A lei do aprendiz

06/04/2016 às 10:26
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A lei do aprendiz, explica como funciona um menor aprendiz.

A Lei n.º 10.097, de 19/12/00, veio dar nova redação aos arts. 402, 403, 428, 429, 430, 431, 432 e 433 da Consolidação das Leis do Trabalho, além de revogar o art. 80, o § 1º do art. 405 e os arts. 436 e 437 da CLT, todos relacionados ao trabalho dos adolescentes.

Uma das principais características da Lei citada foi transportar para a CLT (arts. 428 a 433) todo o regramento sobre o instituto da aprendizagem, que antes estava esparso em várias portarias e decretos.

Ao tratar da matéria com novos ordenamentos, trouxe como principal novidade a possibilidade de que outras entidades que não os Serviços Nacionais de Aprendizagem possam ofertar cursos de aprendizagem, embora somente devam atuar quando o "Sistema S" não oferecer cursos ou quando as vagas nos cursos forem insuficientes.

Quando referimos o "Sistema S", está-se falando do SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem na Indústria, no SENAC - Serviço Nacional de Aprendizagem no Comércio, no SENAR - Serviço Nacional de Aprendizagem Rural, no SENAT - Serviço Nacional de Aprendizagem nos Transportes e no SENACOOP - Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo.

Outra inovação importante foi a uniformização do cálculo das cotas de aprendizes para cada estabelecimento, já que foi estipulado um percentual entre 5% e 15% do número de empregados que trabalham em funções ou ocupações que demandem formação profissional.

Por estas razões, pode-se dizer que a Lei em questão trouxe uma reforma da legislação sobre a aprendizagem.


ENTIDADES QUALIFICADAS EM FORMAÇÃO TÉCNICO-PROFISSIONAL METÓDICA

Conforme alteração no art. 430 da CLT, a aprendizagem, que antes era restrita aos Serviços Nacionais de Aprendizagem (Sistema S), agora pode ser realizada também pelas Escolas Técnicas de Educação (art. 430, inciso I) e por entidades que atendam aos seguintes requisitos simultaneamente: a) ser uma entidade sem fins lucrativos; b) ter por objetivo a assistência ao adolescente e a educação profissional; c) estar registrada no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente; d) cumprir os preceitos de competência para ministrar cursos de aprendizagem conforme for disposto em dispositivo legal a ser baixado pelo Ministério do Trabalho e Emprego (art. 430, inciso II e § 3º). Importante frisar que as escolas técnicas de educação não estão submetidas a esses requisitos.

A par dessas condições, essas outras entidades (escolas técnicas e entidades sem fins lucrativos) somente podem oferecer cursos ou vagas quando o "Sistema S" não puder atender a demanda (art. 430). Significa que os Serviços Nacionais de Aprendizagem detêm a obrigação principal pela aprendizagem. As escolas técnicas de educação e as entidades sem fins lucrativos assumem uma responsabilidade subsidiária.


CARACTERÍSTICAS DA APRENDIZAGEM

A aprendizagem somente se caracteriza mediante um contrato especial de trabalho (art. 428, "caput", da CLT), do qual participam três partes: a empresa, o menor aprendiz e a entidade que realiza a aprendizagem.

A empresa tem a obrigação de contratar o adolescente e matriculá-lo no curso de aprendizagem, garantindo-lhe todos os direitos trabalhistas e previdenciários.

O aprendiz tem o dever de executar com zelo e diligência as tarefas necessárias a essa formação.

E a entidade de aprendizagem, por sua vez, tem o compromisso de propiciar com qualidade o ensino da formação técnico profissional, devendo para isso contar com estrutura adequada tanto no aspecto físico do estabelecimento como, principalmente, no que se refere aos meios didáticos e ao corpo docente.

Dessas características pode-se dizer que o aprendiz é um "empregado-aluno", expressão utilizada pelo Prof. Oris de Oliveira quando estuda o tema.


CONTRATO DE APRENDIZAGEM

O contrato deve ser obrigatoriamente por escrito e sua duração é por tempo determinado, não podendo ultrapassar dois anos (art. 428, "caput", e § 3º, CLT). Extingue-se o contrato em duas situações: quando o menor aprendiz concluir o curso ou quando ele completar 18 anos (art. 433, "caput").

A rescisão antecipada somente pode ocorrer nos seguintes casos:

  • a) insuficiência de desempenho ou inadaptação do aprendiz (art. 433, I);

  • b) falta disciplinar grave (art. 433, II);

  • c) perda do ano letivo por faltas injustificadas (art. 433, III);

  • d) a pedido do aprendiz (art. 433, IV).

