Dreito do nascituro e do embrião no Direito Brasileiro

02/05/2016 às 17:25
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Análise do direito do nascituro e do embrião, tendo como objeto de análise o Código Civil de 2002, bem como referências bibliográficas.

Conceitos: nascituro, embrião excedentário e feto

Prescreve o artigo 2º do Código Civil: "a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro".  

De acordo com o sistema adotado, tem-se o nascimento com vida como o marco inicial da personalidade. Todavia, respeitam-se os direitos do nascituro, desde a concepção, pois desde esse momento já começa a formação deste novo ser.  

Dessa forma, é de extrema importância estabelecer as garantias do nascituro e proteger sua personalidade, ainda mais que devido aos avanços tecnológicos, e da genética, é fundamental proteger a figura do embrião. 

De acordo com o Código Civil de 2002, ocorre o nascimento quando a criança é separada do ventre materno, não importando tenha o parto sido natural, feito com o auxílio de recursos obstétricos ou mediante intervenção cirúrgica. O essencial é que se desfaça a unidade biológica, de forma a constituírem mãe e filho dois corpos, com vida orgânica própria. Todavia, para dizer que nasceu com vida, é necessário que haja respirado, ainda que tenha perecido em seguida. 

O nascituro 

O conceito de nascituro, consiste no momento em que ocorreu a fertilização entre um espermatozoide com o óvulo. Vale ressaltar que neste momento, ainda não cabe a afirmação que o nascituro possui personalidade jurídica, como previsto no item acima. Dessa forma, cabe a afirmação a inspiração do Código Civil Brasileiro na Teoria Natalista, a qual garante, em regra seus direitos, no momento de seu nascimento, 

Entretanto, vale ressaltar que, o nascituro pode ser considerado como um "sujeito de direito", tanto que este é protegido pelo Código Penal, em seus artigos 124 e 127, os quais tratam da matéria referente ao crime de aborto. Este é um exemplo clássico, que comprova seus direitos, uma vez que é ilegal a prática do aborto, exceto as causas excludentes, também previstas neste diploma legal, as quais não serão temas deste trabalho acadêmico. 

O embrião

É o conceito de quando se está em sua fase de diferenciação orgânica, da segunda à sétima semana depois da fecundação, etapa conhecida como período embrionário. Origina-se do embrioblasto, estrutura multicelular que, em conjunto com o e a blastocele, constitui o blastocisto recém-implantado no endométrio. 

É o produto das primeiras modificações do óvulo fecundado, que vai dar origem a um novo indivíduo adulto. O período embrionário termina na 8ª semana depois da fecundação, quando o concepto passa a ser denominado de feto. 

Entretanto, este determinado conceito não pode ser aplicado como regra geral, uma vez que existe a possibilidade deste não ser implantado na forma assistida, mas sim na forma fecundada, nos casos de fertilização in vitro. . 

Conforme, Cristiano Chaves de Faria e Nelson Rosenvald, os embriões laboratoriais (embriões in vitro) são aqueles remanescentes de fertilização na proveta (embriões excedentários) ou que foram preparados para serem implantados em uma mulher, mas ainda não o foram (embriões pré-implantatórios). 

Partindo dessa técnica, foi descoberta a possibilidade de utilizar os embriões excedentários para tratamentos medicinais, como por exemplo os casos de céluca tronco, visto que a partir da fecundação de somente um embrião, estes outros, em tese, perderiam sua utilidade.  Todavia, vale ressaltar que estes embriões, os quais não foram fecundados, não podem ser considerados como nascituro, dessa forma não possuindo os mesmos direitos. 

Porém, os embriões produzidos in vitro não utilizados para a implantação no útero da mulher podem, de acordo com a Resolução nº 1.358/92 do Conselho Federal de Medicina, ser doados para outro casal com problemas de fertilização, ser congelados, ou usados para terapia genética. 

O feto 

O feto representa a fase do desenvolvimento intrauterino que segue à fase embrionária até o nascimento, e que acontece após o segundo ou terceiro mês de fecundação. Seus órgãos já são formados, e apresenta características distintas da espécie humana. A transição entre o estágio embrionário e o estágio fetal opera-se em torno da oitava semana após a fecundação, ou da sétima após a implantação. Todavia, vale ressaltar  que tais definições não são completamente fechadas, sendo, inclusive, muitas vezes confundidas no meio jurídico, o que leva a interpretações diversas, mas é a partir destes termos que se pode compreender as teorias desenvolvidas acerca do início da personalidade consequentemente, de proteção jurídica.

