Análise do recurso especial nº 1.492.947 à luz dos princípios da execução

14/04/2016 às 15:47

Resumo:


  • Análise da ação inibitória contra Google e Youtube envolvendo cenas íntimas de Renato Aufiero Malzoni Filho e Daniela Cicarelli.

  • Princípio do contraditório na fase de execução, com destaque para a impugnação da multa cominatória.

  • Decisão do STJ sobre a fixação do valor das astreintes, considerando princípios como razoabilidade, proporcionalidade e menor onerosidade.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O presente artigo pretende analisar os pontos discutidos na ação inibitória apresentada pelo empresário Renato Aufiero Malzoni Filho contra a Google e o Youtube.

O presente artigo pretende analisar os pontos discutidos na ação inibitória apresentada pelo empresário Renato Aufiero Malzoni Filho contra a Google e o Youtube, em que estes foram intimados, em sede de apelação, para a retirada de vídeo na internet que continha cenas íntimas do Autor com a apresentadora Daniela Cicarelli em praia espanhola, eis que o conteúdo afrontava seus direitos de personalidade, imagem e privacidade. Cumpre ressaltar que a análise se relaciona restritamente à fase de execução.

O princípio do contraditório permite que a execução seja impugnada e discutida, afinal o contraditório envolve o conhecimento pelas partes dos atos praticados no processo. Além disso, também implica na possibilidade de reação e de participação na construção da decisão. Contudo, como se trata de execução, o contraditório possui uma potencialidade diminuída, tendo em vista que o título executivo judicial foi formado na fase de conhecimento. Nesse sentido, Carlos Alberto Carmona expõe:

 “Confunde-se, porém, contraditório com mérito: na execução, é verdade, não se podem mais abordar as questões de mérito previamente resolvidas. Mas o contraditório vai além da mera contestação (entendida aqui como negação, pelo devedor, do direito contra ele alegado pelo credor), abrangendo, isso sim, o direito de reação, bem mais amplo, de tal sorte que apenas uma espécie de gênero reação (a saber, a contestação do direito material alegado pelo credor) estaria impedida no processo executivo (a situação aqui seria de preclusão, já que a oportunidade do devedor de apresentar sua defesa de mérito ter-se-ia esgotado com o término do processo de conhecimento). Inegável, pois, a existência de contraditório no processo executivo: uma vez que o executado obrigatoriamente deve ser informado sobre os atos processuais sob pena de caracterizar-se nulidade, abre-se aí a possibilidade de reação, e isto acontece desde o início do processo até seu término, abrangendo, sem exceção, todas as questões ligadas às condições da ação, aos pressupostos processuais e à regularidade do procedimento, matérias que, como se sabe, podem ser conhecidas de ofício pelo juiz”.

            Dessa forma, o cumprimento de sentença foi impugnado por meio de defesa típica, e a decisão resultou na redução do valor da multa cominatória para forçar o cumprimento da obrigação de fazer quanto à retirada de veiculação dos vídeos em sítios da internet. Então, o Exequente interpôs Agravo de Instrumento, o qual foi parcialmente provido para afastar a redução das astreintes e determinar sua liquidação por arbitramento.

Malzoni interpôs Recurso Especial, alegando que não houve a indicação do valor considerado em excesso na impugnação ao cumprimento de sentença, e, portanto esta não deveria ter sido conhecida. Contudo, o acórdão em questão rejeitou a tese, entendendo que não houve ofensa ao §2º do artigo 475-L do Código de Processo Civil, in verbis:

“Quando o executado alegar que o exequente, em excesso de execução, pleiteia quantia superior à resultante da sentença, cumprir-lhe-á declarar de imediato o valor que entende correto, sob pena de rejeição liminar dessa impugnação”.

O entendimento da decisão demonstra que a impugnação ao cumprimento de sentença não se restringiu à arguição de excesso de execução, visto que apresentou outras teses defensivas, como a inexigibilidade do título e a nulidade da execução. Assim, a falta de indicação do valor considerado devido pelo Executado não impediria a apreciação do mérito de sua defesa, sendo cabível ao magistrado o arbitramento do valor das astreintes, de ofício ou a pedido das partes, quando a quantia se tornar excessiva para impor o cumprimento da obrigação.

Há de se mencionar que a obrigação prevista no título judicial executado possui certeza e exigibilidade, não sendo possível a discussão da possibilidade da fixação das astreintes pelo Superior Tribunal de Justiça, pois demandaria o reexame do conjunto fático-probatório, procedimento inviável nesta via especial. A certeza e a exigibilidade da obrigação materializada no título remetem ao princípio nulla executio sine título,visto que se exige para o início da execução a existência de título executivo previsto na lei. Cândido Rangel Dinamarco ensina:

“A exigência de título executivo, sem o qual não se admite a execução, é consequência do reconhecimento de que a esfera jurídica do indivíduo não deve ser invadida, senão quando existir uma situação de tão elevado grau de probabilidade de existência de um preceito jurídico material descumprido, ou de tamanha preponderância de outro interesse sobre o seu, que o risco de um sacrifício injusto seja, para a sociedade, largamente compensado pelos benefícios trazidos na maioria dos casos.”

