Os limites impostos ao poder empregatício

05/04/2016 às 16:34
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O Poder Empregatício possui limites no contrato de trabalho, mormente a função social da propriedade.

O direito à propriedade e sua função social no contrato de trabalho

O poder empregatício, com suas diversas denominações doutrinárias (poder diretivo, poder hierárquico, dentre outras), é uma prerrogativa universal conferida a todos os empregadores. Na verdade, o poder empregatício possui seu fundamento jurídico no próprio contrato de trabalho firmado entre as partes, embora, sob um enfoque sociológico, o embasamento do poder empregatício possa ser a propriedade dos meios de produção e dos instrumentos de trabalho pelo empregador, além de sua responsabilidade pelos riscos daquele empreendimento com relação a seus empregados.

Observa-se a importância do poder empregatício e, efetivamente, toda a força que é conferida ao empregador através da utilização daquele. Atualmente, contudo, a questão da limitação do poder empregatício vem tomando contornos mais amplos em virtude da rápida e constante modificação tecnológica da sociedade.

Há bem pouco tempo, para se fazer utilizar o poder de controle do trabalhador, ou seja, a prerrogativa que lhe é conferida para fiscalizar todas as atividades prestadas por seus empregados, o empregador dispunha de meios bastante simples e antiquados. Geralmente a fiscalização era realizada de forma bastante rústica, ou seja, tudo era verificado pessoalmente, vistoriando-se o local de trabalho dos empregados, analisando, visualmente, as atividades que estavam sendo prestadas naquele momento, e os instrumentos que estavam sendo utilizando para atingir seus objetivos no ambiente de trabalho, por exemplo.

Efetivamente, o empregador dispunha de meios quase inócuos para fiscalizar as atividades de seus empregados, pois era necessária a sua constante presença física no local de trabalho para que os empregados pudessem realmente perceber que eram fiscalizados de alguma forma, o que os intimidava, e que, na percepção dos empregadores, estimularia seus subordinados ao trabalho.

Hoje a situação mudou. Há uma incontável quantidade de formas de monitoramento, de fiscalização do ambiente de trabalho e, consequentemente, das atividades prestadas pelos empregados. Não é mais necessária a presença física amedrontadora do “chefe”, do “patrão”, para que o empregado tenha consciência de que seu trabalho está, de alguma forma, sendo observado. Câmeras gravadoras instaladas nos corredores dos escritórios e fábricas, obrigatoriedade de relatórios de atividades que devem ser enviados regularmente por correio eletrônico, e monitoramento de e-mails enviados e/ou recebidos, o qual, em inúmeras ocasiões, pode ser feito, inclusive, automaticamente, através de sistema próprio para tanto instalado no computador utilizado pelo empregado.

Estes são somente alguns exemplos de como a modernidade e os avanços tecnológicos vêm modificando substancialmente as formas de monitoramento das atividades dos empregados pelo empregador.

De acordo com Barros, 2004 (apud BELMONTE 2007), são inúmeras as formas de controle patronal da atuação do empregado. Através de revistas pessoais, em objetos, veículos e espaços reservados; por meio de escutas e equipamentos audiovisuais; do controle de adornos e de erros do empregado; de limitações para chamadas telefônicas, cópias e fac-símiles; da imposição de limites para idas ao banheiro; da obrigação de realização de exame médico periódico e de preenchimento de questionários indagatórios de dados pessoais.

Observa-se que há formas de controle do empregador tão diversas que algumas chegam a ser absurdas, transparecendo verdadeiro acinte ao bom senso, como limitações para chamadas telefônicas e até limites para idas ao banheiro.

Todavia, é isso que ocorre atualmente, e é a partir desse momento que efetivamente deve ser levada em consideração a questão dos limites de atuação do poder empregatício.

A legislação relativa à limitação do poder empregatício

Inicialmente, não se pode conceber que somente pelo fato de o empregador ser o proprietário e/ou possuidor daqueles bens utilizados no ambiente de trabalho (telefone fixo, microcomputador, impressoras e etc), teria o direito de dispor deles de qualquer maneira.

