O novo formalismo processual brasileiro

Ou o que era dever virou faculdade jurisdicional.

27/03/2016 às 13:53
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A mudança realizada pela Lei 13.256/2016 em face do Código Fux, e particularmente em face do seu artigo 12 que dispõe sobre a ordem cronológica de julgamento.

O CPC de 2015 em seus primeiros artigos já anunciava a intenção de cumprir e obedecer a duração razoável do processo que fora enaltecido pela EC 45/2004 e, primou pela primazia do julgamento do mérito, incluída a atividade satisfativa.

A duração razoável do processo sofreu recentemente um revés, pois com a Lei 13.256/2016[1], acrescentou-se um advérbio que descaracterizou o dever do juiz em obedecer a ordem cronológica de julgamento, passando a ser mera faculdade.

A intenção meritória do novo CPC em trazer a solução célere e integral ao mérito que induzia ao máximo aproveitamento do processo mediante a adoção de um novo formalismo estruturado por um contraditório dinâmico e de maior atenção conteudística.

Há de se conciliar a celeridade processual com a segurança jurídica ratificando a instrumentalidade do processo, e conferindo maior legitimidade a atividade jurisdicional ao determinar uma fundamentação mais precisa e didática para prover a maior sanabilidade que possível dos feitos.

Já é sabido que não soluciona o mérito e nem compõe adequadamente a lide quando se profere qualquer sentença, sem que abranja o objeto do processo. Assim como não se admite que a função jurisdicional não obedeça aos fundamentos constitucionais e os valores e princípios explícitos e implícitos na ordem constitucional vigente.

Apostando que a celeridade é dever de todos os sujeitos do processo realça-se a necessidade de haver a boa-fé por todos que participam do processo. Boa-fé objetiva capaz de dar os devidos limites ao legítimo direito de defesa, do contraditório, sem que fique caracterizado o abuso de direito.

Uma das chagas que fazem agonizar a prestação jurisdicional é o abuso explícito de mecanismo processuais e ainda a grande dificuldade de se identificar e punir a má-fé processual[2], a despeito de todas as reformas sofridas pelo CPC/73.

Em 1989 Carmona já preconizava a necessidade de usar mais frugalmente as punições por litigância de má-fé[3] o que poderia gerar a diminuição dos recursos e incidentes puramente protelatórios. E, mesmo a aprovação do Código Civil de 2002 que definiu o abuso de direito em seu art. 187 não logrou êxito em propiciar maior efetividade em coibir o abuso do direito processual.

Infelizmente o CPC de 2015 não trouxe substancial alteração ao cenário, posto que o referido tema esteja previsto nos arts. 77 e 81.

A interpretação do art. 4º do CPC/2015 deve ser combinada com o art. 3ª que trata dos chamados meios alternativos de resolução de litígios e que devem ser priorizados, sendo a primeira chamada das partes, para comparecimento de audiência de conciliação ou mediação.

A menos que ambas as partes já em suas peças processuais informem a respeito da total impossibilidade de conciliação ou solução amigável da demanda, fazendo-o de forma justificada.

Mesmo assim, poderá o juiz a todo momento, recorrer aos meios integrados de resolução de litígios, calcados na conciliação ou na mediação.

Ao se cogitar em meios alternativos deve-se atentar para a criação do chamado sistema multiportas onde é tradicionalmente previsto a conciliação e mediação praticamente imposta às partes, notadamente quando se referem às demandas menores ou anãs, fazendo com que muitas vezes os jurisdicionados desacompanhados de advogados, conforme permite a Lei 9.099/95 para as causas no valor de até vinte salários-mínimos, se submetam a inadvertidas transações judiciais por vezes abusivas e ilusórias.

É indispensável que os litigantes efetivamente tenham direito as opções, e no exercício de sua liberdade e autonomia privada, conforme o caso concreto, possam escolher de forma livre e espontânea por meio de conciliação, mediação ou arbitragem a transação judicial que lhes interessem.

Um dos fatores que tanto me afastaram do direito processual do trabalho, foi em muitas ocasiões presenciar a coerção de palavras e comportamentos que ocorre frequentemente nas audiências trabalhistas, onde por vezes, o reclamado, na qualidade de autor, se vê compelido a pactuar acordo não só pela insistência, mas sobretudo por conta da premência de suas condições financeiras.

A proposta inicial do art. 12 fora a busca da impessoalidade em todos os processos, ordenando o respeito da ordem cronológica de julgamentos. O que desde o início desagradou a classe de magistrados.

