O estatuto de Roma e sua (des) harmonização com o ordenamento constitucional brasileiro

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Este artigo tem como objetivo traçar uma breve abordagem acerca do Tribunal Penal Internacional, comentando sobre a evolução histórica do mesmo, avaliando a compatibilidade entre este e as garantias presentes na Carta Magna de 1988.

  1. A idéia de um tribunal com estas características adveio da necessidade de dar efetividade à proteção internacional dos direitos humanos, sobretudo nos crimes de genocídio, contra a paz, de guerra e de agressão, indo ao encontro do anseio humano de justiça, de ver punidos os crimes que afetam a humanidade como um todo, bem como receber uma reparação pelos prejuízos sofridos.

    Este Tribunal apesar de ainda possuir algumas limitações quanto à sua eficácia, posto que ainda não dispõe de meios coercitivos para forçar o cumprimento de suas decisões, pode ser considerado como um grande avanço no reconhecimento e defesa dos direitos humanos a nível supranacional e constituindo importante ferramenta para coibir os crimes que atentam contra a dignidade da pessoa humana, independentemente da posição política dos agentes violadores ou de sua nacionalidade.

  2. ORIGENS DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL: a evolução dos tribunais ad hoc
  3. A idéia supracitada não é nova, remontando à Idade Média, sendo o mais antigo registro de Tribunal ad hoc registrado na história ocorrido na Alemanha em 1474, ainda durante o Sacro Império Romano, para julgar o oficial Peter V. Hagenbach por ter autorizado suas tropas a praticar estupros, saques e homicídios.

    Merece nota ainda, o esforço de Gustav Moynier que em meados de 1872, durante a Guerra Franco-Prussiana sugeriu, horrorizado com as selvagerias cometidas por ambos os lados combatentes, a formação de um tribunal internacional com a competência específica para julgar somente crimes de guerra, porém este foi descartado pelos principais juristas do período por ser considerado utópico.

    No entanto, apenas após os abusos sistemáticos ocorridos nas duas Grandes Guerras, começou a ganhar corpo e a delinear-se a constituição de uma justiça internacional nos moldes que conhecemos atualmente. Com efeito, esta teve um processo de desenvolvimento gradual, passando por diversas fases, até atingir o patamar hodierno.

    Durante o Holocausto infligido na Alemanha aos judeus, eslavos e outras minorias étnicas e sociais figuraram como vítimas do profundo desrespeito à dignidade da pessoa humana, a exemplo do isolamento destes grupos em guetos e campos de concentração onde eram submetidos a toda a sorte de humilhações, maus-tratos e até experiências científicas horripilantes.

    Estes acontecimentos mostraram a importância da existência de um ordenamento jurídico com caráter supranacional que punisse tais atrocidades e simultaneamente coibisse condutas assemelhadas, conforme aduz Mazzuoli (2014):

    Seu desenvolvimento pode ser atribuído às monstruosas violações de direitos humanos da Segunda Guerra, bem como à crença de que parte dessas violações poderiam ser evitadas se um efetivo sistema de proteção internacional desses direitos existisse. (MAZZUOLI, 2014, p. 1024)

    De fato, em resposta a tais barbáries, foi criado o Tribunal de Nuremberg, com o fito de processar, julgar e punir os crimes cometidos sob os auspícios do regime nazista. Este Tribunal foi criado pelos governos na França, Estados Unidos, Grã-Bretanha e da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Configurou-se em um marco do Direito Internacional Penal, na medida em que trouxe a ideia de proteção da comunidade internacional como um todo, em oposição à vontade unilateral de algum (ns) Estado(s).

    Ademais, inaugurou o entendimento de que indivíduos que agem em nome de seus países também podem ser agentes de condutas criminosas no plano internacional, não podendo estes valerem-se da imunidade de seus cargos para imiscuir-se de sua responsabilidade.

    Embora tenha sido este Tribunal a maior referência no âmbito da Justiça Penal Internacional, merecem menção outros Tribunais instaurados na década de 1990, a saber, o Tribunal Militar de Tóquio, o Tribunal para julgar crimes praticados na extinta Ioguslávia e outro, para julgar as violações aos direitos humanos cometidos em Ruanda, estes últimos contando inclusive, com participação e voto favorável do Brasil.

    Não obstante seu caráter inovador, estes Tribunais sofreram severas críticas, sendo as principais delas, terem caráter temporário e por, eles próprios violarem regras e princípios consagrados na seara penal como o devido processo legal com o julgamento pelo juiz natural competente para a causa e da anterioridade da lei penal, posto que a lei deve ser editada previamente ao fato delituoso e não após o mesmo. Acrescente-se a isso, ter sido esse Tribunal composto justamente pelos vencedores da Guerra, revelando sua parcialidade.

    Portanto, infere-se eu o TPI surgiu como resultado do clamor social que propugnava a formação de um tribunal de caráter permanente e expurgado dos vícios apontados que maculavam os tribunais ad hoc retro citados. Desse modo, foi aprovado alcançando o escopo da formação de um tribunal penal internacional com jurisdição contínua e personalidade jurídica própria, tendo sua sede em Haia, Holanda.

    Contou com o voto de 120 países com apenas 7 votos contrários, entre eles do Estados Unidos e de Israel, que posteriormente mudaram seu posicionamento em  razão da má repercussão que sua recusa inicial à adesão provocou na comunidade internacional.