O direito à propriedade, conforme cediço, é princípio constitucional deflagrado no caput do art. 5º da Constituição Federal e no inciso XXII do mesmo artigo. Não se pode olvidar que a garantia constitucional da propriedade é fundamento básico em um Estado Democrático de Direito moderno, já que a propriedade, juntamente com o capital, é um dos fundamentos primordiais do capitalismo (BRASIL, 2008a).

Todavia, não obstante a Constituição Federal dispor acerca da garantia do direito à propriedade pelos cidadãos, também há disposição expressa na Carta Magna acerca da função social da propriedade. Observe-se o disposto no caput do artigo 5º da Constituição e, por consequência, seus incisos XXII e XXIII:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes

XXII - é garantido o direito de propriedade;

XXIII - a propriedade atenderá a sua função social (Ibid, grifo nosso).

Aliás, não poderia ser diferente, já que a justiça social é um dos fundamentos básicos da Carta Constitucional de 1988. É exatamente por esse motivo que a denominação “Constituição Cidadã” foi utilizada, primordialmente por Ullysses Guimarães, ao tratar acerca da novel Constituição Federal, em célebre discurso pronunciado na Sessão da Assembleia Nacional Constituinte. Observe-se breve trecho do referido discurso:

A injustiça social é a negação e a condenação do governo. A boca dos constituintes de 1987-1988 soprou o hálito oxigenado da governabilidade pela transferência e distribuição de recursos viáveis para os municípios, os securitários, o ensino, os aposentados, os trabalhadores, as domésticas e as donas-de-casa.

Repito: essa será a Constituição cidadã, porque recuperará como cidadãos milhões de brasileiros [...] (GUIMARÃES, 2008)[1].

É a partir da análise de fatos históricos como o mencionado que se observa a finalidade da criação deste ou daquele princípio constitucional. Ao empregador, dono de todos os bens utilizados no ambiente do trabalho pelos empregados, deve ser consagrado o direito de propriedade, respeitando-se, contudo, a função social daquela propriedade, de modo a permitir o ajuste da conveniência privada ao interesse coletivo, conforme disposto no art. 1228, §1º do Código Civil. Observe-se:

Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.

§ 1o O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas (BRASIL, 2008b).

Assim, o fato de o empregador dispor da propriedade dos instrumentos de trabalho do empregado não o permite a utilização absoluta do poder empregatício, ou poder diretivo, absoluto, já que deve ser observada a função social daqueles equipamentos e, primordialmente, a função social inerente aos contratos de trabalho em geral.

As formas de limitação do poder empregatício

Já foram expostas as diversas formas de execução do poder empregatício, tendo sido exemplificadas, inclusive, algumas maneiras que se configuram em verdadeira violação ao princípio da dignidade humana, como, por exemplo, a limitação ao uso do banheiro pelo empregado no ambiente de trabalho.

Neste momento serão demonstradas as maneiras pelas quais devem ser impostas limitações ao poder empregatício. Inicialmente, cumpre destacar que a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho (TST), bem como dos diversos Tribunais Regionais do Trabalho, vem sendo unificada no sentido de evitar justamente o exagero, pelo empregador, no cumprimento de suas funções, conforme se comprova pela observação da decisão do Tribunal Superior do Trabalho disposta adiante.

I - AGRAVO DE INSTRUMENTO DA RECLAMADA ADICIONAL DE PERICULOSIDADE - A decisão encontra-se em consonância com a Súmula nº 364 desta Corte, pois, com base nas provas produzidas, notadamente o laudo pericial, constatou o Regional que o Reclamante, no desempenho de suas atribuições, adentrava de forma intermitente em áreas muito próximas de onde estava armazenado o gás. Agravo de Instrumento não provido. II - RECURSO DE REVISTA DO RECLAMANTE DANOS MORAIS - REVISTA EM PERTENCES DOS EMPREGADOS - A jurisprudência desta Casa vem se inclinando no sentido de que a revista em bolsas, sacolas ou mochilas dos empregados, sem que se proceda à revista íntima e sem contato corporal, mas apenas visual e em caráter geral, tal como registrado no acórdão recorrido, não caracteriza excesso por parte do empregador, inabilitando o reclamante à percepção da indenização por danos morais. Precedentes. Recurso não conhecido.

