Os limites dos efeitos da falta de quitação eleitoral

29/03/2016 às 22:36

Resumo:


  • A certidão de quitação eleitoral abrange a plenitude dos direitos políticos e o regular exercício do voto.

  • O descumprimento das normas eleitorais pode gerar pendências com a Justiça Eleitoral, registradas nos cartórios eleitorais.

  • A jurisprudência brasileira destaca que a falta de quitação eleitoral não deve restringir os direitos civis dos cidadãos, limitando-se à esfera eleitoral.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

É comum o impedimento para tirar passaporte, tomar posse em concurso público, requerer financiamento público, dentre outros, por conta da falta de quitação eleitoral. Tais impedimentos são abusos que devem ser rechaçados.

O comando positivo da norma delimita didaticamente a quitação eleitoral. O § 7º do artigo 10 da Lei nº 9.504/97 expressa, verbis:

“A certidão de quitação eleitoral abrangerá exclusivamente a plenitude do gozo dos direitos políticos, o regular exercício do voto, o atendimento a convocações da Justiça Eleitoral para auxiliar os trabalhos relativos ao pleito, a inexistência de multas aplicadas, em caráter definitivo, pela Justiça Eleitoral e não remitidas, e a apresentação de contas de campanha eleitoral.” 1

O § 8º do mesmo artigo diz que considerar-se-ão quites aqueles que:

“I - condenados ao pagamento de multa, tenham, até a data da formalização do seu pedido de registro de candidatura, comprovado o pagamento ou o parcelamento da dívida regularmente cumprido;

II - pagarem a multa que lhes couber individualmente, excluindo-se qualquer modalidade de responsabilidade solidária, mesmo quando imposta concomitantemente com outros candidatos e em razão do mesmo fato.

III - o parcelamento das multas eleitorais é direito do cidadão, seja ele eleitor ou candidato, e dos partidos políticos, podendo ser parceladas em até 60 (sessenta) meses, desde que não ultrapasse o limite de 10% (dez por cento) de sua renda.” 2

O descumprimento do que é delimitado no §7º gera irregularidade suficiente para pendências com a Justiça Eleitoral. Estas pendências ficam registradas nos cartórios das zonas eleitorais, impedindo a expedição de certidão de quitação eleitoral.

O §8º abre exceção com referência às irregularidades com penas de multas.

Na seara eleitoral a ausência de condições de registrabilidade é a consequência mais grave pela falta de quitação.

Há tempo se comete graves equívocos referente ao alcance dos efeitos da falta de quitação eleitoral. O maior deles é a extrapolação dos efeitos para a vida civil. É comum atos abusivos decorrentes de uma errada hermenêutica.

Constantemente se vê a administração pública negar posse a candidatos aprovados em concursos públicos por conta da falta de quitação eleitoral, ou ainda, negar a expedição de passaporte.

O Tribunal Superior Eleitoral já sacramentou a matéria, firmando jurisprudência no sentido de que os efeitos da falta de quitação deve se limitar à esfera eleitoral.

Vejamos.

“QUITAÇÃO ELEITORAL. SUSPENSÃO DE DIREITOS POLÍTICOS. CONDENAÇÃO CRIMINAL DEFINITIVA. EFEITOS. IMPOSSIBILIDADE. IMPEDIMENTOS. ATOS DA VIDA CIVIL. LEGISLAÇÃO ELEITORAL. APLICAÇÃO RESTRITIVA. LEGALIDADE ESTRITA. POSSIBILIDADE. FORNECIMENTO. CERTIDÃO. SITUAÇÃO ELEITORAL.

A restrição ao fornecimento de quitação eleitoral ao condenado criminalmente por decisão irrecorrível decorre do alcance do instituto, positivado pelo legislador ordinário, conforme a orientação inicialmente fixada pelo Tribunal Superior Eleitoral (Res.-TSE nº 21.823, de 15 de junho de 2004), a contemplar, entre outros requisitos, a plenitude do gozo dos direitos políticos.

A exigência de documentos originários da Justiça Eleitoral como condição para o exercício de atos da vida civil, à margem dos impedimentos legalmente estabelecidos em razão do descumprimento das obrigações relativas ao voto, representa ofensa a garantia fundamental, haja vista o caráter restritivo das aludidas normas.

