Intervenção de Terceiros em face do CPC/2015

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27/03/2016 às 13:43
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[1] O conceito clássico de partes, sem levar em conta a extensão subjetiva da sentença e da coisa julgada, é preciso e exato, mas de pouca utilidade, porque outros sujeitos podem ter iguais poderes e sofrer iguais efeitos. Em resumo, afirmar que alguém é ou não é parte pouco significa, para determinar seus poderes no processo e os efeitos que possa sofrer. A precisão e a dimensão desse conceito não têm impedido controvérsias a respeito da condição de parte do assistente, havendo afirmações no sentido de que não é parte em hipótese alguma; que é parte em qualquer caso; que é parte, se litisconsorcial a assistência.

[2] O conceito de terceiro é encontrado por negação, sendo o que não for parte do processo, seja porque nunca esteve nesta, seja porque foi parte, mas também o que deixou de sê-lo por qualquer motivo. Afirma Barbosa Moreira que é terceiro quem não seja parte, quer nunca o tenha sido, quer tenha deixado de sê-lo em momento posterior àquele que se profira a decisão judicial. Trata-se de conceito simples, mas decorrente da simples inatividade em relação ao processo.

[3] Além das duas novas inserções foram mantidas a assistência, a denunciação da lide e o chamamento ao processo.

[4] No caso da assistência, mais especificamente, a vinculação do interveniente ao resultado do processo se dá sob a forma do "efeito" ou da "eficácia da intervenção" (Interventionswirkung).

Da proibição, imposta pela lei, de que o assistente discuta a "justiça da decisão" proferida no processo em que interveio (CPC/1973, art. 55), extrai-se ficarem indiscutíveis e imutáveis, perante ele, não apenas o dispositivo, mas também os fundamentos jurídicos da sentença.

Se, por esse lado, a "eficácia da intervenção" assistencial é mais severa que a autoridade da coisa julgada, por outro é mais branda, haja vista que o assistente se subtrai dessa vinculação se demonstrar que não teve plenas condições de fazer valer suas razões no processo em função da conduta do assistido ou do estado em que recebera a causa.

[5] O conceito de interesse jurídico é o ponto mais tormentoso e controvertido no estudo da assistência, limitando-se o Código de Processo Civil de 1973, em seu artigo 50, a dispor que poderá intervir como assistente o terceiro que tiver interesse jurídico em que a sentença seja favorável a uma delas.

Iniciaremos este esboço doutrinário pelos conceitos que se nos afiguram mais completos, que são os fornecidos por Thereza Alvim e Arruda Alvim.

Segundo Thereza Alvim, o interesse será jurídico “se a esfera jurídica do terceiro puder ser atingida de fato, isto é, pelos fundamentos de fato e de direito da sentença ou pela própria decisão, de forma indireta, tenha ele entrado ou não no processo”. Em trabalho mais recente, Thereza Alvim afirma que “só será jurídico o interesse do terceiro, se a decisão judicial da lide, ou seja, do pedido que não foi, nem por ele, nem contra ele, feito, puder vir a afetar relação jurídica sua com o assistido, puder ser atingido por atos executórios afetando sua esfera jurídica, ou, ainda, puder ser alcançada sua esfera jurídica, atual ou potencialmente”, acrescentando que o terceiro será atingido apenas pela eficácia natural da sentença.

Arruda Alvim afirma que a esfera jurídica do assistente simples poderá ser afetada de duas formas: 1) se a própria decisão do processo alcançar relação jurídica sua com quem deseja assistir, como uma prejudicial; 2) se a justiça da decisão operar efeitos de fato na esfera jurídica do assistente simples. Esclarece esse autor que, para o interesse do terceiro ser considerado jurídico, “deve, do processo entre outras pessoas, pode resultar influência benéfica ou contrária, prejudicial ou indireta, no conflito de interesses, atual ou potencial, que tem ele com a parte a quem deseja assistir”.

Em outra obra, Arruda Alvim destaca que o interesse jurídico como justificador do ingresso do assistente simples deve ser aferido em função de a sentença poder afetar ou não esse terceiro.

Em interessante parecer, Arruda Alvim sustenta que o “mero reflexo prático na posição do assistente é o bastante para justificar o seu ingresso; a isto se reduz o interesse jurídico do assistente”, esclarecendo mais adiante que “recebe, pela lei processual vigente, a qualificação de jurídico o interesse do terceiro se vislumbrado estiver, atual ou potencial, atingimento de fato na sua esfera jurídica” e concluindo que “a tradição do nosso Direito é a mais liberal possível, tangentemente à configuração do interesse do assistente”.

Citando Rosenberg, bem demonstra que o conceito de interesse jurídico não pode ser delimitado de maneira formal, estando presente essa classe de interesse, segundo o processualista alemão, “sempre que o interveniente aderente esteja em relação jurídica tal com as partes ou o objeto do processo principal, que uma sentença desfavorável influiria de algum modo, juridicamente e em seu detrimento, em sua situação de Direito Privado ou Público”

[6] Incidente do processo é ato ou série de atos realizados no curso do processo. É um procedimento menor, inserido no procedimento desse processo, embora sem surgir nova relação jurídica processual. Temos como exemplo: as exceções instrumentais de suspeição, impedimento, incompetência relativa, o incidente de uniformização de jurisprudência, incidente de declaração de inconstitucionalidade.

Conclui-se que toda intervenção de terceiro é um incidente de processo, mas, jamais, um processo incidente, posto que terceiro ingresso em processo alheio, impondo-lhe alguma modificação.

[7] É o artigo inicial sobre a intervenção de terceiros. A assistência simples e a litisconsorcial ficavam situadas em local imediatamente anterior a este título. Com o CPC de 2015, a assistência tanto a simples como a litisconsorcial passou a ser expressamente considerada como modalidade de intervenção de terceiro, bem ao lado da denunciação da lide, do chamamento ao processo, da desconsideração da personalidade jurídica e do amicus curiae.  A oposição, por sua vez, fora realocada e atualmente passou a ser tratada como um dos procedimentos especiais de jurisdição contenciosa (art. 682 ao art.686). A nomeação à autoria que tenciona a correção de ilegitimidade passiva, desaparece com este nomen iuris, embora possa ser realizada diretamente no bojo da peça contestatória. O parágrafo único do art. 119 do novo CPC vez que nem sempre o procedimento especial autoriza o ingresso do assistente, basta ver o art. 10 da Lei 9.099/95.

[8] Em primeira análise cabe informar que a origem deste importante instituto: a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, foi desenvolvida pelos tribunais norte-americanos e anglo-saxões, sendo, posteriormente, importada para o ordenamento jurídico brasileiro.

O instituto nasceu em virtude de casos concretos, em que o sócio de determinada empresa, utiliza-se da “blindagem patrimonial” para lesar credores, desviando o sentido da norma para interesses escusos e odiosos. Entre esses casos, dois merecem destaque: 1) State vs. Standard Oil Co., julgado em 1982 pela Suprema Corte do Estado de Ohio, nos EUA, 2) Salomon vs. Salomon & Co., julgado pela Câmara de Londres, em 1897, na Inglaterra.

Visando controlar esse desvio de finalidade e proteger os institutos da boa-fé objetiva e da finalidade social das empresas, entenderam os tribunais que a autonomia patrimonial não poderia albergar fraudes. Assim, quando houvesse desvio de patrimônio da sociedade para o patrimônio pessoal, com o objetivo de fraudar credores, não haveria fundamento para proteger o patrimônio pessoal dos sócios.

[9] Na lição de Fredie Didier Jr., processo incidente é uma relação jurídica nova, assentada sobre um procedimento novo. Considera-se incidente esse processo porque instaurado sempre de modo relacionado com algum processo pendente e porque visa a um provimento jurisdicional que de algum modo influirá sobre este ou seu objeto. São exemplos comuns: os embargos do executado, os embargos de terceiro, a cautelar incidental, a reclamação constitucional e a oposição autônoma.

[10] Há ainda a assistência anômala prevista na Lei 9.469/97, art. 5º: A União poderá intervir nas causas em que figurarem, como autoras ou rés, autarquias, fundações públicas, sociedades de economia mista e empresas públicas federais. Parágrafo único. As pessoas jurídicas de direito público poderão, nas causas cuja decisão possa ter reflexos, ainda que indiretos, de natureza econômica, intervir, independentemente da demonstração de interesse jurídico, para esclarecer questões de fato e de direito, podendo juntar documentos e memoriais reputados úteis ao exame da matéria e, se for o caso, recorrer, hipótese em que, para fins de deslocamento de competência, serão consideradas partes.

[11] Luiz Guilherme Marinoni também afirma que a existência de relação jurídica entre o terceiro e a parte não integra o conceito de interesse jurídico e, para confirmar seu raciocínio, invoca o clássico exemplo do tabelião que ingressa em processo em que se discute a existência de vício em escritura pública, em que se admite a assistência sem que haja relação jurídica.

[12] Em sua recente dissertação, João Luís Macedo dos Santos considera um importante parâmetro para a verificação da existência do interesse jurídico o entendimento retirado de julgamento do Supremo Tribunal Federal, segundo o qual deve partir-se da hipótese de vitória da parte contrária para indagar se dela adviria prejuízo juridicamente relevante.

Esse breve e exemplificativo panorama doutrinário é suficiente para demonstrarmos a fluidez conceitual de interesse jurídico. De todo modo, as posições doutrinárias fornecem relevantes subsídios para a identificação concreta do interesse jurídico.

[13] Quando o interesse do assistente for indireto, ou seja, não vinculado diretamente ao litígio, diz-se que a assistência é simples. A sublocação do exemplo não figura como objeto da lide. E, a admissibilidade de tal assistência decorre apenas do interesse jurídico indireto. E o assistente atuará como legitimado extraordinário subordinado, portanto, em nome próprio, auxiliará na defesa de direito alheio. A legitimação é subordinada, pois é imprescindível a presença do titular da relação jurídica controvertida. Trata-se o assistente simples de mero coadjuvante do assistente, tendo atuação complementar, não podendo ir de encontro à opção processual deste.

[14] Na assistência litisconsorcial por possuir interesse direto na demanda, o assistente é considerado litigante diverso do assistido, razão pela qual não fique sujeito á atuação deste. Poderá, portanto, praticar atos processuais sem subordinar-se aos atos praticados pelo assistido e gozará de poderes, como requerer o julgamento antecipado da lide, recorrer, impugnar ou executar sentença.

[15] Há uma sutil modificação no CPC/2015: no rol das condutas dispositivas do assistido que vinculam o assistente simples se acrescenta a renúncia ao direito sobre o qual se funda a ação (art. 122, NCPC). O CPC/1973, inexplicavelmente, não a mencionava no art. 53, certamente misturando desistência da ação, expressamente referida, com renúncia do direito sobre o que se funda a ação, conduta ignorada, nada obstante ainda mais gravosa ao assistido. Esse erro se repetia no inciso VIII do art. 485, hipótese de ação rescisória, que também não mencionava a renúncia, embora cuidasse da desistência. O curioso é que, tanto para o CPC/1973 como para o NCPC, são atos dispositivos bem diferentes, inconfundíveis: o primeiro leva a uma decisão sem resolução de mérito (art. 267, VIII, CPC/1973; art. 495, VIII, NCPC) e a segunda, a uma decisão com resolução de mérito (art. 267, II, CPC/1973). O NCPC corrige a omissão.

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[16] Chama-se substituto processual aquela pessoa física ou jurídica a quem a lei, em excepcionais e expressas situações, confere legitimidade - chamada, portanto extraordinária, em contraposição à ordinária do art. 6º - para atuar em juízo em nome próprio -, mas no interesse de outro sujeito. O legitimado extraordinário figura, assim como parte no processo, apesar de não ser parte na relação jurídica material controvertida.  Os efeitos da sentença projetam-se naturalmente sobre o substituído, titular que é dos interesses em jogo.

[17] O referido dispositivo trata do mero ajuste redacional, disciplinando o fenômeno chamado de exceptio male gesti processus que traduz a rara hipótese que autorizam o assistente simples a discutir, em futuro processo a ser discutido, os fundamentos da decisão em que tenha participado como terceiro.

[18] "Ao intervir, o terceiro adquire a qualidade de parte. Qualquer que seja a modalidade de assistência, ele terá faculdades, ônus, poderes e deveres inerentes à relação processual". (Cândido Rangel Dinamarco). A afirmação é discutível. O mesmo doutrinador paulista assevera: "Mesmo quando adjetivado de litisconsorcial, o assistente não é autor de demanda alguma nem em face dele foi proposta qualquer demanda; a procedência da inicial não lhe trará bem algum, nem retirará coisa alguma de seu patrimônio. Ele é sempre um auxiliar da parte principal”. Se é importante distinguir parte e auxiliar da parte, não se justifica a afirmação de que o assistente se torna parte.

Se parte é quem pede ou aquele contra quem é formulado o pedido, o assistente, mesmo litisconsorcial, parte não é.

Se definimos "parte" como aquele que é sujeito de direitos, poderes, ônus e deveres processuais, mesmo o assistente simples é parte. Mas, nesse caso, não se terá como distinguir a atuação do Ministério Público como fiscal da lei, de sua atuação como parte, porque em qualquer dos casos é sujeito de direitos e deveres processuais.

[19] Diz Athos Gusmão Carneiro: "O terceiro, ao intervir no processo na qualidade de assistente, não formula pedido algum em prol de direito seu. Torna-se sujeito do processo, mas não se torna parte (grifo meu). O assistente insere-se na relação processual com a finalidade ostensiva de coadjuvar a uma das partes, de ajudar ao assistido, pois o assistente tem interesse em que a sentença venha a ser favorável ao litigante a quem assiste".

[20] A originária denuntiatio litis do direito romano não passava de um expediente por meio do qual o denunciante dava notícia ao denunciado da pendência da lide, de que poderia nascer, com a sucumbência do garantido (denunciante), o dever para o denunciado de indenizar-lhe os prejuízos, de modo a colocá-lo, através dessa comunicação que se fazia ao terceiro, em condições de ingressar na demanda como assistente do denunciante e preservar, com tal expediente, seu direito de propor contra o denunciado uma futura ação de regresso.  Esse tipo de denunciação da lide, que se resume na comunicação formal feita a um terceiro da existência da controvérsia, por uma das partes, dando-lhe ciência da demanda, de modo a assegurar o direito de regresso contra o denunciado, a ser exercido em demanda subsequente, portanto sem que a denunciação implique, desde logo, a propositura da causa de garantia entre o denunciante e o denunciado, é o modo seguido pelo moderno direito alemão.

[21] Haverá limitação quanto ao número de denunciações da lide. É o que informa o art. 125, §2º do NCPC que permite a denunciação sucessiva. Então, são possíveis até quatro denunciações da lide no mesmo processo. Ou seja, uma regular e uma sucessiva por cada parte no processo.

[22] A revogação do art. 456 do C.C. por parte do art. 125, I do NCPC pelo qual só é possível a denunciação ao alienante imediato e a não reprodução da regra contida no art. 73 do CPC/1973 indicam que o princípio da relatividade dos efeitos se sobrepôs ao princípio da função social quanto à evicção. Porém, se analisarmos, mais detidamente, se a função social não é norma de ordem pública que não possa ser afastada pela vontade das partes? Responde José Fernando Simão, positivamente pois o princípio cede por força de lei para dar espaço ao tradicional res inter alios acta.

[23] Especificamente sobre o instituto da denunciação da lide, mister se faz destacar três importantes inovações do NCPC sobre o assunto, quais sejam: fim da obrigatoriedade da denunciação da lide, limitação da denunciação da lide sucessiva e proibição da denunciação da lide per saltum.

Por derradeiro, a denunciação da lide per saltum, ou seja, aquela feita não ao alienante imediato, mas a qualquer um dos alienantes anteriores, desaparece do sistema jurídico brasileiro, notadamente pela opção legislativa contida no artigo 1.072, inciso II, do NCPC, que revogou expressamente o artigo 456 do Código Civil Brasileiro vigente, suporte atual para o entendimento majoritário no sentido de que seria possível a referida forma de denunciação.

[24] Importante consignar que infelizmente alguns civilistas vinham conferindo ao art. 456 do C.C. uma equivocada interpretação. Principalmente por conta da afirmação que haveria o caso de aplicação da eficácia externa da função social do contrato. E, daí extraíam que haveria uma solidariedade entre todos os integrantes da cadeia dominial. Mas, tal entendimento é inaceitável, pois se houvesse a norma civil brasileira criado uma hipótese de solidariedade, não haveria sentido em se prever o cabimento da denunciação da lide e, sim, de chamamento ao processo. Portanto, tal interpretação se mostrava inconciliável com sistema processual vigente.

[25] Fredie Didier Júnior, com razão, assinala que toda a construção dogmática acerca dos institutos da intervenção de terceiros pauta-se por ideias criadas na época em que o processo tinha uma concepção puramente individualista, servindo como mecanismo de solução de conflitos individuais, destacando que o fenômeno interventivo diz respeito, sobretudo, ao problema da legitimidade, que sofre inúmeras derrogações com o aprimoramento da tutela coletiva.

[26] Inicialmente cumpre frisar que a obrigação dos avós é obrigação caracterizada pela excepcionalidade, somente sendo admitida diante de prova inequívoca da impossibilidade de os pais proverem os alimentos, sendo obrigação subsidiaria e complementar.

A natureza da obrigação alimentar de modo geral e também dos avós deriva do princípio da solidariedade. Nas palavras de Rizzardo (2007 p. 721), “funda-se o dever de prestar alimentos na solidariedade humana e econômica que deve imperar entre os membros da família ou os parentes. Há um dever legal de mútuo auxilio familiar, transformado em norma ou mandamento jurídico. ”

As discussões tornaram-se maiores e mais ousadas após a vigência do Código Civil de 2002, que com a nova redação dos artigos 1.694 e 1.695, pode levar o intérprete do Direito equivocadamente, concluir que o legislador objetivou que os avós, paguem alimentos a seus netos de forma imperativa e indiscriminada.

Art.1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.

Art. 1.695. São devidos os alimentos quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, a própria mantença, e aquele que, de quem se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento.

[27] Com razão adverte Zavascki que a doutrina predominante, na esteira do pensamento de Liebman, considera o responsável secundário como terceiro, e não como parte, na relação processual. Já em sentido contrário, na doutrina brasileira, conforme Araken de Assis percebe que tal orientação tem fim prático importante que seja o de definir como sendo os embargos de terceiro e não os embargos do devedor, o instrumento de defesa cabível do responsável secundário, mas deve ser tomada com reservas. A rigor o art. 592 CPC/1973 evidencia que, a rigor, apenas existem duas hipóteses, do sócio e do cônjuge, que são típicas de responsabilidade executória secundária.

Porém, é diferente a situação do sócio e a do cônjuge cuja responsabilidade patrimonial tem, no fundo, natureza fiduciária, em face da posição de proveito que, real ou presumidamente, obtiveram em decorrência do débito assumido pela sociedade ou pelo outro cônjuge. (In: ZAVASCKI, Teori Albino. Comentários ao Código de Processo Civil. 2ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2003).

[28] A Lei nº 12.441/2011 que instituiu a figura da Empresa Individual De Responsabilidade Limitada se baseou em modelos criados por países europeus, principalmente França, Alemanha e Portugal, para admitir no ordenamento nacional uma sociedade empresária unipessoal com responsabilidade limitada.

A legislação alemã, em 1980, e a Francesa, em 1985, passaram a admitir a constituição de sociedades limitadas unipessoais e pluripessoais.

[29] Na sociedade em comandita simples há dois tipos de sócios: os sócios os comanditados, e comanditários. Os primeiros são, necessariamente, pessoas físicas que respondem solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais, colaborando com capital; já os segundos, são obrigados apenas pelo valor de suas quotas.  O contrato social deve prever especificamente quais são os sócios comanditados e comanditários.  Nesse tipo societário o nome empresarial, conforme já dito, só pode firma ou razão individual/social.

[30] Analisando a aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, e fazendo-se uma análise puramente positivista, chegaremos à conclusão de que, em havendo confusão patrimonial, poderá haver desconsideração da personalidade jurídica. Ocorre que, devido à natureza da atividade dos empreendedores que almejam este tipo de constituição societária, sendo em sua maioria empreendedores individuais, micro e pequeno produtores, artesãos, prestadores de serviço, empresários individuais, há uma confusão patrimonial natural, já que a atividade deste tipo de empreendedor é, em sua natureza, de subsistência, não de investimento, como nas demais sociedades empresárias. Senão vejam-se os dados sobre localização do empreendimento e outras fontes de renda dos empreendedores extraídos da pesquisa Perfil do microempreendedor brasileiro, realizada em 2012 pelo SEBRAE, que poderá esclarecer o quanto são confusas as interações dos patrimônios dos empreendedores e dos empreendimentos.

[31] Há os seguintes pontos básicos: poderes do administrador, responsabilidade do administrador, responsabilidade coletiva e individual do administrador nos casos de administração plúrima, administrador “laranja” e responsabilidade da sociedade (vinculação). Existem duas espécies: comuns e especiais.  Poderes comuns ou intra vires (dentro das forças): Salvo restrição contratual, o administrador fica automaticamente investido. Decorrem do só fato de ser administrador.

Equivalem aos poderes do mandato em termos gerais (CC/1916, art. 1.295; CC/2002, 661) e aos da cláusula ad judicia para o advogado (CPC, art. 38, 1ª parte).

São os poderes de gestão ou para os atos normais de administração. Por exemplo, os atos relativos ao objeto social, admitir, demitir empregados, etc.

Poderes especiais ou ultra vires (além das forças): Há necessidade de outorga expressa. Isso não vigora apenas para o administrador de sociedade. Equivalem aos poderes especiais do mandato (CC/1916, art.

1.295, §§ 1º e 2º; CC/2002, art. 661, §§ 1º e 2º), o mesmo ocorrendo para o advogado (CPC, art. 38, 2ª parte). São os poderes para os atos que desbordam dos normais de gestão ou de administração;

[32] A Teoria Ultra Vires surgiu em meados do século XIX, por ação das cortes britânicas, com o objetivo de evitar desvios de finalidade na administração das sociedades por ações, e preservar os interesses dos investidores.  Essa teoria afirmava que qualquer ato praticado em nome da pessoa jurídica, por seus sócios ou administradores, que extrapolasse o objeto social seria nulo.

Com o tempo percebeu-se a insegurança que sua aplicação gerava para terceiros de boa-fé que negociavam com tais sociedades e, assim, tanto na Inglaterra, como nos Estados Unidos, ao longo do século XX, os órgãos judiciais flexibilizaram o rigor inicial da Teoria Ultra Vires.

Os atos ultra vires, ou seja, aqueles praticados pelos sócios ou administradores fora dos limites do objeto social, com desvio de finalidade ou abuso de poder, passaram de nulos a não oponíveis à pessoa jurídica, mas oponíveis aos sócios ou administradores que os houvessem praticado.

Para confrontar a Teoria Ultra Vires surgiu a Teoria da Aparência que protege o terceiro de boa-fé que contrata com a sociedade. Por essa última teoria, o terceiro - que de modo justificável desconhecia as limitações do objeto social ou dos poderes do administrador ou do sócio que negociou - tem o direito de exigir que a própria sociedade cumpra o contrato. Posteriormente a sociedade pode regressar contra o administrador ou sócio que agiu de modo ultra vires.

[33] A partir da vigência da lei 12.846/133, que ficou conhecida por Lei Anticorrupção, mais um diploma contempla norma voltada à desconsideração da personalidade jurídica, utilizando-se da seguinte redação:

Art. 14. A personalidade jurídica poderá ser desconsiderada sempre que utilizada com abuso do direito para facilitar, encobrir ou dissimular a prática de atos ilícitos previstos nesta Lei ou para provocar confusão patrimonial, sendo estendidos todos os efeitos das sanções aplicadas à pessoa jurídica aos seus administradores e sócios com poderes de administração, observados o contraditório e a ampla defesa.

[34] A súmula 375 do STJ, de 18 de março de 2009, tem o seguinte conteúdo: "O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente". Anteontem, dia 21 de novembro, o site do STJ veiculou informação de que a 3ª turma reafirmava tal entendimento.

O Código de Processo Civil de 1973, no art. 593, não exige a prova da má-fé do adquirente para a caracterização da fraude de execução: "Art. 593. Considera-se em fraude de execução a alienação ou oneração de bens: I - quando sobre eles pender ação fundada em direito real; II - quando, ao tempo da alienação ou oneração, corria contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo à insolvência; III - nos demais casos expressos em lei".