    Entretanto, não houve a ratificação por conta de acontecimentos posteriores como os atentados terroristas do 11 de Setembro em Nova York e Washington, somados às operações militares deflagradas no Afeganistão e na Palestina, tornando-se inviável a participação das duas nações no referido Estatuto que entrou em vigor  em 01 de julho de 2002.

    Todo o processo contou com a efetiva participação brasileira, conferindo, assim, eficácia ao comando inserto no art. 7º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Carta Magna de 1988, o qual dispõe que “O Brasil propugnará pela formação de um tribunal internacional dos direitos humanos”.

    Procedendo-se à análise do Estatuto de Roma, percebe-se que este é um tratado que goza de natureza supra constitucional, ou seja, que paira acima das normas internas de cada Estado, explicitada por Mazzuoli (2014) com as seguintes palavras:

    [...] o Estatuto não é qualquer tratado, mas um tratado especial de natureza centrífuga, e que por isso detém natureza supraconstitucional, cujas normas derrogam (superaram) todo tipo de norma do Direito interno. Os tratados ou normas de direitos humanos centrífugos são os que regem as relações jurídicas dos Estados ou dos indivíduos com a chamada jurisdição global (ou universal). Nominam-se centrífugos exatamente porque são tratados que saem (ou fogem) do centro, ou seja, da jurisdição comum, normal ou ordinária, retirando o sujeito ou Estado (e a relação jurídica subjacente do seu centro, isto é, do seu território ou mesmo da sua região planetária, para levá-los à autoridade da justiça universal. (MAZZUOLI, 2014, p. 1031)

    Além dessa característica o tribunal em comento goza de independência, no sentido de que este não sofre qualquer interferência externa e tendo a prerrogativa de vincular por meio de suas decisões, mesmo aqueles Estados que não constituem partes do Estatuto, devido ao seu caráter universal, sendo seus mandamentos imperativos apesar e até mesmo contra os ordenamentos jurídicos instituídos, ainda naqueles que não ratificaram ou renegaram o Estatuto de Roma.

    Porém seu atributo mais marcante, todavia é o caráter subsidiário de sua atuação. Há que se destacar que o Tribunal não exerce sua competência de forma concorrente com as dos sistemas jurídicos nacionais, intervindo somente quando o direito penal interno for omisso - deixando de punir os criminosos ou agir em desconformidade com os critérios estipulados pelo Estatuto.

  4. Competências do Tribunal Penal Internacional
  5. O Tribunal Penal Internacional tem competência material de caráter permanente e independente e complementar as legislações penais nacionais para processar e julgar pessoas físicas independentemente do cargo ocupado, quando cometerem crimes graves que afetam a sociedade internacional dos Estados, como o genocídio, crimes de guerra, contra a humanidade e de agressão.

    Na definição conferida no artigo 6° do Estatuto de Roma, Genocídio é qualquer ato cometido com a intenção de destruir parcial ou totalmente um grupo devido a suas características, sejam elas nacional, étnico, racial ou religioso atingindo os membros de um determinado grupo por meio de ofensa física ou mental, impor uma determinada condição ao grupo com a finalidade de provocar a destruição deste, ou mesmo impedir novos nascimentos.

    Os crimes contra a humanidade são caracterizados por atos desumanos contra qualquer população civil, como elenca taxativamente Estatuto, os assassinatos, extermínios, escravidão, deportação ou transferência forçada de uma população, tortura etc. Já os crimes de guerra são atos atentatórios dos direitos humanos praticados em tempos de guerra, são atos ilícitos ao Direito de Guerra.

    Em relação ao crime de agressão está previsto no artigo 5º do Estatuto que o Tribunal poderá exercer sua competência, desde que seja definido e regule as condições em que o Tribunal será competente neste crime e que sejam compatíveis com o que estabelecido na Carta das Nações Unidas.

    No que tange a competência temporal do Tribunal definida no art. 11 do Estatuto estabelece que além da competência material só serão punidos depois de sua entrada em vigor, sendo assim somente os países que ratificaram o Estatuto, se o crime fora cometido antes não retroagirá. Já a competência territorial consoante o disposto no art.12, se atêm a julgar os delitos ocorridos no território dos Está-partes observados os critérios de territorialidade. 

     A competência em relação à pessoa, como mencionado no inicio, será julgado exclusivamente os crimes cometidos por pessoas físicas com a idade mínima de 18 anos na data em que praticou o delito, sendo essas responsáveis individualmente pelo crime praticado somente na modalidade dolosa.

    Devido a sua natureza complementar a Corte Penal Internacional não interferirá a jurisdição nacional, pois esta tem prioridades para julgarem os crimes de sua alçada, portanto o Tribunal só atuará quando não estiver ao seu alcance ou se mostrarem desinteressados.

  6. Efetividade das decisões do Tribunal Penal Internacional
  7. A efetividade das decisões do Tribunal Penal Internacional depende muito da cooperação dos Estados que ratificaram o tratado, muitas vezes estes por motivos políticos descumprem os compromissos assumidos perante a Corte Internacional, dificultando a tentativa de combate à impunidade.

    Em vista desses interesses políticos pode se citar a expedição dos mandados de prisão contra o chefe de Estado presidente do Sudão, Omar Hassan Ahmad al Bashir acusado por genocídio, crimes de guerra e contra a humanidade, devido a não obrigatoriedade de o país entregar o nacional para ser julgado por este o governo demonstra resistência em contribuir com o TPI, com isso percebe-se que nem sempre as decisões são favoráveis à completa proteção dos direitos humanos.