Possibilidade de fornecimento, pela Justiça Eleitoral, de certidões que reflitam a suspensão de direitos políticos, das quais constem a natureza da restrição e o impedimento, durante a sua vigência, do exercício do voto e da regularização da situação eleitoral.” 3

Extrai-se do destacado voto do eminente Ministro FELIX FISCHER, as seguintes assertivas, verbis:

“O conceito de quitação eleitoral, por seu turno, definido inicialmente em resolução deste Tribunal (Res.-TSE nº 21.823, de 15 de junho de 2004), posteriormente, foi positivado pelo legislador ordinário, passando a dispor o § 7° do art. 11 da Lei nº 9.504, de 1997 , acrescentado pela Lei nº 12.034 , de 29 de setembro de 2009:

Art. 11. (...)

(...)

§ 7° A certidão de quitação eleitoral abrangerá exclusivamente a plenitude do gozo dos direitos políticos, o regular exercício do voto, o atendimento a convocações da Justiça Eleitoral para auxiliar os trabalhos relativos ao pleito, a inexistência de multas aplicadas, em caráter definitivo, pela Justiça Eleitoral e não remitidas, e a apresentação de contas de campanha eleitoral.

Relativamente ao entrave posto à inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) perante a Receita Federal, de igual modo indicado como documento exigido para a obtenção da vaga de trabalho, consoante também esclarece a informação da Corregedoria-Geral , a propna regulamentação daquele órgão, consubstanciada na Instrução Normativa RFB nº 864, de 25 de julho de 2008, admite a realização de inscrições de ofício, entre outras hipóteses, por determinação judicial (art. 11, V). Bastará, portanto, quanto ao ponto, decisão do juízo da execução penal ordenando a expedição do CPF aos beneficiados com o programa.

Observo ainda, em derradeira análise, que as limitações ao gozo de direitos na órbita civil, estabelecidas pela legislação eleitoral em face do não cumprimento da obrigação relativa ao exercício do voto, da satisfação da multa correspondente ou da apresentação de justificativa para a falta, se restringem aos contornos do § 1° do art. 7° do Código Eleitoral, que assim dispõe:

Art. 7° (...)

§ 1° Sem a prova de que votou na última eleição, pagou a respectiva multa ou de que se justificou devidamente, não poderá o eleitor:

I - inscrever-se em concurso ou prova para cargo ou função pública, investir-se ou empossar-se neles;

II - receber vencimentos, remuneração, salário ou proventos de função ou emprego público, autárquico ou para estatal, bem como fundações governamentais, empresas, institutos e sociedades de qualquer natureza, mantidas ou subvencionadas pelo governo ou que exerçam serviço público delegado, correspondentes ao segundo mês subseqüente ao da eleição;

III - participar de concorrência pública ou administrativa da União, dos Estados, dos Territórios, do Distrito Federal ou dos Municípios, ou das respectivas autarquias;

- obter empréstimos nas autarquias, sociedades de economia mista, caixas econômicas federais ou estaduais, nos institutos e caixas de previdência social, bem como em qualquer estabelecimento de crédito mantido pelo governo, ou de cuja administração este participe, e com essas entidades celebrar contratos;

- obter passaporte ou carteira de identidade;

- renovar matrícula em estabelecimento de ensino oficial ou fiscalizado pelo governo;

- praticar qualquer ato para o qual se exija quitação do serviço militar ou imposto de renda.

(...).

Tendo em conta que às normas restritivas de direito dar-se-á interpretação restritiva, reputo, como conclusão, que se harmoniza com o ordenamento constitucional a de que outros óbices ao exercício de atos da vida civil, como o noticiado nestes autos, de exigir-se a quitação eleitoral para a obtenção de emprego - sem explícito amparo em lei -, representa ofensa a garantia fundamental, pelo que se contém no art. 5°, li, da Constituição da República.

Em síntese, incompassível se revela - diante do quadro delineado pelo art. 15, Ili, da Carta Magna - com o ordenamento jurídico, no contexto fático destes autos, qualquer exigência de documentos expedidos pela Justiça Eleitoral que desborde da simples certificação da situação eleitoral (suspensão de direitos políticos), à qual se acrescerá a natureza da restrição e o impedimento, no curso de sua vigência, do exercício do voto e da regularização da inscrição.