TEORIA SOBRE O INÍCIO DA PERSONALIDADE E A PROTEÇÃO DO NASCITURO 

Durante muitos anos a personalidade, direito de todos, era atributo daqueles que possuíam bens, eram livres e cidadãos, e assim foi na Grécia e na Roma antigas, “fato marcante que evidencia a ausência de personalidade daquele que não possuía liberdade eram os escravos que, apesar de serem considerados seres humanos, eram tidos como objeto de propriedade, podendo ser libertados, negociados ou até mortos”.

Existem diversas teorias que tentam explicar o início da vida ou da personalidade humana, tendo em vista que tal fato muito pode influenciar para outras questões como, por exemplo, a permissão ou não para se abortar.

Outras questões oriundas da definição do início da personalidade dizem respeito, por exemplo, ao momento exato em que o direito deve atuar para proteger direitos dos que ainda nem nasceram.

Quanto ao direito de personalidade, existem três teorias principais, quais sejam a teoria concepcionista, a teoria natalista e a teoria condicional, como se verá abaixo, além destas, algumas ciências se encarregaram de relatar suas opiniões acerca do início da vida, sendo que algumas foram trazidas pelo presente trabalho.

Teoria Concepcionista 

A teoria concepcionista acredita que o início da vida humana ocorre no momento da fertilização do ovócito pelo espermatozoide, ou seja, desde a concepção (NEVES, 2012, p. 34).

Segundo José Sebastião de Queiroz Oliveira, “esta doutrina é enfática em afirmar que a personalidade do homem começa a partir da concepção, porque, desde tal momento, o nascituro é considerado pessoa”.

Com tal teoria se explica o fato de os nascituros poderem receber alimentos, herdar, ser parte em ações judiciais, entre outros e possam ter seus direitos resguardados, mesmo antes de nascerem.

Ressalte-se que no Brasil não são aceitas questões que possibilitem indenizações pelo fato do indivíduo ter nascido, conforme foi aceito em alguns países da Europa e Estados Unidos, tendo em vista que o nascimento, ou melhor, a vida e o direito de se viver é irrenunciável.

Por certo que os nascituros devem ser protegidos, entretanto, como comentado no capítulo anterior, há uma diferença muito grande, a qual não pode ser confundida entre nascituro e embrião, posto que nem sempre este último está implantado no ventre maternos, tendo em vista as possibilidades de reprodução assistida e assim, não receberá proteção do direito como se fosse um nascituro, posto que não o é.

Embriões oriundos de reprodução assistida, ainda não implantados no útero materno, devem receber proteção contra manipulações arbitrárias, entretanto, deve-se sempre lembrar que estes são material humano e não possuem expectativas de nascerem, pelo menos enquanto estiverem congelados em nitrogênio líquido nas clínicas de fertilização.

Quanto ao nascituro, este foi fecundado, seja dentro ou fora do corpo da mulher, e está se desenvolvendo, devendo ter seus direitos básicos, como o de nascer com vida, respeitados.

Teoria Natalista 

Segundo Neves (2012, p. 27), “para os adeptos dessa teoria, a personalidade civil começa do nascimento com vida, e isso porque só a pessoa pode ter personalidade, e o produto da concepção não é a pessoa, é apenas uma parte do corpo da mulher”.

Assim, aquele que nasce, se separa do corpo da mãe e passa a respirar sozinho, adquire personalidade e, portanto, direitos na esfera civil.

Nas palavras de José Sebastião de Queiroz Oliveira:

“É importante que se tenha em mente a noção clara de personalidade civil e o momento e seu começo, pois é a partir de sua obtenção que a pessoa adquire direitos e contrai obrigações. Os direitos do nascituro são tutelados pela lei civil, que os põe a salvo desde a concepção, e também pela lei penal, tendo em vista a punição do aborto, do infanticídio durante o parto, da periclitação da vida e da saúde, entre outros.”

Adotada pela maioria de nossos doutrinadores e aparentemente agasalhada pelo artigo 2º do Código Civil, estabelece que a personalidade civil do homem começa com o seu nascimento com vida. Segundo esta doutrina, o nascituro não é considerado pessoa e somente tem expectativa de direito, desde a sua concepção, para aquilo que lhe é juridicamente proveitoso. O nascituro não tem personalidade jurídica e também lhe falta capacidade de direito, porque a lei apenas protegerá os direitos que possivelmente ele terá, em caso de nascer com vida, os quais são enumerados taxativamente no ordenamento jurídico (posse, direito à herança, direito à adoção, direito à curatela).