Fora dessas hipóteses é vedada a dispensa arbitrária do empregado aprendiz, daí originar-se a sua garantia no emprego.

São pressupostos para a validade do contrato de aprendizagem (art. 428, § 1º):

  • a) anotação da Carteira de Trabalho e Previdência Social;

  • b) matrícula e frequência do aprendiz à escola, caso não haja concluído o ensino fundamental;

  • c) inscrição e frequência do aprendiz em curso de aprendizagem desenvolvido sob a orientação de entidade qualificada em formação técnico-profissional metódica.

O contrato de aprendizagem deve indicar expressamente o oficio ou ocupação objeto da formação técnico-profissional, o horário de atividades teóricas ou práticas, a jornada diária e semanal, a data de início e término e a remuneração mensal.

A entidade responsável pela aprendizagem assina o contrato respectivo na qualidade de interveniente no processo de formação, conjuntamente com a empresa, com o adolescente aprendiz e seu responsável legal.


CONDIÇÕES PARA SER APRENDIZ

  • a) ter idade entre 14 e 18 anos (art. 428, caput);

  • b) estar inscrito em programa de aprendizagem (idem);

  • c) estar matriculado e frequentando o ensino fundamental (art. 428, § 1º).

A questão da dispensa da frequência no ensino médio levantou questionamentos de ilegalidade, pois contrária ao disposto no art. 63, inciso I, do ECA, embora o conceito de aprendizagem contido no art. 62 do Estatuto refira-se à aprendizagem no sentido lato, não especificamente à aprendizagem empresária. Embora a Emenda Constitucional n.º 14, de 12/09/96, em seu art. 2º tenha dada nova redação ao inciso II do art. 208 da CF/88, retirando do texto constitucional a progressiva obrigatoriedade do ensino médio, manteve a progressiva universalização da gratuidade do ensino médio, reafirmando assim a "importância do ensino secundário" (1).


OBRIGATORIEDADE DA CONTRATAÇÃO DE MENORES APRENDIZES

Todo e qualquer estabelecimento que mantém empregados sob o regime celetista está obrigado a contratar adolescentes aprendizes (art. 429 da CLT). Aí estão incluídos os órgãos públicos, as fundações e as empresas estatais que seguem o regime da CLT. A única exceção à regra são as microempresas e as empresas de pequeno porte, que estão dispensadas da contratação dos aprendizes conforme art. 11 da Lei n.0 9.841, de 05/10/99 (Estatuto das Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte).

As cotas obrigatórias variam de 5% a 15% do número de empregados de cada estabelecimento que ocupem funções que demandem formação-técnico profissional (art. 429 da CLT). Não é do total de empregados. Por exemplo, empacotador e continuo não podem ser contados por que são ocupações que não demandam formação profissional.


CONDIÇÕES DE REALIZAÇÃO

A aprendizagem realiza-se através de atividades teóricas e práticas (art. 428, § 4º), conforme vier a ser programado em plano de curso próprio (currículo), não devendo haver a prevalência da parte prática na empresa.

A parte prática pode ocorrer tanto na instituição que oferece o curso (oficinas ou laboratórios, por exemplo) quanto na empresa. No entanto, a parte prática na empresa sempre deverá ser direcionada para o aspecto educativo, não devendo prevalecer o aspecto produtivo, pois o aprendiz é considerado um empregado-aluno. A parte prática na empresa deverá observar a garantia das condições de segurança e saúde no trabalho, de forma que sempre estará sujeita às proibições da Portaria n.º 6, de 05 de fevereiro de 2001 (art. 405, inciso I). Nesse sentido, a aprendizagem nas indústrias deverá ter especial atenção, havendo casos em que ela se tomará impraticável no estabelecimento do empregador. Do mesmo modo, prevalece a norma do inciso II do art. 405 do texto consolidado, que veda o trabalho dos adolescentes em locais ou serviços prejudiciais à sua moralidade.

As entidades que realizam a aprendizagem também são responsáveis pelo fiel cumprimento das normas de segurança e saúde nas atividades do curso, não só nos próprios estabelecimentos quanto também nas empresas, pois quando o aprendiz está na empresa suas tarefas também estão vinculadas ao curso de aprendizagem, sob a responsabilidade da entidade que ministra o curso.


JORNADA DA APRENDIZAGEM

A duração máxima da jornada diária do aprendiz é de 6 horas (art. 432, CLT). Na hipótese de o adolescente já ter concluído o ensino fundamental, a jornada poderá ser de até 8 horas diárias, desde que nelas estejam computadas as horas destinadas à aprendizagem teórica (art. 432, § 1º, CLT). As atividades teóricas ministradas no estabelecimento da entidade formadora são partes da jornada do aprendiz, pois decorrem do contrato de aprendizagem. Portanto, devem ser remuneradas da mesma forma como se o aprendiz estivesse em atividades normais na empresa. É ilegal remunerar apenas as atividades práticas executadas na empresa.

