. Princípio da presunção de não culpabilidade

A Constituição estabelece, no art. 5º, LVII, que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, consagrando, de forma explícita, no direito positivo constitucional, o princípio da não culpabilidade (MENDES, 2014, p. 534).

Em julgado de 17 de novembro de 1976, houve por bem o Supremo Tribunal Federal reformar decisão proferida pelo Superior Tribunal Eleitoral, na qual se afirmava a inconstitucionalidade de norma que estabelecia a inelegibilidade dos cidadãos que estivessem respondendo a processo-crime. A lei federal estabelecia que cidadãos denunciados pela prática de crime não eram elegíveis. O Tribunal Superior Eleitoral reconheceu a inconstitucionalidade dessa disposição, por incompatível com o princípio da presunção de inocência. Esse princípio, enquanto postulado universal de direito, referido na Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 10 de dezembro de 1948, teria sido incorporado à ordem constitucional brasileira, por meio da cláusula constante do art. 153, § 36, da Constituição de 1967 e 69 (MENDES, 2014, p. 534). O julgado no seguinte teor:

 

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. CONCURSO PÚBLICO. INVESTIGAÇÃO SOCIAL. EXCLUSÃO DE CANDIDATO. ATO ILEGAL RECONHECIDO. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES NÃO CONFIGURADA. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE NÃO CULPABILIDADE. INEXISTÊNCIA. PRECEDENTES. O acórdão do Tribunal de origem alinha-se à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de que não ofende o princípio da separação dos Poderes a decisão judicial que reconhece a ilegalidade de ato administrativo. Precedente. O Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento de que viola o princípio constitucional da não culpabilidade (art. 5º, LVII) a exclusão de candidato de certame que responde a inquérito policial. Nesse contexto, conclui-se igualmente ofensiva à Constituição a exclusão de candidato que tenha contra si a existência de termo circunstanciado, cujo crime já está com a punibilidade extinta, e a inscrição de seu nome em cadastro de restrição ao crédito. Precedentes. Agravo regimental a que se nega provimento. (STF - ARE: 700066 DF , Relator: Min. ROBERTO BARROSO, Data de Julgamento: 24/06/2014, Primeira Turma, Data de Publicação: DJe-162 DIVULG 21-08-2014 PUBLIC 22-08-2014)

 

O Supremo Tribunal Federal não aderiu a esse entendimento e, por maioria de votos, reformou a decisão, sem negar, no entanto, que o princípio da presunção da inocência poderia encontrar aplicação na ordem jurídica brasileira. Seria legítimo, todavia, o estabelecimento de restrições legais ao direito do cidadão, ainda que na ausência de decisão judicial definitiva sobre a sua culpabilidade.

Discute-se se no âmbito de proteção do princípio da não culpabilidade estaria eventual proibição contra a prisão preventiva ou cautelar ou se contrariaria tal postulado a valoração dos antecedentes criminais antes do trânsito em julgado. O próprio Supremo Tribunal Federal assentou que o princípio constitucional da não culpabilidade impede que se lance o nome do réu no rol dos culpados antes do trânsito em julgado da decisão condenatória (MENDES, 2014, p.537).

O Supremo Tribunal entendeu, inicialmente, que o princípio da presunção da não culpabilidade não impedia a prisão do réu após sentença condenatória. Afirmava-se, por decisão majoritária, que a jurisprudência assente do Tribunal era no sentido de que a presunção constitucional de não culpabilidade, que o leva a vedar o lançamento do nome do réu no rol dos culpados, não inibe, porém, a execução penal provisória da sentença condenatória sujeita a recursos despidos de efeito suspensivo, quais o especial e o extraordinário (MENDES, 2014, 537).

De acordo com Gustavo Junqueira (2013, p. 33):

 A legalidade formal, a qual corresponde à simples correspondência  aparente entre o tipo penal e o fato não era mais suficiente para resolver problemas diários, nos quais a intervenção penal se fazia claramente desnecessária. Assim, além da subsunção formal, também é requisito par a intervenção penal a real lesividade social da conduta, ou seja, é necessário que não se trate apenas de um comportamento ou conduta interna, mas sim conduta exteriorizada capaz de lesar ou expor terceiros a risco, o que se convencionou chamar alteridade penal ou transcendentalidade. O sujeito não pode ser punido por autolesão, nem pelo que é, afastando-se o direito penal do autor, mas apenas pelo que fez, favorecendo o direito penal de fato. Enfim, é necessária a adequação da conduta a um conceito material de crime (p. 33).

 

O princípio da presunção de não culpabilidade é muito importante para que não haja injstiça quanto à liberdade do indivíduo em sociedade.

 

  1. Princípio da adequação social

Para Gustavo Junqueira (2013, p. 36), a idéia de que a conduta adequada socialmente não merece tutela penal é óbvia, mas a doutrina tem buscado resolver o problema de diversas maneiras. Ele afirma que apenas aparentemente o tipo descreve condutas socialmente adequadas. Na verdade, quando buscamos seu sentido, conclui-se que jamais poderia trazer como merecedora de tutela penal conduta aceita ou até mesmo fomentada pela sociedade, como o caso da cirurgia plástica da alteração de sexo, da perfuração para colocação de brincos em crianças ou da criação de riscos permitidos.

Para César Roberto Bittencourt (2014, p. 57) cita escreve que segundo Welzel, o Direito Penal tipifica condutas que tenham uma certa relevância social; caso contrário, não poderiam ser delitos. Deduz-se, consequentemente, que há condutas que por sua “adequação social” não podem ser consideradas socialmente criminosas. Em outros termos, segundo esta teoria, as condutas que se consideram “socialmente adequadas” não se revestem de tipicidade e, por isso, não podem constituir delitos.

Para o autor o tipo penal implica uma seleção de comportamentos e, ao mesmo, tempo uma valoração como também para ele certos tipos carecem de relevância por serem correntes no meio social, pois muitas vezes há um descompasso entre normas incriminadoras e o que é permitido ou tolerado (BITTENCOURT, 2013, p. 57).  Ele conclui dizendo que:

 

(...) o comportamento que se amolda a determinada descrição típica formal, porém materialmente irrelevante, adequando-se ao socialmente permitido ou tolerado, não realiza materialmente a descrição típica. Mas se pode falar de exclusão da tipicidade de uma ação por razão de adequação social se faltar o conteúdo típico do injusto.

 

Para César Roberto Bittencourt (2014, p. 60), a consideração de uma conduta como adequada para a produção de um resultado não é, realmente, suficiente para decidir sobre a relevância típica do comportamento, pois toda conduta pode ser perigosa em algum sentido e pode, em abstrato, ser apta a produzir algum resultado típico. Esse obstáculo não constitui, sem embargo, um motivo para completo abandono da orientação da adequação social, pois, ele é de utilidade como primeiro filtro de restrição dos riscos juridicamente relevantes.

 

  1. Princípio da ofensividade

 

Intitulado pelo brocardo latino nulla necessitas sine injuria – não há necessidade sem ofensa –  este princípio é também conhecido como Princípio da Lesividade e objetiva proibir que todas as condutas que de algum modo represente ofensa ao bem jurídico sejam criminalizadas.  É um princípio limitador do jus puniende estatal, criando balizas para o legislador e também para o aplicador do direito que devem nortear a aplicação do direito penal naquelas condutas que coloquem em risco ou em perigo de lesão as ações consideradas graves ao bem jurídico tutelado pelo ordenamento jurídico (ARAÚJO, 2012).

Para César Roberto Bittencourt (2014, p. 61), é preciso que haja pelo menos perigo concreto, real e efetivo de dano ao bem material jurídico penalmente protegido para tipificação de um crime em sentido material, ou seja, sem um efetivo e concreto ataque a um interesse socialmente relevante não se justifica a intervenção estatal para punir penalmente.

Para Fernando Capez (2010, p. 41), não há crime quando a conduta não tiver oferecido ao menos um perigo concreto, real, efetivo e comprovado de lesão ao bem jurídico. A punição de uma agressão em sua fase ainda embrionária, embora aparentemente útil do ponto de vista da defesa social, representa ameaça à proteção do indivíduo contra uma atuação demasiadamente intervencionista do Estado.

O entendimento do Supremo Tribunal Federal é:

Ementa: Penal. Habeas corpus. Furto qualificado mediante o concurso de duas ou mais pessoas (CP, art. 155, § 4º, inciso IV). Bens avaliados em R$ 91,74. Princípio da insignificância. Inaplicabilidade, não obstante o ínfimo valor da res furtiva: Réu reincidente e com extensa ficha criminal constando delitos contra o patrimônio. Liminar indeferida. 1. O furto famélico subsiste com o princípio da insignificância, posto não integrarem binômio inseparável. 2. É possível que o reincidente cometa o delito famélico que induz ao tratamento penal benéfico. 3. Deveras, a insignificância destacada do estado de necessidade impõe a análise de outro fatores para a sua incidência. 4. É cediço que a) O princípio da insignificância incide quando presentes, cumulativamente, as seguintes condições objetivas: (a) mínima ofensividade da conduta do agente, (b) nenhuma periculosidade social da ação, (c) grau reduzido de reprovabilidade do comportamento, e (d) inexpressividade da lesão jurídica provocada; b) a aplicação do princípio da insignificância deve, contudo, ser precedida de criteriosa análise de cada caso, a fim de evitar que sua adoção indiscriminada constitua verdadeiro incentivo à prática de pequenos delitos patrimoniais. 5. In casu, consta da sentença que “...os antecedentes criminais são péssimos, ressaltando-se que a reincidência não será no momento observada para se evitar bis in idem.Quanto à sua conduta social e personalidade, estas não lhe favorecem em razão dos inúmeros delitos contra o patrimônio cujas práticas lhe são atribuídas, o que denota a sua vocação para a delinquência. 6. Ostentando o paciente a condição de reincidente e possuindo extensa ficha criminal revelando delitos contra o patrimônio, não cabe a aplicação do princípio da insignificância. Precedentes: HC 107067, rel. Min. Cármen Lúcia, 1ªTurma, DJ de 26/5/2011; HC 96684/MS, Rel. Min. Cármen Lúcia, 1ªTurma, DJ de 23/11/2010; e HC 108.056, 1ª Turma, Rel. o Ministro Luiz Fux, j. em 14/02/2012. 5. Ordem denegada. HC 112262 / MG - MINAS GERAIS HABEAS CORPUS Relator(a):  Min. LUIZ FUX Julgamento:  10/04/2012

 

Esse é um princípio muito importante para a proteção do indivíduo, pois uma conduta para ser crime deve ser verdadeiramente ofensiva a outrem ou à sociedade, a autolesão não deve ser aí incluída sob pena de atentar contra a liberdade individual.