Para esta teoria, o nascituro ainda não é pessoa, e não possui personalidade jurídica, mas expectativa de direito, se não nascer com vida, as relações jurídicas que o envolvem não se concretizam, como se o feto nunca tivesse sido concebido, é desconhecido dessa teoria também o fato de o feto possuir funções como ondas cerebrais ou batimentos cardíacos (NEVES, 2012, p. 29).

Os adeptos desta teoria, entretanto, não explicam o motivo pelo qual o Código Civil protege os direitos do nascituro.

Para que haja o nascimento com vida, certamente é necessário que tenha ocorrido a concepção e todo um desenvolvimento antes.

Se o nascimento com vida é requisito essencial para a aquisição de personalidade jurídica, bem como ser portador de direitos e deveres na vida civil, o simples fato de se “poder nascer” por certo deve ser protegido tendo em vista que cabe ao direito atuar de forma preventiva e caso esta falhe, repressiva.

O ente estatal tem o dever de zelar pela boa manutenção da vida ou da expectativa desta dentro de seu território, sob pena de se perderem os fundamentos e objetivos de ser de um Estado civilizado e democrático.

Teoria condicional 

De acordo com Neves (2012, p. 35), “o nascimento com vida é uma condição suspensiva, contudo, alguns direitos já estão assegurados desde a concepção, como por exemplo, o direito de nascer”.

Para Claudia Regina Magalhães Loureiro, no que diz respeito à referida teoria, a personalidade se inicia com a concepção desde que se nasça com vida, entretanto, coloca em cheque o fato de os direitos de personalidade serem irrenunciáveis, absolutos, independentemente do nascimento com vida.

Assim, ocorrendo o nascimento sem vida, todos os direitos adquiridos são tidos como nunca existentes.

Seria impossível, por exemplo, requerer uma indenização tendo em vista danos causados ao feto, como já tem ocorrido no país.

Início da vida para algumas correntes 

Tendo em vista que ainda não se pacificou o momento exato em que a vida se inicia, existem diversas correntes, e o direito protege aqueles seres humanos que estão se desenvolvendo no útero materno, posto que possivelmente nasçam com vida.

Como visto no capítulo anterior, aqueles que ainda não foram implantados no útero possuem apenas proteção quanto a manipulações arbitrárias de seu patrimônio genético, mas não expectativas de personalidade ou direitos iguais aos nascidos ou em vias de o nascer.

Teoria Ecológica 

Para a visão ecológica, a possibilidade de sobreviver fora do útero é o que caracterizaria uma vida, independente daquela que lhe deu sustentação quando se desenvolvia.

Para Adriana Caldas R. F. D. Maluf, bebês prematuros só sobrevivem se já tiverem pulmões desenvolvidos, o que acontece entre a 20ª e a 24ª semana de gestação.

Assim sendo, se existe a possibilidade de sobrevivência alheio ao corpo da mulher, para esta corrente, há vida.

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Teoria Neurológica 

Tal teoria traz como marco para o início da vida, mas não da personalidade jurídica o mesmo fator utilizado atualmente para o fim da vida, qual seja as ondas cerebrais.

Nos dizeres de Maluf, se a vida termina quando cessam as ondas cerebrais, se inicia quando por óbvio, tais ondas se iniciam, entretanto, tais ondas podem se iniciar entre a 8ª e a 20ª semana de gestação, pois tal fato ainda não está pacificado.

Esta teoria, embora oriunda de pensamento lógico, não é a regra, tendo em vista que no Brasil, após a fecundação no útero, ou da implantação de embriões no ventre materno, a sua retirada ou mesmo a tentativa são punidas pela lei Penal.

Da implantação do embrião no útero materno até o surgimento das ondas cerebrais, se esta teoria fosse aceita, o aborto seria permitido durante os primeiros meses de gestação, assim como venda ou doação de fetos para pesquisas científicas, o que significaria um retrocesso legislativo e ético.

Cristianismo 

Para a Igreja Católica e as demais igrejas cristãs, e para a corrente denominada genética, a vida se inicia na fecundação, momento onde o óvulo e o espermatozoide se fundem dando origem a um novo ser com carga genética única.

A maioria das doutrinas religiosas acredita que a partir da fecundação, seja esta no útero ou fora dele, já existe vida e como tal deve ser respeitada.