No currículo do programa de aprendizagem é que devem ser fixadas as jornadas do aprendiz, seja nas aulas teóricas, seja nas aulas e tarefas práticas. As tarefas práticas não se traduzem na inserção do aprendiz como mera mão-de-obra na empresa. Embora ele execute operações típicas do oficio em que está obtendo a formação, não está subordinado ao rigor técnico e à produtividade inerente ao empregado normal da empresa. Deve inclusive estar sob a orientação de um instrutor da entidade de aprendizagem ou de um profissional da empresa.

Toda e qualquer entidade de aprendizagem deve atentar para desvios e desvirtuamentos que ocorrem, pois em alguns casos o aprendiz frequenta quatro horas de aulas teóricas e depois trabalhava mais quatro horas na empresa, ganhando remuneração apenas pelo tempo na empresa, o que é ilegal.

As instituições devem observar rigorosamente os horários fixados nos respectivos cursos. Vale lembrar: tanto as aulas de aprendizagem na instituição de ensino quanto as atividades práticas na empresa, tudo faz parte do contrato de aprendizagem, gerando, portanto, todos e quaisquer direitos trabalhistas e previdenciários, independentemente do local em que são realizadas as atividades. O menor aprendiz não pode ser abandonado pela entidade de aprendizagem na empresa. Deve sempre haver um acompanhamento de suas atividades.

O menor aprendiz não pode fazer horas extras ou trabalhar em regime de compensação de horas, em que trabalha mais horas do que aquelas fixadas e compensa com a diminuição em outro dia (art. 432, in fine).

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SALÁRIO E DEMAIS DIREITOS

O salário do aprendiz é calculado com base no salário-mínimo hora (art. 428, § 2º), hoje de R$ 0,82. E será proporcional à jornada do curso. O cálculo pode ser feito por salário-hora ou salário mensal, sendo este o mais adequado, pois na verdade o aprendiz não vai ter uma jornada variável que justifique o cálculo por hora.

Para o cálculo do salário mensal, apura-se a média da jornada semanal do aprendiz nos seis dias da semana, multiplicando-se o resultado pelos 30 dias do mês (já inclusos os domingos e feriados); aplica-se então o valor do salário mínimo hora para a fixação do salário devido.

Todos os demais direitos são garantidos ao menor aprendiz. Faz-se ressalva quanto aos depósitos ao FGTS, que passa a ser de 2% (dois por cento), ao contrário dos empregados típicos, cuja alíquota é de 8% (oito por cento) (art. 15, § 7º, da Lei 8.038190, acrescentado pelo art. 2º da Lei n.0 10.097/00).

As férias do adolescente devem coincidir com um dos períodos das férias escolares do ensino regular (art. 136, §2º, CLT) não podendo haver o fracionamento das mesmas (art. 134, § 2º, CLT).


ENTIDADE SEM FINS LUCRATIVOS COMO EMPREGADORA DO APRENDIZ

A legislação permite que a entidade de aprendizagem sem fins lucrativos, e somente ela, pode ser ao mesmo tempo responsável pelo curso e empregadora do menor aprendiz. Essa possibilidade não se aplica aos Serviços Nacionais de Aprendizagem e às Escolas Técnicas de Educação. Nessa condição especial, a entidade sem fins lucrativos que mantiver o aprendiz como seu empregado pode firmar contratos de prestação de serviços com as empresas que estiverem obrigadas a contratar aprendizes nos termos do "caput" do art. 429 do texto consolidado. Os serviços a serem prestados compreendem a programação, a supervisão e a execução da aprendizagem por parte da entidade sem fins lucrativos. Não se cogita na contratação dos serviços do adolescente aprendiz. A entidade não é intermediadora de mão-de-obra, nem tampouco o aprendiz pode ser utilizado como mera mão-de-obra.


TRABALHO EDUCATIVO X APRENDIZAGEM

Trabalho educativo e aprendizagem não se confundem, pois são dois institutos diferentes. O trabalho educativo previsto no art. 68 e seu § 1º do ECA depende de regulamentação, havendo no Senado Federal três projetos de lei que tratam da matéria.

A doutrina classifica a aprendizagem em dois tipos (4): a aprendizagem escolar, caracterizada pelo estágio profissionalizante (Lei n.º 6.494/77) e pela formação ministrada por escolas de profissionalização ou escolas técnicas; e a aprendizagem empresária, regulada pelos arts. 428 a 433 da CLT.

