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O conhecimento do Direito

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Resumo:


  • O conhecimento jurídico é um campo vasto, com diversas disciplinas que estudam o fenômeno jurídico, cada uma com seu enfoque particular, levando a uma diversidade de abordagens e métodos.

  • A formação do conhecimento jurídico envolve debates sobre a possibilidade do conhecimento, com correntes como o dogmatismo, ceticismo e relativismo, e discussões sobre o processo de elaboração do conhecimento, como empirismo, racionalismo e a moderna dialética.

  • Existem disciplinas "propriamente jurídicas", como Teoria Geral do Direito e Dogmática Jurídica, e disciplinas "não-propriamente jurídicas", como Filosofia do Direito e Sociologia do Direito, que estudam o Direito sob diferentes prismas e com objetivos específicos.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

3. DISCIPLINAS QUE ESTUDAM O FENÔMENO JURÍDICO

Doravante, faz-se uma relação das principais disciplinas que lidam com o Direito, indicando-se seus respectivos objetos de estudo. Antes, porém, um subitem é desenvolvido com base na teoria apresentada na parte anterior desta monografia, visando especificamente a apontar a possível causa para que haja tantas disciplinas estudando o fenômeno jurídico e, ainda, a fornecer elementos que permitam ao leitor formar seu próprio juízo a respeito da natureza daquelas disciplinas e sobre o tipo de conhecimento que elas realizam. Esta última matéria consta do subitem "3.1", a seguir, intitulado "Considerações prévias"; e a relação de disciplinas com as informações a respeito de cada uma está dividida em dois subitens: o subitem "3.2", intitulado de "Relação de disciplinas propriamente Jurídicas" e o subitem "3.3", sob o título "Relação de Disciplinas não-propriamente jurídicas".

3.1. Considerações prévias

Um assunto que muito intriga os que lidam com o Direito, principalmente os que atuam mais na prática do que na teoria, é o fato de existirem várias "ciências" estudando ao mesmo tempo inúmeros temas de seu único objeto de trabalho, ou seja, o Direito. Como explicar que assuntos jurídicos como a norma jurídica, a justiça e o dever jurídico sejam tratados simultaneamente, e em profundidade, em livros de Teoria Geral do Direito, de Teoria do Direito e de Filosofia do Direito?

Para melhor solucionar essa questão, convém formular e responder outras duas indagações: Seriam as denominações daquelas e de outras disciplinas jurídicas apenas expressões sinônimas de uma mesma ciência? Todas elas elaboram conhecimento científico ou produzem conhecimentos de diferentes graus?

A resposta à primeira das duas indagações supra, pelo menos a teor da maioria dos autores, é não, as várias disciplinas jurídicas não praticam uma mesma "ciência". O que dá causa ao surgimento de diferentes disciplinas jurídicas é o fato de que parece ser impossível formar-se um consenso sobre o objeto de investigação e sobre o método adequado para o estudo do Direito. Cada disciplina que tem um objeto formal específico recebe uma denominação própria, distinguindo-se das demais. A propósito desse fato, Diniz (2001, p. 34) sentencia que "(...) a aporia do conhecimento científico-jurídico (...) persistirá enquanto os juristas não se puserem de acordo sobre o objeto e o método de sua ciência".

A menção ao objeto e ao método, por sua vez, conduz à discussão sobre a segunda indagação supra, a respeito das disciplinas jurídicas: Todas elas produzem conhecimento científico?

A resposta a essa última indagação variará, conforme a concepção que se adote acerca do papel do objeto e da importância do método no processo de elaboração do conhecimento. Primeiramente dar-se-á a resposta tendo em conta o objeto e, em seguida, tomando-se em consideração o método.

Para quem seja adepto do empirismo, só virá a produzir conhecimento científico aquela disciplina jurídica que formular determinações observáveis, a partir do objeto real (ou objeto material), ou seja, do objeto tal como ele é. Por sua vez, para quem seja seguidor do racionalismo, só realizará conhecimento científico a disciplina jurídica cujos conhecimentos tiverem sido frutos de idéias construídas pela razão, a qual, dos objetos reais (ou objetos materiais) colhe apenas as respectivas representações. E por fim, para quem seguir as epistemologias dialéticas (moderna dialética) 5, bastará que a disciplina jurídica sirva para aprimorar conhecimentos anteriores a partir do objeto tal como ele já era conhecido, ou seja, a partir do objeto "construído" (o mesmo que objeto formal ou objeto de conhecimento) 6 conforme conhecimento que já se tinha sobre ele.

