A aplicabilidade do princípio da insignificância nos crimes ambientais.

09/04/2016 às 07:47

Resumo:


  • A proteção do meio ambiente é objeto de estudos e discussões há muito tempo, sendo consagrada como um direito fundamental das pessoas.

  • A Constituição Federal de 1988 trouxe avanços significativos na proteção ambiental, elevando o meio ambiente a um direito fundamental de todo cidadão.

  • O Direito Penal Ambiental atua como última ratio, protegendo os bens jurídicos mais relevantes da sociedade, interferindo apenas em condutas que representam graves lesões aos valores fundamentais.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O Direito Penal deve intervir em todos os tipos de delitos ambientais ou há algumas circunstâncias que o Direito Penal Ambiental deveria se abster de intervir levando-se em consideração a mínima lesividade ao bem ambiental?

A proteção do meio ambiente é matéria que há muito vem sendo objeto de estudos e discussões por estudiosos do mundo inteiro.

A mais respeitável e decisiva conferência sobre o meio ambiente ocorreu em 1972 em Estocolmo, na Suécia, na qual consagraram-se princípios que acabaram por influenciar o mundo todo (FREITAS, et al., 2006).

Não se pode falar em qualidade de vida humana sem uma adequada conservação do meio ambiente, a própria existência da espécie humana depende dessa conservação ambiental,  (PRADO, 2005).

No Brasil, relevantes novidades a respeito do tema foram trazidas pela Constituição Federal de 1988, no artigo 225, caput e seus parágrafos, e no artigo 5º, inciso LXXIII, que sagraram o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, como um direito fundamental de todas as pessoas, no entanto a preocupação com a preservação ambiental é antiga.

Ensinam os professores Vladimir e Gilberto Passos de Freitas (FREITAS, et al., 2006), que a primeira manifestação alusiva à seriedade do meio ambiente no Brasil foi proferida por José Bonifácio de Andrada e Silva, em 1815, ao mencionar que, “se a navegação aviventa o comércio e a lavoura, não pode haver navegação sem rios, não pode haver rios sem fontes, não há fontes sem chuvas, não há chuva sem umidade, não há umidade sem floresta”.

A Constituição Federal Brasileira de 1988 trouxe significativo avanço no que tange à proteção ambiental (FREITAS, et al., 2006), inclusive elevando o meio ambiente e sua proteção a direito fundamental de todo cidadão (SILVA, 2008, p. 61.)

Assim, ficou consignado no artigo 225, caput, da Constituição Federal, que todos, ou seja, a presente, e as futuras gerações, têm o direito a usufruírem de um meio ambiente ecologicamente equilibrado, saudável, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade, a obrigação de defendê-lo e preservá-lo para todos.

 Como visto, é na Constituição que se encontram os valores mais fundamentais consagrados pela sociedade, dela decorrendo ainda aqueles bens dignos ou merecedores de tutela penal (PRADO, 2009, p. 40).

Partimos, então, da ideia de que os bens jurídicos ambientais devem ter sua fonte primária na Constituição Federal, decorrendo daí, se for necessário for e como ultima ratio, a sua proteção através do Direito Penal.

Nessa trilha, mostra-se claro que o meio ambiente foi consagrado pelo Texto Maior não apenas como bem jurídico, mas como um dos mais relevantes bens jurídicos a serem tutelados pelo Poder Público e pela sociedade, chegando ao posto de direito humano fundamental.

Esse ingresso do meio ambiente no rol dos bens jurídicos de suprema relevância para a ordem constitucional teve como consequência lógica a sua proteção sob o pálio do Direito Penal, uma vez que a este pertence o escopo de tutelar aqueles valores mais fundamentais para a sociedade (SILVA, 2008, p. 72).

É esse o alvo atribuído pela própria Constituição ao assinalar no parágrafo 3º do artigo 225, a necessidade de proteção jurídico-penal do meio ambiente, consignando um “mandato de criminalização”, ao determinar a imposição de penais e sanções judicias às pessoas, físicas e jurídicas, que acarretem dano ao bem supracitado.