Resumidamente, as doutrinas cristãs adotam a teoria da concepção, pois acreditam que a vida deve protegida desde a concepção, ou seja, desde que o espermatozoide fecunda o óvulo, reconhecendo o nascituro como sujeito de direitos, assim, considerando as células em desenvolvimento com status de pessoa, tal teoria é a adotada pelo direito positivo brasileiro, na segunda parte do artigo 2º do Código Civil, sendo que, o nascimento com vida é fator preponderante para se adquirir personalidade.

Os cristãos de forma geral condenam o aborto em qualquer fase da gestação, entretanto, em casos de risco de vida da mulher e estupro, tendo em vista a permissão legislativa do artigo 128 do Código Penal, é aceitável entre os seguidores.

Teoria Metabólica 

Nas palavras de Maluf, para a teoria metabólica afirma-se que:

“(...) a discussão sobre o começo da vida é irrelevante, uma vez que não existe um momento único no qual a vida tem início. Para essa corrente, espermatozoides e óvulos são tão vivos quanto qualquer pessoa. Além disso o desenvolvimento de uma criança é um processo contínuo e não deve necessariamente obedecer a um marco inaugural.”

Deste modo, a vida estaria em cada célula do corpo humano, bem como em toda a sua formação e composição.

Logo, discute-se, se tal teoria for aceita como verdadeira, qualquer tipo de experimento com material humano será proibido por violar a vida.

Outras teorias 

Correntes como a embriológica acreditam que a vida se inicia na 3ª semana de gestação uma vez que é a partir desse período que o ser gerado pela fecundação não mais poderá se dividir dando origem a outros seres, “isso porque até 12 dias após a fecundação o embrião ainda é capaz de se dividir e dar origem a duas ou mais pessoas”.

Ainda são muitas as dúvidas, e a medicina tem apontado para o fato de que existindo funções vitais no nascituro, há vida, e deve ser preservada, assim, para Neves (2012, p. 72), “os direitos de personalidade independem da existência ou não de personalidade jurídica. São eles direitos da pessoa, e não direitos inerentes à personalidade jurídica”.

Conforme José Sebastião de Queiroz Oliveira:

“Independentemente da teoria adotada, é consenso entre os doutrinadores de que o nascituro é um ser vivo e que tem direitos desde a sua concepção, seja na forma de expectativa tutelável, pela teoria natalista, seja na forma suspensiva, pela teoria da personalidade condicionada, ou seja, na forma plena, pela teoria verdadeiramente concepcionista.”

Assim, mesmo antes da personalidade jurídica, advinda com o nascimento com vida, o ser merece respeito e ter seus direitos básicos, dentre eles a proteção da vida resguardados.

REPRODUÇÃO ASSISTIDA E SEUS PRINCIPAIS ASPECTOS

Reprodução assistida é o método pelo qual o casal recebe orientação para programar a maneira de suas relações, com o objetivo de facilitar o encontro do espermatozoide com o óvulo, mesmo que esse encontro seja feito através de relação sexual.

A assistência à reprodução pode ser apenas por aconselhamentos e acompanhamento da vida sexual do casal a fim de aumentar as chances de fertilização, ou pode ser feita pelo uso de técnicas médico-científicas. Essa segunda hipótese gera consequências que interessam ao ordenamento jurídico.

Devido a diversos problemas, muitos casais não conseguem ser pais ou mesmo os casais homoafetivos que não conseguem conceber um filho e por isso buscam auxílio da reprodução assistida. E as técnicas médicas passaram a ser cada vez mais usadas, por isso criaram-se diversos questionamentos jurídicos sobre as consequências da formação de uma vida humana em um laboratório.

Então, em 2005, surgiu a regulamentação do uso de embriões oriundos da fertilização “in vitro” com a promulgação da Lei da Biossegurança (Lei n. 11.105/2005), porém ainda há necessidade de criação de leis específicas .

No novo Código Civil foram inseridos apenas três dispositivos no artigo 1.597, que tratam da presunção de filhos concebidos na constância do casamento. Assim, além dos incisos I e II, que cuidam das presunções ordinárias de concepção, dispõe esse artigo que se presumem concebidos na constância do casamento os filhos: III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido; IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga; V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido. 

Esses dispositivos, cuidam dos filhos nascidos do que se convencionou denominar fertilização ou reprodução assistida. Através deles, existe a possibilidade de nascimento de filho após a morte de um dos genitores, através de fecundação artificial e embriões excedentários. 