Considerando-se o aspecto do método, para o empirismo o pesquisador é levado a adotar os padrões do "método científico", sem uma discussão mais profunda dos critérios de cientificidade, segundo os quais deva acatá-los e não a outros; o método "consiste em um conjunto de procedimentos que por si mesmos garantem a cientificidade das teorias elaboradas sobre o real" (Marques Neto, 2001, p. 63). Portanto, para o empirismo, terá produzido conhecimento científico a disciplina jurídica que tiver adotado rigorosamente o "método científico" pré-estabelecido 7 - no caso, o método indutivo, conforme Marques Neto (op. cit., p. 65).

De conseguinte, para o racionalismo, o método preferível é o dedutivo, considerando-se que adota a concepção de que o vetor do conhecimento parte do objeto real para a razão. Assim, para os adeptos do racionalismo, tanto mais científica será a disciplina jurídica quanto mais se apegar ao método dedutivo.

Por fim, caso se adote um racionalismo dialético, próprio das modernas epistemologias (epistemologias dialéticas), não há por que privilegiar determinados métodos como "científicos" em detrimento de outros, como faz o empirismo em relação ao método indutivo. A escolha dos métodos mais adequados fica a cargo do pesquisador que, posicionando-se criticamente perante a teoria e o objeto, é quem melhor pode decidir sobre a adequação do método à natureza e aos objetivos da pesquisa. Não se pode, por isso, dizer que determinado processo é melhor do que outro. Somente os resultados obtidos é que poderão informar, retrospectivamente, sobre a validade dos métodos adotados. O pluralismo metodológico é uma exigência do desenvolvimento científico (Marques Neto, 2001, p. 74. -75). "A ciência é fundamentalmente um processo de construção, tanto da teoria quanto do método e do objeto" (Marques Neto, op. cit., p. 66).

Destarte, variará de autor para autor a opinião sobre se determinadas disciplinas que estudam o fenômeno jurídico constituem disciplinas científicas (ciências) ou se fazem parte de outro gênero de conhecimento (conhecimento técnico, vulgar etc.).

A seguir são apresentadas as principais disciplinas que estudam o fenômeno jurídico, com indicações sobre sua natureza e objeto de estudo. Para separar aquelas disciplinas que têm no Direito tanto seu objeto material quanto formal de estudo, daquelas que o estudam apenas a título de realizar uma especialidade de outra disciplina – como é o caso da História do Direito em relação à História Geral, ou da Psicologia Jurídica frente à Psicologia Geral –, o autor desta monografia convencionou agrupar as primeiras sob a denominação de "disciplinas propriamente jurídicas" e estas últimas sob o título de "disciplinas não-propriamente jurídicas".

3.2. Relação de Disciplinas "propriamente jurídicas"

Serão apontadas, a seguir, apenas as denominações encontradas com mais freqüência nos livros de ciência jurídica 8, posto que existem várias outras, ou mesmo simples variações na denominação de uma mesma disciplina, conforme o ponto de vista de cada autor.

3.2.1. Teoria Geral do Direito

A expressão "Teoria Geral do Direito" surgiu na Alemanha, durante a segunda metade do século XIX, quando se deu um enfraquecimento dos estudos de Filosofia do Direito devido ter o Positivismo atingido o seu auge. Nessa época, os especialistas de cada ciência jurídica começavam suas obras com uma "parte geral" na qual estudavam uma série de conceitos comuns a todas elas (por exemplo, direito subjetivo, dever jurídico, relação jurídica etc.). Cada autor encarava essa "parte geral" de acordo com a sua própria concepção, resultando em uma grande disparidade de critérios. Esta situação anárquica provocou que se pensasse na conveniência de se estudar em uma só disciplina jurídica aquela "parte geral", que era comum a todas as ciências jurídicas particulares, a fim de que as conclusões que se pudesse obter fossem aplicadas sucessiva e uniformemente a todas as ciências jurídicas particulares. Foi assim que nasceu, na Alemanha, a Teoria Geral do Direito (Torré, 1997, p. 69-70).

