CURATELA E DECISÃO APOIADA

05/04/2016 às 15:26
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Com a vigência do Estatuto da Pessoa com Deficiência e do novo Código de Processo Civil a questão da capacidade civil ganhou novos contornos, que implicaram profundas alterações na curatela e a introdução de novo instituto, a decisão apoiada.

 

 

1. Curatela 

 

         Trata-se a curatela de um encargo público atribuído a alguém, por lei, “para reger e defender a pessoa e administrar os bens de maiores, que, por si sós, não estão em condições de fazê-lo, em razão de enfermidade ou deficiência [transtornos] mentais”.[1]

         A curatela é instituto de proteção como a tutela, mas dela se difere por se destinar aos sujeitos maiores que, por razões diversas, não podem cuidar sozinhos dos próprios interesses. Ostenta como características fundamentais: possui caráter publicista e supletivo da capacidade; é temporária, pois somente pode ser mantida enquanto perdurar a causa da incapacidade; para ser decretada há de existir certeza absoluta da incapacidade.[2]

         À decretação da curatela das pessoas portadoras de transtornos mentais indispensável é a prévia interdição, que se trata do instituto processual adequado à obtenção da declaração da incapacidade.        O processo que define os termos da curatela, conforme art. 747 do Código de Processo Civil e art. 1.768 do Código Civil deve ser promovida pelo cônjuge ou companheiro, pelos parentes ou tutores, pelo representante da entidade em que se encontra abrigado o interditando, pelo Ministério Público ou pela própria pessoa.

         O Ministério Público, conforme art. 1.769[3] do Código Civil, somente promoverá a interdição em hipóteses de doença mental ou intelectual, se não existir ou não promover a interdição alguma das pessoas legitimadas a tanto, ou ainda se, existindo, forem incapazes.

         Ao Ministério Público, ao contrário do CPC revogado, não mais cumpre a defesa dos interesses do interditando, pois intervém no processo na condição de fiscal da ordem jurídica (art. 752, § 1º).

         Logo, não constituindo o interditando defensor, imprescindível a nomeação, em seu favor, de Curador Especial.

         Na petição inicial do pedido de interdição, conforme art. 749 do Código de Processo Civil, cabe ao interessado especificar os fatos que demonstram a incapacidade do interditando para administrar seus bens e, se for o caso, para praticar atos da vida civil, bem como o momento em que a incapacidade se revelou e a sua legitimidade - ou seja, a relação de parentesco, de matrimônio ou de união estável com o interditando (art. 747, parágrafo único). 

         Estando apta a petição inicial, será o interditando citado para, em dia designado, comparecer perante o juiz, que o examinará, ouvindo-o minuciosamente acerca de sua vida, negócios, bens e do mais que lhe parecer necessário para ajuizar de seu estado mental, reduzidas a auto as perguntas e as respostas (art. 751 do CPC). A oitiva, conforme previsão da lei processual, poderá ser acompanhada por especialista, tratando-se, pois, de faculdade e não de medida obrigatória.

         Embora não seja o juiz perito em saúde mental, cabe-lhe aferir, a uma primeira análise, a capacidade mental do interditando, pois a ele competirá a decisão final a respeito da capacidade; e, para fundamentar a sua futura decisão, deve lançar – registrar – em auto próprio, quando da realização do interrogatório, as perguntas formuladas e respostas dadas, de forma que qualquer pessoa que tenha futuramente acesso aos autos possa avaliar a existência de raciocínio lógico e preservado do interditando.

         Em hipótese de estar o interditando fisicamente incapacitado para comparecer ao Fórum, deverá o juiz realizar o interrogatório no local em que se encontre. Não raro, quando da realização dos “interrogatórios externos”, depara-se o juiz com pessoa absolutamente desprovida de capacidade para responder às perguntas. Neste caso, deverá lançar no auto próprio tal circunstância e as impressões a respeito do interrogando.

         Havendo fundados indícios da incapacidade do interditando, poderá o juiz, logo após a realização do interrogatório – ou constatada a sua impossibilidade de responder às perguntas -, nomear-lhe curador provisório, por prazo determinado ou indeterminado, devendo firmar em cartório o respectivo termo. A nomeação pode ser efetivada ainda antes do interrogatório, se constatada a urgência da medida e amparado o pleito por laudo médico (arts. 749, parágrafo único e 750, do CPC).

         Poderá o interditando, no prazo de 15(quinze) dias após a audiência de entrevista, impugnar o pedido, constituindo para tanto advogado (art. 752, § 2º). Seu cônjuge ou companheiro, ou ainda qualquer parente na linha sucessória poderá constituir patrono e intervir no feito na condição de assistente (art. 752, § 3º).