    Apesar de muitos países signatários do Estatuto de Roma, ver-se que seu campo de atuação ainda é um pouco restrito, visto que não pode ser aplicado de forma universal, pois não são todos os países que ratificaram, e não há o poder de policia na jurisdição do Tribunal, este para executar as suas decisões necessita de um trabalho árduo de cooperação entre todos.

    Ademais os Estados tem o dever de contribuir plenamente como TPI de modo a facilitar o inquérito e os procedimentos de detenção e julgamento dos acusados como dispõe o art. 88 do Estatuto, os Estados parte deverão assegurar que seu direito interno preveja procedimentos que permitam responder a todas as formas de cooperação.

    Com isso entende-se que cada Estado precisa estar em condições de fazer comparecer perante o Tribunal o acusado, de reunir os meios de prova e depoimentos necessários (Estatuto de Roma, artigo 17). As decisões do Tribunal farão coisa julgada para si e para os tribunais de todos os países signatários, ficando também, em contrapartida, o Tribunal obrigado a aceitar as decisões dos tribunais dos Estados.

  8. Antinomias entre o Estatuto de Roma e a Constituição Brasileira
  9. Nosso Texto Maior, que preleciona no art. 5º, LXXVIII, §3º que:

    os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais

    Assim, tem-se que o Brasil, ao manifestar adesão a acordos e tratados internacionais submete-se à jurisdição dos mesmos. Dessa maneira, enquanto partícipe do TPI, o Brasil comprometeu-se a observar as regras penais contidas nesse Estatuto.

    A partir daí, delineiam-se duas correntes doutrinárias. Uma que prega a incompatibilidade entre dispositivos do Estatuto de Roma e nossa Constituição e outros que não vislumbram esse choque, preconizando apenas um conflito normativo aparente.

    Para os primeiros, ao submeter-se a uma jurisdição alienígena, o Brasil, dispôs de sua soberania, enfraquecendo-a. Para os últimos, a ratificação do Estatuto de Roma é um verdadeiro exercício de cidadania, visando à sua própria segurança no âmbito internacional.

    Far-se-á uma breve análise dos pontos mais controversos no que concerne aos antagonismos entre o texto da CRFB e o TPI.  O primeiro deles é a entrega de nacionais ao TPI. De acordo com o artigo 89, §1º desse regramento dispõe que o Tribunal poderá dirigir um pedido de entrega de indivíduo de qualquer Estado no qual de encontre, estabelecendo que, referida entrega constitui um dever dos Estados-partes, em consonância com os procedimentos exigidos pelo Estatuto e seus ordenamentos pátrios.

    Por seu lado, a CRFB/1988 preleciona no artigo 5º, LI e LII que “nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei”.

    No sentir de autores como Mazzuoli (2014):

    [...] não existe inconstitucionalidade relacionada a esta questão. Isto porque o Estatuto de Roma obedeceu todas as formalidades exigidas para integrar o ordenamento jurídico brasileiro, passando a integrar o seu texto. Quanto à suposta inconstitucionalidade material, sustenta que esta inexiste, uma vez que “entrega” e “extradição” são conceitos técnicos com significados distintos.

    Por este motivo é que o Estatuto de Roma, levando em consideração disposições semelhantes de vários textos constitucionais modernos, distingue claramente o que entende por “entrega” e por “extradição”. Nos termos do seu art. 102, alíneas a e b, para os fins do Estatuto entende-se por “entrega”, o ato de o Estado entregar uma pessoa ao Tribunal “nos termos do presente Estatuto” e, por “extradição”, entende-se a entrega de uma pessoa por um Estado a outro Estado “conforme previsto em um tratado, em uma convenção ou no direito interno” de determinado Estado. Portanto, se a entrega de uma pessoa, feita pelo Estado ao Tribunal, se der nos termos do Estatuto de Roma, tal ato caracteriza-se como “entrega”, mas caso o ato seja concluído, por um Estado em relação a outro, com base no previsto em tratado ou convenção ou no direito interno de determinado Estado, neste caso trata-se de “extradição”. (MAZZUOLI, 2014, p. 1049) (Grifos do autor)

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    Assim, resta claro que o critério diferencial entre estes institutos é a pessoa jurídica para quem o indivíduo está sendo direcionado. Caso seja para um outro Estado soberano, tem-se a extradição; se for para um organismo supranacional, estar-se-á diante da entrega.

    Para corroborar a idéia de perfeita constitucionalidade do instituto frente ao ordenamento nacional tem-se ainda que a entrega não se opera de forma coercitiva, carecendo da efetiva colaboração do país que a efetuará.

    Outro ponto sensível nesta discussão versa sobre a prisão perpétua. Enquanto o TPI admite a aplicação da pena de prisão perpétua a Constituição Brasileira a rechaça.

    Alguns doutrinadores entendem não haver incompatibilidade entre os ordenamentos, vez que a orientação o próprio STF, Corte Máxima do País interpreta ser a nossa lei penal interna, sendo uma das soluções encontradas a concessão da extradição para Estados com a pena de morte, desde que garantida a comutação desta pena para a de prisão perpétua, demonstrando que embora no Brasil a prisão perpétua não seja admitida, isso não constitui restrição para efeitos de extradição.