  1. Princípio da exclusiva proteção a bens jurídicos com dignidade penal

Para Gustavo Junqueira (2013, p. 34), o direito penal não pode proteger atos tidos como meramente imorais por parcela da comunidade, nem tentar impor determinada ideologia política ou crença religiosa, sob pena de inconstitucionalidade. Sua legitimação vem da finalidade de proteger bens jurídicos, e, se não há bem jurídico claramente colocado como objeto de proteção, é ilegítima a tipificação da conduta como relevante penal.

Para o mesmo autor, nem todo bem jurídico, nem tudo aquilo que satisfaz uma necessidade humana pode ser considerado merecedor de tutela penal. Apenas os bens jurídicos realmente vitais para a vida em sociedade, relacionados e cristalizados na Constituição, podem ser resguardados pela intervenção penal. Impossível esquecer que a liberdade de um indivíduo será violada com a imposição da sanção penal, e a liberdade, pelo seu inestimável valor, não pode ser tangenciada sem extrema necessidade, e para a proteção de outro bem jurídico (JUNQUEIRA, 2013, 34).

Destarte, ainda que próximos, não se deve confundir a ofensividade com a exclusiva proteção dos bens jurídicos. Este, relacionado às funções do Direito Penal, impede a criminalização de condutas que não lesem bens jurídicos, enquanto aquele, inserido na teoria do crime, aponta a maneia pela qual se deve compreender o delito. (SCOLANZI, 2012).

Para Vinícius Barbosa Scolanzi (2012), o  princípio da exclusiva proteção dos bens jurídicos, consectário lógico da teoria do bem jurídico e pressuposto do Direito Penal democrático, apresenta-se, ao lado dos demais princípios constitucionais penais, como limitador do ius puniendi, regendo a seleção dos bens jurídicos a serem tutelados pelo Direito Penal, ao apontar os valores mais caros à sociedade, e condicionando a atividade de criminalização às condutas que ofendam intoleravelmente aqueles bens jurídicos.

 

 

3.        ANÁLISE DA LEI N. 12.015/2009 QUE MODIFICOU O ART. 229 DO CÓDIGO PENAL

 

Aqui serão apresentados fundamentos para o desenvolvimento deste artigo, pois são decisões dos Tribunais Superiores e doutrinas inteligentes e capazes de orientar todo um viés de pensamento quanto à inconstitucionalidade do disposto no artigo em comento. É o ponto crucial para a melhor compreensão do tema proposto.

 

  1. BEM JURÍDICO TUTELADO PELO SISTEMA PENAL

O bem jurídico protegido, genericamente, como ocorre com todos os crimes constantes do Título VI da Parte Especial do CP, é a dignidade sexual do ser humano, como parte integrante da personalidade do indivíduo. A proibição constante do art. 229 tem a pretensão de proteger a moralidade sexual pública, objetivando, particularmente, evitar ou restringir o incremento e o desenvolvimento da prostituição. Trata-se, a nosso juízo, de um falso moralismo, que não é privilégio do legislador atual, o qual apenas não tem coragem de enfrentar a questão com a racionalidade que os tempos atuais exigem, separando moral, direito e religião, e de secularizar o Direito Penal. A exploração da prostituição, no entanto, é um dos comportamentos mais degradantes e moralmente censuráveis que a civilização ao longo de sua história não conseguiu eliminar. Contudo, não será criminalizando as condutas que a sociedade conviverá melhor com essa verdadeira chaga da humanidade, um mal que aflige todos os países do mundo, ricos e pobres, democráticos e totalitários, sem exceção. (BITTENCOURT, 2012, p. 397).

Fernando Capez e Stela Prado (2012, p. 624), resume a problemática ao dizer que: “com a nova rubrica do Capítulo V, mudou-se o foco da proteção jurídica. Tem-se em vista, agora, principalmente, a proteção da dignidade do indivíduo, sob o ponto de vista sexual. Secundariamente, protege-se também os bons costumes”.

Mas César Roberto Bittencourt (2012, p. 397) continua informando que aqui o legislador confunde moral com direito, e criminaliza um comportamento puramente moral, qual seja, “explorar”, no sentido de empresariar, uma atividade perfeitamente lícita, que é a prostituição, pois, a despeito de tudo, continua sendo lícita, legal, permitida: ninguém comete crime algum ao prostituir-se, isto é, ao exercer a prostituição como atividade (ou profissão), lucrativa ou não. Se a prática da prostituição fosse, em si mesma, crime, estaria justificada, isto é, politicamente legitimada a criminalização de manter estabelecimento ou casa de prostituição. Criminalizar a manutenção de casa de prostituição (ou qualquer outro nome mais pomposo que se queira dar) é, como tem repetido a doutrina especializada, condenar as prostitutas (ou os prostituídos) à degradação moral, expondo-as aos rufiões e a exercitarem-se nas ruas e nos guetos, sempre perigosos, insalubres e escandalosos. Enfim, continua-se a enfiar a cabeça na carapuça, e a vida prossegue como se tudo se resumisse a um “baile de máscaras”: no dia seguinte tudo volta à normalidade, e é vida que segue.

 

  1. JULGADOS ACERCA DO ESTABELECIMENTO EM QUE OCORRA A EXPLORAÇÃO SEXUAL

Para Fernando Capez e Stela Prado (2012, p. 624), a Lei n. 12.015/2009 acabou por ampliar a tutela jurídica dos crimes contemplados no Capítulo V, ao mencionar qualquer outra forma de exploração sexual, que não só a prostituição, em consonância, inclusive, com os documentos internacionais. Desse modo, o título do crime “Casa de Prostituição” é inadequado, por não revelar a atual amplitude do delito. O tipo penal não exige mais que o lugar seja destinado especificamente a encontros para fim libidinoso, que tenha a única finalidade favorecer o lenocínio, bastando-se a comprovação de que no local ocorra a exploração sexual. Pune-se, portanto, o proprietário de qualquer estabelecimento, destinado ou não à prostituição, em cujo interior ocorra a exploração sexual, por exemplo, indivíduo que possui um restaurante, mas que em sua edícula permite encontro de clientes com prostitutas. O mesmo ocorre com a manutenção de casas de massagem, banho, ducha, relax. Caso se comprove que no interior haja a exploração sexual, haverá o enquadramento típico. Note-se que tais locais, antes da Lei n. 12.015/2009, quando não destinados única e exclusivamente ao favorecimento da prostituição, não se enquadravam no tipo penal em estudo.

Os tribunais pátrios discutem se a infração contida no art. 229 do Código Penal se consuma quando no local há outras finalidades além do “comércio carnal”. Existe uma forte corrente no sentido de que, nesses casos, deixa de existir o crime, dado que o estabelecimento passaria a ter atividades outras além da prostituição.

Conforme André Estefam (2011, p. 205), a nova redação dada ao dispositivo legal trazida pela Lei n. 12.015-2009, deve enfraquecer essa corrente, visto que o tipo refere-se ao estabelecimento “em que ocorra exploração sexual” e não que a tenha como atividade principal.

CASA DE PROSTITUIÇÃO - MANUTENÇÃO DE QUARTOS CONTÍGUOS A ESTABELECIMENTO COMERCIAL DESTINADOS A ENCONTROS PARA FIM LIBIDINOSO - DELITO CARACTERIZADO - Se o réu confessa que mantinha quartos anexos ao seu estabelecimento comercial destinados a encontros amorosos, cobrando aluguel da clientela, caracterizado está o delito tipificado no art. 229 do Código Penal. - Recurso conhecido e improvido. (TJ-MG, Relator: MÁRCIA MILANEZ, Data de Julgamento: 25/03/2003)

 

Ainda para André Estefam (2011, p. 205-206) menciona outro fator de intensa discussão nos tribunais: “se na complacência de autoridades públicas na repressão criminal afastaria o caráter delitivo do ato”:

 

No sentido da irrelevância da indiferença estatal: “A eventual tolerância ou indiferença na repressão criminal, bem assim a pretenso desuso não se apresentam, em nosso sistema jurídico-penal como causa de atipia. O enunciado legal (arts. 229 e 230) é taxativo e não tolera incrementos jurisprudenciais. Os crimes em comento estão gerando grande comoção social, em face da repercussão, existindo uma mobilização nacional de proteção aos menores”.

 

Mas, aponta que em sentido contrário: “A jurisprudência dos tribunais é torrencial no sentido de que a exploração de casa de prostituição em zona de meretrício não configura o delito previsto no art. 229 do CP” (TJPR, RT 537/386, 504/336; RJTJSP 47/305) (ESTEFAM, 2011, p. 206).

E ainda cita: “O funcionamento de casa de prostituição às claras, em zona de meretrício e com o pleno conhecimento das autoridades locais que nenhuma restrição lhe opõe desconfigura o delito do art. 229 do CP” (TJSP, RT 523/344). E o funcionamento da casa de prostituição, às claras, em zona de meretrício, com pleno conhecimento das autoridades locais e sem nenhuma restrição não configura o delito, do art. 229 do CP” (TJMG, JM 170/336) (ESTEFAM, 2011, p. 206).

 

Acerca deste mesmo entendimento, o Superior Tribunal de Justiça, já decidiu:

Recurso especial. Penal. Apelação. Casa de prostituição. Tolerância. Atividade policial. Tipicidade (art. 229 do CP). Concurso material. Condutas delituosas com repercussão e clamor público. Garantia da ordem pública. A eventual tolerância ou indiferença na repressão criminal, bem assim o pretenso desuso não se apresentam, em nosso sistema jurídico-penal, como causa de atipia. O enunciado legal (art. 229 e art. 230) é taxativo e não tolera incrementos jurisprudenciais. Os crimes em comento estão gerando grande comoção social, em face da repercussão, existindo uma mobilização nacional de proteção dos menores. Recurso conhecido e provido (STJ, REsp 585750/RS, 5ª T., Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, j. 10-2-2004, DJ 15-3-2004, p. 295).