Tinha a Teoria Geral do Direito, quando da sua origem, a pretensão de substituir a Filosofia do Direito. Os precursores dessa Teoria empregavam no estudo do Direito o método indutivo próprio das ciências naturais, então muito em voga. Com esse método, elaboravam-se conceitos gerais aos quais se reputavam validade universal, mediante a generalização das características comuns a diferentes regimes jurídicos. Como a Filosofia do Direito não empregava esse método, não tinha razão de ser, pois era considerada "anticientífica" (Torré, 1997, p. 69).

Mas não vingou a tentativa de se substituir a Filosofia do Direito pela Teoria Geral do Direito. O método indutivo resultou inapropriado para o objeto a que se aplicava e para o fim perseguido, uma vez que para se comparar diversos regimes jurídicos é necessário primeiro ter-se uma idéia da essência do Direito, pois do contrário não se pode identificar como Direito o objeto que se venha a qualificar como tal. Outrossim, é falho o resultado da universalização de alguns conceitos gerais, resultando elevado grau de probabilidade. Por fim, não foi capaz a Teoria Geral do Direito de realizar as funções de que a Filosofia do Direito se ocupa, como formular os conceitos jurídicos fundamentais, realizar o estudo de tudo o que há de universal no Direito, tampouco a análise dos pressupostos sobre os quais repousa a Dogmática Jurídica (Torré, 1997, p. 70).

Na concepção atual, a Teoria Geral do Direito é a ciência que tem por objeto a formulação de conceitos jurídicos gerais, obtidos a partir da comparação de instituições ou regimes jurídicos de distintos Estados (Torré, 1997, p. 77). Para Morchon (1993, p. 156), Teoria Geral do Direito é "a parte mais geral das partes gerais da Dogmática Jurídica".

Costuma haver quem confunda a Teoria Geral do Direito com a Filosofia do Direito ou com a Ciência do Direito (em sentido estrito).

A relação entre a Teoria Geral do Direito e a Filosofia do Direito é um dos temas sobre os quais mais já se debruçaram (e ainda o fazem) os filósofos do Direito, principalmente quando a Escola Positivista pretendeu reduzir a Filosofia do Direito à Teoria Geral do Direito. Bobbio 9 observa que, na prática, não existe quase nenhum tratado de Filosofia do Direito que não seja em boa parte dedicado a cuidar de Teoria Geral, ou pelo menos daquilo que para os juristas é a Teoria Geral do Direito; e não existe quase nenhum tratado de Teoria Geral que não contenha, no início ou no final, ou mesclado com todos os demais assuntos, um estudo dos principais problemas da Filosofia do Direito, ou pelo menos daquilo que os filósofos do Direito costumam indicar com essa expressão.

Para quem não aceita que há diferença entre ciência e filosofia, não faz sentido procurar distinção entre a Teoria Geral do Direito e a Filosofia do Direito. Porém, a maioria aceita a distinção entre as duas disciplinas, de sorte que se impõe identificar onde reside essa diferença. De acordo com Bobbio 10, as três soluções a seguir costumam ser apontadas, as duas primeiras mais amplamente: a primeira, sustentando que a Teoria Geral é uma matéria filosófica e como tal se distingue das ciências jurídicas particulares; a segunda, defendendo que a teoria geral é uma matéria científica e como tal se distingue da Filosofia do Direito; e a terceira posição é a de que as "Teorias Gerais do Direito" são duas, uma filosófica e uma científica (e para distinguir a primeira da segunda costuma-se denominar aquela de teoria pura do Direito).

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Quem defende que a Teoria Geral do Direito é uma matéria filosófica, o faz por considerá-la como um estudo formal (estudo das formas da experiência jurídica); e quem sustenta ser aquela Teoria uma matéria científica vê nela um estudo de conteúdos empíricos, apesar de extremamente generalizados (Bobbio, op. cit., p. 75). Este mesmo autor, no entanto, defende a tese de que a Teoria Geral do Direto é ciência e não Filosofia, mas a considera uma investigação formal e não um estudo de conteúdo, ao contrário dos autores que defendem tal ponto de vista (ibid.).

A respeito do assunto, Diniz (2001, p. 219) comenta que a Teoria Geral do Direito tem características tanto da Filosofia do Direito como da Ciência do Direito, situando-se, assim, numa zona fronteiriça entre essas duas disciplinas, havendo inclusive autores que a consideram como parte mesmo da Filosofia do Direito, como é o caso de Siches, ou que a identificam com a Ciência do Direito, como Kelsen. A Teoria Geral do Direito seria científica, devido ao fato de alcançar seus conceitos a partir da experiência do direito posto, sem a preocupação de indagar as condições ou pressupostos últimos da experiência jurídica; e seria filosófica considerando-se os temas de que trata e a generalidade com que o faz (ibid.).

No que concerne à relação (ou distinção) entre a Teoria Geral do Direito e a Ciência do Direito, Diniz (2001, p. 219) destaca que ambas são generalizadoras, mas a generalização conceitual da Teoria Geral é maior, pois elabora noções comuns a todas as ordens jurídico-positivas, por estudar as condições necessárias ao fenômeno jurídico, independentemente do tempo e lugar, o que a põe como verdadeiro denominador comum para o estudo dos diversos ramos do Direito.

A Teoria Geral do Direito, afinal, é a disciplina que fornece noções com função de verdadeiros pressupostos sobre os quais não se admite especulações. Funciona essa ciência como uma "(...) teoria positiva de todas as formas de experiência jurídica, isto é, aplicável aos vários campos do saber jurídico"... É essa disciplina "uma ciência da realidade jurídica, que busca seus elementos na Filosofia do Direito e nas ciências jurídicas auxiliares como a Sociologia do Direito e a História Jurídica, para, estudando-os, tirar conclusões sistemáticas que servirão de guia ao jurista e até mesmo ao sociólogo ou ao historiador do Direito, sem as quais não poderiam atuar cientificamente" (Diniz, 2001, p. 219).

3.2.2. Ciência do Direito

A expressão "ciência do Direito", em sentido amplo, compreende todas as disciplinas jurídicas, inclusive a Filosofia do Direito; em um sentido um pouco mais restrito, alcança todas as verdadeiras "ciências" jurídicas, com exclusão da Filosofia do Direito; e em sentido estrito – o mais usual –, é sinônimo de Dogmática Jurídica (Torré, 1997, p. 44). Igualmente, Aftalión e Vilanova (1988, p. 168) tratam a Ciência do Direito como equivalente à Dogmática Jurídica, afirmando que "a Ciência do Direito, Jurisprudência 11 ou Dogmática Jurídica, é a ciência cujo objeto é o Direito".

Para Máynez (1978, p. 115), Ciência do Direito é a ciência que tem por objeto a exposição ordenada e coerente dos preceitos jurídicos que se acham em vigor em uma época e em um lugar determinados, e o estudo dos problemas relativos à sua interpretação e aplicação. Reale (1998, p. 128), por sua vez, a vê como uma ciência da realidade, não física, nem psíquica, mas cultural, acrescentando que "(...) o Direito, como toda ciência positiva, implica uma atitude realista, enquanto analisa fatos do comportamento humano e até mesmo enquanto estuda normas, que são apreciadas pela Dogmática Jurídica, como um ‘já dado’, algo posto, senão imposto à interpretação e à sistematização do jurista".

Algumas outras considerações sobre Ciência do Direito serão retomadas, adiante, tendo em vista a sua equivalência com a Dogmática Jurídica.

3.2.3. Dogmática Jurídica

Conforme já se afirmou antes, a Dogmática Jurídica, em sentido estrito, é a mesma Ciência do Direito, de modo que as considerações constantes deste tópico valem também para esta última disciplina.

Para Reale (1973, p. 318-321), a Dogmática Jurídica "corresponde ao momento culminante em que o jurista se eleva ao plano dos princípios e conceitos gerais indispensáveis à interpretação, construção e sistematização dos preceitos e institutos de que se compõe o ordenamento jurídico. O jurista, quando interpreta um texto e tira conclusões, coordenando-as e sistematizando-as, segundo princípios gerais, visa o problema da aplicação. É nesse trabalho que consiste principalmente a Dogmática Jurídica".