    Nessa esteira, conclui-se que mesmo consistindo em uma cláusula pétrea em nossa Constituição, não traz óbice à sua instituição a nível transnacional, não vinculando assim, o legislador externo, elaborador do sistema jurídico internacional, ao qual o Brasil deve obediência, visando ao bem comum, na ordem global.

    Entretanto, ressoam vozes contrárias, uma das quais se reproduz a seguir:

    Como não poderia deixar de ser, a adoção da pena de caráter perpétuo pela corte internacional sob o manto de objetivar a salvaguarda dos direitos da humanidade, gerou grande controvérsia, em face da incompatibilidade de tal pena, de extrema gravidade, com o ordenamento interno de diversos Estados-partes. Ademais, é inimaginável que, um órgão responsável pela defesa de direitos humanos (leia-se direitos fundamentais na ordem internacional), condenar, quem quer que seja, à prisão perpétua. (ROSA, 2010, p. 26).

    Este entendimento arrima-se no fato de que o sistema penal brasileiro tem caráter preventivo, punitivo, mas também ressocializador, sendo incompatível este último elemento em caso de aplicação da pena de prisão perpétua que além de contrariar o elemento ressocializante, vai de encontro à dignidade da pessoa humana, que perde as esperanças e tem verdadeira “morte em vida”.

    Aponta-se que, segundo a legislação do TPI, prisão perpétua pode ter sua pena reduzida, o condenado à pena o já tenha cumprido dois terços de sua pena ou 25 anos de prisão, podendo ser, então reavaliada.

    Prosseguindo nessa análise, tem-se como mais uma questão polêmica a imunidade e o foro por prerrogativa de função, bastante enraizado na cultura jurídica brasileira e que se estende a embaixadores e às pessoas políticas. Aqui, aplica-se por analogia, o mesmo raciocínio utilizado para o escólio utilizado no item anterior: tais imunidades e prerrogativas variam de um Estado para outro e não afastam a incidência das regras do TPI, nos crimes que disserem respeito à competência deste.

    Por derradeiro, aponta-se a questão acerca da coisa julgada. Caso uma pessoa já tenha sido julgada segundo a lei brasileira com o respectivo trânsito em julgado. Não haverá o denominado bis in idem porque tal situação faz cessar a competência do TPI, excetuando-se apenas em duas circunstâncias:

    1 – que a sentença proferida tenha tido por objetivo subtrair o acusado à sua responsabilidade criminal nos crimes de competência do TPI e;

    2 – tenha sido prolatada com a inobservância da independência e imparcialidade do Juízo, com clara intenção de não submeter o acusado à ação da justiça.

    Tais regras estão em harmonia com o já anteriormente citado, princípio da subsidiariedade (complementariedade). Outros princípios norteadores das atividades do TPI são o princípio da legalidade, da anterioridade da lei penal, da imprescritibilidade nos crimes de sua competência, da responsabilidade internacional individual, a humanidade e da intervenção mínima.

    Assim, de acordo com o exposto, reitera-se que embora não haja consenso doutrinário acerca da compatibilidade entre algumas normas contidas no texto do Estatuto de Roma e a CRFB/1988, entende-se que não há incompatibilidade devido à diferente natureza jurídica desses regramentos, bem como a persecução de objetivos distintos, alinhando-nos ao entendimento de ser TPI, mais do que necessário, constituir-se em um marco nos progressos galgados no Direito Internacional, na efetivação da Justiça e do respeito aos direitos humanos, independentemente de fronteiras territoriais e que seu contínuo aperfeiçoamento trará benefícios a toda a comunidade mundial.

  10. CONCLUSÃO
  11. O Tribunal Penal Internacional enfatizado várias vezes foi criado em virtude das grandes atrocidades contra a humanidade, com o escopo de buscar a justiça em relação aos autores desses crimes, que em grande parte cometidos por chefes de Estado.

    Por esses motivos é inquestionável a importância da criação de uma jurisdição internacional permanente que além de garantir os princípios fundamentais de Direitos Humanos trás mais segurança no que atine a punição dos crimes bárbaros, ainda que de forma limitada.

    Portanto, infere-se que além da importância que o Tribunal exerce diante do interesse da comunidade internacional, é necessária a participação dos Estados abrindo mão de parte de sua soberania em prol da proteção de tais direitos internacionais.

    Em relação a tudo que foi abordado conclui-se que apesar dos grandes esforços e avanços da Corte Internacional é fundamental ampliar sua competência jurisdicional, tendo em vista sua legitimidade em julgar crimes internacionais, com o objetivo precípuo de uma realização justa e imparcial e de paz entre as Nações.

    INTRODUÇÃO

O Tribunal Penal Internacional deu-se através do Estatuto de Roma, em 1998, conferindo efetividade à Teoria da responsabilidade penal internacional dos indivíduos, prevendo punição individual aos infratores praticantes dos ilícitos de genocídio, contra a humanidade, de agressão e de guerra.

A idéia de um tribunal com estas características adveio da necessidade de dar efetividade à proteção internacional dos direitos humanos, sobretudo nos crimes de genocídio, contra a paz, de guerra e de agressão, indo ao encontro do anseio humano de justiça, de ver punidos os crimes que afetam a humanidade como um todo, bem como receber uma reparação pelos prejuízos sofridos.

Este Tribunal apesar de ainda possuir algumas limitações quanto à sua eficácia, posto que ainda não dispõe de meios coercitivos para forçar o cumprimento de suas decisões, pode ser considerado como um grande avanço no reconhecimento e defesa dos direitos humanos a nível supranacional e constituindo importante ferramenta para coibir os crimes que atentam contra a dignidade da pessoa humana, independentemente da posição política dos agentes violadores ou de sua nacionalidade.