O que se discute no Recurso Especial é a fixação do valor das astreintes, assim como sua forma de execução. O acórdão em tela entende ser desnecessária a liquidação de sentença, visto que carece de qualquer utilidade prática, pois fora determinado o valor da multa diária, e posteriormente reconhecido o descumprimento da obrigação de fazer. Assim entende o ministro Luis Felipe Salomão, relator do processo: “... a liquidação não apresenta ser necessária e útil para o deslinde da fase de cumprimento de sentença, pois as duas premissas necessárias à execução do julgado estão amplamente destacadas nos autos: o descumprimento da tutela inibitória e o valor da multa diária”.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Portanto, coube ao STJ fixar o valor a ser pago a título de astreintes, o acórdão entendeu ser devida a quantia de R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais) para cada exequente. O valor da multa fixado em decisões anteriores houvera se mostrado exorbitante, ferindo os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, bem como os princípios da menor onerosidade e da utilidade da execução.

Ressalta-se que pelo primado do princípio da utilidade e da menor onerosidade, seria incabível a multa diária de R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais) determinada pelo Tribunal de origem. O princípio da utilidade lembra que a execução deve ser útil ao credor, de forma que não imponha nenhuma sanção excessiva ao devedor. Deve-se indagar qual o limite que uma multa é útil ao credor, tendo em vista que o ordenamento veda o enriquecimento sem causa. O valor da multa diária extrapolaria esse limite, o princípio da utilidade não apenas prevê que não se impõe prejuízo ao devedor se o credor não receber aquilo que lhe é devido, mas também evita o sacrifício demasiado ao devedor, como preleciona Humberto Theodoro Júnior:

“Expressa-se esse princípio através da afirmação de que a execução deve ser útil ao credor, e, por isso, não se permite sua transformação em instrumento de simples castigo ou sacrifício do devedor. Em consequência, é intolerável o uso do processo executivo apenas para causar prejuízo ao devedor, sem qualquer vantagem para o credor”.

Já o princípio da menor onerosidade prevê que a execução deve compatibilizar a satisfação do credor com a integridade patrimonial do devedor. Por mais que os Executados possuam um patrimônio vultoso, a quantia da multa tornar-se-ia inconcebível, ultrapassando um valor de mais de R$ 160 milhões de reais e afetando a integridade patrimonial do executado. "Mesmo com a multa diária de R$ 250 mil poder-se-ia dizer que o valor para as partes atingiu patamares estratosféricos", afirmou o ministro Luis Felipe Salomão. O professor Cássio Scarpinella Bueno explica a necessidade do equilíbrio da execução:

“Daí a necessária observância de determinadas restrições e de determinadas garantias no plano do exercício da tutela jurisdicional executiva, por exemplo, a imposição de que os atos executivos recaiam sobre o patrimônio do devedor e não sobre sua pessoa (princípio da patrimonialidade) e, mesmo assim, observadas as restrições da expropriação patrimonial com vistas à manutenção de uma vida digna pelo executado [...] tudo com vistas a buscar o necessário e indispensável equilíbrio entre os referidos princípios, dando origem ao que a doutrina costuma referir como “execução equilibrada”, que, em foros de princípios constitucionais, tem tudo para significar o resultado concreto da aplicação do chamado “princípio da proporcionalidade”.

Cabe citar, por fim, o princípio da patrimonialidade, previsto acima na lição de Scarpinella, que determina que toda execução é real e não pessoal, ou seja, a execução não recairá sobre o corpo dos devedores, mas sobre seu patrimônio, no limite da obrigação.

            Assim, percebe-se que, ao limitar o valor da multa astreinte no importe R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais) a decisão oriunda do Recurso Especial interposto pelo empresário Renato Aufiero Malzoni Filho observou os princípios da execução, quais sejam: contraditório, nulla executio sine titulo, razoabilidade e proporcionalidade, utilidade, menor onerosidade e patrimonialidade.

 

Bibliografia

THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil, vol II. 49ª ed., Forense Editora, Rio de Janeiro: 2014.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Execução civil, 6ª ed., Malheiros, São Paulo: 1998.

BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil, vol 3, 7ª. ed., Saraiva, São Paulo: 2014.

CARMONA, Carlos Alberto, Em torno do processo de execução, in Processo civil – evolução 20 anos de vigência, coord. José Rogério Cruz e Tucci, Saraiva, São Paulo: 1995.

CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil, vol 2. 18ª ed., Atlas, São Paulo: 2010.

Sobre a autora
Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos