Do incidente de resolução de demandas repetitivas.

Os detalhes desta grande inovação trazida com o advento do CPC/2015

03/04/2016 às 16:19
Leia nesta página:

Artigo no qual será feito uma exposição sobre o Incidente de Resolução de Demandas repetitivas, onde será abordado todos os seus aspectos.

Tido como uma das principais alterações inseridas pelo CPC/2015, O Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) pode ser conceituado uma técnica de julgamento por amostragem ou julgamento agregado, através da qual objetiva-se realizar a concentração de processos que versem sobre uma mesma questão de direito no âmbito dos Tribunais e permitir que a decisão a ser proferida nele vincule todos os demais todos os demais casos que estejam sob a competência territorial do Tribunal que o julgou.

Assim, equivale a dizer em linhas mais simples que tal instituto seria a mesma sistemática dos Recursos Repetitivos, existente em alguns casos de Recurso Especial/Extraordinário, aplicado à processos em 1º grau de jurisdição, processos de competência originária e à demais recursos como a Apelação, por exemplo.

Tal instituto presente desde o Anteprojeto da Comissão de Juristas é inspirado em um instituto semelhante do Direito Alemão, o Musterverfahren (procedimentos-modelos ou representativos), tendo, contudo, uma área de aplicação muito mais ampla que no Direito Germânico.

Disciplinado no CPC/2015 nos artigos 976 a 987, trata-se de um incidente para uniformizar a jurisprudência, porém antecipadamente, ao passo que o tribunal determina previamente a tese de direito que considera correta, ao invés de julgar múltiplas apelações de sentenças discrepantes, tendo deste modo uma clara finalidade preventiva.

Nos termos do caput do artigo 976 tal incidente será instaurado quando houver, simultaneamente, efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito e risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica.

Como já dito, o IRDR tem cabimento apenas a processos em 1º grau de jurisdição, processos de competência originária e a alguns recursos, não sendo aplicado aos Recursos Especial / Extraordinário, uma vez que estes já possuem a sistemática de julgamento por Recursos Repetitivos, cuja finalidade é muito semelhante ao deste instituto, além de ter um poder vinculativo muito maior, decorrendo daí a vedação do parágrafo 4º do artigo 976 que diz ser incabível o IRDR quando um dos tribunais superiores, no âmbito de sua respectiva competência, já tiver afetado recurso para definição de tese sobre questão de direito material ou processual repetitiva.

Tem legitimidade para instaurar o Incidente o juiz ou relator mediante ofício, as partes, Ministério Público ou pela Defensoria Pública, por petição, que será dirigido ao presidente de tribunal, bem como deverá estar instruído com os documentos necessários à demonstração do preenchimento dos pressupostos para a instauração do incidente.

Com relação ao Ministério Público, este quando não for o requerente, nos termos do parágrafo 2º do artigo 976 deverá intervir obrigatoriamente no incidente e assumir sua titularidade em caso de desistência ou de abandono.

Além disso, não serão exigidas custas processuais no incidente de resolução de demandas repetitivas.

Após a distribuição, o órgão colegiado competente para julgar o incidente procederá ao seu juízo de admissibilidade, considerando a presença dos pressupostos, ou seja, haver a repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito além de risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica.

Ressalta-se que, nos termos do parágrafo 3º do artigo 976, caso o IRDR seja  inadmitido por ausência de qualquer de seus pressupostos de admissibilidade não impede que, uma vez satisfeito o requisito, seja o incidente novamente suscitado.

Ainda, pontua-se que mesmo no caso de abandono ou desistência haverá a apreciação do mérito do incidente, ocasião em que o Ministério Público assumirá sua titularidade com já dito.

Feito o juízo colegiado de admissibilidade, sendo o incidente admitido, o Relator deverá tomar as seguintes medidas prescritas no artigo 982:

  • Suspenderá os processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitam no Estado ou na região, conforme o caso;
  • Poderá requisitar informações a órgãos em cujo juízo tramita processo no qual se discute o objeto do incidente, que as prestarão no prazo de 15 (quinze) dias;
  •  Intimará o Ministério Público para, querendo, manifestar-se no prazo de 15 (quinze) dias.

Com relação à tal suspensão, esta será comunicada aos órgãos jurisdicionais competentes e durante sua vigência, o NCPC traz que é possível haver o pedido de tutela de urgência que se justifique durante a suspensão seja formulado perante o juízo onde tramita o processo suspenso.

Pontua-se ainda que, as partes ou o Ministério Público ou a Defensoria Pública poderão requerer, ao tribunal competente para conhecer do recurso extraordinário ou especial, a suspensão de todos os processos individuais ou coletivos em curso no território nacional que versem sobre a questão objeto do incidente já instaurado, como forma de garantir à segurança jurídica, sendo tal medida também possível a parte no processo em curso no qual se discuta a mesma questão objeto do incidente independentemente dos limites da competência territorial.

Além disso, nestes casos, caso não seja interposto recurso especial ou recurso extraordinário contra a decisão proferida no incidente, cessará a suspensão, nos termos do parágrafo 5º do artigo 982.

Além das medidas do artigo 982, o Relator ouvirá as partes e os demais interessados, inclusive pessoas, órgãos e entidades com interesse na controvérsia, que, no prazo comum de 15 (quinze) dias, poderão requerer a juntada de documentos, bem como as diligências necessárias para a elucidação da questão de direito controvertida, e, em seguida, manifestar-se-á o Ministério Público, no mesmo prazo.