  1. ORIGENS DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL: a evolução dos tribunais ad hoc

A idéia supracitada não é nova, remontando à Idade Média, sendo o mais antigo registro de Tribunal ad hoc registrado na história ocorrido na Alemanha em 1474, ainda durante o Sacro Império Romano, para julgar o oficial Peter V. Hagenbach por ter autorizado suas tropas a praticar estupros, saques e homicídios.

Merece nota ainda, o esforço de Gustav Moynier que em meados de 1872, durante a Guerra Franco-Prussiana sugeriu, horrorizado com as selvagerias cometidas por ambos os lados combatentes, a formação de um tribunal internacional com a competência específica para julgar somente crimes de guerra, porém este foi descartado pelos principais juristas do período por ser considerado utópico.

No entanto, apenas após os abusos sistemáticos ocorridos nas duas Grandes Guerras, começou a ganhar corpo e a delinear-se a constituição de uma justiça internacional nos moldes que conhecemos atualmente. Com efeito, esta teve um processo de desenvolvimento gradual, passando por diversas fases, até atingir o patamar hodierno.

Durante o Holocausto infligido na Alemanha aos judeus, eslavos e outras minorias étnicas e sociais figuraram como vítimas do profundo desrespeito à dignidade da pessoa humana, a exemplo do isolamento destes grupos em guetos e campos de concentração onde eram submetidos a toda a sorte de humilhações, maus-tratos e até experiências científicas horripilantes.

Estes acontecimentos mostraram a importância da existência de um ordenamento jurídico com caráter supranacional que punisse tais atrocidades e simultaneamente coibisse condutas assemelhadas, conforme aduz Mazzuoli (2014):

Seu desenvolvimento pode ser atribuído às monstruosas violações de direitos humanos da Segunda Guerra, bem como à crença de que parte dessas violações poderiam ser evitadas se um efetivo sistema de proteção internacional desses direitos existisse. (MAZZUOLI, 2014, p. 1024)

De fato, em resposta a tais barbáries, foi criado o Tribunal de Nuremberg, com o fito de processar, julgar e punir os crimes cometidos sob os auspícios do regime nazista. Este Tribunal foi criado pelos governos na França, Estados Unidos, Grã-Bretanha e da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Configurou-se em um marco do Direito Internacional Penal, na medida em que trouxe a ideia de proteção da comunidade internacional como um todo, em oposição à vontade unilateral de algum (ns) Estado(s).

Ademais, inaugurou o entendimento de que indivíduos que agem em nome de seus países também podem ser agentes de condutas criminosas no plano internacional, não podendo estes valerem-se da imunidade de seus cargos para imiscuir-se de sua responsabilidade.

Embora tenha sido este Tribunal a maior referência no âmbito da Justiça Penal Internacional, merecem menção outros Tribunais instaurados na década de 1990, a saber, o Tribunal Militar de Tóquio, o Tribunal para julgar crimes praticados na extinta Ioguslávia e outro, para julgar as violações aos direitos humanos cometidos em Ruanda, estes últimos contando inclusive, com participação e voto favorável do Brasil.

Não obstante seu caráter inovador, estes Tribunais sofreram severas críticas, sendo as principais delas, terem caráter temporário e por, eles próprios violarem regras e princípios consagrados na seara penal como o devido processo legal com o julgamento pelo juiz natural competente para a causa e da anterioridade da lei penal, posto que a lei deve ser editada previamente ao fato delituoso e não após o mesmo. Acrescente-se a isso, ter sido esse Tribunal composto justamente pelos vencedores da Guerra, revelando sua parcialidade.

Portanto, infere-se eu o TPI surgiu como resultado do clamor social que propugnava a formação de um tribunal de caráter permanente e expurgado dos vícios apontados que maculavam os tribunais ad hoc retro citados. Desse modo, foi aprovado alcançando o escopo da formação de um tribunal penal internacional com jurisdição contínua e personalidade jurídica própria, tendo sua sede em Haia, Holanda.

Contou com o voto de 120 países com apenas 7 votos contrários, entre eles do Estados Unidos e de Israel, que posteriormente mudaram seu posicionamento em  razão da má repercussão que sua recusa inicial à adesão provocou na comunidade internacional.

Entretanto, não houve a ratificação por conta de acontecimentos posteriores como os atentados terroristas do 11 de Setembro em Nova York e Washington, somados às operações militares deflagradas no Afeganistão e na Palestina, tornando-se inviável a participação das duas nações no referido Estatuto que entrou em vigor  em 01 de julho de 2002.

Todo o processo contou com a efetiva participação brasileira, conferindo, assim, eficácia ao comando inserto no art. 7º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Carta Magna de 1988, o qual dispõe que “O Brasil propugnará pela formação de um tribunal internacional dos direitos humanos”.