Princípio da liberdade de planejamento familiar

Primeiramente, nas palavras de Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Junior:

“O casal pode decidir livremente sobre o planejamento familiar. Deve para tal decisão obedecer aos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável. Inexistindo tais pressupostos na decisão do casal (que é livre), como encarar a questão? Poderia o Estado, sem que houvesse paternidade responsável, ingerir-se no planejamento familiar? Inegável que a expressão 'paternidade responsável' é  ampla, mas, em casos-limites, não se poderia falar em ingerência do Estado?.”

No Brasil, a questão do controle de natalidade é bastante delicada e gera discussões diversas. Portanto, o planejamento familiar além de viabilizar a escolha das formas de reprodução que o casal queira, também deve englobar ações preventivas e educativas.

Jussara Meirelles conclui que “artificializado ou não, é de se recordar que o desejo de gerar um filho e a consequente busca aos recursos da reprodução assistida estão contidos no princípio constitucional referente ao planejamento familiar (art. 226, §7°)”.

Através do entendimento acima exposto, vislumbra-se que a reprodução assistida é método facilitador para o cumprimento de um importante princípio constitucional que é o do planejamento familiar. Porém, no Brasil esse tipo de tratamento ainda é muito custoso e se torna de difícil acesso às famílias que não sejam avantajadas economicamente, e a liberdade efetiva do planejamento familiar somente se dará quando o acesso aos novos métodos e técnicas for garantido a todos que necessitem e desejem. 

Inseminação Artificial (In Vivo)

Este método é considerado o mais simples de fecundação, e pode ser subdividido em dois tipos: a inseminação homóloga, quando o sêmen ou óvulo, ou ambos do casal são utilizados na reprodução; e inseminação heteróloga, quando há participação de um terceiro através do banco de sêmen em uma clínica.

Silvio Rodrigues as distingue da seguinte maneira: 

“(...) homóloga é a inseminação promovida com material genético (sêmen e óvulo) dos próprios cônjuges e heteróloga é a fecundação realizada com material genético de pelo menos um terceiro, aproveitando ou não os gametas (sêmen ou óvulos) de um ou de outro cônjuge.”  

A Inseminação Artificial (In Vitro) é o método pelo qual os gametas são fecundados no laboratório e formam embriões, que posteriormente são transferidos para o útero da mulher.

Transferência de Gametas para as Trompas. (GIFT)

É uma técnica considerada mais humanizada por não produzir embriões excedentes, pois apenas selecionam-se os gametas que são transferidos imediatamente para as trompas da mulher e fecundação ocorre naturalmente dentro do útero. Mas para isso, a mulher tem que ter ao menos uma trompa saudável.

Nelson da Cruz Santos explica o método da seguinte forma: “durante o GIFT, os espermatozoides e oócitos são aproximados e transferidos para a tuba. Assim, o processo de fertilização poderá ocorrer naturalmente à luz desse órgão.”

Transferência de Zigoto para as Trompas (ZIFT)

Na técnica de transferência de zigoto para as trompas, a célula fusionada deve possuir dois núcleos. Posteriormente, o pré-embrião ou zigoto é transferido para a trompa da mulher.  Por este método, ocorre a fecundação “in vitro” e posteriormente o zigoto é transferido para a trompa, tendendo a percorrer o caminho até o útero, encontrando um ambiente propício para sua implantação e para transformar-se em um feto. 

Fertilização Assistida “In Vitro

A técnica surgiu com objetivo de ajudar casais com dificuldade de reprodução. Tendo sua primeira incidência ocorrida em 1978, na Inglaterra, a pequena Louise Brown ficou conhecida como o “bebê de proveta”.

Essa técnica pode ser indicada para mulheres com problemas nas trompas, anovulação crônica, endometriose ou com ovários policísticos e consiste em retirar um ou vários óvulos de uma mulher, cuja produção geralmente é provocada por estimulo hormonal, e colocando-os em um meio nutritivo. A fertilização do óvulo pelo espermatozoide ocorre em laboratório com a posterior transferência dos embriões. 

Porém, atualmente existem muitas controvérsias em relação a esse método, pois muitos embriões produzidos não são implantados no útero e muitas vezes são “descartados”.

O que fazer com os embriões excedentários não utilizados? O presente estudo passa a tentar dirimir este conflito.