Kaufmann e Hassemer (1992), ao caracterizarem a Dogmática, assinalam que todo tratadista dessa matéria pensa a partir de dados extraídos a partir de pressupostos que ele aceita como verdadeiros, sem prévio exame. De tal modo, não cabe ao tratadista de Dogmática Jurídica discutir o que é o Direito em seu fundamento último, tampouco em que circunstâncias é possível o conhecimento jurídico, seu alcance e formas que pode adotar. A Dogmática Jurídica não é acrítica, mas quando realizar a função crítica, "(...) por exemplo, ao submeter a exame uma norma legal, sua argumentação sempre haverá de ser imanente ao sistema, o que supõe deixar intangível o sistema vigente" (op. cit.,p. 27-28),.

A Dogmática Jurídica, além de visar ao conhecimento daquilo que é estabelecido pelo legislador, possibilita também reflexões que permitem controlar e dirigir a matéria normativa para a solução dos conflitos, ou seja, permite conhecer a lei, tendo em vista sua adequada aplicabilidade na solução de conflitos (Ferraz Júnior, 1977, p. 356).

Morchon (1993, p. 163-164) relaciona os seguintes assuntos como temas da Teoria da Dogmática Jurídica:

  1. História da Dogmática Jurídica, particularmente a tensão ente o método dogmático e o método sociológico;

  2. Teoria dos textos jurídicos;

  3. Teoria da interpretação dogmática, compreendendo:

    • a) os métodos interpretativos e

    • b) a formação dos conceitos e do sistema dogmático-jurídico; e

  4. Teoria da Justiça intrasistemática (valores e princípios: sua função no ordenamento).

3.2.4. Teoria do Direito

É muito difícil dizer o que é a Teoria do Direito, tendo em vista a disparidade não só dos problemas que são debatidos sob o rótulo dessa disciplina, como também a grande divergência nos modos ou maneiras como tais assuntos são tratados por essa pretensa espécie das ciências jurídicas. Na verdade, não há muita diferença de natureza entre a Filosofia do Direito e a Teoria do Direito, pois ambas parecem ter o mesmo objeto formal de trabalho. Com efeito, assim como na Filosofia do Direito, na Teoria do Direito são abordados os problemas capitais do Direito, adotando-se em ambas um ponto de vista transcendente ao sistema; outrossim, o pensamento teórico-jurídico é um pensamento metadogmático e crítico, assim como o pensamento filosófico (Kaufmann e Hassemer, 1992, p. 34-35).

Para Morchon (1993, p. 156), a Teoria do Direito não se identifica com a Filosofia do Direito em sentido estrito, nem com a doutrina do Direito natural, mas

"(...) pode ser qualificada como uma forma de Filosofia do Direito em sentido amplo, concretamente aquela forma que se orienta pelo modelo epistemológico da análise da linguagem".

Durante as aulas ministradas no Curso de Mestrado em Teoria do Direito e Filosofia do Direito da Universidade Federal de Pernambuco, mediante convênio desta com a Universidade Federal do Piauí e a Escola Superior da Advocacia do Piauí – ESAPI, Landim também afirmou que a Teoria do Direito tem a pretensão de ser Filosofia, mas asseverou que a primeira se caracteriza apenas como um conhecimento enciclopédico.

3.2.5. Introdução ao Direito

Introdução ao Direito é a matéria que tem por objeto dar uma noção panorâmica e sintética das diversas disciplinas jurídicas, a par de uma noção elementar dos principais conceitos jurídicos por elas estudados. Muitas outras denominações são atribuídas a essa disciplina, podendo-se citar, por exemplo, as seguintes: Introdução ao Estudo do Direito, Introdução às Ciências Jurídicas, Introdução Geral ao Estudo do Direito, Introdução à Ciência do Direito, Introdução Enciclopédica ao Direito, Enciclopédia Jurídica, Prolegômenos do Direito, Introdução às Ciências Jurídicas e Sociais, Introdução ao Direito e às Ciências Sociais etc. (Torré, 1997, p. 96).