A criminalização da pessoa jurídica é matéria mais do que controvertida, mas de fato, e na prática os tribunais vêm aplicando sanções judiciais em sentença criminal, às pessoas jurídicas que praticam crimes ambientais.

A razão para tanto, em suma, decorre do fato de que uma parte mais tradicional da doutrina tem-se apegado ao dogma romano-germânico do societas delinquere non potest. Segundo este princípio, em conformidade com a chamada teoria da ficção legal de Savigny, a pessoa jurídica é totalmente destituída de uma personalidade e, logo, incapaz de manifestar vontade.

Desta forma, seria impossível que este mesmo ente, puramente ficto, viesse a praticar uma conduta que gerasse efeitos na esfera penal, pois, para isso, é necessário exatamente o atributo da vontade, requisito essencial para que haja, aliás, também, a culpabilidade (MP, MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, 2015).

Nesse liame, atendendo ao preceito constitucional em vigor, bem como seguindo orientação internacional de criminalizar as condutas nocivas ao meio ambiente, editou-se em 12 de fevereiro de 1998, a Lei n.º 9.605, consagrada pela doutrina como Lei dos Crimes Ambientais.

Conforme assevera Regis Prado, essa imprescindível tutela penal do meio ambiente encontra supedâneo jurídico-formal no indicativo constitucional do art. 225, parágrafo 3º, e, em termos materiais, nas próprias necessidades existenciais do homem. (FREITAS, et al., 2006).

A Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/98) tipifica condutas proibidas e fixa penas aos seus deturpadores, visando a que as pessoas se abstenham de atos degradadores do meio ambiente; no entanto verificamos que a Lei 9.099/95 aponta que crimes com pena máxima igual ou inferior a 02 (dois) anos, são consideradas como se fossem de menor potencial ofensivo.

Todavia, muitos tipos penais insculpidos na Lei 9.605/98 têm suas penas estabelecidas até dois anos; desta forma, no que se atine ao Direito penal ambiental, indaga-se se existe lesão ao meio ambiente que possa ser considerada insignificante, tendo em vista a importância do bem jurídico resguardado.

Segundo preceitos de renomados criminalistas, a resposta para tal indagação é positiva, uma vez que, a amplitude conferida aos tipos penais ambientais pode alcançar comportamentos que, embora formalmente típicos, não afrontam concretamente o meio ambiente e, por essa razão, não têm a gravidade necessária para o Direito Penal (SILVA, 2008, p. 88).

Lembramos que o Supremo Tribunal Federal instituiu critérios objetivos de aplicação do Princípio da Insignificância aos casos concretos, sendo tais vetores mencionados pela doutrina e pela jurisprudência pátrias.

 São critérios para a constatação da existência da Insignificância penal que não autoriza a intervenção do Direito penal: I - mínima ofensividade da conduta do agente; II- nenhuma periculosidade social da ação; III- reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e IV- inexpressividade da lesão jurídica provocada (BRASIL, 2004).

Ademais, importa observar que a adequada incidência do Princípio da Insignificância aos crimes ambientais não visa à simples abstenção da lei penal, de forma a deixar desprotegido o meio ambiente, pelo contrário, busca-se a correta aplicação da lei penal e o respeito aos princípios e características próprios de um Direito Penal moderno que preza por sua intervenção apenas em casos nos quais a lesão ao bem jurídico tutelado seja relevante.

Além disso, frisa-se, novamente, que o fato de determinada conduta ser considerada atípica para o Direito Penal, não significa que o bem juridicamente tutelado ficará despido de proteção, uma vez que restam ainda as esferas cível e administrativa para tutelá-lo adequadamente (SILVA, Murilo Brião da In: BALTAZAR JÚNIOR, Jose Paulo (Org.). Estudos em homenagem ao Desembargador Vladimir Passos de Freitas. , 2010, p. 40.)