EMBRIÕES EXCEDENTÁRIOS – ALTERNATIVAS PARA A UTILIZAÇÃO

Surgem questões a respeito de embriões que se encontram fora do útero, em vida extrauterina - os chamados embriões excedentários ou extranumerários, tendo em vista que existe a possibilidade de produção de embriões de forma excessiva. 

Doação 

A Resolução n. 1957/10 do Conselho Federal de Medicina, na Seção IV disciplina a questão da doação de gametas ou embriões. Dessa forma, estabelece que a gratuidade da doação de gametas ou embriões, que nunca terá caráter lucrativo ou comercial. 

É estabelecido também que o anonimato dos doadores, que não devem conhecer a identidade dos receptores e vice-versa. 

Impõe-se também que as clinicas, centros ou serviços que empregam a doação devem manter, de forma permanente, um registro de dados clínicos de caráter geral, características fenotípicas e uma amostra de material celular dos doadores. 

Pesquisa

O Decreto n. 5991/05 que regulamenta dispositivos da Lei de Biossegurança e estabelece em seu artigo 63, “é permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionarias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições: I - sejam embriões inviáveis; II - sejam embriões congelados disponíveis”.

Ressalta -se que o decreto supracitado veda a comercialização do material biológico, e sua pratica implica crime. 

Descarte

O descarte é uma questão muito delicada, tratada de diversas formas em diferentes países. No Reino Unido, recomenda-se dez anos de crioconservação. Na França, esse prazo é de cinco anos. Na Espanha adota-se o mesmo prazo da França, e ainda é previsto em seu teor, quando excedido esse prazo, obrigação de sua destruição. 

Enquanto no Brasil, a Lei de Biossegurança, no artigo 5º, estabelece o prazo de três anos para congelamento e proíbe no artigo 6º, a destruição ou descarte. 

TUTELA JURÍDICA PRESTADA AO EMBRIÃO, AO NASCITURO E AO EMBRIÃO EXCEDENTÁRIO  

A ADI 3510/600, proposta pelo Procurador-Geral da República, Carlos Fonteles junto ao STF, discutiu-se a inconstitucionalidade do artigo 5º e parágrafos da Lei de Biossegurança (11.105/2005) que prevê a utilização de células-tronco embrionárias originárias de embriões excedentes das técnicas de reprodução assistida, que, havendo consenso dos genitores, servirão de base para tratamento de moléstias graves e recuperação de tecidos danificados. 

Discutia-se que os referidos dispositivos da Lei 11.105/2005, afrontariam os preceitos constitucionais do direito à vida e da dignidade humana, pois o embrião seria uma vida e, consequentemente, desfrutaria da proteção constitucional. 

A Suprema Corte julgou, após longas discussões, pela constitucionalidade da referida lei.

Da Tutela Jurídica Prestada ao Embrião e ao Nascituro  

O primeiro ponto a ser ponderado, conforme já esclarecido, é o momento que se dá o início da vida humana. O Código Civil de 2002, reproduzindo normas do Código de 1916, assim dispôs:

"Art. 1º. Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil.

Art. 2º. A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.”

Deste modo, o Código Civil demonstra que “toda pessoa é capaz de direitos e deveres”, sendo pessoa aquele que nasce com vida, assegurando, todavia o direito do nascituro, que para muitos civilistas é aquele que tem o nascimento como fato certo e deve estar em desenvolvimento no útero da mãe, como já demonstrado.  

Como consequência das premissas expostas, conclui-se que um embrião congelado, fora do corpo humano não é pessoa, haja vista não ter nascido; e não é tampouco nascituro, em razão de não ter sido transferido para o útero materno.  

Segundo o doutrinador Oscar Vilhena Vieira:  

“Vale lembrar que aqui não se fala de embriões com expectativa de vida, mas de embriões inviáveis que serão descartados pelas clínicas de fertilização, nem tão pouco, que embriões não devam ser protegidos pelo Estado, o que se defende é que esta proteção não deve ser a mesma dada ao ser humano.”  

