A verdade das decisões judiciais ou a filosofia do CPC/2015.

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27/03/2016 às 13:48
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Analisar os paradigmas da metafísica clássica e moderna calcados no dualismo sujeito-objeto e que formam a ideia de verdade no neopositivismo e, estão igualmente presentes nas decisões judiciais.

Analisar os paradigmas da metafísica clássica e moderna calcados no dualismo sujeito-objeto e que formam a ideia de verdade no neopositivismo e, estão igualmente presentes nas decisões judiciais.

Aliás, com o CPC/2015 vários paradigmas são trazidos tais como: a prioridade pela autocomposição das partes por meio de mediação e conciliação, a primazia do julgamento do mérito, prevendo a maior sanabilidade que possível, a previsão do contraditório dinâmico e mais efetivo, o endosso legitimador da fundamentação das decisões judiciais e, por fim, a maior celeridade processual pela simplificação e até customização do rito processual.

O CPC/2015 assumidamente neoprocessualista[1] filia-se consequentemente ao neopositivismo[2] que é explicado tanto pela filosofia como pela teoria geral do Direito e, ainda, a epistemologia jurídica.

A garantia de eficácia do CPC está ligada aos problemas de linguagem, pois os juristas estão diariamente envoltos com a linguagem e, esta é indispensável para que possam articular os pensamentos, bem como expressar-se. Há quem cogite no chamado “juridiquês”.

A linguagem ao longo dos anos tem sido estudada tanto pela filosofia do Direito como pela filosofia da linguagem, tendo em vista que desde da Antiguidade Clássica procurou-se descobrir a noção de verdade, ou seja, basear-se para poder decidir e como deveria ser tal decisão.

E nesse contexto, a metafísica tem por fim analisar a partir da matriz hermenêutica, por meio de filósofos e juristas que também trataram do tema. Os primórdios da filosofia da linguagem começam com Platão e sua noção sobre a verdade, que se encontrava nas coisas, uma vez que as palavras e a linguagem podiam ser enganosas.

Tanto Platão quanto Aristóteles traçaram suas teorias de maneira a rechaçar a ideias dos sofistas, posto que não acreditassem que a linguagem deveria ser utilizada como melhor conviesse ao indivíduo. Enfim, questiona-se o que deveria ser buscado: era a verdade.

Já para Aristóteles é através da essência das coisas que se poderá dar sentido àquilo que se fala, ou a forma como o mundo se apresenta. Apresentava-se o entendimento contrário, o qual foi elaborado pelos estoicos, pois estes não comungavam que os objetos possuíssem essência, sendo que, seus textos serviram de base para que Saussure[3] realizasse sua teoria sobre o signo[4].

O pensamento dominante na metafísica clássica permaneceu durante toda a Idade Média, quando então muitos textos gregos foram traduzidos para o cristianismo. E, Santo Agostinho[5] busca no interior a solução para a verdade, enquanto que Santo Tomás de Aquino[6] sustenta na razão divina a noção de verdade.

Em oposição as suas ideias, surge o nominalismo de Guilherme Ockham[7] que enfatizou a importância da linguagem. Posteriormente, apresenta-se a influência da metafísica da Escola da Exegese[8] surgida na França e na Escola da Jurisprudência dos Conceitos[9] elaborada da Alemanha, onde apesar de tentarem dar uma resposta ao sistema positivista, não deixaram de importar os mesmos preceitos já presentes na Antiguidade Clássica.

A relevância dessa corrente é grandiosa, especialmente porque esta constituiu o primeiro esforço sistemático no sentido de elaborar um conhecimento científico acerca do direito positivo e, nessa medida, ela é precursora de toda a ciência jurídica[10] contemporânea.

O nome mais destacado à jurisprudência dos conceitos é o Georg Puchta, principal discípulo de Savigny e mentor do projeto de construção do sistema conceitual abstrato que ele próprio chamava de genealogia dos conceitos.

Como a principal obra de Puchta chamava-se Pandekten (Pandectas) e esse mesmo título foi utilizado por vários dos juristas que levaram à frente a sua proposta teórica que ele propôs, passou-se a designar como pandectística a corrente que buscou aplicar ao direito o método propugnado por Puchta.

Embora esse método tenha sido utilizado também no estudo do direito público, a pandectística é uma escola tipicamente ligada ao direito privado, tendo atingido sua formulação mais acabada nas Pandectas de Bernhard Windscheid, que exerceram tal influência que vieram a praticamente servir como base para a codificação do direito germânico ocorrida no final do século XIX.

Acontece a ruptura trazida pela metafísica moderna a partir da noção de sujeito formulado por Descartes, ser pensante, sendo o filósofo responsável pela criação do solipsismo[11] como consequência do cogito ergo suum, ou seja, penso logo existo.

No mesmo período, surgiu o contratualista Thomas Hobbes[12], grande defensor da sociedade civil que apontou que esta seria resultado de um contrato e novamente trouxe a linguagem como fundamental instrumento para formulação do Estado. Mais tarde, a teoria de Immanuel Kant apontou que a linguagem possui caráter acessório, pois o conhecimento pertenceria ao indivíduo a priori.

Através de Nietzsche[13] aconteceu novamente uma ruptura paradigmática, pois não concordando com os pensadores gregos e com Kant, expôs sua teoria a partir dos problemas que a linguagem[14] apresenta para o pensamento real.

Após a exposição filosófica sobre a metafísica moderna relaciona-se sua influência para a ocorrência da Escola da Jurisprudência dos Interesses[15], bem como com o problema da discricionariedade[16] judicial, onde o sujeito solipsista decide conforme sua consciência.

Sendo que essa corrente de pensamento somente foi derrubada a partir do giro linguístico. Há um impasse a superar na interpretação do Direito, de qual forma maneira a discricionariedade do julgador ultrapassa as barreiras do positivismo, ou melhor, fere a própria democracia.

Para abordar tal questão, optou-se pelo método hermenêutico[17], a fim de contrapor a interpretação e as ideias apresentadas pelos filósofos que construíram o entendimento dentro da metafísica clássica e moderna.

Quando se inicia um estudo filosófico na busca do essencial, ou seja, do que está nas entrelinhas dos problemas e teorias fundamentais das ciências. É aquilo que os olhos não podem ver na primeira observação, tendo em vista que é necessário um esforço para que se consiga visualizar quais os problemas jurídicos que a sociedade enfrenta, para então buscar possíveis respostas.

