A hierarquia dos tratados internacionais no ordenamento jurídico brasileiro

04/04/2016 às 08:50
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O presente trabalho científico objetiva proceder a uma pesquisa bibliográfica e jurisprudencial sobre a incorporação dos Tratados Internacionais no ordenamento jurídico brasileiro e sua hierarquia lega, supra legal ou constitucional.

            INTRODUÇÃO

Apresentações do tema

O tema “Tratados Internacionais” é de grande interesse social, uma vez que na atual sociedade em que vivemos, sujeita a profundas mudanças, faz-se necessário hoje, mais do que nunca, o fortalecimento dos direitos e garantias dos indivíduos, protegendo-os da atuação arbitrária do Estado.   

Durante muito tempo foi dado ao Estado o poder absoluto sobre os indivíduos, que diversas vezes foram submetidos às mais diversas situações degradantes e temerárias. Esse cenário perdurou por muito tempo, tornando-se até uma situação normal para a sociedade, haja visto que o Estado era concebido na perspectiva de um sujeito portador de direitos sobre os indivíduos e não como uma instituição cumpridora de deveres e obrigações.

Todavia pode-se notar um gradual, lento e continuado avanço social, onde a lei rege a atuação do Estado, não a deixando sobre o arbítrio dos governantes. Neste sentido surgiu uma nova linhagem de pensamento em relação ao papel do Estado, sabendo-se que todo o poder emana do povo, os governantes são representantes da vontade popular e não senhores absolutos, abrindo assim um horizonte de esperança e ufania para todos os abrangidos por esta ascensão social. Isto não quer dizer que a sociedade deve conformar-se com avanços já alcançados, mas pelo contrário é necessário ainda muita luta para que se chegue ao ideal.

Perante a internacionalização dos direitos humanos, que chegaram a ser inseridos na Carta Magna de 1988, se faz necessária a investigação de como acontece a incorporação dos tratados internacionais no ordenamento jurídico pátrio nacional sendo fundamental o estudo dos aspectos básicos dos tratados internacionais.

Neste sentido é essencial a análise da Emenda Constitucional n°45/04, bem como as possíveis implicações em nosso ordenamento jurídico trazidas pela mesma. 

Por esse prisma passa-se então a conceber os tratados internacionais, como fonte de direitos e garantias para o povo, vulnerável na sociedade. A internacionalização dos direitos humanos é visto como uma verdadeira conquista para os indivíduos, sujeitos hipossuficientes, em relação aos governantes, possibilitando que aqueles possam fazer uso destes direitos, caso sejam lesados pelo arbítrio do Estado.

1. A HIERARQUIA DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

1.1 UMA BREVE CONCEPÇÃO DO QUE SÃO OS DIREITOS HUMANOS

Os direitos humanos estão inquestionavelmente vinculados aos aspectos mais relevantes da existência humana. O epicentro que norteia a concepção fundamental desses direitos é a dignidade da pessoa humana. Cabe às instituições estatais a função de proteger o ser humano do próprio arbítrio do estado, bem como de assegurar condições de vida dignas.

O conceito de direitos humanos implica uma série de considerações filosóficas, religiosas, legais, sociais, culturais, políticas e econômicas (BARACHO; 1998, p. 92).

Nesse sentido a Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de Dezembro de 1948, dentre outros direitos humanos internacionais trazidos por essa declaração cabe destacar: o direito à vida, liberdade, igualdade perante a lei, o direito à segurança pessoal, o direito de não ser arbitrariamente preso, detido ou exilado, o direito a não ser escravo, o direito de locomoção e residência dentro do Estado, o direito à propriedade, etc.

Faz-se válido salientar que o rol dos direitos previstos na declaração de 1948 não pode e nem devem ser considerados taxativos, pela matéria que tratam. O ser humano evolui e consigo amplia suas necessidades e consequentemente faz-se necessário uma constante releitura e alargamento das garantias fundamentais para uma vida digna.

Segundo Alberto (JÚNIOR, 2008, p. 439) os direitos humanos tem cinco características principais: são universais, morais, preferenciais, fundamentais e abstratos. Entende-se por universalidade a relação existente entre os titulares e destinatários de tais direitos, abrangendo universalmente todos os seres humanos e eliminando os outros sujeitos que são incapazes de exercê-los.

Os direitos humanos são morais, uma vez que são justificados, ou seja, verdadeiramente aceitos pelos indivíduos aos quais se destinam.