Procedendo-se à análise do Estatuto de Roma, percebe-se que este é um tratado que goza de natureza supra constitucional, ou seja, que paira acima das normas internas de cada Estado, explicitada por Mazzuoli (2014) com as seguintes palavras:

[...] o Estatuto não é qualquer tratado, mas um tratado especial de natureza centrífuga, e que por isso detém natureza supraconstitucional, cujas normas derrogam (superaram) todo tipo de norma do Direito interno. Os tratados ou normas de direitos humanos centrífugos são os que regem as relações jurídicas dos Estados ou dos indivíduos com a chamada jurisdição global (ou universal). Nominam-se centrífugos exatamente porque são tratados que saem (ou fogem) do centro, ou seja, da jurisdição comum, normal ou ordinária, retirando o sujeito ou Estado (e a relação jurídica subjacente do seu centro, isto é, do seu território ou mesmo da sua região planetária, para levá-los à autoridade da justiça universal. (MAZZUOLI, 2014, p. 1031)

Além dessa característica o tribunal em comento goza de independência, no sentido de que este não sofre qualquer interferência externa e tendo a prerrogativa de vincular por meio de suas decisões, mesmo aqueles Estados que não constituem partes do Estatuto, devido ao seu caráter universal, sendo seus mandamentos imperativos apesar e até mesmo contra os ordenamentos jurídicos instituídos, ainda naqueles que não ratificaram ou renegaram o Estatuto de Roma.

Porém seu atributo mais marcante, todavia é o caráter subsidiário de sua atuação. Há que se destacar que o Tribunal não exerce sua competência de forma concorrente com as dos sistemas jurídicos nacionais, intervindo somente quando o direito penal interno for omisso - deixando de punir os criminosos ou agir em desconformidade com os critérios estipulados pelo Estatuto.

  1. Competências do Tribunal Penal Internacional

O Tribunal Penal Internacional tem competência material de caráter permanente e independente e complementar as legislações penais nacionais para processar e julgar pessoas físicas independentemente do cargo ocupado, quando cometerem crimes graves que afetam a sociedade internacional dos Estados, como o genocídio, crimes de guerra, contra a humanidade e de agressão.

Na definição conferida no artigo 6° do Estatuto de Roma, Genocídio é qualquer ato cometido com a intenção de destruir parcial ou totalmente um grupo devido a suas características, sejam elas nacional, étnico, racial ou religioso atingindo os membros de um determinado grupo por meio de ofensa física ou mental, impor uma determinada condição ao grupo com a finalidade de provocar a destruição deste, ou mesmo impedir novos nascimentos.

Os crimes contra a humanidade são caracterizados por atos desumanos contra qualquer população civil, como elenca taxativamente Estatuto, os assassinatos, extermínios, escravidão, deportação ou transferência forçada de uma população, tortura etc. Já os crimes de guerra são atos atentatórios dos direitos humanos praticados em tempos de guerra, são atos ilícitos ao Direito de Guerra.

Em relação ao crime de agressão está previsto no artigo 5º do Estatuto que o Tribunal poderá exercer sua competência, desde que seja definido e regule as condições em que o Tribunal será competente neste crime e que sejam compatíveis com o que estabelecido na Carta das Nações Unidas.

No que tange a competência temporal do Tribunal definida no art. 11 do Estatuto estabelece que além da competência material só serão punidos depois de sua entrada em vigor, sendo assim somente os países que ratificaram o Estatuto, se o crime fora cometido antes não retroagirá. Já a competência territorial consoante o disposto no art.12, se atêm a julgar os delitos ocorridos no território dos Está-partes observados os critérios de territorialidade. 

 A competência em relação à pessoa, como mencionado no inicio, será julgado exclusivamente os crimes cometidos por pessoas físicas com a idade mínima de 18 anos na data em que praticou o delito, sendo essas responsáveis individualmente pelo crime praticado somente na modalidade dolosa.

Devido a sua natureza complementar a Corte Penal Internacional não interferirá a jurisdição nacional, pois esta tem prioridades para julgarem os crimes de sua alçada, portanto o Tribunal só atuará quando não estiver ao seu alcance ou se mostrarem desinteressados.

  1. Efetividade das decisões do Tribunal Penal Internacional

A efetividade das decisões do Tribunal Penal Internacional depende muito da cooperação dos Estados que ratificaram o tratado, muitas vezes estes por motivos políticos descumprem os compromissos assumidos perante a Corte Internacional, dificultando a tentativa de combate à impunidade.

Em vista desses interesses políticos pode se citar a expedição dos mandados de prisão contra o chefe de Estado presidente do Sudão, Omar Hassan Ahmad al Bashir acusado por genocídio, crimes de guerra e contra a humanidade, devido a não obrigatoriedade de o país entregar o nacional para ser julgado por este o governo demonstra resistência em contribuir com o TPI, com isso percebe-se que nem sempre as decisões são favoráveis à completa proteção dos direitos humanos.

Apesar de muitos países signatários do Estatuto de Roma, ver-se que seu campo de atuação ainda é um pouco restrito, visto que não pode ser aplicado de forma universal, pois não são todos os países que ratificaram, e não há o poder de policia na jurisdição do Tribunal, este para executar as suas decisões necessita de um trabalho árduo de cooperação entre todos.

Ademais os Estados tem o dever de contribuir plenamente como TPI de modo a facilitar o inquérito e os procedimentos de detenção e julgamento dos acusados como dispõe o art. 88 do Estatuto, os Estados parte deverão assegurar que seu direito interno preveja procedimentos que permitam responder a todas as formas de cooperação.

Com isso entende-se que cada Estado precisa estar em condições de fazer comparecer perante o Tribunal o acusado, de reunir os meios de prova e depoimentos necessários (Estatuto de Roma, artigo 17). As decisões do Tribunal farão coisa julgada para si e para os tribunais de todos os países signatários, ficando também, em contrapartida, o Tribunal obrigado a aceitar as decisões dos tribunais dos Estados.