Meu voto, portanto, Senhor Presidente, é para que o atendimento à orientação ora firmada se faça pela utilização, na hipótese noticiada pela Corregedoria Regional Eleitoral do Maranhão, de certidão com o teor acima enunciado, em modelo já existente no sistema de alistamento eleitoral (Sistema Elo), a contemplar tanto os apenados ainda não detentores de título eleitoral como os sentenciados com o status de eleitores, expedindo-se imediata comunicação aos tribunais regionais e oficiando-se à Presidência do Conselho Nacional de Justiça.

É como voto.” 4

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O Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro – TRE/RJ na esteira do Tribunal Superior Eleitoral – TSE também decidiu:

“MANDADO DE SEGURANÇA Nº 54-12.2012.6.19.0000

IMPETRANTE ADVOGADO IMPETRADO

MANDADO DE SEGURANÇA. REQUERIMENTO DE CERTIDÃO DE QUITAÇÃO ELEITORAL DESTINADO À OBTENÇÃO DE PASSAPORTE. APRESENTAÇÃO DAS CONTAS DE CAMPANHA APÓS O JULGAMENTO COMO NÃO PRESTADAS. CONCESSÃO PARCIAL DA ORDEM.

O julgamento das contas de campanha como não prestadas impede a emissão de certidão de quitação eleitoral no curso do mandato ao qual o candidato concorreu (art. 42. da Res. TSE 22.715/2008), ainda que haja posterior apresentação das contas.

Consoante entendimento firmado por esta Corte, no julgamento do RE 710-03 e do MS 776-80, o conceito de quitação eleitoral delineado pelo artigo 11, §72, da Lei 9.504/97 está intrinsecamente relacionado ao jus honorum, ou seja, possui cunho eleitoral, não cabendo a extensão de seus efeitos restritivos ao exercício de direitos civis.

Por conseguinte, admite-se a expedição de certidão circunstanciada ao eleitor não quite com a Justiça Eleitoral, reconhecendo-se a regularidade no exercício do voto, para o fim de atender a exigências específicas, relacionadas à prática de atos da vida civil, como a obtenção de passaporte, caso discutido nos autos.

Concessão parcial da segurança.

ACORDAM os Membros do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro, por unanimidade, em conceder parcialmente a segurança, nos termos do voto do relator.

Sala de Sessões do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro.

Rio de Janeiro, 24 de maio de 2012.” 5

Como se pode ver a jurisprudência pátria explicita que o conteúdo da certidão é de “cunho eleitoral, não cabendo a extensão de seus efeitos restritivos ao exercício de direitos civis”. 6

A Justiça Eleitoral prevê a possibilidade de expedição de certidão circunstanciada, o que possibilita constar as especificidades dos casos.

O TRE/SP editou orientação nas eleições de 2014 que exemplifica os procedimentos de expedição de certidão circunstanciada, que é também utilizado nos demais tribunais regionais:

“A existência de pendências com a Justiça Eleitoral não impede a obtenção de certidão circunstanciada a ser fornecida pelo cartório eleitoral, que reproduza fielmente a situação do interessado, no momento do requerimento, no Cadastro Nacional de Eleitores, nos assentamentos do Cartório Eleitoral e, se for o caso, na Base de Perda e Suspensão de Direitos Políticos.

A certidão circunstanciada poderá ser expedida pelo sistema ELO ou pela intranet no menu Cartórios/Modelos da CRE.

Nos casos de parcelamento da multa eleitoral, o devedor poderá solicitar ao juiz certidão circunstanciada com efeito de quitação eleitoral, desde que as parcelas vencidas estejam pagas4.

Nesses casos, deverá ser utilizado o Modelo CRE-19.

Quando o recolhimento da multa inscrita em dívida ativa ocorrer perante a Fazenda Nacional, o fornecimento da certidão de quitação estará condicionado à apresentação de guia da multa paga ou de certidão do referido órgão fazendário, específicos para o débito apurado pelo cartório eleitoral.

No período de fechamento do Cadastro Nacional de Eleitores, poderá ser fornecida certidão circunstanciada constante do sistema ELO e/ou da intranet deste Tribunal no menu Cartórios/Modelos da CRE, observando-se cada situação, conforme indicado a seguir.

Modelo CRE - 09: poderá ser fornecida aos eleitores com inscrição suspensa. Nesse caso, orientar o eleitor a apresentar os documentos que comprovem a cessação dos motivos que ocasionaram a suspensão.