Desta forma, a filosofia do Direito transcende ao Direito, visto que tende a responder os questionamentos feitos por este. Dentre tais questionamentos e problemas que o Direito[18] enfrenta, percebe-se que ainda se decide conforme os padrões aristotélicos e da filosofia da consciência, onde o conceito de verdade fica restrito ao dualismo objeto- sujeito. Alega-se que o dualismo tem elevado a discricionariedade do intérprete da norma.

Esse dualismo vem da busca pela verdade que desde a Antiguidade constituía um problema, algo que deveria ser desvendado. Nesse período o senso comum acreditava que era verdade, era o mundo sensível, ou seja, aquele que os sentidos poderiam perceber e tocar.

Com isso, a verdade passou a ser relacionada à coisa (objeto do mundo sensível), sendo que a linguagem para ser considerada verdadeira deveria registrar adequadamente a coisa.

Na metafísica clássica a verdade está relacionada ao objeto, a coisa. Em Crátilo[19], de Platão, apresenta-se a discussão sobre a linguagem, pois são contrapostas duas teses, de um lado o naturalismo, onde cada coisa tem um nome por natureza e de outro o convencionalismo, defendido pelos sofistas, no qual a ligação dos nomes é terminantemente arbitrária e convencional.

Não há uma relação entre as palavras e as coisas, sendo que Platão tomou a posição intermediária entre ambas. Isso porque, no naturalismo há a noção de que a significação de uma palavra está ligada ao seu som, enquanto que Platão traçou a noção de que uma afinidade natural deve existir entre o som e a significação da palavra, por isso apesar de as palavras não imitarem os sons, elas representam a essência das coisas.

Ou seja, as palavras são a própria coisa, o próprio ser. Logo, para o filósofo a palavra será justa somente quando apresentar corretamente a coisa. Tal teoria de Platão representa o pensamento objetivista, no qual as coisas têm características que se relacionam, sendo a tarefa da linguagem ser a expressão correta da ordem objetiva das coisas.

Platão questionou-se a respeito da forma mais segura para se obter o conhecimento, pois que através dos nomes é possível conhecer com exatidão a coisa, assim como por meio das coisas em si mesmas (visto que uma coisa difere-se a todas as outras que não são seus semelhantes), assim pode-se partir da imagem que reproduz consequente a verdade sobre a coisa, ou partir da verdade, para então conhecer a coisa e sua imagem e verificar então se foi acertadamente realizada.

Platão recomenda que se deva começar o conhecimento pela verdade, não é pelos nomes que se deve partir, mas sim, das coisas. Tal conclusão platônica representa a principal ideia da metafísica clássica, posto que deseje demonstrar que através da linguagem, não se chega à verdade sobre as coisas, pois o que é real, só é conhecido em si mesmo, sem a intervenção linguística, onde é possível conhecer as coisas sem os nomes.

Assim como a verdade está no objeto, a linguagem seria unicamente um instrumento, sendo que o conhecimento não necessita dela. Nesse sentido, a linguagem não é a formadora da experiência humana, mas sim, um instrumento posterior, haja vista, que possui a função de designar com sons, o que fora percebido sem esta.

Diferencia a linguagem do conhecimento, pois para o filósofo a linguagem possui função secundária ao pensamento, o próprio pensar seria uma atividade não linguística.

Defende Platão que não existe uma autonomia da linguagem em relação às coisas, dessa forma, ele e Aristóteles possuem um entendimento contrário ao convencionalismo, haja vista que, conforme se percebe nas suas teses, não ser possível confiar na linguagem, inclusive, os sofistas gregos haviam formulado muitos paradoxos, com o cretense mentiroso: Um cretense diz: “todos os cretenses são mentirosos”. Ora, quando um cretense diz que “todos os cretenses são mentirosos”, não se sabe se o que ele diz é mentira ou verdade.

A partir de Platão tem-se a noção de metafísica, na medida em que é possível exprimir de suas ideias uma universalidade do discurso que apresenta uma verdade sobre o ser, a coisa Seu discurso apresenta uma correspondência entre o pensamento e o ser.

Para Josef Simon[20], o filósofo grego iniciou a filosofia ontológica, uma vez que enxergou no "ser das coisas”, o seu objetivo, ao tentar eliminar o poder dos nomes sobre os significados, ao passo que a retórica sofística a este se manteve presa.

Com Aristóteles surge a primeira metafísica, depois de ter sido discípulo de Platão por dezenove anos, elaborou sua própria tese, visto que não satisfeito com a resposta do mestre que deu aos sofistas. Criou uma teoria voltada para significação, objetivando a refutar a proposição sofística.

Como Aristóteles não concordou com a noção de Platão de que as palavras possuíam uma relação mimética com as coisas. Veio a romper com esse vínculo proposto pelo seu mestre e, finalmente escreveu a sua teoria baseada na teoria da significação, onde a linguagem será o signo e o ser, o significado.

Enquanto que em Platão, a linguagem é apenas um instrumento, cuja relevância é secundária se comparada às coisas e as ideias, para os sofistas a linguagem tem absoluta importância, tanto que desvincula o ser da verdade.

Aristóteles concorda inicialmente com os sofistas, no sentido do valor que a linguagem possui em sociedade. Porém, na sua teoria será a essência das coisas que darão possibilidade de sentido às palavras. Sem a essência, as palavras perderiam a sua função de significante.

Para Aristóteles, a metafísica, era chamada de ciência primeira, que estuda o ser, enquanto ser e os acidentes próprios do ser. Ao contrário das demais ciências que o estudam limitadas sob determinado ponto de vista. Portanto, a metafísica analisar os questionamentos sobre os princípios, as causas mais elevadas, é evidente que tais princípios devem ter uma natureza própria.

Voltando a tese aristotélica percebemos que o indivíduo é formado por matéria e forma, sendo seria como cada um se individualiza e a forma seria a maneira pela qual a matéria se organiza.

Assim, todos os indivíduos de uma mesma espécie teriam uma mesma forma, diferenciando-se na matéria, em face de que os indivíduos são diferentes uns dos outros, ao menos numericamente.

Para Aristóteles, a matéria e forma são impossíveis de serem divorciadas, posto que constituam uma unidade.

O ser humano, a partir da abstração de seu intelecto consegue se relacionar com diferentes objetos, a partir dos quais têm a mesma forma, diferenciando-se de acordo com suas qualidades particulares da matéria.

Logo, a ideia de ser humano, de homem, é uma natureza comum a todos os homens, a partir da forma de ser humano, por meio desta, também é possível distingui-los dos demais animais.

Por essa razão o que existem são as substâncias dos seres, se não houvesse indivíduos, não existiriam, ipso facto, nem espécies, nem gêneros, pois, é justamente dessa substância que depende o conhecimento humano.