  1. Antinomias entre o Estatuto de Roma e a Constituição Brasileira

Nosso Texto Maior, que preleciona no art. 5º, LXXVIII, §3º que:

os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais

Assim, tem-se que o Brasil, ao manifestar adesão a acordos e tratados internacionais submete-se à jurisdição dos mesmos. Dessa maneira, enquanto partícipe do TPI, o Brasil comprometeu-se a observar as regras penais contidas nesse Estatuto.

A partir daí, delineiam-se duas correntes doutrinárias. Uma que prega a incompatibilidade entre dispositivos do Estatuto de Roma e nossa Constituição e outros que não vislumbram esse choque, preconizando apenas um conflito normativo aparente.

Para os primeiros, ao submeter-se a uma jurisdição alienígena, o Brasil, dispôs de sua soberania, enfraquecendo-a. Para os últimos, a ratificação do Estatuto de Roma é um verdadeiro exercício de cidadania, visando à sua própria segurança no âmbito internacional.

Far-se-á uma breve análise dos pontos mais controversos no que concerne aos antagonismos entre o texto da CRFB e o TPI.  O primeiro deles é a entrega de nacionais ao TPI. De acordo com o artigo 89, §1º desse regramento dispõe que o Tribunal poderá dirigir um pedido de entrega de indivíduo de qualquer Estado no qual de encontre, estabelecendo que, referida entrega constitui um dever dos Estados-partes, em consonância com os procedimentos exigidos pelo Estatuto e seus ordenamentos pátrios.

Por seu lado, a CRFB/1988 preleciona no artigo 5º, LI e LII que “nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei”.

No sentir de autores como Mazzuoli (2014):

[...] não existe inconstitucionalidade relacionada a esta questão. Isto porque o Estatuto de Roma obedeceu todas as formalidades exigidas para integrar o ordenamento jurídico brasileiro, passando a integrar o seu texto. Quanto à suposta inconstitucionalidade material, sustenta que esta inexiste, uma vez que “entrega” e “extradição” são conceitos técnicos com significados distintos.

Por este motivo é que o Estatuto de Roma, levando em consideração disposições semelhantes de vários textos constitucionais modernos, distingue claramente o que entende por “entrega” e por “extradição”. Nos termos do seu art. 102, alíneas a e b, para os fins do Estatuto entende-se por “entrega”, o ato de o Estado entregar uma pessoa ao Tribunal “nos termos do presente Estatuto” e, por “extradição”, entende-se a entrega de uma pessoa por um Estado a outro Estado “conforme previsto em um tratado, em uma convenção ou no direito interno” de determinado Estado. Portanto, se a entrega de uma pessoa, feita pelo Estado ao Tribunal, se der nos termos do Estatuto de Roma, tal ato caracteriza-se como “entrega”, mas caso o ato seja concluído, por um Estado em relação a outro, com base no previsto em tratado ou convenção ou no direito interno de determinado Estado, neste caso trata-se de “extradição”. (MAZZUOLI, 2014, p. 1049) (Grifos do autor)

Assim, resta claro que o critério diferencial entre estes institutos é a pessoa jurídica para quem o indivíduo está sendo direcionado. Caso seja para um outro Estado soberano, tem-se a extradição; se for para um organismo supranacional, estar-se-á diante da entrega.

Para corroborar a idéia de perfeita constitucionalidade do instituto frente ao ordenamento nacional tem-se ainda que a entrega não se opera de forma coercitiva, carecendo da efetiva colaboração do país que a efetuará.

Outro ponto sensível nesta discussão versa sobre a prisão perpétua. Enquanto o TPI admite a aplicação da pena de prisão perpétua a Constituição Brasileira a rechaça.

Alguns doutrinadores entendem não haver incompatibilidade entre os ordenamentos, vez que a orientação o próprio STF, Corte Máxima do País interpreta ser a nossa lei penal interna, sendo uma das soluções encontradas a concessão da extradição para Estados com a pena de morte, desde que garantida a comutação desta pena para a de prisão perpétua, demonstrando que embora no Brasil a prisão perpétua não seja admitida, isso não constitui restrição para efeitos de extradição.

Nessa esteira, conclui-se que mesmo consistindo em uma cláusula pétrea em nossa Constituição, não traz óbice à sua instituição a nível transnacional, não vinculando assim, o legislador externo, elaborador do sistema jurídico internacional, ao qual o Brasil deve obediência, visando ao bem comum, na ordem global.

Entretanto, ressoam vozes contrárias, uma das quais se reproduz a seguir:

Como não poderia deixar de ser, a adoção da pena de caráter perpétuo pela corte internacional sob o manto de objetivar a salvaguarda dos direitos da humanidade, gerou grande controvérsia, em face da incompatibilidade de tal pena, de extrema gravidade, com o ordenamento interno de diversos Estados-partes. Ademais, é inimaginável que, um órgão responsável pela defesa de direitos humanos (leia-se direitos fundamentais na ordem internacional), condenar, quem quer que seja, à prisão perpétua. (ROSA, 2010, p. 26).

Este entendimento arrima-se no fato de que o sistema penal brasileiro tem caráter preventivo, punitivo, mas também ressocializador, sendo incompatível este último elemento em caso de aplicação da pena de prisão perpétua que além de contrariar o elemento ressocializante, vai de encontro à dignidade da pessoa humana, que perde as esperanças e tem verdadeira “morte em vida”.