A preferêncialidade dos direitos humanos ocorre quando se os prioriza em detrimento de outros direitos, uma vez que por sua natureza moral exige do ordenamento jurídico uma proteção que tutele e reconheça-os.

Os direitos do homem abrangem, segundo Alberto (JÚNIOR, 2008, p. 440) “Interesses e carências essenciais aos seres humanos. Os interesse e carências são fundamentais quando a sua violação ou não-satisfação provocarem a morte ou grave sofrimento dos indivíduos ou quando afetarem o núcleo essencial da autonomia”.

Em fim, entende-se por abstratividade a característica de indissociabilidade do estabelecimento de limitações, que são indispensáveis para a aplicação concreta. Ou seja, os direitos humanos não possuem capacidade de auto aplicação, necessitando da intervenção das instituições estatais para que se alcance o real cumprimento e efetivação.

Afirma Piovessan:

Inadmissível, por conseqüência, a inércia do Estado quanto à concretização de direito fundamental posto que a omissão estatal viola a ordem constitucional, tendo em vista a exigência de ação, o dever de agir no sentido de garantir direito fundamental. Implanta-se um constitucionalismo concretizador dos direitos fundamentais. Vale dizer, cabe aos Poderes Públicos conferir eficácia máxima e imediata a todo e qualquer preceito definidor de direito e garantia fundamental. Esse princípio intenta assegurar as força dirigente e vinculante dos direitos e garantias de cunho fundamental, ou seja, objetiva tornar tais direitos prerrogativas diretamente aplicáveis pelos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. (PIOVESAN, 2003, p. 223).

Nesse sentido cabe destacar que o regime internacional de proteção dos direitos humanos veio à tona após as incontáveis perversidades praticadas durante a segunda guerra mundial, nascendo como meio internacional que visa coibir o arbítrio do Estado em relação a seus nacionais. 

1.2 A INTERNACIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS

O principal fato que levou as constituições de diversos Estados a positivarem os direitos tidos como fundamentais, se deu, em um primeiro momento pela necessidade de uma maior limitação dos poderes públicos.

Nesse sentido afirma Sylvia Steiner: “[...] trouxe como consequência necessária a evolução para a fase de internacionalização, tida como base de uma proteção mais eficaz a tais direitos”. (STEINER, 2000, p.71).

A doutrina entende que foi com a Declaração da Virgínia, texto destaque da luta dos norte-americanos pela independência no ano de 1776, bem como a Declaração francesa dos Direitos do Homem, de 1789, onde se petrificou a ideia universalista dos direitos humanos. Grande passo na esfera jurídica, uma vez que, determinados direitos, principalmente aqueles que dizem respeito à liberdade e dignidade do homem, passaram a ser vistos com caráter incondicional, inalienável e imprescritível.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos é fruto da consciência dos líderes mundiais, após o horror do nazismo, que viram a necessidade da valorização da pessoa humana.

Montoro afirma que o holocausto cometido na Segunda Grande Guerra foi determinante para a composição da supracitada Declaração, nos seguintes termos:

E deu origem (o holocausto) ao movimento impulsionado pelas aspirações da população de todo mundo, culminando com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que constitui um dos documentos fundamentais da civilização contemporânea. A Declaração abre-se com a denúncia histórica dos ‘atos bárbaros, que revoltam a consciência da humanidade’. E afirma solenemente como valores universais, os direitos humanos básicos, como o direito à vida, à liberdade, à segurança, à educação, à saúde e outros, que devem ser respeitados e assegurados por todos os Estados e por todos os povos. (MONTORO, 1999, p.23).

A Declaração Universal dos Direitos Humanos não é uma fórmula pronta capaz de mudar a realidade social das nações, mas trata-se de um ideal almejado por todos os povos do planeta: a admissão e o acatamento mundial aos direitos e liberdades nela previstos, com predileção à dignidade, que é intrínseco ao ser humano. O preâmbulo da já citada declaração constitui, por assim dizer, uma antecipação de todos os princípios abordados na Carta, que a partir da data de sua publicação, passa a ser de observância obrigatória a todos os Estados Membros.

Nesse sentido, a principal virtude dessa Declaração foi a inauguração da concepção de direitos humanos de nossa contemporaneidade. A esse respeito, Piovesan assinala que a principal característica, digna de destaque, trazida pela Declaração Universal foi à universalidade e indivisibilidade.