Vários doutrinadores ainda discutem sobre a potencialidade deste embrião congelado gerar uma vida, mesmo que não comparado a uma pessoa. Assim, estes defendem um tratamento/proteção diferenciado aos embriões, evitando a sua “coisificação”, como por exemplo, a proibição da produção de embriões exclusivamente para pesquisa. Estes acreditam que devem ser utilizados para retirada das células-tronco apenas aqueles oriundos do processo de reprodução in vitro, e que por algum fator, alheio à pesquisa, tornaram-se inviáveis à reprodução.  Nesse sentido, dispõe Maria Helena Diniz:

“Consequentemente, não se poderia permitir qualquer procedimento dirigido à seleção da raça ou à escolha ou mudança de sexo ou de caracteres somáticos (Código de Ética Médica, arts. 15, §2º, III, e 99; Resolução CFM n. 2.013/2013, Seção I, n. 4) e muito menos à criação de seres humanos geneticamente modificados (Código de Ética Médica, art. 15, §2º, I) ou idênticos, por meio de partenogênese, clonação (Lei n. 11.105/2005, art. 6º, IV) ou fissão gemelar. Proibida está a transferência ao útero de embrião geneticamente manipulado, salvo se a manipulação se deu para implementação de uma terapia destinada a solucionar, corrigir ou diminuir os efeitos de uma enfermidade congênita ou hereditária, como, por exemplo, a distrofia muscular de Duchenne ou a hemofilia, que só é sofrida por pessoa do sexo masculino. Nem se poderia admitir, ante o art. 1º, III, da Constituição Federal, o uso “terapêutico” de células embrionárias humanas a partir da destruição de embriões, reduzindo-os ao status de coisa, como pretende o art. 5º da Lei n. 11. 105/2005. Só se pode aceitar a terapia celular por autotransplante em células-tronco adultas para tratamento do próprio paciente ou por transplante de células-tronco do cordão umbilical no tratamento de doença degenerativa, sem destruir embriões humanos.”

Entendeu o Supremo Tribunal Federal que o art. 5º da Lei  11.105/2005 é constitucional, pois além de não estar em conflito com nenhum dispositivo da Magna Carta, traz muitos benefícios à sociedade, uma vez que contribui para a evolução da ciência, da medicina e é a esperança de milhões de brasileiros que sofrem de diversas síndromes ou doenças degenerativas.

No que tange ao nascituro, independentemente de se reconhecer sua personalidade jurídica, o fato é que é preciso resguardar direitos desde o surgimento da vida intrauterina, protegendo assim, o direito à vida do indivíduo.  

Em que pese existir controvérsias acerca do tema, o fato é que, atualmente, dispõe o Código Civil, em seu art. 2º, que: “a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro". Apesar de não considerar o nascituro como detentor de personalidade jurídica, remete à lei a salvaguarda de seus direitos desde a concepção, seja de maneira plena, como entende a Teoria Concepcionista, sob a forma de condição suspensiva, como defende a Teoria da Personalidade Condicional, ou, mediante uma expectativa de direito, segundo a Teoria Natalista.

Ademais são diversas as previsões legais acerca do nascituro. O Código Civil faz menção em seu artigo 1.621, juntamente com o artigo 2º do Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), a possibilidade de se adotar um nascituro.  Assim, uma vez feita a adoção, é preciso sempre garantir um desenvolvimento gestacional sadio, assegurado pela concessão de alimentos até o nascimento com vida.  

Os artigos 7º e 8º, do ECA estabelecem a obrigação do Estado de garantir o desenvolvimento digno e sadio do nascituro e, sua genitora possui o direito de realizar pré e perinatal de forma gratuita.

Muitos outros direitos ao nascituro são previstos em nosso ordenamento jurídico, como por exemplo, a capacidade de receber doações, bem beneficiado por legado e herança, possibilidade de nomeação de curador para proteção de seus direitos, etc.  

Conclui-se então, se que diferentemente do embrião, o nascituro possui proteção jurídica, uma vez que o nosso ordenamento jurídico proíbe de forma expressa qualquer ato atentatório à vida do nascituro, criminalizando o aborto, independente do estágio gestacional em que se encontre, resguardando sua integridade física e moral, conforme prevê os artigos 124 e seguintes do Código Penal.  

Da Tutela Jurídica Prestada ao Embrião Excedentário  

O emprego das técnicas de reprodução humana assistida exerce grande influência no direito à vida do embrião, pois possibilita a produção de embriões em quantidade excessiva que, quando não utilizados, permanecem crioconservados. 

Em praticamente todos os processos de fertilização in vitro existem embriões que não são inseminados e estes embriões excedentários ficam em estado de criogenia em alguma clínica médica por tempo indeterminado. Somado a isso, temos a pequena probabilidade de que um embrião congelado possa se fixar no útero e se desenvolva de forma sadia.  