( ARR - 106500-76.2008.5.04.0001 , Relator Juiz Convocado: Sebastião Geraldo de Oliveira, Data de Julgamento: 14/12/2011, 8ª Turma, Data de Publicação: 19/12/2011)

No caso em comento, o relator do recurso de revista determinou ser direito potestativo do empregador, ou seja, prerrogativa jurídica de impor a outrem, unilateralmente, a sujeição ao seu exercício, determinar a revista do empregado, sem contato corporal, observando-se, assim, os limites do poder empregatício.

Corroborando com o entendimento jurisprudencial citado, deve-se ressaltar que um dos limites mais importante do poder empregatício é justamente o respeito ao princípio da dignidade à pessoa do trabalhador, em que estão incluídos os direitos à intimidade e à inviolabilidade de sua correspondência pessoal. Ressalte-se, uma vez mais, que esta não deve ser confundida com o correio eletrônico corporativo, que é aquele fornecido pelo empregador para ser utilizado unicamente no desempenho das atividades do empregado, conforme se aprofundará adiante.

Quando realmente for necessária a utilização mais rigorosa do poder empregatício, com relação ao monitoramento das atividades de seus empregados, tal controle deve ser realizado de forma generalizada, não discriminatória. Podem ser citados dois exemplos básicos de como isso pode ocorrer: primeiramente, no caso de haver revista pessoal dos empregados. Neste caso, todos os trabalhadores devem ser revistados, por pessoa do mesmo sexo, e somente quando tal procedimento for indispensável para efeito de segurança. Não se pode revistar um único empregado baseado em uma suspeita infundada do empregador de que ele estaria furtando determinado objeto da empresa, por exemplo.

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Um segundo exemplo pode ser observado no caso de haver limitação de ligações telefônicas para todos os empregados, de uma maneira impessoal e genérica. Foi exatamente nesse sentido que o Tribunal Superior do Trabalho, em decisão inédita proferida no dia 16 de maio de 2005, julgou procedente o recurso de revista interposto pela empresa The Hongkong and Shanghai Banking – HSBC - Seguros - através do qual foi possibilitado o monitoramento do e-mail corporativo da empresa como forma de aferir a possibilidade de justa causa para despedida de um empregado.

Nesse caso, a empresa teve conhecimento que determinado empregado estaria utilizando-se do e-mail corporativo que lhe fora disponibilizado para enviar mensagens pornográficas a seus colegas. A Primeira Turma do TST, então, decidiu, por unanimidade, não ter havido violação à intimidade e à privacidade do empregado e que a prova assim obtida é legal.

Todavia, este assunto será deixado ao largo, no momento, deixando-se para tratar dele no capítulo seguinte, referente ao monitoramento, em si, do correio eletrônico do empregado, com todas as suas nuances.

Ainda no que concerne ao tema da revista pessoal, mencionado em parágrafos anteriores, observe-se uma breve análise de normas internacionais e do direito comparado, a fim de que se possa compreender melhor o que dispõe a legislação brasileira nesse sentido, tanto com relação à revista pessoal quanto no que concerne a diversas outras formas de violação da intimidade.

A Declaração Universal de Direitos Humanos, da Organização das Nações Unidas – (ONU, 2008) [2] dispõe em seu art. 12, que: “Ninguém será sujeito à interferência, na sua vida privada, na de sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem a ataques à sua honra e reputação. Todo homem tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques”.

A Convenção Interamericana sobre Direitos Humanos (CIDH) também tem disposição similar em seu art. 17. Observe-se:

Proteção da honra e da dignidade. §1º Toda pessoa tem direito ao respeito de sua honra e ao reconhecimento de sua dignidade. §2º Ninguém pode ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas em sua vida privada, na de sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais à sua honra ou reputação. §3º Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais ingerências ou tais ofensas.(CIDH, 2008)[3].