Além disso, para instruir o incidente, o relator poderá designar data para, em audiência pública, ouvir depoimentos de pessoas com experiência e conhecimento na matéria.

O julgamento caberá ao órgão indicado pelo regimento interno dentre aqueles responsáveis pela uniformização de jurisprudência do Tribunal, devendo ocorrer em até um ano, onde superado tal prazo, cessa a suspensão dos processos, salvo decisão fundamentada do Relator em sentido contrário.

Infere-se assim que o descumprimento de tal prazo não traz prejuízo de continuidade do futuro julgamento do incidente, pois ele tão somente determina que cessará a eficácia suspensiva do incidente, voltando a tramitar todos os processos cuja suspensão havia sido determinada pelo relator do incidente.

Vale dizer que tanto a instauração quanto o julgamento do incidente serão sucedidos da mais ampla e específica divulgação e publicidade, por meio de registro eletrônico no Conselho Nacional de Justiça, devendo os Tribunais manter banco eletrônico de dados atualizados com informações específicas sobre questões de direito submetidas ao incidente, comunicando-o imediatamente ao Conselho Nacional de Justiça para inclusão no cadastro.

Por sua vez, o registro eletrônico das teses jurídicas constantes do cadastro deverá conter, no mínimo, os fundamentos determinantes da decisão e os dispositivos normativos a ela relacionados.

Para a realização do julgamento, deverá ser observada as seguintes regras:

1.O Relator fará a exposição do objeto do incidente;

2.Poderão sustentar suas razões, sucessivamente, o autor e o réu do processo originário e o Ministério Público, pelo prazo de 30 minutos e após os demais interessados, pelo mesmo prazo, divididos entre todos, sendo exigida inscrição com 2 (dois) dias de antecedência. Todavia, considerando o número de inscritos, o prazo poderá ser ampliado.

3.Por fim, o conteúdo do acórdão abrangerá a análise de todos os fundamentos suscitados concernentes à tese jurídica discutida, sejam favoráveis ou contrários, tal como já é exigido no NCPC para às Sentenças.

Pontua-se que, o órgão colegiado incumbido, além de julgar o incidente e assim fixar a tese jurídica, julgará também caso concreto de onde se originou o incidente.

Realizado o julgamento do incidente, a tese jurídica proferida terá aplicação a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito e que tramitem na área de jurisdição do respectivo tribunal, inclusive àqueles que tramitem nos juizados especiais do respectivo Estado ou região e também aos casos futuros que versem idêntica questão de direito e que venham a tramitar no território de competência do tribunal, ressalvado a hipótese de haver a revisão da tese firmada, o que será abordado adiante.

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Neste diapasão, merece atenção a regra prescrita pelo NCPC de que a tese obtida no julgamento do IRDR será capaz de vincular também os Juizados Especiais. Isso porque, a rigor o órgão de segundo grau de jurisdição dos Juizados são as Turmas ou Colégios recursais e não os TJs ou TRFs, o que eventualmente pode ocasionar problemas pois tais Juizados eventualmente podem não se vincular à tese obtida e assim não aplica-la nos casos concretos que se surjam, ensejando assim o uso da Reclamação, nos termos do parágrafo 1º do artigo 985 do NCPC.

Outro ponto que merece destaque sobre o IRDR é a possibilidade de a tese firmada ser revisada, tal como preconiza o artigo 986 do NCPC. Apesar de o propósito do procedimento ser a uniformização, há que se compreender que o Direito é um fenômeno dinâmico e que está inserido em uma sociedade em constante mudança. Assim, o Ministério Público ou a Defensoria Pública ou o próprio Tribunal, “de ofício”, poderão pedir a revisão da tese firmada.

Não há prazo para o pedido de revisão, que pode ser feito a qualquer tempo, exigindo-se, contudo, que o requerente fundamente a iniciativa de revisão com a demonstração efetiva seja da mudança relevante das circunstâncias jurídicas, sociais, políticas ou econômicas que apoiaram a decisão anterior, seja da existência de novo fundamento não explorado na decisão.

Por fim, o NCPC traz no artigo 987 que do julgamento do mérito do incidente caberá recurso extraordinário ou especial, conforme o caso, tendo o recurso efeito suspensivo, ao contrário da regra do artigo 1.029, parágrafo 5º, que prescreve que o efeito suspensivo nesses recursos tem de ser requerido bem como a presunção de repercussão geral de questão constitucional eventualmente discutida.

Apreciado o mérito do recurso, a tese jurídica adotada pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça será aplicada no território nacional a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito, diferentemente da decisão quando dada por TJ/TRF no julgamento do IRDR, que tem alcance apenas regional.

Referências Bibliográficas:

BUENO, Cássio Scarpinella – Manual de Direito Processual Civi: inteiramente estruturado à luz do novo CPC, de acordo com a Lei n. 13.256/2015. 2. Ed. rev., atual. E ampl. – São Paulo: Saraiva, 2016.

OAB/PR, AASP – Código de Processo Civil Anotado. 2015

OAB/RS, ESA – Novo Código de Processo Civil Anotado. Porto Alegre. Rio Grande do Sul, 2015

TARTUCE, Fernanda – Resumão Jurídico – Novo CPC. 1 ed. 4ª Tiragem. São Paulo: Barros Fischer e Associados, Novembro de 2015.

Sobre o autor
Renan Buhnemann Martins

Advogado (OAB/SP 376.997). Bacharel em Direito pela Universidade São Judas Tadeu. Diretor do Departamento Jurídico da ACAAPESP - Associação dos Consultores, Assessores e Articuladores Políticos do Estado de São Paulo

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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