Modelo CRE – 12 (com prazo de validade até a reabertura do Cadastro Nacional de Eleitores): poderá ser fornecida aos eleitores com inscrição cancelada (exceto pelo código de ASE 027, motivos/formas 1 e 2), após o recolhimento ou dispensa das multas devidas e constatada a ausência de outras pendências.

Modelo CRE – 13: poderá ser fornecida às pessoas não inscritas como eleitoras e que procurem o cartório para requerer o alistamento.

Modelo CRE - 24: poderá ser fornecida aos eleitores em situação regular, desde que ausentes ou regularizadas quaisquer pendências com a Justiça Eleitoral, e também nos casos de terceiro que não possua autorização do eleitor.

Modelo CRE - 28: poderá ser fornecida aos eleitores com inscrição suspensa, desde que comprovada a cessação dos motivos que ocasionaram a suspensão, bem como o recolhimento de multas devidas, se for o caso, e ausentes outras pendências.

Modelo CRE - 29: poderá ser fornecida aos eleitores com inscrição regular e com registro de inabilitação para o exercício de função pública (ASE 515) ou inelegibilidade (ASE 540), desde que comprovada a cessação dos motivos que ocasionaram a inabilitação/inelegibilidade, bem como o recolhimento de multas devidas, se for o caso, e ausentes outras pendências.

Modelo CRE - 30: poderá ser fornecida às pessoas com registro de perda ou suspensão de direitos políticos em situação “ATIVO” na Base de Perda e Suspensão de Direitos Políticos. Nesse caso, orientar o interessado a apresentar os documentos que comprovem a cessação dos motivos que ocasionaram a perda/suspensão.” 7

Nesta esteira destaca-se a decisão monocrática da juíza ANA HELENA ALVES PORCEL RONKOSKI da 29a Zona Eleitoral de São José do Rio Claro, Mato Grosso, reconhecendo a delimitação aqui discorrida.

“Ante o exposto, considerando que a requerente, XXXXXXX, não se encontra quite com a Justiça Eleitoral, INDEFIRO a emissão de certidão de quitação eleitoral, visto não ser o caso. Não obstante, AUTORIZO a expedição de certidão circunstanciada indicando a atual situação eleitoral da requerente no Cadastro Nacional de Eleitores, em especial a informação de que a eleitora se encontra regular no exercício do voto, se for o caso, não obstante não esteja quite com a justiça eleitoral, face à ausência de prestação de contas quando candidata à vereadora nas eleições de 2012.” 8

A justa decisão da magistrada, preservando livres os direitos da requerente tocante aos atos da vida civil, ordenou a expedição de certidão circunstanciada no seguintes termos:

“Certifico que, de acordo com os assentamentos do Cartório Eleitoral e com o que dispõe a Res. TSE nº 21.823/2004, o (a) eleitor (a) abaixo qualificado (a) não está quite com a Justiça Eleitoral na presente data em razão de irregularidade na prestação de contas. Todavia, a eleitora se encontra no regular exercício do voto, para o fim de atender às exigências específicas relacionadas à pratica de atos da vida civil, como posse em concurso público.” 9

Portanto, a falta de quitação eleitoral não pode impedir que os cidadãos brasileiros pratiquem livremente os atos da vida civil, devendo restringir-se àquela seara.


Notas

1 https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9504.htm

2 idem

3 Processo Administrativo nº 51920, Resolução nº 23241 de 23/03/2010, Relator(a) Min. FELIX FISCHER, Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Data 10/5/2010, Página 34 RJTSE - Revista de jurisprudência do TSE, Volume 21, Tomo 2, Data 23/3/2010, Página 397

4 idem

5 https://tre-rj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/23146247/mandado-de-seguranca-ms-5412-rj-trerj/inteiro-teor-111595544

6 idem

7 https://www.justicaeleitoral.jus.br/arquivos/tre-sp-normas-de-servico-cre-cap-viii-quitacao-eleitoral

8 SADP - Acompanhamento processual - 4.792/2016 – 29a Zona Eleitoral – São José do Rio Claro/MT

9 idem

Sobre o autor
José Luís Blaszak

Advogado eleitoralista em Porto Alegre/RS e Cuiabá/MT, professor de direito eleitoral e direito administrativo, juiz membro do TRE/MT biênio 2012/14.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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