         De qualquer maneira, se não houver constituição de advogado pelo próprio interditando, imprescindível a sua defesa mediante curador especial que lhe será nomeado pelo juiz.

         Após o decurso do prazo para impugnação, com ou sem a sua apresentação, nomeará o juiz perito para proceder ao exame do interditando (art. 753 do CPC).

         Embora não esteja o juiz adstrito ao resultado do exame pericial, inegável a sua relevância para a decretação, ou não, da interdição, pois somente o perito pode aferir, com grau de segurança, a capacidade do interditando para os atos da vida civil. E, atestada tal capacidade, incabível a decretação da interdição, mesmo em presente o transtorno mental. Com esta orientação:

 

Ação de interdição. Improcedência. Apelação. Laudo Pericial conclusivo no sentido de que o interditando, embora sofrendo transtorno ansioso depressivo, possui plena capacidade para gerir a sua pessoa e os próprios Negócios. Recurso não provido (TJSP – Ap.  n. 467.034.4/6-00 – 7ª Câm. “B” de Direito Privado – Rel. Daise Fajardo Jacot – j. 24.3.2009).

 

INTERDIÇÃO — Exame neurológico que constatou a capacidade da interditanda de gerir sua pessoa e administrar seus bens - Incapacidade para os atos da vida civil não demonstrada - Recurso desprovido (TJSP – Ap. n. 480.130.4/0 – 1ª Câm. de Direito Privado – Rel. Luiz Antonio de Gody – j. 24.4.2007).

 

 

         O Superior Tribunal de Justiça, entretanto, já admitiu a decretação da interdição com amparo em laudo produzido pelo INSS, desde que de acordo com os demais elementos de prova, hipótese em que restaria dispensável o laudo judicial:

 

CIVIL E PROCESSUAL. INTERDIÇÃO. LAUDO ART. 1183 DO CPC. NÃO REALIZAÇÃO. NULIDADE. NÃO OCORRÊNCIA.

1 - Constatado pelas instâncias ordinárias que o interditando, por absoluta incapacidade, não tem condições de gerir sua vida civil, com amparo em laudo pericial (extrajudicial) e demais elementos de prova, inclusive o interrogatório de que trata o art. 1181 do Código de Processo Civil, a falta de nova perícia em juízo não causa nulidade, porquanto, nesse caso, é formalidade dispensável (art. 244 do CPC).

2 - Recurso especial não conhecido.(REsp 253.733/MG, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, QUARTA TURMA, julgado em 16/03/2004, DJ 05/04/2004, p. 266)  

 

 

 

         Apresentado o laudo, o juiz designará audiência de instrução e julgamento, desde que necessária a produção da prova oral.

         Anote-se que, nos termos da legislação civil, deverá o Juiz ser assistido por equipe multidisciplinar, o que lhe conferirá maiores elementos para fixar os termos da curatela.       

         Evidentemente que, se dúvida alguma restar sobre a (in)capacidade do interditando e nem de seu grau, a oitiva de testemunhas será dispensável.

         Realizada ou não a audiência de instrução, proferirá o juiz, após, a sentença. Caso decrete a interdição (art. 755, inciso I, do CPC), nomeará curador ao interdito, nomeação que poderá recair sobre o curador provisório antes nomeado – podendo ser compartilhada a mais de uma pessoa -, devendo observar, sempre, a vontade e as preferências do interditando, a ausência de conflito de interesses e de influência indevida, a proporcionalidade e a adequação às circunstâncias da pessoa.

         A curatela, nos termos do art. 1.772 do Código Civil, no entanto, somente privará a pessoa a ela sujeita de, sem curador, emprestar, transigir, dar quitação, alienar, hipotecar, demandar ou ser demandado, e praticar, em geral, os atos que não sejam de mera administração.

         A sentença de interdição produz efeito desde logo (art. 1.012, VI, do CPC), mesmo sujeita a apelação. Deverá ser inscrita – registrada - no Registro das Pessoas Naturais - conforme art. 29, inciso V,  e art. 92, da Lei dos Registros Públicos, Lei 6.015/73 – e imediatamente publicada na rede mundial de computadores, no sítio do tribunal a que estiver vinculado o juízo e na plataforma de editais do Conselho Nacional de Justiça, onde permanecerá por 6 (seis) meses, bem como na imprensa local, 1 (uma) vez, e no órgão oficial, por 3 (três) vezes, com intervalo de 10 (dez) dias, constando do edital os nomes do interdito e do curador, a causa da interdição, os limites da curatela e, não sendo total a interdição, os atos que o interdito poderá praticar autonomamente.