Diante de tudo que já foi abordado a respeito da Declaração Universal de 1948, pode-se sumarizar que ela veio nortear, como um farol, os caminhos de todas as nações, por ter implantado o entendimento contemporâneo de direitos humanos. Visando tal realidade, o poder constituinte, incumbido de elaborar a Carta Magna brasileira de 1988, inspirado pela supremacia da dignidade da pessoa, consagrou, no Texto Constitucional, incontáveis direitos e garantias fundamentais ao ser humano.

1.3 OS DIREITOS HUMANOS NA CONSTITUIÇÃO DE 1988

No Brasil também aconteceu essa “positivação dos direitos humanos”, tanto no âmbito do sistema jurídico global, como no sistema regional. Pode ser dado como exemplo deste fato a aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos e daquele a Convenção Americana Sobre Direitos Humanos, que ampliou, no contexto do direito interno, o universo dos direitos fundamentais assegurados menos amplamente pela Constituição Federal. 

Nesse sentido, afirma José Afonso Silva:

A Constituição, agora, fundamenta o entendimento de que as categorias de direitos humanos fundamentais, nela previstos, integram-se num todo harmônico, mediante influências recíprocas, até porque os direitos individuais, consubstanciados no seu art. 5°, estão contaminados de dimensão social, de tal sorte que a previsão dos direitos sociais, entre eles, e os direitos de nacionalidade e políticos, lhes quebra o formalismo e o sentido abstrato. Com isso, transita-se de uma democracia de conteúdo basicamente político-formal para a democracia de conteúdo social, se não de tendência socializante.(SILVA 1999, p. 187-188).

Contrastando a declaração Universal de Direitos humanos e Constituição Federal, adotada atualmente no Brasil, é possível vislumbrar claramente duas características no que diz respeito à implantação de ambas. A primeira, de caráter "declaratório", evidencia quais são os direitos intrínsecos à pessoa humana; a segunda, de caráter "constitutivo", assegura aos brasileiros natos e naturalizados o gozo desses direitos fundamentais em todo território brasileiro.

Assim como a gênese da declaração dos direitos humanos, no Brasil foi necessário um período de massacres e grande turbulência histórica por parte do Estado caracterizado pela tirania e despotismo da ditadura militar, no qual falar sobre direitos humanos foi considerado “subversão”.

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Pondo fim a qualquer laço ditatorial surge a Nova Carta Magna, que foi promulgada no dia 05 de Outubro de 1988, é considerado o texto jurídico mais inovador de nossa história.

Convocado o AI-5, membros do poder constituinte nacional, responsável pela elaboração da nova constituição, deram ênfase à dignidade da pessoa humana, seguindo assim a linha de pensamento contemporânea dos direitos humanos.

Ferreira Filho (2003, p. 284) destaca que dentro desse contexto a Constituição Cidadã, como ficou conhecida a carta Magna de 1988, é portentosa na constituição de direitos humanos fundamentais, estando, inclusive, muito à frente das constituições nacionais anteriores e até mesmo de algumas estrangeiras, bastando apenas compara-la à Constituição Alemã, que possui cinco direitos a menos que a atual Carta Magna brasileira, que, aliás, prevê três vezes mais direitos do que a Constituição anterior.

A dignidade humana pode ser, com todo acerto, considerado o principal direito fundamental da Carta Magna. Isso se deve ao fato de que a garantia real de outros direitos está inteiramente interligada à dignidade da pessoa humana, como por exemplo o direito à isonomia.

A esse respeito escreve Rizzato Nunes:

É ela, a dignidade, o primeiro fundamento de todo o sistema constitucional posto e o último arcabouço da guarida dos direitos individuais. A isonomia serve, é verdade, para gerar equilíbrio real, porém visando concretizar o direito à dignidade. É a dignidade que dá a direção, é ela o primeiro comando a ser considerado pelo intérprete (NUNES, p.366, 2004).

2 OS TRATADOS INTERNACIONAIS

Seguindo a conceituação de Tratado Internacional dada por Carlos Husek pode-se afirma que: “Tratado é o acordo formal concluído entre sujeitos de Direito Internacional Público destinado a produzir efeitos jurídicos na órbita internacional” ( HUSEK, 2010, p. 82).

Existe uma vasta variedade de denominações para os Tratados Internacionais, dentre elas: Convenção, declaração, protocolo, convênio, acordo, ajuste, concordata, etc. Deve-se, porém destacar que Tratados e Convenções são sinônimos já os outros termos são usados para atos jurídicos internacionais específicos, podendo ser de caráter unilateral, bilateral ou plurilateral.