Didaticamente Aristóteles explicou que o ser pode ser entendido de diversas maneiras, mas estes diferentes sentidos, se referem a uma só coisa, isto é, uma mesma natureza, sendo que não existe entre eles apenas uma similaridade de nome.

Um ser pode ser muitos significados, mas todos se referem a um único princípio, a sua ideia de substâncias. A essência não é o ser, mas sim, esta é ele no ser.

Conclui-se que a metafísica seria uma ciência que estuda igualmente os seres enquanto seres.  E, tendo em vista que cada ciência possui um objeto que lhe é próprio, na metafísica, o seu objeto de análise é o motivo da existência das demais coisas, necessita Aristóteles ao determinar a essência como objeto, estabelecer os princípios e as causas essenciais.

Segundo Aristóteles as palavras só possuíam sentido definido porque as coisas possuíam essência, a linguagem não manifestava (teoria defendida por Platão) a coisa, mas sim, a significava.

A palavra denominada pelo filósofo, relaciona-se com a coisa devido à significação e não por semelhança ou imitação. Logo, para que o pensamento e a linguagem ocorram é preciso que as palavras tenham um sentido definido, o que é possível a partir da essência.

Isto advém da distinção aristotélica existente entre o discurso geral e a proposição, onde explica que somente com a proposição, pode-se observar quando algo é verdadeiro ou falso. Sendo que os discursos são verdadeiros quando apresentam as semelhanças com as coisas em si.

Para tanto, dizer que aquilo que é, não é, ou que aquilo que não é, ou é falso. Enquanto que dizer que aquilo que é, que não é, ou é verdadeiro.

Importante há de se distinguir a semelhança de significação, tendo em vista que não haja semelhança completa entre os nomes e as coisas, porque os nomes são limitados, ao passo que as coisas são numericamente infinitas, o que determina que muitas venham a ser nomeadas com um único nome.

A linguagem e mais propriamente a palavra será o símbolo do real, pois como não apresenta uma semelhança completa com a coisa, não poderá ser utilizada no lugar destas, de modo que exprime uma ligação ou distância em face e que, ao mesmo tempo em que a palavra não pode ser entendida como um signo do real, esta expressa uma relação simbólica, cujo sentido é determinado pela intervenção do ser, o que permite, por exemplo, que se diferencie a linguagem humana dos sons produzidos pelos animais.

Com o surgimento do discurso advém o problema de seja universal, as coisas são singulares. E, por meio da convenção, as palavras são significativas e para garantir que estas conservem a devida significação, ou seja, uma unidade objetiva, Aristóteles utilizou-se da noção de essência das coisas.

A comunicação entre humanos somente é possível porque as palavras possuem uma unidade de sentido, ao contrário de Platão que defendia a secundária importância da linguagem.

A metafísica aristotélica[21] também pode ser caracterizada como ontologia, uma vez que a linguagem não traz um discurso do ser, mas somente pode ser compreendida a partir do seu fundamento, ou seja, do ser em si.

Dessa forma, a ontologia como ciência primeira, seria o estudo das condições de possibilidade da comunicação humana.

Diametralmente opostas às teorias de Platão e Aristóteles, os estoicos vão assumir um viés materialista, pois, para estes, apenas o que existe é o corpo, o qual é passível de tensões e acontecimentos. Logo, somente o indivíduo singular é o real.

O significante seria a palavra, já o significado seria a coisa que é relevada pela palavra, que é formada através do pensamento humano, enquanto que o objeto existe no mundo exterior ao pensamento.

Por essa razão, a palavra e o objeto são corpóreos, enquanto que o significado que é também chamado de entidade, é incorpóreo, mas presente no pensamento. Tal entidade não se confunde com as palavras, somente poderá ser expresso a partir das palavras, logo, esta é o que dá sentido à fala.

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A linha divisória nos estoicos foi traçada entre as palavras e o sentido (corpóreo e incorpóreo), tendo em vista que o fundamental aqui não seja a ideia, mas os próprios corpos com suas ações e paixões, não sendo a ideia mais do que um efeito.

O acontecimento (termo usado no sentido estoico como algo que não é um ser, mas um quase-ser, sendo efeito incorporal dos corpos) pertence à linguagem, mas acontece às coisas, não são seres, mas dão-se na superfície dos seres.

A importância dos estoicos é enorme que mais tarde Saussure realizou a sua interpretação sobre o signo, caracterizando este como a união entre significante e significado, na realidade, usou-se da terminologia estoica.

A verdade é que Aristóteles iniciou a tradição no pensamento metafísico, e com a evolução, a busca pela verdade continuou por toda Idade Média, que a relacionou à razão divina, sendo que tais filósofos utilizaram-se do pensamento grego, vindo adaptá-lo ao cristianismo.

A teoria da significação de Aristóteles, Lacan[22] e Santo Agostinho vieram elaborar suas teorias baseadas na função significante da palavra.

Para o filósofo Santo Agostinho a busca pela verdade direciona à interioridade do ser humana, ao invés, de nas coisas ou palavras. Assim, a verdade é ínsita ao indivíduo, pois não é possível adquiri-la. A compreensão dos signos é possível a partir do interior, sendo esta, exterior aos signos e aos objetos.

Com a presença do absoluto, as palavras e coisas possuem sentido, visto que a palavra em si não possui verdade, as palavras somente levam as pessoas a apreender novas palavras (e como as palavras são signos, a relação será signo-signo), formando um sistema fechado de significações, por isso elas incitam a busca pela verdade, a qual somente é possível com uma iluminação interior.

De modo que o caminho para a verdade é consequentemente o caminho para Deus, o qual leva para o interior das pessoas. Essa interioridade é condição de possibilidade para a linguagem, e não o contrário, tendo em vista o que se dá no âmbito exterior, é a relação signo-signo, a qual sem a interioridade não é passível de compreensão.

O signo é enganador posto que não tenha uma relação natural com a coisa. Portanto, o Deus agostiniano é ao mesmo tempo íntimo e transcendente, familiar e distante, uma espécie de iluminador do pensamento, o que demonstra que nessa teoria a verdade está relacionada a algo que não é sujeito, mas sim, Deus, visto que a interioridade do indivíduo depende da iluminação divina.

Já par Jacques Lacan, a função significante da palavra traduz que a linguagem seja uma rede ou teia sobre o conjunto de coisas da realidade, cuja utilização permite expressar o mundo simbólico. Para ele as coisas têm um nome devido às relações entre os signos, descartando a ideia de que denominação advém dos signos ou das coisas, logo, também a verdade somente será possível a partir da interioridade do sujeito.