O trabalho educativo tanto pode ocorrer mediante a aprendizagem escolar quanto através da aprendizagem empresarial.

Se ele ocorrer apenas no interior das entidades sem fins lucrativos, desvinculado de qualquer atividade empresarial, enquadra-se na aprendizagem escolar, não havendo a incidência dos direitos trabalhistas e previdenciários.

Ocorrendo o trabalho educativo dentro das empresas por intermédio daquelas entidades, tem-se a aprendizagem empresarial, fazendo obrigação quanto aos direitos laborais. O mesmo se dá quando a empresa se utiliza dos serviços dos adolescentes sendo estes executados dentro da instituição de trabalho educativo.


A Lei do Aprendiz e suas polêmicas

Em maio deste ano, números divulgados pelo IBGE mostravam que cresceu de 14,4% para 15% a taxa de desocupação entre os jovens de 18 a 24 anos. Em São Paulo, por exemplo, a desocupação entre os jovens dessa faixa etária saltou de 14,7% para 16,7%, enquanto em Belo Horizonte subiu de 11,6% para 12,5% e em Porto Alegre, de 9,6% para 9,8%. Em contrapartida, os números gerais apontavam que, em abril, a taxa de desemprego era de 6,4%, a menor para o mês durante 9 anos. Os dados evidenciam as contradições do mercado de trabalho no Brasil. Enquanto de um lado, jovens sem experiência profissional "penam" para conseguir uma vaga, de outro, empresas reclamam da falta de mão de obra qualificada. Diante deste quadro, mecanismos que poderiam auxiliar as empresas na qualificação e possível contratação desses jovens, como a Lei do Aprendiz, mais dificultam do que ajudam.

A inserção do jovem no mercado de trabalho no Brasil já passou por inúmeras fases. A sua previsão legal está no artigo 429 da CLT, que passou por modificações advindas da Lei nº 10.097, de dezembro de 2000, a chamada Lei do Aprendiz, que por sua vez foi modificada pela MP 251, de 2005, convertida na lei 11.180, do mesmo ano, que instituiu o Projeto Escola de Fábrica, que autorizou a concessão de bolsas a estudantes do Programa Universidade para todos.

Todas as empresas, de qualquer segmento econômico, estão obrigadas a empregar e matricular, nos cursos de aprendizagem dos Serviços Nacionais de Aprendizagem de 5% a 15% de aprendizes. O cálculo desse percentual mínimo e máximo vale para cada um dos estabelecimentos da empresa e tem por base as funções que demandam formação profissional. Mas, é justamente na metodologia de cálculo da percentagem de aprendizes por funções que demandem formação profissional que reside o foco da polêmica.

No entendimento da fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego, todos os cargos e funções de uma empresa contemplados na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) seriam passíveis de aprendizagem. Essa posição radical afronta o princípio da legalidade previsto no art. 5º, II, da Constituição Federal, na medida em que impõe obrigação que não se encontra na lei, redundando em insegurança jurídica atroz, além de precária a própria formação do aprendiz.

Com efeito, o artigo 429, caput, da CLT, ressalva que o número de aprendizes equivalente a 5%, no mínimo, e 15%, no máximo, é calculado em relação ao número de trabalhadores em cada estabelecimento, cujas funções demandem formação profissional. Vale notar que a lei não deve conter palavras inúteis, logo, é forçoso reconhecer que o objetivo da mencionada expressão foi exatamente o de excluir do cômputo da cota as funções puramente mecânicas e repetitivas.

Nessa linha, é possível constatar que é errôneo o entendimento no sentido de que o percentual mínimo de aprendizes, equivalente a 5% previsto no art. 429, da CLT, deva incidir sobre toda função prevista na CBO.A adoção incondicional da CBO, prevista no Decreto 5.598/05, para o cômputo da cota de aprendizes, afronta diretamente o princípio da legalidade ao extrapolar as disposições do art. 429, da CLT, impondo a contratação de aprendizes para todas as funções, inclusive as que demandam tarefas simples que não exigem curso de formação técnica.

Não basta que o cargo esteja previsto na CBO para que haja a obrigação de contratação do aprendiz. Concomitantemente, há de se tratar de uma função passível de aprendizagem, exigindo para o seu desempenho o treinamento em tarefas de razoável complexidade, mediante conhecimentos teóricos e práticos a serem adquiridos em programas de aprendizagem equivalentes.

