Análise da habilitação do quadro de credores na recuperação judicial

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Este trabalho visa analisar o enunciado 78 da II Jornada de Direito Comercial do Conselho da Justiça Federal, que trata sobre a relação completa de credores da empresa em crise.

Palavras Chave:  Recuperação Judicial, Credores Trabalhistas, Credito Tributário, Protecionismo, atividade empresarial habilitação de credito

 

Key Words: Judicial recovery, Labor Creditors, Tax Credit, Protectionism, Business Activity, Proof of Claim

 

1. Introdução
             A Constituição brasileira, sendo considerada por muitos doutrinadores como uma constituição econômica, visa o bem estar social, intervindo nas relações sócio econômicas.

O título VII da carta magna, trata da ordem econômica e financeira e seus princípios. O inciso VI do artigo 170 elenca a função social da propriedade. De fato, temos uma impressão que temos total gozo da utilização da propriedade privada. Entretanto, é um equívoco, pois mesmo sendo direito fundamento garantido pelo nosso texto excelso, a ordem econômica e o interesse público superam os direitos individuais.

Também está disposto na carta constitucional, a defesa do consumidor e a busca pelo emprego, os quais são fundamentais para se manter uma economia estável e prospera. Entretanto o risco da atividade negocial é inerente. E quando o inevitável ocorre, é necessária a intervenção estatal, para evitar danos maiores ao mercado, por uma pessoa jurídica em crise econômico financeira, pois esta se torna insolvente, e incapaz de saldar suas dívidas, causando um grande distúrbio econômico. A lei n 11.101/05 mais conhecida como Lei de Recuperação e Falências, veio ao nosso ordenamento com o intuito de regular empresas com o potencial de dano a ordem sócio econômica.

Quando a pessoa jurídica perde sua produtividade e entre em crise, faturando abaixo de seus custos, esta precisa reajustar a realidade econômica. Contudo, muitas empresas acreditam que toda crise é transitória. Ocorre que esta afirmação nem sempre é verdadeira, e determinado ponto, a pessoa jurídica acumula tal dívida que somente poderá restabelecer sua atividade econômica após superar a situação de crise através do processo de recuperação judicial.

O enunciado 78 da II Jornada de Direito Comercial do Conselho da Justiça Federal, trata sobre a relação completa de credores da empresa em crise. Disposto in verbis: “O pedido de recuperação judicial deve ser instruído com a relação completa de todos os credores do devedor, sujeitos ou não à recuperação judicial, inclusive fiscais, para um completo e adequado conhecimento da situação econômico-financeira do devedor. ”. Este enunciado trata da preocupação de evirar insolvências ou créditos ocultos, a fim de mantar a ordem econômica estável, pois uma empresa que deixa de saldar parte de suas dívidas, ou oculta sua situação de credores, tem potencial lesivo à economia.

A legislação anterior priorizava o interesse particular, ou seja dos credores. Esta nova lei seguiu correntes mais modernas, como a compilação francesa, alemã e espanhola, as quais visam a proteção do interesse social e não mais do interesse particular. Nas palavras de Manoel Justino Bezarra Filho “essas legislações mais modernas partem do principio de que a manutenção do funcionamento das empresas é de interesse social acentuado, de tal forma que o projeto permite o afastamento dos sócios (pessoas físicas) e a manutenção da empresa funcionado, se necessário, com outros administradores, e sob a fiscalização do Judiciário” . Portanto, a lei de recuperação e falências (Lei, 11.101/05) em seu artigo 47 dispõe sobre tais princípios supracitados, que teve como fim superar uma situação de crise econômico financeira de uma empresa através do processo de recuperação judicial.


2. Da recuperação judicial e seus procedimentos:

A recuperação judicial tem como fundamento principal a superação da crise econômica–financeira, a manutenção de fonte produtora e também a liquidação dos créditos pendentes, ou seja, o pagamento das dívidas da pessoa jurídica (Empresa) com seus respectivos credores, sendo necessária completa apresentação econômico financeira da empresa em crise, apresentando um plano viável para a recuperação, visto que a Recuperação não visa, apenas a solvência da pessoa jurídica, mas manter a ordem econômica estável. De nada serviria uma falsa recuperação com uma tentativa frustrada de garantir o credito devido.

Para o processamento da recuperação judicial, é necessário seguir o que fora disposto nos artigos 47 e seguintes da lei 11.101/2005, a qual prevê uma petição estritamente formal, visto que a habilitação dos créditos não podem passar despercebidos.

Um destes itens necessários e indispensável para o processo de recuperação da empresa é a relação completa de todos os credores do devedor, sendo esta lista realizada pelo administrador judicial. Requisito esse imprescindível para a habilitação dos créditos. O enunciado expressa que é necessário a “relação completa de todos os credores do devedor”, veja que para Fabio Ulhôa coelho essa hipótese é ainda mais abrangente, pois não se discute apenas em credito, mas trata de obrigações. Nas palavras do autor; “A lista deve ser nominal e abranger não só as obrigações pecuniárias, como também as de fazer ou de dar.” .