Para Tomás de Aquino se o intelecto humano e divino, permanecendo as coisas, o que é impossível, fossem eliminadas, de nenhum modo permaneceria a noção de verdade. Como a verdade está em Deus, observa-se que há igualdade do intelecto divino e da coisa, tendo em vista que o intelecto divino primordialmente entende a realidade humana, a qual é a sua própria essência, por meio desta, o intelecto divino apreende todas as coisas. Dessa forma, a noção de verdade depende da igualdade do intelecto divino com as coisas criadas.

Ressalta-se que, a adequação entre o intelecto divino e a essência divina (realidade, coisas criadas por Deus) não ocorre como entre mesurante e mesurado, tendo em vista que um não é princípio do outro, pelo contrário, são totalmente idênticos.

A ideia de essência trazida por Tomás de Aquino tem nítida base aristotélica, sendo adaptada ao cristianismo, tanto que utiliza os mesmos termos que são referidos pelo filósofo grego em seus textos.

Na era medieval foi apoiado pelas teses aristotélicas e a razão divina que comandava todas as coisas e é responsável pela noção de verdade. O sujeito estava submetido ao objeto, de modo que a subjetividade somente será construída na Idade Moderna, cujo rompimento paradigmático será autor da construção do Estado Absolutista e demais acontecimentos modernos.

De qualquer maneira, durante a era medieval, o nominalismo será a corrente de pensamento que terá uma postura antimetafísica. Fora Guilherme de Ocklam, um filósofo do século XIV, que adotou a posição nominalista em discussão com a ideia universalista da natureza das espécies.  No nominalismo, o universal corresponde a um conceito por meio do qual nos referimos a essas qualidades ou características.

O universal é alusão a um termo, um conceito, não um ente ou ser conforme defendeu Aristóteles, mas ao mesmo tempo não é só uma palavra pois existe um relacionamento mental ao conceito, o qual é a referência dos gêneros e espécies.

Por essa razão, defende uma valorização da linguagem em frente às coisas e que, consequentemente, não se deve supor a existência de entidades metafísicas, como a teoria platônica do mundo inteligível, pois, estas possuem uma explicação deficitária.

O que as coisas de mesmo nome têm em comum é apenas a denominação. Conforme se percebe, ao contrário de Guilherme de Ockham, para Aristóteles os conceitos são as diferentes funções da linguagem enquanto demonstração dos diversos aspectos do real. Logo, não poderiam ser consideradas as essências independentes.

Ocorre que, o modo como se fala sobre determinadas coisas já demonstra como estas são percebidas, logo, a filosofia deve buscar explicar e demonstrar de maneira crítica de que forma dá-se essa pré-compreensão, cuja mediação é feita através da linguagem.

É certo que os principais marcos filosóficos da metafísica clássica é relevante que se sublinhe na medida em que sua influência pode ser detectada na postura positivista, bem como até que ponto a ideia do objeto, torna-se um impasse no julgamento do Judiciário.

Apesar da tentativa no século XIX de se excluir a metafísica da interpretação do Direito, a Escola da Exegese que surgiu na França, em 1804, a jurisprudência dos conceitos criada na Alemanha[23] em 1900 e a doutrina positivista acabaram por integrar e incorporar o conceito de objeto da metafísica clássica.

É sabido que o positivismo refere-se aos fatos, ou seja, a interpretação da realidade será somente o que se pode contar, medir, ou pensar, sendo definido por meio empírico.

Na ciência jurídica, a manifestação do positivismo se dá através dos códigos e de toda legislação escrita. Na Escola da Exegese, tem-se a ideia de juiz como boca da lei[24], isto é, o mito do dado, sem poder alterar o texto feito pelo legislador[25], porque se fundava na concepção da perfeição do sistema normativo, na ideia de que a legislação era completa, e de que, na generalidade da lei, encontrava-se a solução para todas as situações jurídicas.

Consagrava-se assim que a lei escrita era a única fonte do Direito, onde se devia busca a mensagem e a vontade do legislador, a aplicação das leis. Esta era a função do jurista, buscar o sentido da norma que o legislador imprimiu, e dele apreender para o caso concreto, visto que a interpretação praticamente não era permitida. Em existindo a lacuna ou obscuridade, deveria ser utilizada o método lógico de interpretação.

Seguindo a linha doutrinária da Escola da Exegese, na jurisprudência dos conceitos, existe uma concepção de sistema jurídico fechado e autossubsistente. Como na Alemanha não havia os Códigos da mesma forma que em França, basearam-se nos sistemas normativos do Direito Romano, de forma que o Direito era visto como um corpo de normas positivas. E, conferia o primado à norma legal e as respectivas técnicas de interpretação. Negava qualquer fundamento absoluto ou abstrato à ideia do Direito.

O referido positivismo presenta nas duas escolas acima mencionadas é considerado positivismo exegético, mais tarde Hans Kelsen partindo da doutrina positivista que já era aplicada e procurava resolver o problema da interpretação formulando o positivismo normativo que enfatiza a semântica ao invés da sintaxe.

Kelsen, em sua teoria pura do Direito, supera a questão da interpretação pelo julgado e elaborou uma divisão entre o Direito e a ciência do Direito, diferenciando, por conseguinte, a interpretação como ato de vontade e interpretação como ato de conhecimento.

No primeiro caso, resta presente quando se aplicam as normas, pois nesse momento cria normas, que são aplicadas ao caso concreto, tal é a interpretação dos órgãos jurídicos.

Enquanto que o segundo produz proposições, pois, interpreta de modo abstrato a norma que é dada, sendo esta a interpretação utilizada pelo cientista do Direito. Nesse espaço de movimentação trazido pela interpretação como ato de vontade, está presente o solipsismo do julgador.

De qualquer modo a crença dos julgadores de que o positivismo exegético continua sendo a forma correta para decidir, a edição de súmulas vinculantes e conceitos prontos pela jurisprudência, além da contínua e progressiva busca pela verdade real, como se houvesse essências, ratifica essa perspectiva objetivista, onde não se pode questionar o produto, ou seja, as normas e ementas, porque o que domina é a razão do legislador, ou do órgão superior, dependendo da discricionariedade em questão.

Portanto, as ideias platônicas podem ser bem relacionadas com a formulação de conceitos jurídicos abstratos prévios, pressentes no entendimento dos Tribunais. Em linhas gerais, o sentido está na própria coisa, na sua essência, imutável e permanente.