Outra dificuldade para as empresas reside no fato de que a lei não exclui a inserção obrigatória de aprendizes menores de 18 anos em setores industriais. Ocorre que há exposição a agentes insalubres e áreas perigosas. Nesse aspecto, é importante que as empresas discutam essa peculiaridade com os auditores fiscais, justificando a negativa para a inserção de aprendizes nesses ambientes e, consequentemente, a razão pela qual não cumprirão a cota mínima de aprendizes em funções alocadas na área industrial.

Por fim, se o objetivo da lei é promover a aprendizagem, somente as funções de média complexidade é que se qualificariam para fins de cálculo do percentual mínimo de aprendizes por estabelecimento da empresa.

A reforma no instituto da aprendizagem propicia um espaço importante para que os adolescentes de famílias de baixa renda tenham a oportunidade de qualificação e, consequentemente, de ascensão social.

Ainda hoje muitas instituições vêm o trabalho para adolescentes com um viés sócio ocupacional, no sentido de dar solução para problemas sociais de jovens e de famílias de baixa renda mediante a ocupação do tempo dos adolescentes em atividades laborais, buscando com isso manter o jovem ocupado e ao mesmo tempo propiciar um aumento de renda para a família, impondo a eles papéis sociais destinados aos adultos como provedores da família. Muitas vezes essas instituições relegam a um segundo plano a questão dos direitos sociais garantidos a todo trabalhador. Cunham a expressão "antes o social que o legal", argumentando que é mais importante manter esse adolescente longe das ruas e ocupado com um trabalho que lhe gere renda do que buscar assegurar seus direitos.

Em um cenário marcado pelas deficiências das escolas públicas, pela formação profissional descaracterizada, pela situação econômico-financeira das famílias de baixa renda que pressiona a entrada precoce de adolescentes no mercado de trabalho, proliferam programas de geração de renda que têm do lado da demanda por mão-de-obra juvenil as famílias, as empresas, os agenciadores e especialmente organizações governamentais e não-governamentais que, sob a capa de assistência social, articulam tais programas, onde o manto do trabalho educativo predomina. Investe-se em tais programas com base no princípio de que adolescentes pobres e fracassados nas escolas precisam ocupar seu tempo em atividades e ocupações dignificantes e preventivas da vadiagem, e de que a renda obtida pelos pais não é suficiente para a sobrevivência da família. Muitos programas, tido até como promocionais porque garantem salário, vale-refeição, atividades lúdicas e matrícula em escolas públicas, pecam também pela mesma inércia, perversa, como são os exemplos das guardas-mirins que oferecem o tradicional pacote ocupacional - a guarda de carros nas ruas e parques de estacionamento, "boys" para escritório e repartições públicas (5).

Esse paradigma perpetua o ciclo de pobreza e de privação cultural que envolvem as famílias de baixa renda, pois o adolescente passa a conviver nesse espaço de limitações e nele cresce e constitui família, que vai viver com essas mesmas limitações, e assim o ciclo se reproduz. Não há chances de mobilidade social para esse grupo familiar. Quando alcançados por programas assistenciais esses adolescentes são então encaminhados para ocupações de apoio, como empacotador, office-boy, vendedor de bilhetes de estacionamento pago, repositor de mercadorias, em que os conhecimentos técnicos e habilidades requeridos são facilmente aprendidos em serviço, caracterizando a finalidade ocupacional em detrimento da formação profissional (6).

Deve-se buscar um paradigma educativo-profissional, em que a aprendizagem não seja um fim em si mesma como uma política de ocupação dos jovens, mas, sim, um potente vetor que rompa o ciclo permanente de pobreza e privação cultural que condenam muitos adolescentes a uma perspectiva horizontal de vida, em que a ascensão social é vista ao longe como um sonho. Nesse sentido, voltar a aprendizagem para ocupações da economia moderna é essencial para a construção da viabilidade dessas oportunidades. Ocupações como webmaster e web designer têm espaço em qualquer empresa que queira sobreviver nessa competição do mercado virtual. Também seria salutar se a aprendizagem de uma ocupação se revestisse de caráter multifuncional, buscando várias capacitações dentro de um mesmo grupo de ocupação profissional.

É com essa visão crítica que tanto os Serviços Nacionais de Aprendizagem quanto agora as instituições não pertencentes ao Sistema S habilitadas à aprendizagem devem, nesse contexto, romper com esse paradigma sócio funcional e avançar para um modelo educativo-profissional, propiciando aos adolescentes aprendizes a formação profissional exigida por uma economia moderna. É o que ordena o art. 69, inciso II, do ECA. É a chance que milhares de adolescentes esperam para romperem aquele ciclo de pobreza e de horizontalidade que vem marcando suas vidas.

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