A respeito da Introdução ao Direito, duas opiniões têm sido sustentadas: uma que a considera como "ciência geral do Direito" – e, portanto, autônoma – e outra, predominante na atualidade, que lhe confere o caráter de matéria meramente formal, ou seja, não autônoma. Mas a Introdução ao Direito não é uma disciplina jurídica autônoma porque não tem um conteúdo próprio e exclusivo, ou seja, estuda temas que pertencem fundamentalmente a outras disciplinas. Ao estudar os temas de outras disciplinas, a Introdução ao Direito o faz observando enfoques e métodos próprios de cada uma delas, com a particularidade de expô-los de forma breve e elementar (Torré, op. cit., p. 97).

3.3. Relação de disciplinas "não-propriamente jurídicas"

Sob este tópico, serão incluídas apenas as disciplinas "não-propriamente jurídicas" mais mencionadas pelos diversos autores, haja vista que são muitas as que não têm o Direito como objeto principal de seus estudos, dele se ocupando apenas como uma especialização da matéria principal. Outrossim, os comentários serão restritos à indicação do objeto de estudo de cada uma. Mesmo a Filosofia do Direito, que é uma das mais importantes dentre as disciplinas que estudam o Direito, não será tratada profundamente, tanto porque constituiria fuga ao objetivo da presente pesquisa, como também porque já se tratou do conhecimento filosófico em outros tópicos.

3.3.1. Filosofia do Direito

Compete à Filosofia do Direito encarar as questões mais profundas e essenciais do Direito, localizando seu estudo em uma sistematização total dos conhecimentos humanos, o que nos permite compreender não só o sentido e a significação do jurídico em uma concepção total do mundo e da vida, mas também o caráter e fundamentação das disciplinas que o tomam por objeto. Daí dizer-se que o conhecimento filosófico tem o duplo caráter de ser autônomo e pantônomo. Autônomo porque, apesar de fundamentar as diversas ciências jurídicas, a Filosofia do Direito é, em si mesma, um saber sem pressupostos; e pantônomo, no sentido de que abarca o Direito em sua totalidade (Torré, 1997, p. 58).

Há quem considere que a Filosofia do Direito é mais uma espécie do gênero das ciências do Direito (Torré, 1997, p. 41), entretanto, a opinião majoritária é a de que se trata de um ramo da Filosofia Geral 12, por apresentar as mesmas características desta.

De acordo com Saldanha (1998, p. 34), a Filosofia do Direito não constitui uma das ciências jurídicas, nem se enfileira entre os saberes que se referem ao Direito, como apregoam alguns autores. Para o referido autor, a Filosofia do Direito é uma projeção da própria Filosofia sobre uma temática particular, assim como, por exemplo,

"(...) a Sociologia Jurídica é um debruçar-se da Sociologia – dita ‘geral’ – sobre certos aspectos do Direito. Filosofia e Sociologia são no fundo modos de ver, são pontos de vista ou perspectivas enfocadas sobre as coisas: não se submetem a partilhos metodológicos estreitos, nem se comportam dentro de escaninhos acadêmicos, sob pena óbvia de perderem seu significado e sua fecundidade" (ibid.).

Outras características da Filosofia do Direito já foram comentadas nos tópicos anteriores, o que permite passar logo ao exame das demais disciplinas, mesmo porque o objetivo ora visado é apenas o de revelar o objeto de cada uma.

3.3.2. História do Direito

A História do Direito é o ramo ou especialidade da História Geral que "(...) estuda, cronologicamente, o Direito como fato empírico e social resultante da interação humana, salientando os seus caracteres peculiares, as causas ou motivos de suas mutações ou transformações, envolvendo a experiência jurídica do passado, procurando individualizar os fatos e integrá-los num sentido geral, ao se ater à evolução das fontes do Direito, ao desenvolvimento jurídico de certo povo, à evolução de ramo específico do Direito (história do Direito Civil, Penal etc.) ou de uma instituição jurídica (história da propriedade, do casamento etc.), mostrando a sua projeção temporal em conexão com as teorias em que se baseiam" (Diniz, 2001, p. 228-229).