A metafísica moderna faz a viagem do subjetivismo até a discricionariedade[26]. E, é inaugurada com a noção de sujeito trazida por Descartes. Refere-se a uma ruptura filosófica, através da qual é possível entender a modernidade e o papel do Direito.

Assim, a modernidade cria o sujeito, o qual, na realidade é quem cria a modernidade. Foi a modernidade que alterou o espaço da experiência e a forma como o tempo histórico até então era demarcado, pois no medievo, com o predomínio do pensamento cristão, e o assujeitamento forçado do sujeito à razão divina, a realidade da sociedade ficava adstrita a uma dupla tensão no presente de um lado, o passado que condiciona a vida a partir de seu caráter pedagógico; de outro, o futuro que se mantém obscuro pelo temor/certeza da chegada do juízo final. De suma importância essa ruptura para a ocorrência do pensamento hermenêutico nos moldes que vimos atualmente.

Uma realidade colocada em dúvida, com Descartes, percebe-se que é apenas o sujeito (que diz: eu penso) que vai continuar isento de críticas. O filósofo parte do ponto de que como todos os pensamentos que as pessoas têm quando estão acordadas, também podem lhes correr enquanto dormem, sem que nesse caso sejam considerados verdadeiros, resolveu simular que todas as coisas que até então haviam passado pelo seu espírito não eram mais verdadeiras que as ilusões de seus sonhos.

Porém, ao considerar que tudo era falso, chega-se à conclusão de que ele o ser pensante, precisava ser alguma coisa. Logo, adota como primeiro princípio de sua teoria filosófica a máxima do penso, logo existo. Visto que considerou uma verdade bastante abalizada e correta, podendo ser livre de todas as críticas dos céticos diante de sua teoria.

Descartes fora bem feliz em sua formulação subjetivista, uma vez que ao notar que em penso, logo existo, não há nada que comprove que ele diz a verdade, tão somente que para pensar é preciso existir, vai estabelecer como regra geral que apenas as coisas que se idealiza de maneira clara e distinta é que são verdadeiras, a dificuldade que resta é distinguir de maneira correta quais são as coisas que concebe distintamente.

O filósofo vai além desse problema dos sonhos, entende que os sentidos também podem enganar as pessoas, como quando alguém está com icterícia e enxerga tudo amarelo, ou então ao observar os corpos celestes, estes parecem muitos menores do que realmente o são.

Tendo em vista o período de forte influência cristã em que Descartes escreveu sua filosofia, vai estabelecer que Deus seja o ser perfeito, aquele que fornece o conhecimento e permite que os indivíduos vejam as coisas claramente e distingam àquelas eivadas de verdade.

Conclui que independente de estar dormindo ou acordado, o sujeito não se deve deixar persuadir a não ser pela evidência da razão que possui em si mesmo, pois é somente esta que vai estabelecer o que é verdadeiro, ou seja, vai permitir que se observasse se as coisas e as palavras possuem um fundamento de verdade.

Na sua obra Discurso do Método, Descartes fixa que o método deveria ser o momento da subjetividade e da probabilidade de certeza. A consequência do argumento (do cogito) o penso, logo existo, representando o solipsismo cartesiano, onde há o isolamento do eu em relação a todo mundo externo, bem como ao próprio corpo que também se considera externo ao eu.  Esse solipsismo apresenta uma certeza tão viril e forte porque é carregada de subjetivismo.

Contudo, como Descartes pretende construir um conhecimento científico, tanto que chama o seu livro de Discurso do Método, procura encontrar uma perspectiva para ultrapassar essa ideia de que a única realidade certa é a existência do puro pensamento.

E tal propósito fora possível a partir da afirmação da existência de Deus, o que rompeu com o solipsismo e trouxe a noção de algo fora do cogito.

Essa existência decorre da ideia inata que os indivíduos possuem de Deus, o qual é perfeito e permite com se veja e pense com clareza, observando-se então um realismo, no qual, a existência e a inteligibilidade do mundo externo são garantidas pela existência de Deus, sendo o conhecimento a representação verdadeira, a correspondência entre a ideia e o objeto externo.

Por essa razão, Descartes constrói uma reflexão que não depende da tradição e da linguagem, tendo em vista que é a consciência, a subjetividade que permite a certeza plena, a qual é o problema do conhecimento, sem a necessidade de uma mediação linguística, uma vez que é através da autointuitição que se cria o conhecimento, sem a interferência da comunidade linguística.

Diferentemente dos filósofos medievais da metafísica clássica que propunham a verdade como razão divina, Descartes apesar de trazer a ideia da existência de Deus como método para romper com o solipsismo de sua própria teoria, a verdade estará na razão do indivíduo, o qual enxerga ao mundo com clareza e, é passível de tomar suas decisões conforme sua própria consciência.

A contribuição de Thomas Hobbes fora importante que desenvolveu uma forte teoria sobre o envolvimento entre o indivíduo e o Estado na Idade Moderna. O estado de natureza, no qual o homem se encontrava, colocava-o em constante guerra de todos contra todos, o que levou à vida em sociedade organizada, como meio de sobrevivência.

Esse estado de natureza descreve como o homem se comportaria quando não está submetido às leis e contratos impostos pela sociedade. Por isso, os homens são essencialmente iguais, tendo em vista que as diferenças entre eles são irrelevantes, sendo que o poder do soberano é concebido para permitir que os indivíduos coexistam, impedindo o estado de natureza, onde acabariam por se exterminar uns aos outros.

A construção e o funcionamento da sociedade pressupõe que o indivíduo ceda parte de seus direitos ao poder soberano, cujo poder deve ser exercido de forma absoluta para que a sociedade seja eficaz, o que não demanda uma realização pessoal do soberano, mas sim, que o soberano exerça o seu poder em nome dos indivíduos que a ele o confiaram.

Tudo isso ocorre por o homem deseja sobreviver e, em nome da sobrevivência que firma contrato com os demais membros da sociedade.

É por conta da natureza de contrato que Hobbes é chamado de contratualista, em face de entender que a sociedade civil resulta de contrato firmado entre os indivíduos, sendo que o poder absoluto é o que garante a paz civil.

Na tese contratualista, a linguagem é fundamental instrumento para a formulação do Estado, pois é através desta que as pessoas podem compreender e aderir ao pacto social.  Se não há uma correta compreensão do pacto, consequentemente, ocorre uma má formação do Estado.

A linguagem tem a função de construir as relações sociais e políticas, sendo que a sua interpretação equivocada e subjetiva é que pode trazer maiores riscos e prejuízos para o Estado. A origem e a formação do Estado além de romper com as teorias metafísicas medievais. Hobbes também pode ser considerado um nominalista, devido a essa importância que acarreta à linguagem.