Cabe lembrar que o respeito à ordem cronológica significa um essencial direito de igualdade que reflete no tratamento isonômico e equitativo das partes, da demanda e no acesso à justiça. O art. 12 obrigava em sua versão original que o juiz ou tribunal mantivesse lista dos processos aptos ao julgamento e acessível em cartório bem como no sistema eletrônico.

E frisava o teor original do art. 12 que a ordem deveria ser mantida e obedecida mesmo que a parte peticionasse nos autos, exceto se fosse necessária a reabertura de instrução ou baixar para diligência (quando o processo voltará a mesma posição que antes ocupava).

O art. 12 preconizava originalmente um contato comparticipativo, ou seja, dialógico entre o juiz e as partes, enfatizando a oralidade o que é relevante para haver celeridade processual num cenário de litigiosidade massiva e, em grande parte repetitiva.

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Ressalte-se, porém, que numa época dominada por julgamentos por amostragem ou por pacote, um a missão importante do advogado (a) é o de promover a individualização de seu caso concreto, provocando a aproximação do julgado a fim de se promover uma investigação detalhada munida das peculiaridades fáticas e jurídicas da demanda sob seu patrocínio.

Além de exercer a advocacia com proficiência tanto na elaboração das peças processuais, deve atuar de forma diligente e recorrer a oralidade, compelindo-a ao exame pormenorizado dos arrazoados apresentados.

Mas, infelizmente, o feto foi operado ainda no ventre, pois o NCPC nem ainda entrou em vigor e já fora modificado, e o que era dever transformou-se em faculdade, estamos a depender do bom senso dos Judiciário.

Referências

THEODORO JÚNIOR, Humberto; NUNER, Dierle; FRANCO, Alexandre Melo; BAHIA, Flávio Quinaud Pedro. Rio de Janeiro: Forense, 2015.

FLEXA, Alexandre; MACEDO, Daniel; Fabrício Bastos. Novo Código de Processo Civil. O que é inédito. O que mudou. O que foi suprimido. Salvador: JusPodivm, 2015.

MELO, Nehemias Domingos de. (Coordenador) Novo CPC Anotado Comentado e Comparado. São Paulo: Editora Rumo Legal, 2015.


[1] Exatamente no dia 05 de fevereiro a Presidência da República sancionou a Lei 13.256/2016 que trouxe modificações em treze artigos no texto original do CPC/2015. Outro ponto polêmico modificado é a obrigatoriedade de os processos serem decididos em ordem cronológica. A regra, introduzida pelo novo CPC para garantir isonomia e transparência, recebeu críticas de juízes, que alegam que ficariam "engessados" ao serem impedidos de dar decisões em sentenças de acordo com as circunstâncias específicas de cada processo. Com a lei, a ordem cronológica muda de obrigatória para "preferencial".

[2] A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) acabou com a controvérsia relativa ao pagamento de indenização decorrente da litigância de má-fé, prevista no artigo 18, caput e parágrafo 2º, do Código de Processo Civil (CPC). Em julgamento de embargos de divergência relatados pelo ministro Luís Felipe Salomão, o colegiado concluiu que essa indenização não exige verificação de prejuízo efetivamente causado pela parte com a conduta lesiva praticada no âmbito do processo.

(Vide in: http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/noticias/noticias/Indeniza%C3%A7%C3%A3o-por-litig%C3%A2ncia-de-m%C3%A1%E2%80%93f%C3%A9-n%C3%A3o-exige-prova-de-preju%C3%ADzo-%C3%A0-parte-contr%C3%A1ria).

[3] A litigância de má-fé permanecerá com as mesmas hipóteses já existentes no vigente artigo 17 (v. CPC/15, artigo 80, I a VII). O teto para a multa, entretanto, em vez do atual 1% do valor da causa, irá para 10% do valor corrigido da causa (ou 10 salários mínimos nos casos de valor da causa irrisório ou inestimável), além da possível indenização para a parte prejudicada (CPC/15, art. 81).

Cumpre salientar sobre a hipótese de ajuizamento de ação rescisória fundada na violação manifesta de norma jurídica, conforme prevê o art. 966 do CPC/15, pois o princípio de boa-fé como norma jurídica que é poderá ser invocado como fundamento para rescindibilidade da decisão judicial.

Sobre a autora
Gisele Leite

Gisele Leite, professora universitária há quatro décadas. Mestre e Doutora em Direito. Mestre em Filosofia. Pesquisadora-Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Possui 29 obras jurídicas publicadas. Articulista e colunista dos sites e das revistas jurídicas como Jurid, Portal Investidura, Lex Magister, Revista Síntese, Revista Jures, JusBrasil e Jus.com.br, Editora Plenum e Ucho.Info.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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