 

Ainda no sentido de André Estefam (2011, p. 206) faz a reflexão de que a questão deve ser tratada à luz do erro jurídico-penal. A tolerância sistematizada e institucional pode conduzir à errônea impressão de que o fato não ostenta caráter ilícito (erro de proibição). Nesse sentido, inclusive, já decidiu o Tribunal de Justiça de Santa Catarina: “sendo públicos e notórios a existência e o funcionamento tolerado pelas autoridades de inúmeros motéis, drive-in, casas de massagem, locais destinados a encontros para fins libidinosos, justifica-se o erro sobre a ilicitude do fato, de manter casa de prostituição regularmente fiscalizada pela polícia” (RT 753/687). O erro, todavia, será sempre evitável (vencível ou inescusável), haja vista que todos têm pleno acesso à informação de que a referida atividade profissional não encontra o amparo da legislação brasileira” (Damásio de Jesus). Ele pondera que “se a casa de prostituição é mantida com fiscalização e tolerância policial, pode configurar-se o erro de proibição, que incide sobre a ilicitude do fato. O dolo subsiste. A culpabilidade, quando o erro é escusável, fica excluída; quando inescusável, fica atenuada (art. 21 do CP)” (op. Cit., v. 3, p. 158).

Guilherme Nucci (2009, 84) critica a subsistência do referido tipo penal: 

(...) o objeto jurídico é formado pela moralidade sexual e os bons costumes. O objeto material é a casa de prostituição ou o lugar destinado a encontros libidinosos. Quanto à persistência desse tipo penal cremos dispensável (...). É preciso não fechar os olhos à realidade, pois a prostituição, queiram alguns setores da sociedade ou não, está presente e atuante (...) Com o nome de motel, casa de massagem, bar ou café para encontros (...) criaram-se subterfúgios para burlar a lei penal. Robora-se a permissividade diante do princípio da legalidade, pois os tribunais pátrios não vem condenando os proprietários desses estabelecimentos (...). Não se critica a jurisprudência; ao contrário, deve-se censurar a lei, persistindo em impingir um comportamento moralmente elevado – ou eleito como tal – à vista coletividade através de sanções penais. (...) Por outro lado, já que a prostituição não é, penalmente, relevante proibida não há razão para o tipo penal do artigo 229 subsistir”.

 

            Seguem outras jurisprudências nesse sentido:

HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PENAL. CASA DE PROSTITUIÇÃO. ALEGAÇÃO DE QUE A APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA FRAGMENTARIEDADE E DA ADEQUAÇÃO SOCIAL TORNA A CONDUTA ATÍPICA. DECISÃO, À PRIMEIRA VISTA, EM HARMONIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. LIMINAR INDEFERIDA. 1. Habeas corpus, com pedido de medida liminar, impetrado pela DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO em favor de ARIONILDO FELIX DE MENEZES e JANETE DA SILVA, contra julgado da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, que, em 27.4.2010, negou provimento ao Agravo Regimental no Recurso Especial 1.167.646, Relator o Ministro Haroldo Rodrigues.2. Tem-se nos autos que, em 9.5.2006, o Ministério Público do Rio Grande do Sul denunciou os Pacientes pela suposta prática do crime de manter casa de prostituição (art. 229 do Código Penal – fls. 10-12).Em 29.1.2009, o Juízo da 1ª Vara Criminal da Comarca de Tramandaí/RS absolveu os Pacientes ao fundamento de que “casa de prostituição é conduta que vem sendo descriminalizada pela jurisprudência em razão da liberação dos costumes, sendo a conduta atípica” (fl. 19).  3. Contra essa decisão, o Ministério Público interpôs apelação. Em 4.6.2009, a Sexta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul negou provimento ao recurso para manter a absolvição dos Pacientes, nos termos seguintes: “APELAÇÃO CRIMINAL. MANUTENÇÃO DE CASA DE PROSTITUIÇÃO. ADEQUAÇÃO SOCIAL DO FATO. ATIPICIDADE. APELO [NÃO]PROVIDO. ABSOLVIÇÃO MANTIDA.À unanimidade, negaram provimento ao apelo ministerial” (fl. 20).4. Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso especial, que, em 11.3.2010, foi provido monocraticamente pelo Ministro Relator do Superior Tribunal de Justiça Haroldo Rodrigues:“PENAL. CASA DE PROSTITUIÇÃO. TOLERÂNCIA OU DESUSO. TIPICIDADE.1. Esta Corte firmou compreensão de que a tolerância pela sociedade ou o desuso não geram a atipicidade da conduta relativa à prática do crime do artigo 229 do Código Penal.2. Precedentes.3. Recurso especial provido” (fl. 29).5. Contra essa decisão a Defensoria Pública da União interpôs agravo regimental, sobrevindo, em 27.4.2010, a decisão objeto da presente impetração, cuja ementa é a seguinte:“PENAL. CASA DE PROSTITUIÇÃO. TOLERÂNCIA OU DESUSO. TIPICIDADE.1. Esta Corte firmou compreensão de que a tolerância pela sociedade ou o desuso não geram a atipicidade da conduta relativa à prática do crime do artigo 229 do Código Penal.2. Precedentes.3. Agravo Regimental a que se nega provimento” (fl. 32).6. No presente habeas corpus, a Impetrante sustenta que, pela aplicação dos princípios da fragmentariedade e da adequação social, a conduta praticada pelos Pacientes não seria materialmente típica.  Alega que, “apesar da norma penal incriminadora prevista no art. 229 do Código Penal estar em plena vigência, é necessário interpretá-la de forma cuidadosa para que possa ter validade e aplicabilidade em relação aos fatos da vida real” (fl. 8).7. Este o teor dos pedidos:“1. seja concedida liminarmente medida cautelar, a fim de suspender a decisão do Superior Tribunal de Justiça até decisão final de mérito, informando-se o Juízo de primeira instância;(...)5. seja concedida a ordem de habeas corpus, para cassar a decisão do Superior Tribunal de Justiça, restabelecendo-se a absolvição conferida nas decisões de primeira e segunda instâncias, haja vista a atipicidade da conduta dos assistidos Arionildo Felix de Menezes e Janete da Silva, em face da aplicação dos Princípios da Fragmentariedade e da Adequação Social ao artigo 229 do Código Penal Brasileiro” (fl. 9).Examinada a matéria posta à apreciação, DECIDO.8. Pelo que se tem nos autos, parece não se sustentarem juridicamente os argumentos apresentados pela Impetrante para assegurar o êxito do seu pleito, pois não se constatam fundamentos suficientes para reconhecer a atipicidade da conduta dos Pacientes, pelo menos nesse juízo preliminar. 9. Existem precedentes específicos do Supremo Tribunal Federal que reconhecem a tipicidade da conduta de manter casa de prostituição e são desfavoráveis à tese da impetração, bastando para evidenciar a ausência de plausibilidade jurídica da presente ação: “Ementa: CASA DE PROSTITUIÇÃO (ART. 229 DO C.P.). 'HABEAS CORPUS' PARA TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL POR FALTA DE JUSTA CAUSA. INDEFERIMENTO NA INSTÂNCIA DE ORIGEM. RECURSO DE HABEAS CORPUS IMPROVIDO. HAVENDO ELEMENTOS NO INQUERITO, QUE AUTORIZAM A DENUNCIA; EM SE TRATANDO DE CRIME PERMANENTE, QUE EXIGE PROVA DE HABITUALIDADE, A SER COMPLETADA NO CURSO DA INSTRUÇÃO; E NÃO CONTENDO A LICENCA, PARA FUNCIONAMENTO DE ESTABELECIMENTO COMERCIAL AUTORIZAÇÃO (ALIAS, INADMISSIVEL) PARA NELE SE INSTALAR CASA DE PROSTITUIÇÃO; NÃO E CASO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL, ADEQUADAMENTE PROPOSTA” (RHC 65.391, Rel. Min. Sydney Sanches, DJ 6.11.1987).Tem-se do conteúdo do voto do Ministro Sydney Sanches, Relator do RHC 65.391:“Não podem ser colhidas, por último, as considerações no sentido de que, nos tempos atuais, já não se justifica a punição da mantença de casa de prostituição. Ao Ministério Público e ao Juiz competem a interpretação e a aplicação da lei, jamais a negativa de sua vigência. A descriminalização e tarefa do legislador e não daquele, cuja missão é aplicar a lei” (www.stf.jus.br).   10. Assim, impõe-se exame mais detido, que há de ser feito no julgamento de mérito do presente habeas corpus, depois de apresentado o parecer do Procurador-Geral da República, uma vez que não há elementos que demonstrem o bom direito legalmente estatuído como fundamento para o deferimento da medida pleiteada, razão pela qual indefiro a liminar.11. Suficiente a instrução do pedido, vista ao Procurador-Geral da República. Publique-se.Brasília, 23 de junho de 2010.Ministra CÁRMEN LÚCIA Relatora

 

Seguem alguns julgados que reconhecem a atipicidade do art. 229 do CP:

EMENTA:  MANUTENÇÃO DE CASA DE PROSTITUIÇAO. ABSOLVIÇÃO MANTIDA. Conduta de manutenção de casa de prostituição, socialmente aceita, sem necessidade de intervenção penal, por força da adequação social da conduta. APELO MINISTERIAL DESPROVIDO”. (Apelação Crime (3) Nº 70024551228, Sexta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Nereu José Giacomolli, Julgado em 26/06/2008).

 

EMENTA: CASA DE PROSTITUIÇÃO. FAVORECIMENTO DA PROSTITUIÇÃO. ATIPICIDADE. Os delitos de 'casa de prostituição' e de 'favorecimento da prostituição', este quando não envolve menores, são condutas atípicas por força da adequação social. À sociedade civil é reconhecida a prerrogativa de descriminalização do tipo penal configurado pelo legislador. A eficácia da norma penal nos casos de casa de prostituição mostra-se prejudicada em razão do anacronismo histórico, ou seja, a manutenção da penalização em nada contribui para o fortalecimento do Estado Democrático de Direito, e somente resulta num tratamento hipócrita diante da prostituição institucionalizada com rótulos como 'acompanhantes', 'massagistas', motéis, etc, que, ainda que extremamente publicizada, não sofre qualquer reprimenda do poder estatal, em razão de tal conduta, já há muito, tolerada, com grande sofisticação, e divulgada diariamente pelos meios de comunicação, não é crime, bem assim não será as de origem mais modesta. Recurso improvido. (Apelação Crime (4) Nº 70023513120, Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Aramis Nassif, Julgado em 07/05/2008).