Torré (1997, p. 80) conceitua a História do Direito como o ramo ou especialidade da História Geral que estuda o desenvolvimento do Direito, explicando-lhe em função das causas respectivas, com o alcance individualizador próprio da História. Significa que essa disciplina trata tanto do desenvolvimento dos corpos legais como da aplicação que estes tiveram na realidade da vida pretérita. Outrossim, quando se diz que a História do Direito explica o Direito em função de suas causas, quer-se afirmar que não se limita a uma mera narração cronológica e descritiva do Direito Positivo, mas explica suas transformações em função das distintas causas ou fatores, localizando as instituições jurídicas dentro do respectivo processo histórico-social. Por fim, quando se afirma que a História do Direito estuda os fatos com um alcance individualizador, quer-se dizer que não formula leis como outras disciplinas, cumprindo sua finalidade ao explicar cabalmente determinados fatos, naquilo que têm de único e particular (Torré, op. cit., p. 81-83).

3.3.3. Sociologia do Direito

A Sociologia Jurídica ou Sociologia do Direito é, segundo Torré (1997, p. 87-88),

"o ramo da Sociologia Geral que enfoca o direito como fenômeno social, com o objetivo de explicar suas características e função na sociedade, as relações e influências recíprocas entre esses fenômenos sociais, assim como as transformações do Direito, com um alcance geral".

A Sociologia do Direito é um ramo da Sociologia Geral e, portanto, tem seu mesmo método e suas mesmas características (Torré, 1997, p. 88). O sociólogo do Direito, utilizando métodos e técnicas de pesquisa empírica, estuda como se forma e transforma o Direito, verificando qual é a sua função no seio da coletividade e como influi na vida social, sem ter a preocupação de elaborar normas e de interpretar as que vigoram numa dada sociedade (Diniz, 2001, p. 226).

3.3.4. Psicologia Jurídica

Trata-se a Psicologia Jurídica, ou Psicologia Forense, de uma disciplina em formação. É no Direito Penal que essa disciplina tem mais aplicação, a ponto de se falar em um sub-ramo denominado "Psicologia Criminal" (ou Psicologia Penal) que, entre outros temas, compreende o da psicologia do criminoso. No Direito Civil, a Psicologia Criminal serve para estabelecer, por exemplo, se um determinado ato foi praticado voluntariamente ou não (Torré, 1997, p. 94).

3.3.5. Direito Comparado

Também denominado de Ciência Comparada do Direito, o Direito Comparado é a disciplina que estuda, comparativamente, não só o Direito Positivo, contemporâneo ou não, de diferentes países, mas também os motivos pelos quais o Direito se desenvolveu de modo diverso nos vários países, com o intuito de uniformizá-lo e orientar, em certos casos, a reforma legislativa no Direito nacional (Diniz, 2001, p. 231).

3.3.6. Lógica Jurídica

A Lógica Jurídica é a disciplina das leis e das operações formais do pensamento jurídico ou a reflexão crítica sobre a validade do pensamento jurídico, indicando como deve o intelecto agir no estudo do Direito, na interpretação, na integração, na elaboração e aplicação jurídicas. Essa disciplina se desdobra em Analítica Jurídica (abrangendo a lógica deôntica relativa às proposições normativas) e Dialética Jurídica (dando o sentido do desenvolvimento jurídico) – Diniz, 2001, p. 230.

3.3.7. Cibernética Jurídica

Cibernética Jurídica, ou Juscibernética, é a disciplina que procura compreender a conduta humana, em termos de comportamento das máquinas, colocando à disposição do jurista e do aplicador os recursos dos computadores na classificação e comparação de provas, na seleção de normas aplicáveis ao caso, na atualização de dados bibliográficos e jurisprudenciais etc. (Diniz, 2001, p. 231).

3.3.8. Política Jurídica

Política Jurídica é, de acordo com Diniz (2001, p. 231), "a ciência da organização do Estado que procura estudar as relações entre autoridade e cidadãos e as formas e meios jurídicos adequados à consecução dos fins da comunidade por meio da ação estatal".

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Sobre o autor
Marco Aurélio Lustosa Caminha

Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 22ª Região. Ex-Procurador Regional do Trabalho. Professor Associado de Direito na Universidade Federal do Piauí. Mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco. Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino (Buenos Aires, Argentina). Doutor em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Maranhão.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAMINHA, Marco Aurélio Lustosa. O conhecimento do Direito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 262, 20 mar. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4801. Acesso em: 22 dez. 2024.

Mais informações

Título anterior desta publicação: "Disciplinas que estudam o fenômeno jurídico" (até maio de 2005).

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