De sorte que fica evidente que fora a vontade dos homens que faz com eles consigam vencer a barbárie. A palavra “vontade” é de suma influência quando se discute acerca do solipsismo e discricionariedade.

Foi a filosofia crítica de Kant que ofereceu a metafísica moderna uma nova visão para o conhecimento, pois abalou as estruturas do direito natural ao questionar o dogmatismo metafísico e ao defender a autonomia ética e normativa.

Assim, se construiu a teoria na qual a linguagem possui um caráter acessório, cuja função é ajudar na medida em que idealiza as palavras como signos das representações, ou seja, são formas sensíveis que ligam conteúdos inteligíveis, sendo estes últimos àqueles que representam genuinamente as coisas.

Desta forma, o signo limita-se a acompanhar o conceito como guardião, para produzir-lhe oportunamente, o que relega a linguagem a uma função de ajudar, uma vez que a função principal seja reservada ao pensamento.

Dessa forma, Kant formula a verdade formal[27] que seria a concordância do conhecimento com o objeto em análise, ou então, do conhecimento consigo mesmo, por isso, a verdade é conhecida como uma relação imanente ao espírito, a concordância do conhecimento com o objeto representado.

A verdade seria a objetividade do pensamento. Essa objetividade a que se refere o filósofo pode ser reduzida ao critério de validade universal do juízo, sendo compreendida como aquilo que se impõe à razão comum da todos os homens.

Assim, a verdade é acordo do juízo com as leis imanentes da razão, é a unidade entre o sujeito e o objeto. Para Kant[28], as experiências necessitam de ser avaliadas segundo o "eu penso", pois ao se conectar a uma consciência, o indivíduo pode, diante das diferentes representações apontar para uma unidade de consciência.

Portanto, diferentemente do eu cartesiano, o “eu penso” de Kant não é puro e posterior às experiências, muito antes, pelo contrário, são as experiências que lha dão unidade, de modo que não pode afastar-se delas.

De modo que conforme a dialética transcendental[29], a razão não produz o conhecimento porque não remete aos objetos de uma experiência possível. A metafísica como era concebida não poderia ser considerada ciência porque não tem objetos próprios e não produz um conhecimento do real.

Assim, as questões sobre o cosmos, a perfeição de Deus e a imortalidade da alma, nãos e manifestam no tempo e no espaço, são transcendentes, e tais conceitos não possuem relação com a intuição.

Logo, suas discussões baseiam-se no campo do agir ético, onde concebeu o homem não como um sujeito do conhecimento, mas sim, como agente livre e racional. Kant em sua crítica transcendental ainda presente na noção de sujeito enquanto submisso às coisas e objetos.

O intrigante e genial Lenio Streck traz o entendimento de qua análise da linguagem em Kant é complexa e problemática, posto que não admita que a discussão se reduza a linguagem, por isso, a coloca como um instrumento secundário.

De forma que para Kant a palavra ou o signo não apresenta uma relação natural com o significado, até porque este não faça parte da palavra, visto que é alheia a esta, já que pertence ao conhecimento a priori.

Somente a partir de um conceito de significante, que não possui sentido, se completa seu ciclo da significação, ou seja, é o conceito que faz o signo significativo.

O responsável pela quebra do paradigma metafísico-essencialista foi Nietzsche[30] proveniente dos filósofos gregos, tendo em vista que para ele não existe nenhuma semelhança, nem afinidade prévia entre o conhecimento e essas coisas que seria necessário conhecer, isso porque para rebater Kant defende que as condições da experiência e aquela que o objeto possui, são diferentes.

Nietzsche[31] defende a ruptura entre o conhecimento e as coisas, por isso, que o último princípio da modernidade, formulador por ele é chamado de vontade do poder, ou seja, comando.

É uma forma refinada de positivismo vez que o Direito passa a depender de discursos adjudicadores e do protagonismo do poder do intérprete, haja vista que nessa perspectiva a ideia antecede a matéria.

No campo da linguagem Nietzsche entende que esta se interpõe entre o pensamento e o real, pois dá forma ao modo que as pessoas pensam e aquilo que é pensado.

Observa que a linguagem possui concepções e conceitos históricos que pode acarretar o equivoco, o engano, contudo acredita não existir uma solução para tal problema, vez que a nova linguagem estaria submissa às mesmas dificuldades.

Em sua crítica afirmou que a crença da gramática, no sujeito e no objeto linguístico e, nas palavras de atividade, subjugou até atualmente os metafísicos. Esta crença eu ensino abjurar, sendo que como a linguagem é exterior ao pensamento, formaria empecilho, já que na realidade não se pensa em palavras, porque quem pensa em palavras, não pensa as coisas, os objetos, não pensa objetivamente, de modo que pensar seria uma luta contra a linguagem, pois estamos habituados, onde as palavras nos faltam, a não pensar com rigor, porque é penoso continuar a pensar com rigor, e outras vezes, conclui-se automaticamente que onde termina o reino das palavras, aí termina o reino da existência.

A busca pelo conhecimento, pela verdade[32], na metafísica moderna traz a ideia da segurança, uso seguro. A virada do subjetivismo estabelece que a maneira correta do uso da razão é a capacidade de julgar, isso faz com que a vontade (a vontade de poder[33] trazida por Nietzsche) supere a razão.

A perspectiva moderna tem forte poder de influência para a corrente da jurisprudência dos interesses, na qual o juiz é o sujeito que vai buscar a vontade do legislador quis dizer com a lei, oportunizando uma discricionariedade ao julgador. A jurisprudência dos interesses é escola hermenêutica que surgira na Alemanha, bem no começo do século XX e teve como representantes Philipp Heck, Max Rümelin, Paulo Oertmann[34] e Stampe.

Propõe que deveriam ser investigados os interesses, onde as normas jurídicas são juízos de valor a respeito desses interesses, de maneira que o juiz diante do caso concreto, deve encontrar o interesse que o legislador[35] mais procurou defender.

A sentença como solução do litígio deve incluir os interesses que estão em disputa, cabendo ao juiz sopesá-los no conflito[36]. O objeto dessa análise dos interesses traz uma solução justa para o caso concreto. E, parte de duas ideias centrais: a primeira é de que o juiz deve obedecer ao Direito positivo, sendo sua função precípua, proceder o ajuste de interesses, em resolver as lides, do mesmo modo que o legislador, ao promover a valoração dos interesses feita pelo legislador, deve prevalecer sobre a valoração que o juiz venha a fazer segundo o seu critério pessoal.