 

Aqui se apresentam alguns julgados contrários a esse entendimento com a alegação de que a leniência das autoridades públicas e a aceitação da sociedade não podem afastar a caracterização do crime, previsto no artigo 229, do CP, porque uma lei penal, somente, é revogada, por outra lei:

(...) A eventual tolerância ou indiferença na repressão criminal, bem assim o pretenso desuso não se apresentam, em nosso sistema jurídico-penal, como causa de atipia. O enunciado legal (art. 229 e art. 230) é taxativo e não tolera incrementos jurisprudenciais.” “Os crimes em comento estão gerando grande comoção social, em face da repercussão, existindo uma mobilização nacional de proteção dos menores.” Recurso conhecido e provido”. (REsp 585.750/RS, Rel. Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 10/02/2004, DJ 15/03/2004 p. 295)

“PENAL. RECURSO ESPECIAL. CASA DE PROSTITUIÇÃO. TOLERÂNCIA. ATIVIDADE POLICIAL. TIPICIDADE (ARTIGO 229 DO CP).
I - A eventual tolerância ou a indiferença na repressão criminal, bem assim o pretenso desuso não se apresentam, em nosso sistema jurídico-penal, como causa de atipia (Precedentes). II - A norma incriminadora não pode ser neutralizada ou ser considerada revogada em decorrência de, v.g., desvirtuada atuação policial (artigo 2º, caput da LICC).Recurso conhecido e provido”. (REsp 146.360/PR, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 19/10/1999, DJ 08/11/1999 p. 85)

(...) 1. ABSTRAÇÃO FEITA A MAIORES CONSIDERAÇOES ACERCA DA TIPICIDADE DO DELITO, ACOLHIDA, DE MANEIRA UNIFORME, NAS INSTANCIAS ORDINARIAS, NÃO HA NO CODIGO PENAL BRASILEIRO, EM TEMA DE EXCLUDENTE DA ILICITUDE OU CULPABILIDADE, POSSIBILIDADE DE SE ABSOLVER ALGUEM, EM FACE DA EVENTUAL TOLERANCIA A PRATICA DE UM CRIME, AINDA QUE A CONDUTA QUE ESSE DELITO ENCERRA, A TEOR DO ENTENDIMENTO DE ALGUNS, POSSA, SOB A OTICA SOCIAL, SER TRATADA COM INDIFERENÇA. O ENUNCIADO LEGAL (ART. 22 E 23) E TAXATIVO E NÃO TOLERA INCREMENTOS JURISPRUDENCIAIS.

2. A CASA DE PROSTITUIÇÃO NÃO REALIZA AÇÃO DENTRO DO AMBITO DE NORMALIDADE SOCIAL, AO CONTRARIO DO MOTEL QUE, SEM IMPEDIR A EVENTUAL PRATICA DE MERCADORIA DO SEXO, NÃO TEM COMO FINALIDADE UNICA E ESSENCIAL FAVORECER O LENOCINIO.

3. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO PARA RESTABELECER A SENTENÇA. (REsp 149.070/DF, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, SEXTA TURMA, julgado em 09/06/1998, DJ 29/06/1998 p. 346)

 

Esses julgados são primordiais para a compreensão da pretensão deste estudo científico. E cada um funciona como fundamento para robustecê-lo da melhor forma.

 

3.3         ANÁLISE DA LEI N. 12.015/2009 E A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DO ART.  229 DO CÓDIGO PENAL

 

O crime de casa de prostituição está disposto no artigo 229 do Código Penal, in verbis:

Art. 229 – Manter, por conta própria ou de terceiro, estabelecimento em que ocorra exploração sexual, haja, ou não, intuito de lucro ou mediação direta do proprietário ou gerente: Pena – Reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

 

Sobre a tutela jurídica temos que, conforme ensinamento de Damásio de Jesus (2009, p. 161), esse tipo trata da disciplina da vida sexual, de acordo com os bons costumes, a moralidade pública e a organização familiar.

A conotação, enfim, nos demais dispositivos legais mencionados, com a locução “ou outra forma de exploração sexual”, atribui à exploração sexual um significado distinto de prostituição (outra forma), para abranger situações em que o paciente não se entrega livremente à prostituição, mas por alguma razão ou de alguma forma é levado ou constrangido a entregar-se à prática de atos de libidinagem, descaracterizando, pelo menos em sentido estrito, o exercício da conhecida prostituição em sua concepção tradicional. Dito de outra forma, em uma visão mais abrangente, reconhece situação em que a vítima é submetida à prática de atos de libidinagem, independentemente de caracterizarem-se como prostituição em seu sentido estrito. Busca o legislador, com essa forma distinta, impedir que qualquer prática de libidinagem, desde que explorada, isto é, contrariando a vontade da vítima, possa ser abrangida por essa proibição legal (BITTENCOURT, 2009, p. 404).

Essa explicação traduz a concepção que vigorava anteriormente ao advento da Lei n. 12.015 de 2009, a qual amarrava a objetividade jurídica no conceito de costumes, porém com o advento da Constituição Federal de 1988 como também a alteração do valor protegido nos arts. 213 a 234 do Código Penal, os quais agora passam a ser crimes contra a dignidade sexual, não mais se justificando a própria subsistência do tipo penal. Inferindo-se que, num Estado Democrático de Direito, fundamentado no princípio na dignidade da pessoa humana, que pressupõe a liberdade de autodeterminação, não se pode considerar criminosa uma atividade que, em seu teor, não envolve práticas ilícitas, ou somente imorais.

A prostituição não constitui delito (ou mesmo ilícito algum). Por isso, parece correta a decisão proferida pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que considerou materialmente atípica a conduta descrita no art. 229 do CP:

O crime contra os costumes consistente em manter casa de prostituição, previsto no art. 229 do CP, tutela a moralidade pública e, como tal, na pode mais subsistir, em face da opção da sociedade atual em descriminalizar determinadas condutas tipificadas pela ultrapassada conceituação moral do legislador penal de 1940, afigurando-se hipocrisia apegar-se ao rigorismo da postura legalista e, ao mesmo tempo, ignorar a licenciosidade que predomina em telenovelas e em outros programas televisivos” Jurisprudência Mineira 173/419.

 

No tipo objetivo do crime em tela, a conduta punida consiste em manter, onde  o  próprio verbo exige habitualidade, estabelecimento, podendo ser um imóvel destinado a alguma atividade profissional no qual se dão práticas pertinentes à exploração sexual. Trata-se de modalidade de lenocínio, punindo-se aquele que lucra com a prostituição ou outra forma de exploração sexual alheia ou quem as fomenta mesmo sem obtenção de lucros.

Conforme André Estefam (2011, p. 204), a Lei Penal fornece alguns vetores interpretativos. Em primeiro lugar, não se confunde a exploração sexual com violência sexual. Esta se dá quando ocorrem crimes sexuais, como o estupro (213), em que o sujeito passivo é ‘violentado” em sua liberdade de autodeterminação. Além disso, a exploração sexual distingue-se da mera satisfação sexual, a qual é atividade obviamente lícita. Os conceitos de violência sexual e satisfação sexual representam as fronteiras, ou, em outras palavras, os extremos opostos que delimitam o campo interpretativo da exploração sexual.

In casu, a exploração sexual, do mesmo modo que a prostituição (mercancia sexual do corpo), dá-se quando uma pessoa tira proveito de outra, promovendo sua degradação, sob o aspecto da sexualidade, fazendo com que esta se comporte como objeto ou mercadoria (NUCCI, 2009, p. 58). O art. 229 do CP, ademais, pune quem mantém o estabelecimento, seja por sua conta ou através de terceiro.

Esse crime pode ser cometido por qualquer pessoa, comete-o o responsável pelo estabelecimento e aqueles que o auxiliam, na condição de partícipes na manutenção do local. Por tratar-se de figura típica destinada à preservação da moral e dos bons costumes, o sujeito passivo é a sociedade. São vítimas as pessoas que se dedicam à prostituição ou exploração sexual. Trata-se ainda de crime habitual, pois a infração somente atinge sua realização integral, nos termos do art. 14, I, do CP, quando o sujeito manteve, reiteradamente, o estabelecimento em que se verifica a exploração sexual, ou seja, tem de ser de forma habitual.

Ainda de acordo com André Estefam (2011, p. 204), não há o crime quando o responsável por um imóvel destinado à moradia permite que pessoas mantenham encontros amorosos em seu interior, pois, de acordo com o já decidido pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais,

(...) o fato de o proprietário de um barracão destinado a moradia familiar permitir que um casal de namorados o utilize para encontros amorosos proibidos não é suficiente para caracterizar o crime previsto no art. 229 do CP, que exige prova inequívoca de que o local seja utilizado habitualmente pra encontros com fins libidinosos e a existência de prostituta, devendo o magistrado analisar o caso com o olhar atual, e não voltado para os anos de 1940. (Jurisprudência Mineira 167/370).

 

Só incorrerá na infração o agente que para ela concorrer com dolo, isto é, com animus de manter, em caráter habitual, estabelecimento em que se aconteça alguma forma de exploração sexual.

De acordo com André Estefam (2009, p. 208), não há crime quando se tratar de motéis ou estabelecimentos similares, ainda que em seu bojo haja a prática de atos libidinosos por prostitutas ou prostitutos. O fato de possuírem acomodações destinadas a encontros íntimos não significa que fomentem o meretrício. Os responsáveis por tais estabelecimentos não atuam com vontade e consciência de incentivá-lo e não podem, a toda evidência, fiscalizar se os clientes são ou não profissionais do sexo (a casa de prostituição não realiza ação dentro do âmbito de normalidade social, ao contrário do motel que, sem impedir a eventual prática de mercancia do sexo, não tem como finalidade única e essencial favorecer o lenocínio – STJ, DJU de 29-6-1998, p. 346. Registre-se, ainda, que não se exige qualquer elemento subjetivo específico. É desnecessária a presença de finalidade lucrativa, conforme expressamente declara o caput do dispositivo.

A infração descrita no art. 229 do CP insere-se dentre os chamados crimes habituais, isto é, aqueles que somente se perfazem quando da reiteração de condutas no tempo. Nestes, a prática isolada do ato é penalmente atípica. A conduta somente se torna penalmente relevante quando há, inequivocamente, repetição contínua de comportamentos durante determinado período de tempo (ESTEFAM, pp. 206 e 207). E, cita a seguinte jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo:

É indispensável à configuração da modalidade de lenocínio no art. 229 do CP a prova da habitualidade nele empregada – a qual decorre do verbo manter – verificável através de prévia sindicância destinada à apuração das atividades desvirtuadas do estabelecimento ao agasalho de casais para fins sexuais, não bastando para a tipificação o comportamento ocasional. (TJSP, RT 620/279).