3. Dos Créditos

Quando tratamos de crédito, temos que incluir as despesas e futuros créditos. O inciso IV do artigo 51, in verbis:


Art. 51. A petição inicial de recuperação judicial será instruída com:
[...]
IV – a relação integral dos empregados, em que constem as respectivas funções, salários, indenizações e outras parcelas a que têm direito, com o correspondente mês de competência, e a discriminação dos valores pendentes de pagamento;

 

Nota-se que o legislador fez a questão de incluir não só credores de longa data. Mas também as despesas atuais e futuras, com o intuito de se fazer uma análise da situação econômica atual. Nas palavras de Manuel Justino Bezerra Filho “A situação dos empregados é fundamento para que o juiz e os credores possam avaliar a situação do devedor, como alias, ocorre em qualquer sociedade empresária. Além de informar o valor do salário e eventuais indenizações, esse lista deve trazer também a discriminação dos valores em atraso, ou seja, valores pendentes de pagamento.” .

Nosso ordenamento jurídico possui uma extensa legislação que protege o trabalhador. E seguindo princípios desse ramo do direito, podemos destacar o princípio da condição mais benéfica ao trabalhador, a qual “tem a função de solucionar o problema da aplicação da norma no tempo para resguardar as vantagens que o trabalhador tem nos casos de transformações prejudiciais que poderiam afeta-lo” . Este princípio foi adotado pela lei 11.101/05 o qual prioriza o os credores trabalhistas.

Os credores titulares desses créditos previsto no artigo 83 tem preferência pelo seu caráter de equidade. Veja que o dispositivo priorizou os créditos trabalhistas. Porém o legislador limitou em 150 salários mínimo o valor máximo para esta preferência, com o fundamento de evitar fraudes e créditos maquiados. Para Manuel Justino Bezerra Filho, a justificativa é equivocada, “pois não se pode entender como justo castigar-se o trabalhador que efetivamente tem valores altos a receber em decorrência de dedicação à empresa por longo tempo, sob a fundamentação de que o cumprimento dessa obrigação poderia vir a favorecer terceiros fraudadores” 

Podemos perceber que o legislador priorizou o polo mais frágil de qualquer relação econômica, o empregado. Pois em se tratando de preferência de crédito na falência, os créditos trabalhistas têm preferências sobre outros. Como dispõe os artigos 83 e 84.


Art. 83. A classificação dos créditos na falência obedece à seguinte ordem:
I – os créditos derivados da legislação do trabalho, limitados a 150 (cento e cinqüenta) salários-mínimos por credor, e os decorrentes de acidentes de trabalho;
Art. 84. Serão considerados créditos extraconcursais e serão pagos com precedência sobre os mencionados no art. 83 desta Lei, na ordem a seguir, os relativos a:
I – remunerações devidas ao administrador judicial e seus auxiliares, e créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho relativos a serviços prestados após a decretação da falência;

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  Em relação aos créditos fiscais, é imprescindível a apresentação destes na habilitação, o artigo 7° da Lei de Falências dispõe:


Art. 7o A verificação dos créditos será realizada pelo administrador judicial, com base nos livros contábeis e documentos comerciais e fiscais do devedor e nos documentos que lhe forem apresentados pelos credores, podendo contar com o auxílio de profissionais ou empresas especializadas. (grifamos)


 Os documentos fiscais são outro tipo de obrigação. Contudo decorre de obrigações para com o Estado. Diferente de acordos particulares, o fisco não negocia. Todo e qualquer parcelamento deve ser regulamentado por lei, expressa no CTN:


Art. 155-A. O parcelamento será concedido na forma e condição estabelecidas em lei específica.
 Contudo a Lei de Falências assegurou que os créditos tributários fossem suspensos para evitar a descontinuação da atividade empresarial.

Art. 52. Estando em termos a documentação exigida no art. 51 desta Lei, o juiz deferirá o processamento da recuperação judicial e, no mesmo ato:
[...]
II – determinará a dispensa da apresentação de certidões negativas para que o devedor exerça suas atividades, exceto para contratação com o Poder Público ou para recebimento de benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, observando o disposto no art. 69 desta Lei;
III – ordenará a suspensão de todas as ações ou execuções contra o devedor, na forma do art. 6o desta Lei, permanecendo os respectivos autos no juízo onde se processam, ressalvadas as ações previstas nos §§ 1o, 2o e 7o do art. 6o desta Lei e as relativas a créditos excetuados na forma dos §§ 3o e 4o do art. 49 desta Lei

Seguindo princípios do direito tributário, não há que se falar em moratória de dividas tributarias, visto que as falhas foram sanadas e foram aprovadas pelo poder judiciário. Luís Eduardo Schoeri defende que não se pode cobrar moratórias de tributo. “O sujeito passivo que, antes do início de qualquer procedimento fiscal, procurar as autoridades tributárias e reconhecer sua falta[...] fica dispensado da multa decorrente de sua infração”
Conclui-se que embora algumas classes de credores terão privilégios sobre outros e alguns sequer serão atingidos pela Recuperação Judicial, o legislador optou por preservar a Empresa e sua atividade econômica, pois visa o princípio constitucional da proteção a ordem econômica e financeira.


Bibliografia
- BEZERRA FILHO, Manoel Justino, Lei de Recuperação de Empresas e Falências Comentada, 4ª ed. , São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2007
-ULHOA, Fábio Ulhoa, Curso de Direito Comercial: Vol. 3, 15ª ed., São Paulo, Editora Saraiva, 2014
- SCHOUERI, Luis Eduardo, Direito Tributario, 4ª ed, Sao Paulo, Editora Saraiva. 2014
- NASCIMENTO, Amauri Mascaro, Curso de Direito do Trabalho, 29ª ed., São Paulo, Editora Saraiva, 2014

 

Sobre os autores
Arthur Nakao

Estudante de Direito

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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