Aponta-se que, segundo a legislação do TPI, prisão perpétua pode ter sua pena reduzida, o condenado à pena o já tenha cumprido dois terços de sua pena ou 25 anos de prisão, podendo ser, então reavaliada.

Prosseguindo nessa análise, tem-se como mais uma questão polêmica a imunidade e o foro por prerrogativa de função, bastante enraizado na cultura jurídica brasileira e que se estende a embaixadores e às pessoas políticas. Aqui, aplica-se por analogia, o mesmo raciocínio utilizado para o escólio utilizado no item anterior: tais imunidades e prerrogativas variam de um Estado para outro e não afastam a incidência das regras do TPI, nos crimes que disserem respeito à competência deste.

Por derradeiro, aponta-se a questão acerca da coisa julgada. Caso uma pessoa já tenha sido julgada segundo a lei brasileira com o respectivo trânsito em julgado. Não haverá o denominado bis in idem porque tal situação faz cessar a competência do TPI, excetuando-se apenas em duas circunstâncias:

1 – que a sentença proferida tenha tido por objetivo subtrair o acusado à sua responsabilidade criminal nos crimes de competência do TPI e;

2 – tenha sido prolatada com a inobservância da independência e imparcialidade do Juízo, com clara intenção de não submeter o acusado à ação da justiça.

Tais regras estão em harmonia com o já anteriormente citado, princípio da subsidiariedade (complementariedade). Outros princípios norteadores das atividades do TPI são o princípio da legalidade, da anterioridade da lei penal, da imprescritibilidade nos crimes de sua competência, da responsabilidade internacional individual, a humanidade e da intervenção mínima.

Assim, de acordo com o exposto, reitera-se que embora não haja consenso doutrinário acerca da compatibilidade entre algumas normas contidas no texto do Estatuto de Roma e a CRFB/1988, entende-se que não há incompatibilidade devido à diferente natureza jurídica desses regramentos, bem como a persecução de objetivos distintos, alinhando-nos ao entendimento de ser TPI, mais do que necessário, constituir-se em um marco nos progressos galgados no Direito Internacional, na efetivação da Justiça e do respeito aos direitos humanos, independentemente de fronteiras territoriais e que seu contínuo aperfeiçoamento trará benefícios a toda a comunidade mundial.

  1. CONCLUSÃO

O Tribunal Penal Internacional enfatizado várias vezes foi criado em virtude das grandes atrocidades contra a humanidade, com o escopo de buscar a justiça em relação aos autores desses crimes, que em grande parte cometidos por chefes de Estado.

Por esses motivos é inquestionável a importância da criação de uma jurisdição internacional permanente que além de garantir os princípios fundamentais de Direitos Humanos trás mais segurança no que atine a punição dos crimes bárbaros, ainda que de forma limitada.

Portanto, infere-se que além da importância que o Tribunal exerce diante do interesse da comunidade internacional, é necessária a participação dos Estados abrindo mão de parte de sua soberania em prol da proteção de tais direitos internacionais.

Em relação a tudo que foi abordado conclui-se que apesar dos grandes esforços e avanços da Corte Internacional é fundamental ampliar sua competência jurisdicional, tendo em vista sua legitimidade em julgar crimes internacionais, com o objetivo precípuo de uma realização justa e imparcial e de paz entre as Nações.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: Senado Federal, Brasília, 2013.

Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/D4388.htm>. Acesso em: 10 jul. 2015.

FREITAS, Adrian Soares Amorim de. O Tribunal Penal Internacional e o Direito brasileiro: perda da soberania?. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2677, 30 out. 2010. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/17724>. Acesso em: 12 jul. 2015.

MARTINS, Rosemary Gonçalves. A (in) compatibilidade da cominação da pena de prisão perpétua pelo Tratado de Roma do Tribunal Penal Internacional diante da Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: < http://jus.com.br/artigos/38730/a-in-compatibilidade-da-cominacao-da-pena-de-prisao-perpetua-pelo-tratado-de-roma-do-tribunal-penal-internacional-diante-da-constituicao-da-republica-federativa-do-brasil>. Acesso em 11 jul.2015.

MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direito internacional público. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.

PINHEIRO, Caroline. A problemática em torno da eficácia do Tribunal Penal Internacional. Disponível em: < http://jus.com.br/artigos/39893/a-problematica-em-torno-da-eficacia-do-tribunal-penal-internacional>. Acesso em 05 jul. 2015.

ROSA, Gerson Faustino. Tribunal Penal Internacional e sua repercussão no ordenamento jurídico Revista Intertem@s, Presidente Prudente, São Paulo, Ano XI, v. 1, nº 19, p. 34-67, jan/jun, 2010. Disponível em: <http://intertemas.unitoledo.br/revista/index.php/Juridica/article/viewFile/2721/2500>. Acesso em 03 jul. 2015.

TRINDADE, Antônio Augusto. Os tribunais internacionais contemporâneos/ Antônio Augusto Cançado Trindade. – Brasília; FUNAG 2013.

Sobre as autoras
Cleidmar Avelar Santos

Graduada em História Licenciatura pela Universidade Estadual do Maranhão (UEMA) Bacharel em Direito pela Universidade Estadual do Maranhão (UEMA) Pós-Graduada em Direito do Consumidor pela Universidade Estácio de Sá

Rauciana Ferreira

Graduanda do 6º período do Curso de Bacharelando em Direito pela Universidade Estadual do Maranhão

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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