 

No entender do autor, é cabível a tentativa em crimes habituais, embora haja imensa dificuldade em se comprovar tal situação. Isto porque delitos dessa natureza somente se aperfeiçoam quando o agente reitera a conduta no tempo. A repetição do ato é fundamental para a existência do delito. O cometimento de uma ação isolada é penalmente irrelevante. A mencionada característica, ademais, deve ser aprovada na fase investigatória: “Sem a comprovação, no inquérito policial, da habitualidade, requisito essencial à configuração do delito de casa de prostituição, inexiste justa causa para a ação penal” (TJSP, RT 595/339. Em sentido semelhante: TJSC, RT 831/670; TJRJ, RDTJRJ 60/355). E o crime do art. 229 do CP se processa somente por iniciativa do Ministério Público, independentemente de representação, numa ação penal de iniciativa pública incondicionada.

A norma legal n. 12.015, de 7.8.09, a qual modificou os artigos referentes aos crimes sexuais do Código Penal inovou com relação ao estupro e ao atentado violento ao pudor tendo alterado vários outros dispositivos, dentre eles o que aborda a atividade do comércio sexual referente à casa de prostituição. Pois, se antes, no art. 229 do CP de 1940, o crime tinha a redação de “manter, por conta própria ou de terceiro, casa de prostituição ou lugar destinado a encontros para fins libidinosos, haja ou não intuito de lucro ou mediação direta do proprietário ou gerente". O que causava muitos problemas para qualquer lugar em que ocorressem encontros com fins sexuais, uma vez que tudo era proibido, com uma pena de dois a cinco anos de reclusão, mais multa. Os motéis sofreram com isso, pois se destinam a encontros amorosos, tendo alguns conservadores tentado fechar tais estabelecimentos. Os motéis só se salvaram por terem finalidade de pernoites também. A nova lei nº 12.015/09 corrigiu a antiga redação, passando a considerar crime apenas "estabelecimento em que ocorra exploração sexual".

Mesmo a legislação brasileira não tendo criminalizado a prostituta, acabou  dificultando a vida da mesma criando regras que impossibilitam a atividade de forma segura. E, partindo do princípio de que a sociedade não abre mão do comércio sexual, uma vez que todas as medidas adotadas para coibir tal prática em todos os tempos falharam, impedir as prostitutas de ter um lugar digno para trabalhar não é a melhor opção para resolver essa questão, tornando-se injusta tal medida por expor todos esses profissionais a riscos enormes, muitas vezes fatais. Diante disso, a casa não é um problema, parece mais uma solução para tal.

Interpretando a nova redação da Lei 12.015-09, inferi-se que muitos processos os quais se encontram em tramitação pelo crime de "casa de prostituição", se não envolverem exploração sexual, deverão resultar em absolvição, pois a conduta de manter casa para fins libidinosos, por si só, não mais configura crime. Entende-se também que muita gente processada nessas circunstâncias deverá ser dispensada da investigação, e os inquéritos envolvendo o crime do art. 229, nas mesmas condições, terão como fim o arquivamento.

No novo texto, só é crime manter pessoa em condição de explorada, sacrificada, obrigada a fazer o que não quer. Explorar é colocar em situação análoga à de escravidão, impor a prática de sexo contra vontade ou, no mínimo, induzir a isso, sob as piores condições, sem remuneração nem liberdade de escolha, sendo a prostituição forçada uma exploração sexual, merecedor de punição severa, ainda mais se praticado contra menores. O resto não merece a atenção do direito penal. A profissional do sexo, por opção própria, maior de 18 anos, deve ser deixada em paz, regulamentando-se a atividade. Essa deve ser a interpretação para não correr o risco de cair em inconstitucionalidade na medida da ofensa ao princípio fundamental da dignidade da pessoa humana como também ao princípio da intervenção mínima.

Neste sentido é a brilhante lição de ROXIN (apud RODRIGUES, 2013, p.166): “a finalidade do direito penal é unicamente impedir que alguém seja lesionado contra sua vontade. Assim, a tutela estatal apenas se justificaria no caso de déficit de autonomia da pessoa afetada, ou para a proteção de menores”.

A Lei 12.015/2009 alterou a redação do Título VI do Código Penal dedicado aos Crimes Contra os Costumes, a qual passou a se chamar Crimes Contra a Dignidade Sexual.

Essa mudança atendeu às inúmeras reivindicações de doutrinadores que pregavam que os crimes contidos no Título VI não atentavam contra a moralidade pública ou coletiva, mas, sim, contra a dignidade e a liberdade sexual das vítimas. A dignidade sexual traduz intimidade, o que a torna albergada pelo princípio da dignidade da pessoa humana, o qual é fundamento da Constituição de 1988.

Uma das alterações mais importantes foi a união de dois tipos penais existentes anteriormente à lei em comento, quais sejam: estupro e atentado violento ao pudor.

Com a mudança na redação sobre o Estupro na Lei nº 12.015/2009, o artigo ficou da seguinte forma:

Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: 

Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.

§ 1o  Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos:

Pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos.

§ 2o  Se da conduta resulta morte: 

Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.

 

Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal é o estupro no sentido estrito do tipo, enquanto que constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso é o atentado violento ao pudor que, agora, passa a ser uma espécie de estupro.

Satisfazer a lascívia seria o outro ato libidinoso. No texto não está bem explicado que esse ato, só dá para saber que deve ter conteúdo com a finalidade de satisfação da libido. Porém não estão incluídos aqui os escritos com conteúdo erótico, uma vez que a lei trata de ato. Podendo ser exemplo: introdução de instrumento postiço ou dedo em seu órgão genital, alguém realizando ato de masturbação na vítima, coito anal, podendo ser oral também. Tudo deve ser analisado pelo juiz do caso na prolatação da sentença ou analisado pelo delegado ainda no inquérito.

Anteriormente à Lei 12.015/09, o sujeito ativo, em um mesmo contexto fático, praticasse o estupro e o atentado violento ao pudor contra uma determinada vítima, estaríamos diante da prática de dois crimes distintos, em concurso material. Segue algumas decisões mostrando a posição majoritária.

HABEAS CORPUS. CRIMES DE ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR E DE ESTUPRO, PRATICADOS DE FORMA INDEPENDENTE. CONFIGURAÇÃO DE CONCURSO MATERIAL DE CRIMES, E NÃO DE CONTINUIDADE DELITIVA. Os crimes de estupro e de atentado violento ao pudor, ainda que praticados contra a mesma vítima, não caracterizam a hipótese de crime continuado, mas encerram concurso material de crimes. Precedentes. Caso em que o crime de atentado violento ao pudor não foi praticado como "prelúdio do coito" ou como meio necessário para a consumação do estupro, a evidenciar a absoluta independência das duas condutas incriminadas. Ordem denegada. Relator(a): CARLOS BRITTO. Julgamento: 17/12/2006. Órgão Julgador: Primeira Turma. Publicação: DJe-097 DIVULG 29-05-2008 PUBLIC 30-05-2008 EMENT VOL-02321-01 PP-00135.

PENAL. HABEAS CORPUS. ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. PROGRESSÃO DE REGIME. REITERAÇÃO DE PEDIDO. WRIT PREJUDICADO. ALEGADA CONTINUIDADE DELITIVA. INOCORRÊNCIA. CONCURSO MATERIAL. ALEGAÇÃO DE CERCEAMENTO DE DEFESA. INDEFERIMENTO DE PEDIDO DE EXAME COMPARATIVO DE DNA. INOCORRÊNCIA. DISCRICIONARIEDADE REGRADA DO MAGISTRADO. PROVAS SUFICIENTES PARA A CONDENAÇÃO. I - Considerando que a controvérsia acerca da possibilidade de progressão de regime, pelo paciente, já foi apreciada no HC 78.429/SP, perdeu o objeto, nesta parte, o presente writ. II - Se, além da conjunção carnal, é praticado outro ato de libidinagem que não se ajusta aos classificados de praeludia coiti, é de se reconhecer o concurso material entre os delitos de estupro e de atentado violento ao pudor. A continuidade delitiva exige crimes da mesma espécie e homogeneidade de execução. Relator(a): Ministro FELIX FISCHER. Julgamento: 18/11/2008. Órgão Julgador: T5 - QUINTA TURMA. Publicação: DJe 02/02/2009.

 

Ao unir as duas condutas num só tipo, o qual está descrito no art. 213, essas foram convertidas em um só crime com ação de conteúdo variado, ou seja, se o sujeito ativo mantiver conjunção carnal violenta com a vítima e, logo depois, cometer ato libidinoso, o mesmo responderá por um só crime. Nesses casos, o juiz deverá considerar a pluralidade dos verbos para a fixação da pena base.

Com a mudança trazida pela 12.015/09, o estupro permite o abortamento sentimental, tenha sido a gravidez resultante de conjunção carnal ou de qualquer outro ato libidinoso diferente desta.

Na legislação anterior, o estupro era um crime de mão própria no que se referia ao sujeito ativo (homem), e crime próprio em relação ao sujeito passivo (mulher). Com a lei 12.015/09, o estupro passa a ser um crime comum (tanto a mulher como o homem poderão ser sujeitos ativos ou passivos).

Antes da lei 12.015/09, os crimes de estupro e de atentado violento ao pudor eram qualificados se da violência resultasse lesão corporal grave ou morte. Com a inclusão do § 1o, a qualificadora foi incrementada. Entretanto, antes de se falar nos resultados qualificadores, o estupro em sentido amplo qualifica o crime se a vítima é menor 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos. Essa qualificadora não existia. Ela era uma circunstância que o juiz utilizava na fixação da pena base. Como é uma inovação que agrava a pena, deve-se atentar que essa qualificadora não poderá retroagir para alcançar fatos pretéritos (MERLO, 2009).

No entendimento de Ana Karina França Merlo (2009), o Art. 223 revogado pela lei 12.015/09 já previa a pena de reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos, se da violência resultasse lesão corporal de natureza grave. Essa violência referia-se à violência física, não abrangendo a grave ameaça. O § 1o  do atual Art. 213 diz “se da conduta resulta lesão corporal grave”, ou seja, a lesão grave qualifica o crime de estupro pouco importando se foi advinda da violência física ou da grave ameaça. Quando se fala em conduta, abrangem-se as duas condutas descritas no caput do Art. 213: violência ou grave ameaça.

ESTUPRO - CONFIGURAÇÃO - VIOLÊNCIA PRESUMIDA - IDADE DA VÍTIMA - NATUREZA. O estupro pressupõe o constrangimento de mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça - artigo 213 do Código Penal. A presunção desta última, por ser a vítima menor de 14 anos, é relativa. Confessada ou demonstrada a aquiescência da mulher e exsurgindo da prova dos autos a aparência, física e mental, de tratar-se de pessoa com idade superior aos 14 anos, impõe-se a conclusão sobre a ausência de configuração do tipo penal. Alcance dos artigos 213 e 224, alínea "a", do Código Penal. STF- HC 73662 / MG - Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO. Julgamento: 21/05/1996. Órgão Julgador: Segunda Turma. Publicação: DJ DATA-20-09-1996 PP-34535 EMENT VOL-01842-0.

HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. ESTUPRO. VIOLÊNCIA PRESUMIDA. [...] 3. A presunção de violência prevista no art. 224, a, do Código Penal, tem caráter absoluto, afigurando-se como instrumento legal de proteção à liberdade sexual da menor de quatorze anos, em face de sua incapacidade volitiva, sendo irrelevante o consentimento da menor para a formação do tipo penal do estupro. HC 79.756/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 14.06.2007, DJ 06.08.2007 p. 594.

 

Quanto à ação penal cabível nos crimes sexuais previstos nos artigos 213 a 218-B do Código Penal a partir da Lei 12.015/2009, ficou da seguinte forma:

Art. 225.  Nos crimes definidos nos Capítulos I e II deste Título, procede-se mediante ação penal pública condicionada à representação.

 

Parágrafo único.  Procede-se, entretanto, mediante ação penal pública incondicionada se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos ou pessoa vulnerável.

 

Infere-se que a regra agora é da ação penal pública condicionada à representação para esses crimes, precisando que a vítima autorize o Ministério Público a ingressar com a denúncia para punir o sujeito ativo do crime. Que quebra essa regra é o parágrafo único do art. 225, o qual estabelece que, se a vítima for menor de dezoito anos ou qualquer pessoa vulnerável (como também outros como os deficientes e enfermos mentais sem o necessário discernimento para a prática de atos sexuais, além daqueles sem possibilidade de oferecer resistência por quaisquer outras causas, art. 217-A do CP), pois nesses casos a ação penal será pública incondicionada, ou seja, o Ministério Público pode e deve agir de ofício.

Sobre o estupro existe a Súmula 608 do Supremo Tribunal Federal, de 1984, vigorando até hoje, a qual possui a seguinte redação: "No crime de estupro, praticado mediante violência real, a ação penal é pública incondicionada".  O autor Rogério Greco (2010, p. 557) defende que essa Súmula não foi prejudicada pelas alterações dos crimes sexuais operadas pela Lei 12.015/2009, para Greco:

Com a devida venia, não vislumbramos qualquer incompatibilidade entre as novas disposições legais e a Súmula nº 608 do STF. Caso, efetivamente, assim entenda a nossa Corte Superior, deverá levar a efeito o cancelamento da referida Súmula, extirpando, de uma vez por todas, a discussão.

[…] Dessa forma, a violência empregada na prática do estupro, que culminou por produzir a lesão corporal de natureza grave ou a morte, nos termos da orientação constante na mencionada Súmula, definiria a natureza da ação penal, que seria, portanto, considerada como pública incondicionada.

 

Cleber Masson (2011, p. 31) comenta sobre o que pode acontecer por conta da ação penal ser pública condicionada à representação, podendo gerar injustiça: “A opção legislativa leva a uma situação inusitada. Na hipótese de estupro qualificado pela morte, o direito de representação passará ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão. É o que se extrai do art. 24, § 1º, do Código de Processo Penal”.

Nas ações penais pertinentes a crimes sexuais ocorridos antes da vigência da Lei nº 12.015/2009, reconhece-se pela doutrina majoritária e jurisprudências, infracitadas, a não aplicação dessa nova regulação sobre ação penal a fatos pretéritos. Já se percebe o acolhimento desse raciocínio também na jurisprudência (STJ, 5ª Turma, REsp 1227746/RS, rel. Min. GILSON DIPP, j. 02/08/2011, DJe 17/08/2011).

 

Fernando Capez (2011, p. 119) assim se posiciona:

Poderá a norma retroagir para alcançar fatos praticados antes de sua entrada em vigor e cuja ação penal era de iniciativa privada? Por força de o aludido diploma legal ter ampliado o poder punitivo estatal, ao privar o acusado dos institutos benéficos inerentes à ação penal privada, que davam causa à extinção da punibilidade, não há dúvida de que estamos diante de uma novatio legis in pejus, não podendo, portanto, retroagir para atingir fatos praticados antes de sua entrada em vigor.

 

Rogério Sanches Cunha (2010, p. 264) apresenta os seguintes ensinamentos:

Entendemos, com o devido respeito, que a ação penal, para os casos praticados antes da vigência da nova lei, deve continuar sendo privada (queixa-crime) […]. A mudança da titularidade da ação penal é matéria de processo penal, mas conta com reflexos penais imediatos. Daí a imperiosa necessidade de tais normas (processuais, mas com reflexos penais diretos) seguirem a mesma orientação jurídica das normas penais. Quando a inovação é desfavorável ao réu, não retroage.

 

 

Nesse sentido é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

 

 

PENAL. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. PRATICADO ANTES DA VIGÊNCIA DALEI 12.015/2009. VIOLÊNCIA REAL. AUSÊNCIA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADEPELA RENÚNCIA AO DIREITO DE QUEIXA. DISCUSSÃO ACERCA DA EFETIVAOCORRÊNCIA DE VIOLÊNCIA REAL. SÚMULA 608/STF. AÇÃO PENAL PÚBLICAINCONDICIONADA. RETROATIVIDADE DA NOVA LEI. DEPENDENTE DACONFIGURAÇÃO DA VIOLÊNCIA REAL. RECURSO DESPROVIDO. I. Até o advento da Lei 12.015/2009, os crimes definidos nos arts. 213 a 220 do Código Penal procediam-se mediante queixa, com as exceções dispostas nos §§ 1º e 2º da antiga redação do art. 225 do Código Penal, na Súmula 608 do Supremo Tribunal Federal, que previa a hipótese de ação penal pública incondicionada, para os casos em que se houvesse emprego de violência real, bem como nos casos que resultassem em lesão corporal grave ou morte (art. 223), inserido no mesmo capítulo do art. 225, e não nos capítulos anteriores, aos quais o dispositivo remetia em sua redação original. II. Com o advento da Lei 12.015/2009, que alterou a redação do art. 225 do Código Penal, os delitos de estupro e de atentado violento ao pudor, mesmo com violência real (hipótese da Súmula 608/STF) ou com resultado lesão corporal grave ou morte (antes definidos no art. 223do Código Penal e hoje definidos no art. 213, §§ 1º e 2º), passaram a se proceder mediante ação penal pública condicionada à representação, nos termos da nova redação do art. 225 do Código Penal, com exceção apenas para os casos de vítima menor de 18 (dezoito) anos ou pessoa vulnerável (parágrafo único do art. 225 do Código Penal). III. Se a lei nova se apresenta mais favorável ao réu nos casos de estupro qualificado, o mesmo deve ocorrer com as hipóteses de violência real, isto é, para as ações penais públicas incondicionadas nos termos da Súmula 608/STF, segundo a qual, "no crime de estupro, praticado mediante violência real, a ação penal é pública incondicionada". Tais ações penais deveriam ser suspensas para que as vítimas manifestassem desejo de representar contra o réu. IV. Hipótese em que o recorrido foi denunciado pela prática do delito descrito no art. 214, c/c o art. 14, II, ambos do Código Penal, tendo a ação penal sido instaurada por iniciativa do Ministério Público, nos termos da referida Súmula 608/STF, tendo as instâncias ordinárias entendido pela inexistência de violência real, afastando a aplicação da referida súmula e extinguindo a punibilidade do réu, por renúncia ao direito de queixa. V. Conforme se compreenda pela ausência de violência real, o deslinde da questão encontra-se devidamente equacionado nos moldes referidos nas instâncias ordinárias, isto é, pela renúncia da vítima ao direito de queixa, nos termos do art. 107, V, do Código Penal.Até porque, nesse hipótese, não haveria que se cogitar em retroatividade da lei penal. VI. Ao contrário, se o entendimento se desse no sentido da efetiva ocorrência de violência real, não seria o caso de aplicação do disposto na Súmula 608/STF, conforme já explicitado acima, diante da nova redação no art. 225 do Código Penal, dada pela lei 12.015/2009, por se tratar de lei penal mais benéfica. VII. A discussão acerca da efetiva ocorrência de violência real redundaria em revolvimento de matéria fático-probatória, impossível de ser satisfeita na via especial, diante do óbice da Súmula 07/STJ. VIII. Ainda que se entendesse pela ocorrência de violência real, proceder-se-ia à nova contagem do prazo decadencial de 6 (seis) meses para a representação da ofendida, que passaria a fluir da datada entrada em vigor da lei nova, isto é, em 10/08/2009, estando alcançado, de qualquer modo, pelos efeitos da decadência. IX. Recurso especial que não prospera por qualquer dos fundamentos,eis que qualquer solução que se apresente, implicará na renúncia ao direito de queixa ou na decadência do direito de representação da ofendida (art. 107, IV e V, do Código Penal). X. Recurso desprovido. (STJ - REsp: 1227746 RS 2010/0221498-1, Relator: Ministro GILSON DIPP, Data de Julgamento: 02/08/2011, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 17/08/2011).

 

Abaixo segue as jurisprudências citadas e outras pertinentes ao caso em questão.

O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA QUALIFICA-SE COMO FATOR DE DESCARACTERIZAÇÃO MATERIAL DA TIPICIDADE PENAL. - O princípio da insignificância – que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal – tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material. Doutrina. Tal postulado – que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada – apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público. O POSTULADO DA INSIGNIFICÂNCIA E A FUNÇÃO DO DIREITO PENAL: ‘DE MINIMIS, NON CURAT PRAETOR’. - O sistema jurídico há de considerar a relevantíssima circunstância de que a privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se justificam quando estritamente necessárias à própria proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes sejam essenciais, notadamente naqueles casos em que os valores penalmente tutelados se exponham a dano, efetivo ou potencial, impregnado de significativa lesividade. O direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado, cujo desvalor – por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes – não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social.” (HC 92.463/RS, Rel. Min. CELSO DE MELLO).

HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL MILITAR. PACIENTE DENUNCIADO PELA INFRAÇÃO DO ART. 290 DO CÓDIGO PENAL MILITAR. ALEGAÇÃO DE INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FAVORÁVEIS À TESE DA IMPETRAÇÃO: NÃO APLICAÇÃO À ESPÉCIE VERTENTE. PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. HABEAS CORPUS INDEFERIDO. 1. A existência de decisão neste Supremo Tribunal no sentido pretendido pela Impetrante, inclusive admitindo a incidência do princípio da insignificância à justiça castrense, "a despeito do princípio da especialidade e em consideração ao princípio maior da dignidade humana" (Habeas Corpus n. 92.961, Rel. Ministro Eros Grau, DJ 21.2.2008), não é bastante a demonstrar como legítima sua pretensão. 2. Nas circunstâncias do caso, o fato não é penalmente irrelevante, pois a droga apreendida, além de ter sido encomendada por outra pessoa, seria suficiente para o consumo de duas pessoas, o que configuraria, minimamente, a periculosidade social da ação do Paciente. 3. A jurisprudência predominante do Supremo Tribunal Federal é no sentido de reverenciar a especialidade da legislação penal militar e da justiça castrense, sem a submissão à legislação penal comum do crime militar devidamente caracterizado. 4. Habeas corpus indeferido. (STF - HC: 94649 RJ , Relator: Min. CÁRMEN LÚCIA, Data de Julgamento: 12/08/2008, Primeira Turma, Data de Publicação: DJe-192 DIVULG 09-10-2008 PUBLIC 10-10-2008 EMENT VOL-02336-02 PP-00256).

HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. FURTO DE PULSOS TELEFÔNICOS. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. POSSIBILIDADE. ORDEM CONCEDIDA. 1. O pequeno valor da res furtiva não se traduz, automaticamente, na aplicação do princípio da insignificância. Há que se conjugar a importância do objeto material para a vítima, levando-se em consideração a sua condição econômica, o valor sentimental do bem, como também as circunstâncias e o resultado do crime, tudo de modo a determinar, subjetivamente, se houve relevante lesão. Precedente desta Corte. 2. Consoante se constata dos termos da peça acusatória, a paciente foi flagrada fazendo uma única ligação clandestina em telefone público. Assim, o valor da res furtiva pode ser considerado ínfimo, a ponto de justificar a aplicação do Princípio da Insignificância ou da Bagatela, ante a falta de justa causa para a ação penal. 3. Não há notícia de reiteração ou habitualidade no cometimento da mesma conduta criminosa, sendo que a existência de outro processo em andamento não serve como fundamento para a inaplicabilidade do princípio da insignificância, em respeito aos princípios do estado democrático de direito, notadamente ao da presunção da inocência. 4. Ordem concedida, para trancar a ação penal instaurada contra a paciente. (STJ, Relator: Ministra LAURITA VAZ, Data de Julgamento: 20/11/2007, T5 - QUINTA TURMA).

RECURSO ESPECIAL. ARTIGO 229 DO CÓDIGO PENAL. PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO SOCIAL. INAPLICABILIDADE. TIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA. 1. O princípio da adequação social é um vetor geral de hermenêutica segundo o qual, dada a natureza subsidiária e fragmentária do direito penal, se o tipo é um modelo de conduta proibida, não se pode reputar como criminoso um comportamento socialmente aceito e tolerado pela sociedade, ainda que formalmente subsumido a um tipo incriminador. 2. A aplicação deste princípio no exame da tipicidade deve ser realizada em caráter excepcional, porquanto ao legislador cabe precipuamente eleger aquelas condutas que serão descriminalizadas. 3. A jurisprudência desta Corte Superior orienta-se no sentido de que eventual tolerância de parte da sociedade e de algumas autoridades públicas não implica a atipicidade material da conduta de manter casa de prostituição, delito que, mesmo após as recentes alterações legislativas promovidas pela Lei n. 12.015/2009, continuou a ser tipificada no artigo 229 do Código Penal. 4. De mais a mais, a manutenção de estabelecimento em que ocorra a exploração sexual de outrem vai de encontro ao princípio da dignidade da pessoa humana, sendo incabível a conclusão de que é um comportamento considerado correto por toda a sociedade. 5. Recurso especial provido para restabelecer a sentença condenatória, apenas em relação ao crime previsto no artigo 229 do Código Penal.

(STJ - REsp: 1435872 MG 2014/0037331-9, Relator: Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Data de Julgamento: 03/06/2014, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 01/07/2014).

CASA DE PROSTITUIÇÃO (ART. 229 DO CÓDIGO PENAL). PLEITEADA A ABSOLVIÇÃO POR INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. ADMISSIBILIDADE. LEI Nº 12.015/09. ABOLITIO CRIMINIS. ATÍPICA A MANUTENÇÃO DE ESTABELECIMENTO DESTINADO A ENCONTROS LIBIDINOSOS, MESMO PROGRAMAS SEXUAIS, UMA VEZ NÃO COMPROVADA A PRESENÇA DO ELEMENTO DO TIPO CONSISTENTE NA "EXPLORAÇÃO SEXUAL", QUE FOI ACRESCIDO AO DISPOSITIVO EM COMENTO APÓS A REFORMA LEGISLATIVA. OBJETIVIDADE JURÍDICA ACRESCIDA DE TUTELA DA DIGNIDADE SEXUAL, COM SIGNIFICADO, PORTANTO, RELACIONADO ÀS CONDUTAS MARCADAS PELO ARDIL, VIOLÊNCIA, GRAVE AMEAÇA, ENFIM, PELO PREJUÍZO À VONTADE E DIGNIDADE DA VÍTIMA PROSTITUÍDA. AUSENTE COMPROVAÇÃO NOS AUTOS NESTE SENTIDO, REMANESCE A MERA MANTENÇA DE UMA CASA QUE SEDIAVA PROGRAMAS, IMPONDO-SE A ABSOLVIÇÃO CALCADA NO ART. 386, III, CPP. RECURSOS PROVIDOS. (TJ-SP - APL: 10113487219998260506 SP 1011348-72.1999.8.26.0506, Relator: Amaro Thomé, Data de Julgamento: 23/10/2014, 7ª Câmara de Direito Criminal, Data de Publicação: 24/10/2014)

APELAÇÕES CRIMINAIS. MANUTENÇÃO DE CASA PARA EXPLORAÇÃO SEXUAL E TRÁFICO DE DROGAS. RECURSOS DEFENSIVOS. PRELIMINAR DE ILEGALIDADE E IRREGULARIDADE DA OPERAÇÃO POLICIAL QUE CULMINOU NA PRISÃO DOS RECORRENTES. NO MÉRITO, DESEJAM A ABSOLVIÇÃO PELO DELITO DO ART. 229, AO ARGUMENTO DA SUA NÃO RECEPÇÃO PELA CF/1988. SUBSIDIARIAMENTE, REQUEREM A REVISÃO DOSIMÉTRICA EM RELAÇÃO AO CRIME DAS DROGAS, COM A MINORAÇÃO DAS SANÇÕES COMINADAS, APLICAÇÃO DA PREVISÃO DO ART. 33, § 4º, DA LEI DE REGÊNCIA E O ABRANDAMENTO DO REGIME FIXADO PARA O CUMPRIMENTO INICIAL DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE. Questão preliminar. Os Policiais Civis da prisão dirigiram-se aos estabelecimentos comerciais descritos nos autos, em virtude de uma denúncia anônima formulada perante a Corregedoria Geral Unificada, que dava conta da existência de tráfico de entorpecentes na localidade popularmente conhecida como ¿Vila Mimosa", a qual apontava a suposta participação de Policiais Militares. A diligência tinha como objetivo a apuração dos fatos mencionados, estando os policiais em estrito cumprimento do dever legal. Os apelantes foram presos em flagrante porque os Agentes da Lei lograram encontrar no local material entorpecente. Inexiste a alardeada ilegalidade ou irregularidade na operação policial que culminou na prisão dos recorrentes. Afinal, se o crime de manutenção de casa de prostituição tipifica objetivamente uma conduta permanente, pouco importando o momento da averiguação da ilicitude por parte do poder público, no que concerne ao crime de tráfico de drogas o mesmo raciocínio se aplica. No caso do primeiro delito a tutela específica recai sobre a moral pública e, neste último crime a saúde geral é o bem juridicamente tutelado, autorizando aos agentes da lei a verificação da violação aos preceitos legais tão logo cientes de sua ocorrência. A contrario senso, irregularidade ou ilegalidade residiria, exatamente, na omissão de tais agentes em relação ao cumprimento do seu dever de ofício de averiguar e fazer cessar as condutas ilícitas tão logo das mesmas tivessem ciência ou assim fossem instruídos e autorizados a proceder pela sua chefia imediata, no caso, a Corregedoria Geral Unificada (CGU). Preliminar que se rejeita. No mérito. Não há falar-se em não recepção pela ordem constitucional de 1988 do preceito contido no artigo 229, do CP, mesmo com a nova redação emprestada pela Lei nº 12.015 de 2009. Afinal, é assente e pacífico, inclusive na jurisprudência dos Tribunais Superiores, que a eventual tolerância ou a indiferença na repressão criminal, bem assim o pretenso desuso não se apresentam, em nosso sistema jurídico-penal, como causa de atipia. Nessa esteira, portanto, mostra-se correto afirmar que a norma incriminadora não pode ser neutralizada ou até mesmo ser considerada revogada em decorrência de, por exemplo, uma negligente ou desvirtuada repressão policial (art. 2º, caput da LICC), o que a toda vista não é o caso dos autos. Neste diapasão, fulcrar a pretensão reformista do julgado no princípio da adequação social, significa pretender atribuir ao invocado princípio o inexistente condão de afastar do mundo jurídico o tipo penal em comento, o qual somente por lei poderá ser revogado, sob pena de violação aos igualmente importantes princípios constitucionais da legalidade e anterioridade da lei penal, previstos, respectivamente, no art. 5º, incisos II e XXXIX da C.R.F.B. In casu, as provas coligidas demonstram que no citado edifício havia quartos onde se davam encontros de homens e mulheres. Ainda que para relacionamento íntimo e mediante remuneração, a única arrolada nestes autos, Analice, era maior de 18 anos, e demonstrou que assim procedia livremente de qualquer coação, não sendo encontradas quaisquer outras pessoas em situação de vulnerabilidade, seja pela menoridade ou por qualquer outro fator que conduza à mitigação da vontade, condição sem a qual não se poderá admitir o conceito de exploração, integrante do tipo penal. Inobstante isto, demonstram os autos que Francisco Rivaldo foi encontrado na casa 21, mas a mesma passava por reformas, e, se ali funcionava algum local de encontros íntimos, o certo é que quando da diligência nada existia e nenhuma prostituta ou cliente ali se encontrava. Por sua vez, Leandro estava na casa 29 e Paulo na casa 4, mas não se comprovou qualquer prática de ato libidinoso naqueles locais, limitando-se o ocorrido ao plano das ilações. De volta ao estudo do tipo penal, este traz como verbo MANTER estabelecimento em que ocorra exploração sexual. E, ao que nos autos parece, os três eram empregados dos locais, mas não os mantinham, como diz o tipo, fosse por conta própria ou mesmo de terceiro. Finalmente, sobreleva notar que a Lei 12.015/2009, alterando a antiga redação do art. 229, do CP, que era expresso em ¿casa de prostituição¿, hodiernamente giza ¿estabelecimento em que haja exploração sexual¿. Não se realizando nas condutas imputadas os núcleos manutenção e exploração, não merecem, portanto, punição pelo Estado Juiz. CPP, art. 386, inciso VII. Relativamente ao remanescente crime das drogas, indene de dúvidas que os apelantes praticaram a conduta tipificada na lei de regência. Irrefutáveis as provas encontradas, consubstanciadas na quantidade de maconha e cartuchos, ¿pinos¿ ou ¿tubinhos¿ de cocaína arrecadados, fora aqueles que se encontravam espalhados pelo local em indicativo de pleno consumo. Correto o juízo de desvalor vertido na condenação perpetrada, que deve ser mantida. No plano da dosimetria, porém, há reparos a proceder. RECURSOS CONHECIDOS. PRELIMINAR REJEITADA. NO MÉRITO, PARCIALMENTE PROVIDOS, na forma do voto do relator. (TJ-RJ - APL: 02995303420138190001 RJ 0299530-34.2013.8.19.0001, Relator: DES. GILMAR AUGUSTO TEIXEIRA, Data de Julgamento: 09/10/2014, OITAVA CAMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 13/10/2014 15:21)