A segunda ideia consiste na função do juiz que não se limita a subsumir os fatos às normas, pois compete-lhe também construir as novas regras para as situações que a lei não previu e não regulou, e, ainda, corrigir as normas deficientes.

Assim, o julgador deveria proteger a totalidade dos interesses do legislador, sendo que a partir da sua subjetividade irá analisar como isso irá ocorrer, logo, nos conflitos de interesses o juiz irá se basear nas suas próprias avaliações, atinente ao pensamento social ciente, para então combinar e harmonizar os interesses do legislador.

Eis que surge a nobre figura do intérprete[37], e o juiz tem o poder para tanto, ou seja, manusear o procedimento para então manifestar o justo.

Larenz explicou que a jurisprudência dos interesses progressivamente substituiu os rígidos conceitos elaborados pelo legislador, através da ideia de ponderação diante de uma situação complexa, bem como da visualização da lide, sendo seus critérios utilizados para ocorrência da conformidade na resolução desses conflitos, de modo a preservar a ordem jurídica vigente, quando no julgamento do caso concreto.

Ofertou-se aos julgadores uma consciência sadia, tornando frequentemente supérfluas as pseudomotivações, permitindo que a jurisprudência analisasse os eventos da vida real, e se tornando metodicamente mais consciente e eficaz, e também mais diferenciada e livre. Suprimiu-se as necessidades da época em que fora criada, uma vez que procurava ultrapassar os limites da jurisprudência dos conceitos.

Conforme-se observa Karl Larenz[38] sustenta que jurisprudência tornou-se mais consciente e mais presente, o que se pode relacionar com a filosofia da consciência, advinda da vontade do julgador.

A metafísica moderna se preocupa com a discricionariedade judicial, o qual acaba por aplicar de forma errônea o próprio positivismo normativo. É esse sujeito solipsista (egoísta, que basta a si mesmo) que se encarrega de realizar sua própria inquirição do processo, pois ele vai produzir a prova ex officio e vai decidir conforme os princípios do livre convencimento do juiz e da livre apreciação da prova.

Mas, o problema da discricionariedade se confronta com a noção de Estado Democrático de Direito[39], o que após todas as lutas para garantia plena dos direitos individuais e fundamentais, delega ao juiz a livre possibilidade de decidir de maneira arbitrária.

O sujeito solipsista[40] é aquele que decide conforme sua consciência, tendo em vista que o mundo é somente um esboço ou rascunho daquilo que ele quer e decide o que é.

Decorre daí vários jargões como aquele que atrela semanticamente a sentença[41] ao sentire, ou seja, a decisão estaria ligada às sensações do julgador.

Com a Constituição Cidadã, finalmente derrotamos a noção de juiz “boca da lei”, o que, aliás, na Justiça do Trabalho nunca fora assim, colocando-se no seu lugar, o império dos princípios. Ocorre que, para a adoção de tais princípios não existem limites, e com a errônea interpretação da teoria da argumentação de Alexy, a importação da jurisprudência dos valores e a própria ilusão brasileira sobre o ativismo judicial do common law instaurou-se a salutar possibilidade de ponderação de princípios.

O mesmo ocorre com a separação de poderes, pois o judiciário às vezes cumpre funções de parlamento. Porém, após séculos para a construção científica do Direito, não se pode permitir que o judiciário decida de qualquer forma e crie entendimentos, cuja possibilidade de mudança, somente seja possível a muito custo pelo entendimento de poucos juízes e filósofos do Direito.

Embora exista a influência do dualismo sujeito-objeto[42] que permanece ainda nas decisões judiciais, a ruptura com tal pensamento ocorre no século XX, através do giro linguístico, para o qual comungaram as ideias de Heidegger, Wittgeinstein, Austin, Gadamer[43] e Habermas.

A transferência do conhecimento para o campo da linguagem, ou seja, compreender que a linguagem através da ação, dá sentido ao mundo, posto que exista a descoberta de que, para além do elemento lógico-analítico, pressupõe-se sempre uma dimensão prático-pragmático.

É a partir do pensamento hermenêutico consegue superar o dualismo e ao menos no âmbito filosófico, aplicar o Direito conforme a democracia.

A reviravolta hermenêutica[44] tão bem comentada por Streck revela que resta superado o esquema sujeito-objeto. Há avanços concretos para a eficácia de direitos, contudo, ao mesmo tempo, a noção de sujeito-objeto continua a crescer a partir da formulação de conceitos prévios, por meio de súmulas, jurisprudências dominantes, sob a desculpa de que a lei não pode abarcar todas as hipóteses de aplicação.

O paradoxal é identificar a institucionalização da súmula com efeito vinculante aponta na direção contrária, isto é, parece que os juristas descobriram um modo de abarcar as múltiplas hipóteses de aplicação de uma lei.

Ainda quando da análise do caso concreto, diante da jurisprudência dos interesses, a comunidade jurídica, espera que o intérprete e julgador, procure os valores entranhados no texto legal.

Ocorre que, com o giro linguístico, evidente que a norma não pode ficar a mercê da vontade do intérprete, através dos ensinamentos de Gadamer, observa-se que por meio da antecipação de sentido que se dá na aplicação porque não há cisão entre interpretar e aplicar, funciona como uma blindagem contra a discricionariedade na atribuição dos sentidos.

Tal posição positivista e a forma como está evoluindo a prática judiciária, onde não se consegue se libertar do esquema sujeito-objeto, bem como dos paradigmas presentes na metafísica clássica e moderna, sendo que as decisões, inclusive dos órgãos superiores, apresentam uma mistura de objetivismo e subjetivismo.

A preocupação com a limitação do poder cuja discussão já estava presente nas teorias contratualistas do Estado, em um Estado Democrático de Direito não pode permitir que as arbitrariedades realizadas pelo Judiciário continuem a ocorrer, muito menos que se propaguem ideias de que as sentenças[45] vêm de sentire.

Não se pode interpretar a norma com uma filosofia da consciência e calcada nos paradigmas aristotélicos. Evidentemente a filosofia e a metafísica possuem grande influência para a aplicação do Direito, seja na forma com que o processo se forma e até a decisão, pondo resolução na lide. A revolução ocorrida pela filosofia da linguagem mudou a forma como era observado o mundo, e assim também o Direito se transformou conforme o pensamento filosófico.

A crise notabilizou o protagonismo do Judiciário e na discricionariedade do intérprete possui relação com a crise que o conhecimento passou durante a metafísica clássica e moderna, tendo em vista que a busca pela verdade e pela origem do conhecimento, acabou por construir duas correntes dominantes.