No âmbito do Supremo Tribunal Federal, destacamos um julgado que demonstra claramente o posicionamento da Corte no que diz respeito à aplicação do Princípio da Insignificância penal quando da ocorrência de dano ínfimo ao meio ambiente tutelado.

O Habeas Corpus (BRASIL, 2010) com pedido liminar, onde o paciente foi acusado de praticar delito previsto no artigo 50, da Lei n.º 9.605/98, por ter efetuado o corte de duas árvores da espécie nativa Pinheiro brasileiro (Araucaria angustifólia) em sua propriedade, destacou-se que o art. 50 da Lei n° 9.605/98 prevê pena de detenção, de três meses a um ano, e multa, para quem "destruir ou danificar florestas nativas ou plantadas ou vegetação fixadora de dunas, protetora de mangues, objeto de especial preservação".

O meio ambiente ecologicamente equilibrado, é objeto da proteção Legal e bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, assegurado pelo art. 225 da Constituição da República.

 A finalidade do Direito Penal é exatamente entregar um abrigo reforçado aos valores basilares repartidos culturalmente pela sociedade.

Além dos valores clássicos, como a vida, liberdade, integridade física, a honra e imagem, o patrimônio etc., o Direito Penal, a partir de meados do século XX, passou a cuidar também do meio ambiente, que ascendeu paulatinamente ao posto de valor supremo das sociedades contemporâneas, passando a compor o rol de direitos fundamentais ditos de 3ª geração incorporados nos textos constitucionais dos Estados Democráticos de Direito.

Parece certo, por outro lado, que essa proteção pela via do Direito Penal justifica-se apenas em face de danos efetivos ou potenciais ao valor fundamental do meio ambiente; ou seja, a conduta somente pode ser tida como criminosa quando degrade ou no mínimo traga algum risco de degradação do equilíbrio ecológico das espécies e dos ecossistemas. Fora dessas hipóteses, o fato não deixa de ser relevante para o Direito. Porém, a responsabilização da conduta será objeto do Direito Administrativo ou do Direito Civil. O Direito Penal atua, especialmente no âmbito da proteção do meio ambiente, como ultima ratio, tendo caráter subsidiário em relação à responsabilização civil e administrativa de condutas ilegais. Esse é o sentido de um Direito Penal mínimo, que se preocupa apenas com os fatos que representam graves e reais lesões a bens e valores fundamentais da comunidade.

 No caso em questão, o paciente segundo cortou dois pinheiros, em sua propriedade, sem autorização ou licença dos órgãos competentes, ou seja, carente do plano de corte seletivo ou de licença para corte da vegetação, para limpar e dar lugar no terreno para cultivo de milho e soja.

Não há, em princípio, degradação ou risco de degradação de toda a flora que compõe o ecossistema local, objeto de especial preservação, o que torna ilegítima a intervenção do Poder Público por meio do Direito Penal.  No caso, portanto, há que se realizar um juízo de ponderação entre o dano causado pelo agente e a pena que lhe será imposta como consequência da intervenção penal do Estado. A análise da questão, tendo em vista o princípio da proporcionalidade, pode justificar, dessa forma, a ilegitimidade da intervenção estatal por meio do processo penal.  A jurisprudência desta Corte tem sido no sentido de que a insignificância da infração penal, que tenha o condão de descaracterizar materialmente o tipo, impõe o trancamento da ação penal por falta de justa causa (HC n° 84.412, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 19.11.2004; HC n° 83.526, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ 7.5.2004)

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Direito Penal acondiciona e limita as relações individuais em sociedade protegendo bens que, por sua importância social, merecem tratamento jurídico particular.

Os bens jurídicos que interessam ao Direito Penal Ambiental podem ser bem-conceituados como aqueles que manifestamente se mostram fundamentais para a vida em sociedade e para uma convivência social pacífica.

Nem todo bem jurídico requer tutela penal, resumindo, nem todo bem jurídico é considerado bem jurídico-penal, desse modo, para que um bem jurídico seja protegido pelo Direito Penal é necessário que, além da importância social a relevância da ofensividade também deve ser observada.