 

Segundo entendimento do Professor Rogério Greco (2011, p. 311) sobre o art. 229 do Código Penal, a existência de tipos penais como o do art. 229 somente traz descrédito e desmoralização para a Justiça Penal (Polícia, Ministério Público, Magistratura, etc.), pois que, embora sendo do conhecimento da população em geral que essas atividades são contrárias à lei, ainda assim o seu exercício é levado a efeito com propagandas em jornais, revistas, outdoors, até mesmo em televisão, e nada se faz para tentar coibi-lo.

 

3.3.1. A Nova Redação do Art. 229 do Código Penal após a Lei 12.015/2009

De acordo com André Estefam (2009, p. 203-209), o art. 229 do Código Penal ficou da seguinte forma:

A sua redação passou a ser “manter, por conta própria ou de terceiro, estabelecimento em que ocorra exploração sexual, haja, ou não, intuito de lucro ou mediação direta do proprietário ou gerente”.

A pena prevista é de 2 (dois) a 5 (cinco) anos de reclusão e multa.

A conduta punida referente ao tipo objetivo consiste em manter estabelecimento em que se dão práticas ligadas à exploração sexual de forma habitual. Para César Roberto Bittencourt (2012, p. 405), Manter implica a ideia de habitualidade, que não deve ser confundida com permanência. São desnecessários o fim de lucro e a mediação direta do proprietário ou gerente, segundo elementar expressa, que representa característica negativa da constituição tipológica. A tipificação deste delito exige prova da habitualidade. O verbo “manter” implica a ideia de continuidade, de reiteração, da repetição da mesma ação, que não se confunde com permanência, cuja ação única alonga-se no tempo. Não haverá crime, portanto, por  inadequação da tipicidade, se não houver prova da reiteração Será encaixado ao tipo subjetivo do referido crime aquele agente que concorrer a esse crime de forma dolosa em caráter habitual.

Qualquer pessoa (homem ou mulher) que mantenha estabelecimento em que ocorra exploração sexual, haja, ou não, intuito de lucro ou a intermediação direta deles. Como não é crime prostituir-se, a meretriz que mantém uma casa com esse intuito não comete o crime em tela, a não ser que mantenha a casa para que outras prostitutas exerçam o meretrício. (CAPEZ, 2012, p. 626).

No entendimento de Fernando Capez (2012, p. 626, o sujeito passivo é a vítima (homem ou mulher) da exploração sexual. A coletividade, secundariamente, também é sujeito passivo desse crime, pois há ofensa à moralidade pública e aos bons costumes.

Para Rogério Sanches Cunha citado por Fernando Capez (2012, p. 626), a coletividade também poderia ser ofendida, mas nesse caso remotamente, pois, para ele, temos de evitar essa tendência moralizante do direito penal

Ocorre a consumação com o início de manutenção do estabelecimento em que ocorra a exploração sexual. Não é necessária a prática de qualquer ato sexual, sendo a tentativa inadmissível. (CAPEZ, 2012, p. 626).

Consuma-se com a manutenção de estabelecimentos em que ocorra exploração sexual — local destinado a encontros libidinosos —, que o legislador passou a denominar exploração sexual. Este crime é habitual, exigindo a prática reiterada do mesmo comportamento para caracterizá-lo, não podendo ser confundido com crime permanente. Tratando-se de crime habitual, por certo, a prática de um ou outro encontro “amoroso” é insuficiente para consumar o delito, cuja tipificação exige a prática repetida de condutas que, isoladamente, constituem um indiferente penal. Aliás, a descrição anterior deste tipo penal referia-se a “encontros”, no plural, que deixava clara a necessidade de uma pluralidade de encontros para, no mínimo, atender essa elementar típica. Como crime habitual, não admite tentativa. (BITTENCOURT, 2012, p. 418).

E, o autor (2012, p. 418) discorda do entendimento de Paulo José da Costa Jr quando sustenta que a realização de um único encontro configura a forma tentada desse crime habitual, pela singela razão de que crime  habitual não admite tentativa. Nesse sentido, destaca a lição de Nucci (2009, p. 81), que subscrevemos integralmente: “mantemos a nossa posição de ser juridicamente impossível a prisão em flagrante no caso do art. 229. Com a nova redação, há maior razão para se afastar essa atitude estatal. Além de se exigir prova da habitualidade, o que demanda tempo, algo incompatível com o flagrante, pode ser exigível prova de existência da exploração sexual (prática de qualquer crime sexual envolvendo esse estado). As penas cominadas, cumulativamente, são de reclusão, de dois a cinco anos, e multa, por razão óbvia: a atividade incriminada visa, quase sempre, a obtenção de lucro. A ação penal é pública incondicionada, não dependendo da iniciativa de quem quer que seja. Contudo, a despeito da obrigatoriedade da ação penal, as casas de prostituição, ou, na nova terminologia, estabelecimentos em que ocorra exploração sexual, continuam proliferando em todo o país (BITTENCOURT, 2012, p. 418).

Cabe ao Supremo Tribunal Federal decidir se a norma penal, inscrita no artigo 229 do Código Penal deve subsistir no contexto social atual ou se resta inaplicável ante os princípios da insignificância, intervenção mínima e adequação social. Trata-se de julgamento bastante relevante haja vista que o STF deverá definir se a suposta aceitação social em relação à determinada conduta tem o condão de afastar a sua tipicidade. Assim, ele decidirá se a sociedade pode, com base na sua possível tolerância, no que concerne a certos atos como a existência da casa de prostituição, e na mudança de paradigmas, de cunho moral, afastar a aplicabilidade prática de norma penal incriminadora, excluindo a repressão dos órgãos estatais, indicando o verdadeiro alcance do princípio da adequação social e sua repercussão no tipo penal.

 

CONCLUSÃO

O primeiro capítulo contou um pouco da história da prostituição, não só no Brasil como no Mundo, mostrando como essa profissão foi moldando-se numa teia de preconceitos e envolta de moralismos até hoje não resolvidos, buscando-se o tempo todo de alguma forma tentar inibir essa atividade, porém sem vitórias, pois a sociedade não consegue prescindi-la, talvez pela própria cultura machista. Mostrou-se também um pouco da epistemologia da prostituição, pois foram apresentados conceitos como proxeneta, cafetina, gigolô, que são termos muito utilizados no meio desses profissionais do sexo. Foram apresentadas algumas diferenças importantes para a compreensão deste artigo, dentre elas a distinção entre exploração sexual e prostituição como também a diferença entre prostituição infantil e o disposto no art. 229 do Código Penal, a chamada casa de prostituição.

No segundo capítulo, tratou-se de explanar sobre os princípios constitucionais e os de direito penal, trabalhando um dos fundamentais princípios constitucionais: o da dignidade da pessoa humana, pois ele é primordial para o ser humano, aquele por excelência inerente ao homem, o qual nunca deve ser esquecido, prescindido, por tratar-se também de um fundamento de um Estado Democrático de Direito. Sem esquecer outro importantíssimo para qualquer relação humana em sociedade que é o princípio da legalidade, uma vez que sem ele podem surgir diversas injustiças, desrespeitos aos direitos e garantias assegurados na Constituição Brasileira de 1988. Foram, ainda, explanados neste trabalho os princípios reguladores do Direito Penal. Tudo isso para mostrar a importância de segui-los, de obedecê-los sempre quando uma lei for editada para não perder essa orientação imprescindível no tocante aos direitos e deveres para tornar uma sociedade pronta para o convívio social.

No último capítulo foram tratadas as jurisprudências que demonstram, por vezes, até a atipia do art. 229 do Código Penal, a inadequação desse artigo sobejado de moralismo fora de época. Foram citadas doutrinas que são contrárias à existência desse dispositivo. Foi feita uma análise sobre as alterações oriundas da Lei 12.015/2009, mostrando o lado benéfico da lei como também algumas dúvidas surgidas a partir dessa norma, demonstrando no final do trabalho como ficou a feição do ilícito objeto deste trabalho. Concluindo que a prostituição voluntária de pessoa com idade adulta e com plena capacidade não deve ser tratada como exploração sexual, uma vez que não havendo violência, fraude, qualquer engano, situação de vulnerabilidade, o Estado não deve intervir na vida sexual do cidadão, sob pena de violação de princípios tão importantes na criação de um crime e cominação de pena, ou seja, do princípio penal da intervenção mínima e adequação social. Portanto, os limites do direito penal para o crime em comento devem restringir-se à proteção dos incapazes, principalmente às crianças e adolescentes, do contrário tende a causar violação do direito à liberdade sexual do indivíduo. Por tudo isso, conclui-se que o art. 229 do Código Penal é inconstitucional e deve ser abolido da legislação criminal brasileira, pois atenta contra princípios constitucionais e de direitos constitucionais penais.

 

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Sobre a autora
Yonete Melo das Chagas

Advogada e Contadora, formada pela Universidade Federal do Amazonas. Pós-graduada em Direito e Processo Penal pela Faculdade Damásio de Jesus, pós-graduada em Contabilidade Pública e Tributária pelo Centro Universitário Uninorte, MBA em Finanças Corporativas pela Faculdade Gama Filho.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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