Os Tratados Internacionais seguem um determinado processo de formação, que segundo Mazzuoli (2000, p. 41), se constituem das seguintes etapas: a das negociações preliminares; a da assinatura ou adoção; a da aprovação parlamentar por parte de cada Estado interessado em se tornar parte no tratado; e, por fim, a da ratificação ou adesão do texto convencional.

Após serem devidamente aprovados os Tratados entram em Vigência e produzem os devido efeitos, que podem ser, segundo Carlos Husek (2010, p. 99 -101), sobre terceiros, uma vez que é possível repercussões dos Tratados mesmo sobre terceiros que não tenham participado do acordo. O efeito também pode ser difuso e Aparente, sendo que esse atinge todos os demais Estados, por que dizem respeito a situações juridicamente objetivas e aquele atinge os Tratados que possuem uma cláusula segundo a qual os Estados contratantes gozarão das vantagens e privilégios que a parte conceder ou vier a conceder a outros Estados, por meio de outros tratados, ou até mesmo por meio de um ato unilateral. Ainda existem os Tratados com efeito de direitos para terceiros, que pode acontecer quando há um Tratado multilateral aberto à adesão. E por fim existe ainda o Tratado com efeito de obrigação para terceiros, que não existirão tais efeitos caso o Estado não anuir à obrigação.

A respeito da extinção dos Tratados cabe-se dizer que cada Tratado dispões sobre a própria prolongação de seus efeitos, podendo extinguir-se pela execução integral de suas determinações, pela expiração do prazo, dentre outros meios de extinção (HUSEK, 2010, p. 100).

2.1 POSICIONAMENTO DA DOUTRINA A RESPEITO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS

A Constituição federal consagrou em seu texto um grande número de direitos humanos fundamentais, porém o ser humano e suas relações exigem uma maior ampliação desses direitos. Nesse sentido sinaliza Ferreira Filho (2003, p. 285), quando denomina tais demandas de “inflação de direitos fundamentais”. O direito assim está em constante evolução orgânica.

A esse respeito faz uma interessante observação Gomes:

A norma internacional pode configurar mera repetição ou explicitação de um texto constitucional; de outro lado, pode ser expressão de um direito distinto, explicitamente não previsto na Constituição. Esse direito ‘distinto’ pode ser conforme à Constituição ou contrário a ela (nesse último caso dá-se um conflito entre a norma internacional e o Texto Constitucional) (GOMES, 1994, p. 25).

           

Baseando-se nesse aparente conflito existente na doutrina a respeito do caráter hierárquico que os pactos internacionais ocupam no ordenamento jurídico brasileiro, será feito uma analise das diversas correntes doutrinárias.

Existem duas grandes correntes, nesse sentido. Por primeiro será feito uma análise sobre os argumentos daqueles que defendem o status constitucional dos pactos internacionais. Logo após será verificado o pensamento dos autores que argumentam a favor da igualdade normativa entre os tratados e as leis ordinárias.

2.1.1 Tratados internacionais com status Constitucional

            O âmago da controvérsia está na interpretação do texto constitucional disposto nos §§ 1° e 2° do art. 5°, que assim expressa:

§ 1° As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.

§ 2° Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

           

Flávia Piovesan (2000, p. 73), fazendo uma análise do texto constitucional supracitado, afirma que a norma constitucional ao definir que “os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros direitos decorrentes dos tratados internacionais”, está incluindo no rol dos direitos constitucionais, já garantidos, todos os outros direitos decorrentes dos pactos internacionais em que o Brasil for parte.

Nas palavras da autora:

Ao efetuar tal incorporação, a Carta está a atribuir aos direitos internacionais uma hierarquia especial e diferenciada, qual seja, a hierarquia de norma constitucional. Os direitos enunciados nos tratados de direitos humanos de que o Brasil é parte integram, portanto, o elenco dos direitos constitucionalmente consagrados (PIOVESSAN, 2000, P.73).

É necessário destacar que é unânime o entendimento doutrinal a respeito da não taxatividade dos direitos e garantia fundamentais, previsto nos incisos do art. 5° da Carta Magna. Em outros termos, esses direitos são meramente exemplificativos.

Por fim cabe frisar que a os próprios defensores dessa corrente sustentam que nem todo pacto internacional possui força constitucional, mas somente aqueles tratados internacionais que tratam de direitos humanos.

2.1.2 Tratados internacionais com força de lei ordinária

            Agora será analisado o pensamento daqueles que defendem a equivalência normativa entre os tratados internacionais e as leis ordinárias, na esfera de aplicação do direito brasileiro.