A situação mais comum de fraude é a prevista no inciso II. Pelo seu teor, se corre demanda contra o devedor, capaz de reduzi-lo à insolvência, eventual alienação (ou oneração) de bens por ele praticada, nessas circunstâncias, é fraudulenta.

Quando ocorre alienação de bens pelo devedor em estado de insolvência, há duas ordens de interesses em conflito: a primeira, do credor frustrado com a alienação e, a segunda, do terceiro adquirente. Não se pode conferir o mesmo bem jurídico a ambos. Ou a alienação é incólume e o terceiro não pode ser alcançado, ou a alienação é ineficaz em relação ao credor, para beneficiá-lo. Na segunda hipótese, resta ao adquirente apenas ação contra o devedor que, provavelmente, será inócua.

Doutrina e jurisprudência, ao longo das últimas décadas, sensibilizaram-se diante de inúmeros casos em que a pessoa adquiria um determinado bem, normalmente imóvel, muitas vezes com bastante suor e sacrifício, e depois sucumbia sumariamente, por causa da inesperada declaração de fraude de execução, mesmo tendo tomado todos os cuidados considerados normais para a aquisição.

[35] O STJ entende que a regra do sistema jurídico brasileiro é a Teoria Maior pois para haver a desconsideração, além do inadimplemento é necessário comprovar a fraude/abuso cometidos pelos sócios. Fora de fato adotada expressamente no art. 50 do C.C.

Segundo Carlos Roberto Gonçalves a característica fundamental das pessoas jurídicas: é ade que atuam na vida jurídica com personalidade diversa da dos indivíduos que a compõem (sócios).

A Teoria Menor da Desconsideração entende que a mera insolvência da PJ permite a desconsideração de sua personalidade. Tal teoria é aplicada de forma restrita, pois atinge somente o direito do consumidor e o direito ambiental.

[36] A teoria maior da desconsideração, regra geral no sistema jurídico brasileiro, não pode ser aplicada com a mera demonstração de estar a pessoa jurídica insolvente para o cumprimento de suas obrigações. Exige-se, aqui, para além da prova de insolvência, ou a demonstração de desvio de finalidade (teoria subjetiva da desconsideração), ou a demonstração de confusão patrimonial (teoria objetiva da desconsideração).

- A teoria menor da desconsideração, acolhida em nosso ordenamento jurídico excepcionalmente no Direito do Consumidor e no Direito Ambiental, incide com a mera prova de insolvência da pessoa jurídica para o pagamento de suas obrigações, independentemente da existência de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial.

- Para a teoria menor, o risco empresarial normal às atividades econômicas não pode ser suportado pelo terceiro que contratou com a pessoa jurídica, mas pelos sócios e/ou administradores desta, ainda que estes demonstrem conduta administrativa proba, isto é, mesmo que não exista qualquer prova capaz de identificar conduta culposa ou dolosa por parte dos sócios e/ou administradores da pessoa jurídica.

- A aplicação da teoria menor da desconsideração às relações de consumo está calcada na exegese autônoma do § 5º do art. 28, do CDC, porquanto a incidência desse dispositivo não se subordina à demonstração dos requisitos previstos no caput do artigo indicado, mas apenas à prova de causar, a mera existência da pessoa jurídica, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.

[37] Existem vários entendimentos a respeito da natureza jurídica do amicus curiae. Já mencionava Celso Mello, por ocasião do julgamento da ADI 2.130, referiu-se a uma intervenção processual. E, de acordo com o eminente doutrinador, é razoável afirmar que a natureza jurídica do amicus curiae é de modalidade sui generis de intervenção de terceiros, com as características próprias, aplicável ao processo objetivo de controle de constitucionalidade. Vide LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 12ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2008.

Sobre a autora
Gisele Leite

Gisele Leite, professora universitária há quatro décadas. Mestre e Doutora em Direito. Mestre em Filosofia. Pesquisadora-Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Possui 29 obras jurídicas publicadas. Articulista e colunista dos sites e das revistas jurídicas como Jurid, Portal Investidura, Lex Magister, Revista Síntese, Revista Jures, JusBrasil e Jus.com.br, Editora Plenum e Ucho.Info.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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