Conforme Maria Auxiliadora Minahim, todavia, “assustam (...) a frieza e o descompromisso de certas intervenções médicas, as fazendas de embriões, as ‘adoções’ de embriões excedentários e o destino dos que não conseguiram um útero disponível e são descartados.” 

Discute-se, deste modo, se deve se permitir a utilização das células-tronco destes embriões para fins de experimentação científica, tema que o presente trabalho tentou abordar. O principal argumento contrário à utilização de células-tronco funda-se no pressuposto de que a vida teria início na fecundação e, assim, a destruição desses embriões, mesmo que para a realização de pesquisas e para o tratamento de outras pessoas, representaria uma violação da vida. Em contrapartida, muitos autores analisam que este embrião in vitro, inclusive, não é nem pessoa nem nascituro. Partem do argumento que nunca o direito brasileiro (antes do advento da nova Lei de Biossegurança) sequer havia previsto a possibilidade de um embrião, antes da gravidez, restar ex utero, e que não seria compatível comparar esse embrião à um sujeito merecedor da dignidade humana (não havendo pessoa, não há dignidade humana). 

Não obstante, a ADI 3510/600 foi julgada improcedente pelo Supremo Tribunal Federal, o que possibilita o uso de embriões excedentários em pesquisas com célula-tronco.

Ora, não seria melhor que esses embriões excedentários fossem utilizados em pesquisas? Diante da atual circunstância, onde existem embriões congelados sem destinação alguma, seria preferível, inclusive do ponto de vista ético, que fossem realizadas pesquisas ao invés de serem descartados pura e simplesmente. Com esse procedimento, estaríamos dando uma destinação mais nobre a esses embriões do que se os mesmos fossem descartados.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando todos os aspectos abordados no presente trabalho, concluímos que é preciso resguardar os direitos desde o surgimento da vida intrauterina, protegendo assim, o direito à vida do indivíduo. 

Nesse sentido, a teoria da concepção preceitua que o início da vida ocorre no momento da fertilização do óvulo, nascendo assim, a personalidade do indivíduo, ou seja, na sua concepção. Diferentemente do embrião, o nascituro possui proteção jurídica, sendo que o nosso ordenamento veda expressamente qualquer ato contra à vida do nascituro, prevendo como crime o aborto, independente da fase da gravidez, protegendo assim, a integridade física e moral, nos termos dos artigos 124 e seguintes do Código Penal.

Porém, é irrelevante considerarmos qual teoria será adotada, quando conceituamos que o nascituro é um ser vivo e que tem direitos desde a sua concepção, seja na forma de expectativa tutelável, pela teoria natalista, seja na forma suspensiva, pela teoria da personalidade condicionada, ou seja, na forma plena, pela teoria verdadeiramente concepcionista.

Vale ressaltar que o embrião não deve ser confundido com o feto. O conceito de embrião não pode ser entendido como regra geral, em decorrência da possibilidade deste não ser implantado na forma assistida, mas sim na forma fecundada, nos casos de fertilização in vitro. Para isso, em 2005, surgiu a regulamentação do uso de embriões oriundos da fertilização “in vitro” com a promulgação da Lei da Biossegurança (Lei n. 11.105/2005), porém resta ainda pendente uma necessidade para a criação de leis específicas sobre o tema.

Os embriões quais não foram fecundados na fertilização in vitro, não podem ser considerados como nascituros, dessa forma não possuindo os mesmos direitos. A Resolução n. 1957/10 do Conselho Federal de Medicina, na Seção IV disciplinou a questão sobre a doação de gametas ou embriões prevendo a gratuidade da doação de gametas ou embriões, sem caráter lucrativo ou comercial. Já o Decreto n. 5991/05 que regulamenta dispositivos da Lei de Biossegurança permite, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento para fins de pesquisa e terapia, desde que sejam atendidas as condições da referida lei. Além disso, a Lei de Biossegurança, estabelece o prazo de três anos para congelamento e proíbe, a destruição ou descarte. 

O atual cenário brasileiro, encontramos embriões congelados sem destinação alguma, que poderiam ser utilizados para realização de pesquisas ao invés de serem descartados. 

De acordo com o nosso atual Código Civil “toda pessoa é capaz de direitos e deveres”. Nesse sentido, deverá ser assegurado desde o momento de seu nascimento com vida, todos os direitos do nascituro, como sua capacidade de receber doações, ser beneficiado por legado e herança, possibilidade de nomeação de curador para proteção de seus direitos, entre outros.

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