            Os que assim entendem, defendem que não existe amparo legal para sustentar a paridade dos acordos internacionais com a Carta Magna brasileira e que esta possui estritos limites tanto materiais como formais para ser emendada.

            Averiguando vários argumentos, nesse sentido, talvez o posicionamento mais sólido e convincente seja o de Gomes (1994, p. 29). Segundo o citado autor, diante do § 2° do art. 5° da Constituição Federal, a completude dos direitos e garantias expressos nos tratados internacionais, quando não entrarem em choque com o Texto Maior, têm amparo constitucional, mas nem sempre possuem status de norma constitucional, o que só ocorrerá quando reiterarem ou reprisarem normas constitucionais.

2.2 POSSÍVEL ENFRAQUECIMENTO DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS

Uma das principais teses dos defensores da paridade dos tratados internacionais com as leis ordinárias é de que, caso esses sejam considerados com força constitucional, estaria colocando em decadência a rigidez formal da Constituição Federal. Nesse sentido se afirma que a Constituição abriu um leque para acolher como fundamentais também direitos decorrentes de tratados. Mas sem dizer que os acolhia na condição de normas constitucionais (ALMEIDA, 2003, p. 54).

Os que advogam a equivalência normativa entre os tratados internacionais e as leis ordinárias, na esfera de aplicação do direito brasileiro, também alegam uma possível flexibilização prejudicial do poder legislativo.  A supracitada autora (2003, p. 55) sustenta que caso sejam recepcionadas normas decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos na hierarquia de normas constitucionais seria acarretado uma série de situações incompatíveis com o nosso sistema jurídico-constitucional, ressaltando que a incorporação destas no texto da carta magna seria equivalente à adulteração desse texto por meio de um processo de alteração formal mais simplificado, no caso, por meio de decreto do legislativo, diverso daquele revisto para as emendas constitucionais. Tal feito, segundo esse pensamento, vem a descaracterizar a rigidez constitucional.

2.3 EMENDA CONSTITUCIONAL N° 45/04 E OS TRATADOS DE DIREITOS HUMANOS

Com o intuito de extinguir os exasperados debates da doutrina e da jurisprudência, surge no âmbito jurídico a emenda constitucional n° 45, de 8 de dezembro de 2004, que implantou o parágrafo 3° ao art. 5° da Carta Magna brasileira, tendo a seguinte grafia: “Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”.

O legislador pátrio nacional com a inserção da referida emenda constitucional veio por fim ao argumento daqueles que defendiam que a constitucionalização dos tratados internacionais enfraqueceria a rigidez da Carta Magna. Tal argumento agora perdeu a sua validade, uma vez que o processo legislativo adotado para as emendas constitucionais seria exatamente o mesmo adotado para que os tratados internacionais tivessem força constitucional.  

Porém a clareza do texto da emenda constitucional supracitada não pôs um fim decisivo aos debates, persistindo entre nossos doutrinadores, as discussões a respeito da hierarquia dos tratados que tratam de direitos humanos.

Nesse sentido Valério Mazzuoli pondera que:

Falar que um tratado tem “status de norma constitucional” é o mesmo que dizer que ele integra o bloco de constitucionalidade material (e não formal) da nossa Carta Magna, o que é menos amplo que dizer que ele é “equivalente a uma emenda constitucional”, o que significa que esse mesmo tratado já integra formalmente (além de materialmente) o texto constitucional. Perceba-se que, neste último caso, o tratado assim aprovado será, além de materialmente constitucional, também formalmente constitucional (MAZZUOLI, 2005, P.103).

            Existe uma vertente da doutrina que defende que, independente do processo legislativo para a recepção dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos no ordenamento pátrio nacional, eles sempre terão status constitucional, em virtude do art. 5°, § 2° da Constituição que permite que estas normas sejam inseridas em nosso ordenamento jurídico constitucional e como tal com aplicação imediata.  

2.4 POSICIONAMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Finalmente, é necessário lembrar que a reflexão acerca da hierarquia dos Tratados Internacionais ao ingressarem no ordenamento Jurídico Brasileiro será feita também na seara jurisprudencial, onde será analisado qual o entendimento prevalece no Supremo Tribunal Federal, a respeito do tema abordado, uma vez que esse egrégio Tribunal é quem detém, no ordenamento jurídico brasileiro a última palavra a respeito da interpretação constitucional.