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         Estas providências têm por fim dar conhecimento a terceiros sobre a incapacidade do interditando e, com tal medida, preservar os seus interesses.

         A interdição somente será levantada se cessar a causa que a determinou, podendo o pedido desta natureza ser formulado pelo próprio interditado. Processado o pleito, será determinada a realização de exame por perito e, após a apresentação do laudo, designará o juiz audiência de instrução e julgamento (art. 756, § 2º, do CPC). Caso seja acolhido o pedido,  será decretado o levantamento da interdição, devendo a sentença ser publicada nos mesmos moldes que a da decretação da interdição.        

         A interdição poderá ser levantada parcialmente quando demonstrada a capacidade do interdito para praticar alguns atos da vida civil.

        

 

2. Da Decisão Apoiada

 

 

         Instituto introduzido pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei n. 13.146 de 06 de julho de 2015), a “tomada de decisão apoiada” é o processo pelo qual a pessoa com deficiência elege pelo menos 2 (duas) pessoas idôneas, com as quais mantenha vínculos – não necessariamente de parentesco - e que gozem de sua confiança, para prestar-lhe apoio na tomada de decisão sobre atos da vida civil, fornecendo-lhe os elementos e informações necessários para que possa exercer sua capacidade.

         O pedido deverá ser formulado em Juízo pela pessoa a ser apoiada, com indicação expressa das pessoas aptas a prestarem o apoio. Para tanto, a pessoa com deficiência e os apoiadores devem apresentar termo em que constem os limites do apoio a ser oferecido e os compromissos dos apoiadores, inclusive o prazo de vigência do acordo e o respeito à vontade, aos direitos e aos interesses da pessoa que devem apoiar.

         Antes de se decidir sobre o pedido de tomada de decisão apoiada, o juiz, assistido por equipe multidisciplinar, após oitiva do Ministério Público, ouvirá pessoalmente o requerente e as pessoas que lhe prestarão apoio. A decisão tomada por pessoa apoiada terá validade e efeitos sobre terceiros, sem restrições, desde que esteja inserida nos limites do apoio acordado.

         Terceiro com quem a pessoa apoiada mantenha relação negocial pode solicitar que os apoiadores contra-assinem o contrato ou acordo, especificando, por escrito, sua função em relação ao apoiado.

         Caberá ao Juiz, em caso de negócio jurídico que possa trazer risco ou prejuízo relevante, havendo divergência de opiniões entre a pessoa apoiada e um dos apoiadores, ouvido o Ministério Público, decidir sobre a questão.

         Se o apoiador agir com negligência, exercer pressão indevida ou não adimplir as obrigações assumidas, poderá a pessoa apoiada ou qualquer pessoa apresentar denúncia ao Ministério Público ou ao juiz. Procedente a denúncia, o juiz destituirá o apoiador e nomeará, ouvida a pessoa apoiada e se for de seu interesse, outra pessoa para prestação de apoio.

         A pessoa apoiada pode, a qualquer tempo, solicitar o término de acordo firmado em processo de tomada de decisão apoiada. O apoiador, por sua vez, pode solicitar ao juiz a exclusão de sua participação do processo de tomada de decisão apoiada, sendo seu desligamento condicionado à manifestação do juiz sobre a matéria.

 

 

 


[1] DINIZ, Maria Helena. “Coordenadas Fundamentais da Tutela e Curatela no Novo Código Civil”. O Novo Código Civil – Estudos em Homenagem a Miguel Reale, p. 1346. São Paulo: LTr, 2003.

[2] CARVALHO FILHO, Milton Paulo. Código Civil Comentado, p. 1751. Barueri-SP: Manole, 2007.

[3] Embora o novo Código de Processo Civil, em seu art. 1.072, inciso II, tenha revogado os artigos 1.768 a 1.773 do Código Civil, entendemos que tal revogação não atinge as modificações introduzidas pela Lei n. 13.146 de 06 de julho de 2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Isto porque esta segunda lei, apesar de vigente anteriormente ao novo CPC, foi sancionada em data posterior ao novo Código. Além disso, sendo suas disposições especiais e envolvendo questões de direito material que têm raízes constitucionais, prevalecem sobre as normas processuais gerais. Anote-se, por fim, que a previsão de revogação referia-se aos artigos sem as alterações introduzidas pelo novo Estatuto, não tendo havido – até mesmo por incompatibilidade temporal -, a revogação destes dispositivos.  

Sobre o autor
Antonio Carlos Santoro Filho

Juiz de Direito em São Paulo (SP). Pós-graduado em Direito Penal. Autor de livros de Direito Penal, Processo Penal e Filosofia.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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