A primeira corrente advém da metafísica clássica, onde se acreditava que o sentido estava nas coisas. Conforme defendia Aristóteles, as coisas possuíam uma essência e era ela que proporcionava o sentido. Na Antiguidade, as teorias que analisaram a linguagem, esforçaram-se para combater o pensamento dos sofistas, tendo em vista que a própria linguagem criava armadilhas, por isso a verdade, o conhecimento estava no exterior, na coisa.

Nos paradigmas aristotélicos, a linguagem significava a coisa, sendo que a palavra relacionava-se com a coisa devido a significação, construindo a sua teoria da significação.

Durante a época medieval é possível perceber que o conhecimento não pertencia ao indivíduo, e só era possível com a razão divina. O que comandava o campo da filosofia era a razão divina, tanto que Santo Agostinho entendeu que as palavras (os signos) somente levavam as pessoas, a aprenderem novas palavras, formando um sistema fechado de significações, a verdade só era acessível através da iluminação divina.

Na metafísica moderna quebrou-se a ideia do objeto. A partir do argumento do cogito, eu penso, logo existo de Descartes, passa-se a adotar a filosofia da consciência, nesse contexto, é o sujeito o senhor do mundo, do seu destino, sendo quem comanda e sub-roga o objeto.

Kant ao construir o “eu transcendental”, criou a ideia do conhecimento a priori, sendo que para o filósofo era possível solucionar o problema do conhecimento a partir da de conceitos de entendimento e da razão. Sendo a razão que o sujeito possui aquela que prevalece, valendo-se a linguagem como instrumento. Em discordância ao pensamento de Kant.

Coube a Nietzsche elaborar o último conceito da modernidade[46] que é a vontade do poder, ou seja, o intérprete vale-se do solipsismo e discricionariedade no momento de decidir.

A concepção de verdade ratifica a ideia que depende de conceitos prontos, entendimentos dominantes e extratos que condicionem toda a jurisprudência, além de criar mecanismos no próprio sistema processualista visando barrar recursos cujo entendimento divirja daquele então dominante.

A partir da concepção de que a verdade está no sujeito, intimamente relaciona-se com a Escola da Jurisprudência dos Interesses, onde se ressalta a vontade do intérprete como aquela que prepondera diante da norma, tendo em vista que é justamente esse o dever do julgador, dar à norma a correta interpretação diante do caso concreto e contexto histórico vigente no momento do processo.

A metafísica moderna[47] trouxe consigo o problema do solipsismo, o protagonismo do intérprete, onde o julgador sob o pseudoargumento de que está protegendo os direitos fundamentais, baseia-se em princípios[48], realizando a ponderação equivocada no sistema jurídico brasileiro.

Os julgadores que continuam a basear suas decisões de acordo com a sua consciência, desconsiderando as normas processuais do CPC/2015, a fim de que o processo possua andamento de acordo com a sua vontade.

Em termos linguísticos e filosóficos, o CPC/2015 trouxe aperfeiçoamentos redacionais, vindo inclusive a positivar vários posicionamentos jurisprudenciais pacificados pelas cortes superiores brasileiras. E, visam ainda na busca da efetiva justiça ao promover a maior homogeneização das teses jurídicas aprovadas aplicando-as nas demandas repetitivas e evitando a loteria judiciária.

Conforme o nobre doutrinador Luiz Guilherme Marinoni já aludiu devemos encarar o processo civil como uma comunidade de trabalho regida pela ideia de colaboração, portanto, é reconhecer que o juiz tem o dever de cooperar com as partes a fim de que o processo civil seja apto a atingir efetivamente a uma decisão justa, fruto de efetivo dever de engajamento do juiz no processo.

A colaboração não apaga obviamente o princípio da demanda e as suas básicas consequências; o juízo de conveniência a respeito da propositura ou não da ação e a delimitação do mérito da causa continuar tarefas ligadas exclusivamente à conveniência das partes.

Abandona-se a noção de que o processo seja exclusivamente das partes ou exclusivamente do juiz, é comum ao juiz e às partes.

O CPC/2015 preocupa-se firmemente com a celeridade processual aliada a segurança jurídica valendo-se de técnicas de julgamento[49] e de filtros recursais capazes de não só garantir não apenas o acesso à justiça, mas a concretização dos direitos fundamentais.

A partir do pensamento hermenêutico conseguimos superar o dualismo e, ao menos no âmbito filosófico, para aplicar o Direito em conformidade com a democracia. E, revelando um positivismo que não viole os direitos fundamentais dos cidadãos e ao mesmo tempo proteja a democracia e a dignidade humana.

Referências:

ARISTÓTEES. Metafísica.  Madrid: Espasa Calpe, 1999.

JAKOBSON, Roman. Linguística e Comunicação. Trad. Izidoro Blikstein e José Paulo Paes. São Paulo: Cultrix, 1977.

DESCARTES, René. Discurso de Método. Tradução de Maria Ermantina Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997.

PLATÃO. Crátilo: diálogo sobre a justeza dos nomes. Lisboa: Sáda Costa Editora, 1996.

STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do Direito. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011.

______________________. Verdade e Consenso. São Paulo: Editora Saraiva, 2011.

BECKER, Rodrigo Frantz; NÓBREGA, Guilherme Pupe. Artigo 942 do novo CPC pode massacrar a divergência nos julgamentos. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2015-mar-27/artigo-942-cpc-massacrar-divergencia-julgamentos  Acesso em 05.02.2016.

QUEIROZ, Paulo. Crítica da vontade de verdade. Disponível em: http://www.pauloqueiroz.net/critica-da-vontade-de-verdade/  Acesso em 05.02.2016.

MARINONI, Luiz Guilherme. O Projeto do CPC: Críticas e proposta. São Paulo: RT, 2010.

CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e Neoprocessualismo. Revista Panóptica. Ano 1. n.6, Disponível em: http://www.panoptica.org/seer/index.php/op/article/download/59/64%3E.%20Acesso%20em%3A%2018  Acesso em 05.02.2016.

Sobre a autora
Gisele Leite

Gisele Leite, professora universitária há quatro décadas. Mestre e Doutora em Direito. Mestre em Filosofia. Pesquisadora-Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Possui 29 obras jurídicas publicadas. Articulista e colunista dos sites e das revistas jurídicas como Jurid, Portal Investidura, Lex Magister, Revista Síntese, Revista Jures, JusBrasil e Jus.com.br, Editora Plenum e Ucho.Info.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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