O primeiro caso a ser analisado será o julgamento do MiAgR 772 de 2007, onde ministro o Celso de Mello, pela primeira vez no plenário, defende a tese de dar aos tratados internacionais, que versam sobre direito humanos, a hierarquia Constitucional. Nesse agravo regimental em sede de mandado de injunção,é discutido o   direito de petição que foi  amparado pela Convenção Americana de Direitos Humanos, onde foi conferido a capacidade postulatória. 

A decisão que agora será analisada foi concluída no ano de 2008 e foi um julgamento simultâneo de três processos, o RREE 349.703 e 466.343 e o HC 87.585. A justificativa do julgamento conjunto se deu pelo fato de todos os três versarem sobre o mesmo tema, a saber, a possibilidade de prisão civil do depositário infiel. Nesses julgamentos em análise também o já citado recorreu a grandes doutrinadores como Flávia Piovesan, André Ramos Tavares e Valério de Oliveira Mazzouli para defender a constitucionalidade dos tratados internacionais de direitos humanos.

Também no ano de 2008 foi julgado na Suprema Corte brasileira o HC 92.566, onde o ministro Marco Aurélio defendeu a tese de legalidade dos tratados internacionais, alegando em seu voto que o preceito contido no art. 5º, LXVII da Constituição não possui aplicação imediata, necessitando, deste modo, de uma disciplina estritamente legal.

  Passaremos a analisar o posicionamento do Ministro Gilmar Mendes na sessão do dia 22 de novembro de 2006 no caso do RE 349.703. O citado julgador defende a tesa da supralegalidade dos Tratados Internacionais que versam sobre direitos humanos, porém estes estão abaixo da Carta Magna. Em seu voto ele argumenta que não se pode negar que a reforma também acabou por ressaltar a especialidade dos tratados de direitos humanos em relação aos demais tratados de reciprocidade entre os Estados pactuantes, conferindo-lhes lugar privilegiado no ordenamento jurídico, porém equiparar esses acordos internacionais à Constituição poderia acarretar uma insegurança jurídica.

Analisando algumas decisões da Suprema Corte brasileira nos últimos 11 anos, pode-se notar que os Ministros tendem a tratar os tratados em três níveis hierárquicos principais: Legal, supralegal e constitucional.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Visto tudo que acima foi apresentado finaliza-se a presente monografia, e passa-se às considerações finais. Do ponto de vista histórico, pode-se afirmar que o legislador pátrio nacional, ao consagrar a dignidade da pessoa humana como princípio que nortearia toda a hermenêutica constitucional, inseriu o país no contexto de proteção dos direitos humanos fundamentais.

Diante de diversas correntes a respeito da hierarquia dos tratados internacionais, os que defendem a paridade constitucional dos pactos internacionais tiveram que rebater as críticas daqueles doutrinadores que afirmavam que tal posicionamento enfraqueceria a segurança jurídica. Com o intuito de por fim a estas controvérsias o legislador pátrio nacional, por meio da emenda constitucional n° 45/04, veio “constitucionalizar” o posicionamento prevalente o Supremo Tribunal Federal, pois afirmou que somente terão  hierarquia constitucional os tratados internacionais aprovados com o mesmo quorum exigido para a aprovação das emendas constitucionais.

            A Suprema Corte nos últimos 11 anos, não possui um entendimento totalmente consolidado. Existem três vertentes para identificar a hierarquia dos pactos internacionais quando incorporados ao ordenamento jurídico brasileiro, que pode possuir status legal, supralegal e constitucional, sendo essa ultima vertente a mais defendida pelo Supremo Tribunal Federal. 

            Diante da pesquisa realizada, uma conclusão é plenamente acertada: quer tenha a hierarquia de lei ordinária, quer  tenha paridade com as normas constitucionais, ou ainda, quer tenha status supralegal, porém infraconstitucional, as normas internacionais que tratam de direitos humanos, ingressam no ordenamento jurídico pátrio nacional, inserindo, complementando ou especificando os direitos previstos na Constituição Federal.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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HUSEK, Carlos Roberto. Curso de Direito internacional Público. 10. Ed., São Paulo: Gráfica Editora, 2010.

JÚNIOR, Alberto do Amaral. Introdução ao Direito Internacional Público. São Paulo: Atlas, 2008.

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STEINER, Sylvia Helena de Figueiredo. A Convenção Americana Sobre Direitos Humanos e sua Integração ao Processo Penal Brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000. 

Sobre o autor
Murilo Evangelista Barbosa

Advogado, professor pós Graduado em Direito Constitucional, pela Universidade Anhanguera.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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