O Direito Penal Ambiental deve ser aplicado como ultima ratio no arrimo dos bens jurídicos socialmente relevantes, interferindo tão-somente quando as demais formas de tutela desses bens (civil e administrativa) revelarem-se insuficientes em homenagem ao Princípio da Subsidiariedade ou da Intervenção Mínima do Direito Penal.

Nem todas as ações que afetam bens jurídicos são sancionadas penalmente, mas apenas aquelas consideradas mais graves e intoleráveis, praticadas contra os bens jurídicos mais fundamentais.

Não restam ambiguidades de que o meio ambiente ecologicamente equilibrado é um bem jurídico dos mais proeminentes, tendo sido alicerçado pela Constituição Federal de 1988 a um direito fundamental da pessoa humana, ficando assentado no artigo 225, caput, da Magna Carta, que “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

Este acesso do meio ambiente ao rol dos bens jurídicos basilares para a coletividade levou-o a ser tutelado também pelo Direito Penal, ao qual incumbe o dever de proteger os bens jurídicos mais importantes para a ordem social tipificando condutas lesivas aos mesmos, sendo expressa a incumbência constitucional (artigo 225, parágrafo 3º).

Deduz-se que o fato de o meio ambiente ter sobre si, como mais uma forma de amparo, a tutela penal, faz com que seja apropriada e imprescindível a ressalva que que os princípios constitucionais que norteiam o Direito Penal, igualmente nos casos da proteção penal ambiental.

Concluindo conquanto a tutela penal do meio ambiente visa proteger um bem de relevantíssimo importância social, trata-se pois de tema penal típico, assim não devemos, na análise de cada caso concreto abandonar a observância dos também relevantes princípios constitucionais penais, tais como o da intervenção mínima do e o da fragmentariedade, os quais também integram o mundo Jurídico Brasileiro como colunas do Estado Democrático e Social de Direito.


Bibliografia
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FREITAS Vladimir Passos de e FREITAS Gilberto Passos de. Crimes contra a natureza. 8. ed. [Livro]. - São Paulo : Revista dos Tribunais,, 2006.
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MP, MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL http://www.mprs.mp.br/ambiente/doutrina/id379.htm. - 01 de ABRIL de 2015.
PRADO Luiz Regis Bem jurídico-penal e constituição. 4. ed. [Livro]. - São Paulo : Revista dos Tribunais, 2009, p. 40.
PRADO Luiz Regis Direito penal do ambiente [Livro]. - São Paulo : Revista dos Tribunais, 2005.
PRADO Luiz Regis. Direito penal do ambiente: meio ambiente, patrimônio cultural, ordenação do território, biossegurança (com a análise da Lei 11.105/2005). Direito penal do ambiente: meio ambiente, patrimônio cultural, ordenação do território, biossegurança (com a análise da Lei 11.105/2005). [Livro]. - São Paulo : Revista dos Tribunais, 2005.
SILVA Ivan Luiz da Princípio da insignificância e os crimes ambientais [Livro]. - Rio de Janeiro : Lumen Juris, 2008.
SILVA, Murilo Brião da In: BALTAZAR JÚNIOR, Jose Paulo (Org.). Estudos em homenagem ao Desembargador Vladimir Passos de Freitas. O princípio da insignificância em matéria ambiental [Livro]. - Porto Alegre : Verbo Jurídico, 2010, p. 40.

 

Sobre o autor
Anderson Costa e Silva

É Professor de Direito na Universidade Uninove; Advogado, (graduado na FMU), possui título de Mestre em Direito, (Universidade Católica), autor e coordenador do Livro "Direito Ambiental - Temas Polêmicos" Ed. Juruá (2015). Atuante nas esferas de Assessoria Jurídica Empresarial, Direito Administrativo, Direito do Trabalho, Direito Penal e Tribunal do Júri; Palestrante e Pesquisador. (11) 99183.0222

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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