As Constituições europeias, de um modo geral, assim como a Lei Maior brasileira, garantem o direito à intimidade. A Carta Magna espanhola dispõe acerca da revista pessoal. Observe-se: “Artículo 18. 1. Se garantiza el derecho al honor, a la intimidad personal y familiar y a la propia imagen” (ESPAÑA, 2008)[4].

No entanto, em virtude da tutela da propriedade privada no que concerne à questão da revista pessoal dos empregados, na Espanha esse procedimento é permitido caso seja necessária à defesa do patrimônio do empregador e do empregado, de acordo com o supracitado artigo 18 do Estatuto do Trabalhador daquele país. Ainda tratando acerca desse mesmo país ibérico, as decisões de seus Tribunais vêm sendo proferidas no sentido de permitir ao empregador, em face da defesa do risco do empreendimento, determinadas práticas vistas como abusivas em outros países, como monitoramento de e-mails, por exemplo.

Uma curiosidade deve ser ressaltada: no Brasil, apesar da expansão do uso do e-mail, ainda não há qualquer legislação expressa no sentido de proteger a intimidade do usuário de correio eletrônico.

Na Espanha, todavia, a violação de e-mail está equiparada à violação de correspondência postal convencional. Basta que o agente se aproprie do e-mail, independentemente de tomar conhecimento do respectivo conteúdo, de acordo com o art. 197.1 do Código Penal espanhol (CPE):

                                                  

Artículo 197.- 1. El que, para descubrir los secretos o vulnerar la intimidad de otro, sin su consentimiento, se apodere de sus papeles, cartas, mensajes de correo electrónico o cualesquiera otros documentos o efectos personales o intercepte sus telecomunicaciones o utilice artificios técnicos de escucha, transmisión, grabación o reproducción del sonido o de la imagen, o de cualquier otra señal de comunicación, será castigado con las penas de prisión de uno a cuatro años y multa de doce a veinticuatro (CPE)[5].

Ressalte-se que mesmo diante da prerrogativa que vem sendo conferida aos empregadores pelos Tribunais espanhóis, em todas as decisões há referência expressa acerca da necessidade de análise da situação concreta, como forma de limitação do poder empregatício.

Demais disso, deve-se salientar que o dispositivo legal do Código Penal espanhol supracitado dispõe acerca do correio eletrônico pessoal, ou seja, aquele no qual o usuário efetua o cadastro através da internet, utilizando-se da empresa de sua preferência, como Gmail, Yahoo, Hotmail etc.

Belmonte (2004) informa que em diversos outros países europeus, como Itália, Alemanha, França e Reino Unido, assim como em nações do continente americano, como Argentina e Estados Unidos, observa-se a constante preocupação com a adaptação da possibilidade de monitoramento do empregado e a consequente ampliação das atribuições do poder empregatício. Contudo, nos países em referência o direito à intimidade do empregado sempre possui caráter de maior importância. Ainda de acordo o mencionado autor, em matéria trabalhista a legislação espanhola permite a revista no esclarecimento patronal e no horário de trabalho; a francesa veda a imposição patronal de restrições aos direitos das pessoas e às liberdades individuais.

Diante do exposto, não restam dúvidas acerca da supremacia do direito constitucionalmente consagrado à intimidade dos indivíduos, razão pela qual devem ser impostos limites ao poder diretivo do empregador a fim de que não haja violação a tais direitos.

No entanto, em virtude das inúmeras modificações tecnológicas que vêm ocorrendo nos ambientes laborais, o monitoramento do e-mail corporativo do empregado, que já vinha sendo admitido em alguns países, tende a ser legalizado também no Brasil, principalmente depois da recente decisão proferida pelo Tribunal Superior do Trabalho no sentido da legalidade do monitoramento do correio eletrônico corporativo pelo empregador.


[1] <http://www.presidencia.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_62/PANTE%C3O/panteao.htm>.

[2] <http://www.dhnet.org.br/direitos/deconu/textos/integra.htm>.

[3] <http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/oea/oeasjose.htm>.

[4] <http://noticias.juridicas.com/base_datos/Admin/constitucion.html>.

[5] <http://www.igsap.map.es/cia/dispo/7734_3.htm>.

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